Terça-feira, 26 de fevereiro de 2013 - 05h15
É certo que nem todo juiz se atreveu a ler o Fausto. É mais certo que contemos nos dedos aqueles que já leram. Mas, é certo que todos – descontadas as exceções (que só confirmam a regra) – sonham com dinheiro, poder e status. Agora, pensando bem, será que o juiz realmente lia o Fausto ou o livro estava postado ali na mesa central apenas para exibir aos advogados que entravam na sala de audiências? O fato é que o livro estava à vista, bem estampado e o juiz seguia seu trabalho monótono – não seria mais monótono apenas porque sentia a vida pulsar quando decretava a sorte dos infelizes que procuravam o Estado para resolver suas vidas.
A vaidade lhe fora confidenciada quando ainda prestava os exames de ingresso na tarefa de julgar. Ainda mero concorrente de outros talvez mais brilhantes, as pessoas simples e os mesários nas salas de provas já chamavam a todos os presentes de Doutor. A confiança excessiva aos poucos lhe deu ares de arrogância que qualquer mortal sabia esconder uma profunda insegurança. Como tinha medo do poder que lhe confiaram, agia e reagia com a soberba. Quando virou Excelência – considerando-se este um título muito superior ao de Doutor – a consideração depreciativa dirigida aos demais, incluindo os antigos colegas da advocacia, aprofundou-se. No fundo, a desconsideração apenas se revelou, uma vez que sempre estivera arraigada.
Seu poder não era menor do que a vaidade. Mas, pensando melhor, não havia poder algum. Havia incapacidade de lidar com o poder. Porque, na primeira pressão de um poder de fato, fosse de algum Barão do ouro ou do olhar frio de criminoso associado e protegido de um Barão da política, o juiz logo aplicava a pena mínima e se ainda podia relaxava a prisão ou então absolvia. O verdadeiro poder, sentia o juiz, era capaz de modificar as ações. O diabo do Fausto, no entanto, estava na sua mente, estava à sua frente, dentro daquelas amaldiçoadas linhas da literatura universal.
Dinheiro era o que poderia salvar o juiz do seu insucesso, amenizando a ira de uma vaidade não correspondida, ou da inveja dos poderosos e ricos de fato. O juiz tinha sim um salário polpudo, bem melhor do que dos reles mortais. Não se sabe se comia propina ou não – há quem diga que sim, há quem diga que não. Em todo caso, foi só passar no exame final e já começara a reclamar do “pouco” que recebia. Era muito mais do que ganhava qualquer outro profissional pago pelo Estado, mas era pouco pela estufa em que se julgava estar.
Para alimentar seus dotes de superioridade, de glamour, da pompa que o cargo exige, manifestava umas ideias meio estranhas para seu tempo. Eram ideias estranhas para qualquer tempo, mas ainda mais nos tempos modernos. O juiz que ainda se passava por modernoso – quem sabe para ganhar a simpatia das estagiárias – alegava que pertencia a uma estirpe especial de gente. Alegava que em sua audiência, a parte ou o réu deveriam estar muito bem trajados.
Numa dessas sessões de tortura para os mais pobres e indefesos, o juiz suspendeu a audiência porque o sujeito estava ali de chinelo de dedos. Era um cortador de cana, desempregado há dois ou três meses, mas a lição pedagógica do direito, como alardeava o juiz da força, não pouparia ninguém. “A lei universal e objetiva deve atingir a todos”, disse a plenos pulmões. O juiz deveria dizer que a lei alcança a todos, mas na hora trocou por atingir, pois assim julgava reunir maior poder de intimidação.
O pobre homem, boia-fria, maltrapilho, faminto, é claro que caiu fulminado. O lavrador sentia como se o Diabo do Fausto o atingisse, mesmo não fazendo a menor ideia do que tratasse aquele livro (ou qualquer outro livro). Afinal, o trabalhador era analfabeto, geralmente era enganado pelos empregadores e pelos gatos, na contratação e no pagamento dos direitos devidos.
Mas, o soberbo juiz, ao contrário, caia bem no estilo em que a vida imita a ficção. Como um tipo de psicografia, nas sentenças sempre assinava “vida longa à lei”. Sua estirpe aristocrática, pensava com seus botões, era capaz de manusear os poderes absolutos. Definitivamente, o Fausto estava em sua mente, tenha ele lido ou não o romance que traz os sonhos mais antigos e inconfessados do homem.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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