Sexta-feira, 1 de junho de 2018 - 15h28
Depois de enfrentarmos 11 dias de greve com caminhoneiros, em que a pequena redução no preço do Diesel acarretou cortes “apenas” nas verbas da saúde e da educação, podemos enfrentar mais uma ampla paralisação. Dessa vez uma greve geral. Mas, começando com os mesmos caminhoneiros. Será Golpe de Estado, manu militari, ou Walkhing Dead? Zumbis corroendo os aupermercados ou o apóstolo da Transilvânia será defenestrado? Teria confidenciado a boca miúda que se sentiu isolado, abatido, meio depressivo no auge da falta de tudo pelo país. Se foi assim nos 11 dias que abalaram o Brasil, na próxima, se vier, será o Walkhing Dead da Transilvânia.
Na mesma linha, ocorreu-me o romance O General em seu labirinto (Record, 2007), de Gabriel Garcia Márquez, o mestre da literatura política latino-americana, retratando o exilado Bolívar sob a angústia do desamparado e desterrado: “– Vamos embora – disse. – Voando, que aqui ninguém gosta de nós. Por tê-lo ouvido dizer aquilo tantas vezes e em ocasiões tão diversas, José Palácios não achou que fosse para valer, embora os animais estivessem preparados nas cocheiras e a comitiva oficial começasse a se reunir” (p. 11-12). Neste romance, G. G. Márquez traçou os últimos tempos de Simón Bolívar.
A lição mediana informa que, na América Latina, o ESTADO PENAL manifestou raízes profundas e suas políticas, historicamente, não ultrapassaram os limites da propriedade das oligarquías. A América Latina é palco de um ESTADO SANGUINÁRIO, dos tempos de Bolívar até o final dos regimes militares. Opondo-se a esta tradição, Bolívar afirmou-se como grande líder político e Generalíssimo. Simón Bolívar, o Libertador, o que sonhou com a unidade latino-americana, conheceu o exílio desde que entrou para a vida pública (1812) e assim foi até sua morte, sem asilo político em 1830. Como muitos, fez ecoar no tempo as vozes dos exilados. Sua vida pública e privada esteve totalmente entremeada pelo ESTADO DE GUERRA.
A pior ironia, logo o general descobriria, é aquela que prolonga o próprio exílio – sobretudo o exílio em seu país – e que torna o deslocamento e a fuga uma regra. Bolívar impor-se-ia um auto-exílio em 1815, na Jamaica. Como Generalíssico, Bolívar sempre esteve a postos para urdir com gestos fortes na política, a exemplo da decretação da pena de morte para os corruptores dos bens públicos.
Em 1824, Bolívar foi nomeado ditador para salvar a República do Peru, em ato solene do Congresso e que se repetiria outras tantas vezes. Bolívar recebeu Plenos Poderes para debelar a guerra civil – deveria agir nos moldes do dictador romano. Porém, em 1825, em outro gesto inigualável, Bolívar renunciaria repetidas vezes à Presidência – justamente ao cargo de Presidente com poderes ilimitados. Ao confirmar Páez na Presidência, diz-lhe que era legítimo resistir à injustiça, fazendo-se Justiça; ao abuso do poder e da força, usaria a desobediência e a valentia. Nos EUA, esta mesma tese, H. D. Thoreau (1966) denominaria de Desobediência Civil.
Com este sentimentalismo, Bolívar dizia que renunciava uma, mil e um milhão de vezes a tal ESTADO ABSOLUTO. Em 1828, ainda em meio à grave crise na Colômbia, editou um decreto orgânico da ditadura. Neste ínterim Paez discursou para o povo, dizendo que Bolívar aceitaria o cargo de comandante supremo por causa do ESTADO DE EMERGÊNCIA POLÍTICA. Nesta situação conturbada, à beira da anomia e da guerra civil, o juramento político, ao mesmo tempo em que exigia que se defendesse a República a todo custo, exprimia a legalidade da pena capital para a traição.
Bolívar renunciou muitas vezes à tarefa de empreender os Plenos Poderes, assim como recusaria o ESTADO DE EXCEÇÃO PERMANENTE. Mas, ainda assim via na realização de medidas radicais e severas o destino da coisa pública. É como se só a força pudesse efetivar o espírito público. Por fim, em seu leito de morte, percebeu que a política lhe trouxera um emaranhado tão espesso que só a morte poderia desatar os nós: “Que é isto? Como sairei eu desse labirinto?”, indagou o moribundo Simon Bolívar.
Em seu próprio labirinto, encontrar-se-ia a sacrificada vida pessoal e uma fantasmagoria que corrói a política, esta, como vimos, herdada desde os rincões da colonização. Por isso, a resposta à indagação “como sairei eu deste labirinto”, Bolívar não a alcançaria em vida.
Do passado ao presente, há a agonía do leito de morte política, os crimes bárbaros contra a República, a corrosão do direito e da Justiça, a ameaça do uso dos plenos poderes contra o povo, a conta paga pelos pobres e miseráveis que seguem como zumbis sem saber para onde ir. E um falso político que teima em aprofundar tempos de Walkhing Dead, voando em sua capa de Apóstolo da Transilvânia: o anti-Bolívar, o antidireito, que para não ser preso vai desgraçando o país.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de