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Gente de Opinião

Viviane Paes

Estudando para matar


 

A palavra "trote" possui correspondentes em vários idiomas, como trote (espanhol), trotto (italiano), trot (francês), trot (inglês) e trotten (alemão). Em todos estes idiomas, e também em português, o termo se refere a uma certa forma de se movimentar dos cavalos, uma andadura que se situa entre o passo (mais lento) e o galope (mais rápido). Um detalhe, o trote não é uma andadura normal e habitual do cavalo, no entanto algo que deve ser ensinado a ele, em sua maioria das vezes à base de chicotadas e esporadas. E dá-lhe maltrato aos animais...

Da mesma forma, o calouro do ensino superior no Brasil é encarado pelo veterano como algo (mais que um animal, mas menos que um ser humano) que deve ser domesticado pelo emprego de práticas humilhantes e vexatórias; em suma, o calouro deve "aprender a trotar". Isto acontece em todo o mundo? Não. Não na quantidade em que aqui.

Encontrei até um livro que resgata a origem do trote, porque afinal nada se cria, tudo se copia?!  Para variar parece que herdamos este comportamento de Portugal, “os trotes violentos (como o notório "Canelão") podem ser rastreados a partir do século XVIII na Universidade de Coimbra. Não por coincidência, estudantes da elite brasileira que por lá realizaram parte de seu processo educativo, trouxeram a "novidade" para o território nacional. Em decorrência disso, surgiram desavenças entre veteranos e calouros que culminaram com a morte, em 1831, de um estudante da faculdade de Direito de OlindaPernambuco – seria a primeira, mas lamentavelmente não a última vítima de um trote violento no Brasil”, Antônio Álvaro Soares Zuin. O trote na universidade-Passagens de um rito de iniciação.

Porque lá fora o ingresso na faculdade é algo natural da formação da vida adulta. Mas é claro que também opcional como em qualquer lugar no mundo. Quem não quer não, quem não tem condições financeiras busca bolsas, no caso dos EUA vêm de práticas esportivas e na Europa, na maioria dos países idem.

Por isso não vemos casos na mídia internacional de universitários sendo espancados, universitárias sendo violentadas e outros que assistimos todos os anos aqui no Brasil, pátria amada... O incrível pra mim que já fui universitária é que aparentemente todos os “loucos” ingressam nos cursos de Medicina e Direito. É isto mesmo ou é uma impressão minha, de universitária de Humanas, Letras, que na elite dos cursos superiores do País é só o povo das “letrinhas”: professores de Português, Inglês e Espanhol, Geografia, História... Aquele povo que termina nas salas de aulas, em sua maioria, com salários baixíssimos e tudo mais que já sabemos. Afinal somos mais do que nunca o Brasil da Educação!

Pensei também que isto é coisa das regiões mais desenvolvidas do nosso País, afinal a USP está no Sudeste é a única universidade brasileira incluída entre as 20 melhores do mundo. Aí vem o susto, dela saem todos os anos, casos e mais casos de bullyng, violência sexual, trotes humilhantes...

Tenho excelentes médicos amigos e uma prima ginecologista que não passaram ou participaram destes tipos de trotes que são aplicados nos últimos anos. Então, o problema é com os novatos que aspiram a Medicina e o Direito como maneira de enriquecer e não, no caso dos primeiros, seguir o juramento politicamente correto até hoje Hipócrates – Pai da Medicina.

Coloquei como maneira de enriquecer porque foi o imaturo comentário que ouvi recentemente de uma não tão adolescente, de 30 anos que considera esta profissão a única capaz de lhe dar grandes recursos de maneira rápida. Afirmei imaturo e adolescente, nesse caso específico, pois a dita pessoa acredita que é assim fácil ingressar no curso, estudar os seus oito anos diariamente numa rotina alucinante que a maioria consegue superar a base de muita cafeína e outras substâncias legais e ilegais e é claro determinação...

Parece-me que hoje é assim: “quero ganhar dinheiro, viver perigosamente e colocar a vida de outros em riscos; não gosto muito de gente por isso escolho como profissão: Medicina”! E aí eles, repito, não a maioria, mas estes que aparecem nas páginas policiais todos os anos como organizadores de festas de calouros já começam a praticar todas as loucuras possíveis nos primeiros anos do curso.

Ah, os que optam por Direito, e olha que já pensei e até hoje acho que valha a pena fazer o curso, devem pensar: estarei protegido caso resolva praticar algum ato ilícito, afinal sou o cara das Leis!? E aí, esses que pensam assim, repito, não a maioria, aqueles que estão denegrindo os estudantes desta área, se envolvem em tráfico, sequestro e outros. E olhem não sou eu falando, sem provas, as manchetes dos jornais mostram casos assim com uma frequência que me assusta! Sou a única?

Pesquisei os mais recentes:

Fevereiro/2015: Humberto Moura Fonseca, 23 anos, estudante de Engenharia Elétrica na UNESP (SP), morre ao ingerir numa “competição”, 25 copos de vodca; Uma estudante caloura do curso de Pedagogia foi vítima de queimaduras de terceiro grau com ácido na Faculdade Adamantinenses Integradas (SP) no primeiro dia de aula.

Fevereiro/2014: Sérgio Gonçalves Lima, 22 anos, estudante do curso de Educação Física da UFSCar (SP), foi encontrado morto com traumatismo craniano após uma formatura; outubro: Victor Hugo Marques Santos, 20 anos, estudante da USP foi encontrado morto em uma piscina olímpica da USP, três dias após uma festa de calourada.

Fevereiro/2013: Denis Papa Casagrande, 21 anos, assassinado durante uma festa no campus dia Unicamp (SP) por outros dois estudantes.

Espero sinceramente que esta herança ainda de nossos colonizadores não prossiga, pois tenho mais um filho que irá certamente ingressar no ensino superior, apesar dele aos 10 anos afirmar que será em outro país, anseio que seja em solo brasileiro. É que ele como filho de comunicóloga assiste aos noticiários e teme pela própria vida no ambiente universitário. Não consigo convencê-lo do contrário ainda.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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