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Viviane Paes

Meu tipo de Mulher... Por Viviane Paes


 

Voltei...  

Vamos dizer que tive meu período sabático de articulista, nos últimos 7 meses, afinal como minha avó – mãe Silvéria, falava muito: “Sê não tem coisa boa pra falar é “mió” ficar calada, porque tem gente que fala mais pela “bunda” ( e se você pensou que ia sair aquele palavrão chulo do órgão excretor, acertou pois terei que usar sinônimos em alguns momentos para não sofrer censura) do que pela boca”. Meu tipo de Mulher... Por Viviane Paes - Gente de Opinião

Então, pretensiosa que sou algumas vezes, retornei com algo digamos produtivo para compartilhar.

Procurei alguma mensagem bacana, diferenciada para colocar nas redes sociais e “causar” no Dia Internacional da Mulher e não encontrei muita coisa que me representasse. Desisti! Aí logo cedo conversando com meu filho começamos a relembrar da minha avó, que Deus me livre e guarde chama-la assim quando criança, ou mesmo agora que o mal de Alzheimer a alcançou.

É a mãe Silvéria, viúva aos 36 anos, com seis filhos, quatro de sangue e dois adotados, “avó” de 12, bisa de 11, uma negra, analfabeta, filantropa e “general” que norteou minha vida até aqui! Esse é meu tipo de mulher. Nada recatada, não apenas do Lar, porque foi lavadeira, cozinheira do governo do Estado de Goiás e mãe de santo, com carteirinha da Federação de Umbandista e tudo mais.

Uma mulher que não sabe ler nem escrever, pois naquela época o “estudo” era apenas para os filhos homens. “Menina escrever era para falar sem-vergonhice com namorado”, dizia o pai. Mas nem por isso ela ficou “burralda” – vai anotando aí a riqueza do vocabulário! Para aprender as orações da religião que a ajudou a não cair prostrada quando meu avô morreu, ela foi muito inteligente, ia gravando na mente enquanto os outros liam em voz alta. Foi essa analfabeta “macumbeira” que me ensinou grande parte das orações católicas que sei!

Essa negra de pai negro e mãe branca descendente de portugueses, sofreu racismo com certeza, mas nunca a ouvi fortalecendo ou se vitimando pelo preconceito recebido fora de casa. O que a magoava, sem dúvida era achar que a mãe não gostava dela por ser mais “escura” que as outras irmãs! O que posso dizer sobre isso: Conheci minha bisavó, dona Augusta, branca como floco de neve e eu não sendo a mais “desbotada” de uma família miscigenada ao extremo, pouco percebi esse preconceito materno. Diziam as minhas tias-avós que era coisa de Silvéria...

A mãe Silvéria, lavadeira de roupa nas pedras dos igarapés de Goiás Velho como bem mostrou um filme sobre a Cora Coralina sempre foi de personalidade forte. Como não ser?! Imaginem uma viúva com seis filhos, analfabeta que deixou a roça para viver na cidade, que teve apoio da família materna e recebeu uma oferta indecorosa dos parentes de boa situação financeira do marido: “nós podemos de ajudar criando essa menina de colo – uma loirinha...” – vamos resumir dizendo assim, mãe Silvéria preferiu colocar os quatro filhos menores em orfanatos e vê-los aos finais de semana, durante algum tempo, do que acertar uma ajuda tão boa!

A mãe Silvéria cozinheira do Palácio das Esmeraldas de Goiás, transbordava de orgulho quando dizia:  “Fiz comida para governadores e até presidentes, como é que esses filhos de put... Não filhos da put... - aprendi as primeiras nuances da nossa gramática com ela, não queria comer seu doce de casca da laranja da terra”!

A mãe Silvéria empreendedora, palavra que ela desconhece, fazia os netos nas férias escolares bordar ponto cruz em toalhas para vender e ganhar algum dinheiro. “Trem mais bão da vida é ganhar nosso próprio dinheiro e não depender de ninguém. Aí vocês podem comprar ajudar seus pais, porque a vida não é fácil”.

E de quebra pra tornas as férias mais produtiva, afinal vadiagem também cansa e qualquer jogo – tipo dominó e baralho, era coisa do morador lá de baixo, íamos ajudá-la a fazer almoço no Instituto dos Cegos, em Goiânia. Lá mais uma lição subliminar: “Tão vendo aí, essa moça não enxerga e vai ser doutora, vai fazer faculdade. Povo custoso só não vira “doutor” se não quiser”...

A mãe Silvéria, da umbanda, era mãezona fora do terreiro, que por acaso era dentro do terreno de sua casa no setor Pedro Ludovico. Para ela não bastava curar o espiritual, era necessário levar para dentro de casa para morar quando o “mal” atrapalhava o material também e a pessoa não tinha aonde morar...

A mãe Silvéria da minha infância aquela avó meio[A1] seca de abraços, por isso já fui adotada pela irmã branca dela, d. Josefa, que sabia abraçar, dar  colo e beijar. A general, não admitia bichos em casa, “esse negócio de gato e cachorro pra passar doença não prestava e pronto. Nem na casa dela nem na casa dos filhos”. Entonces vamos dizer que ela me traumatizou um pouco quando jogou um gato meu no bueiro, sem muitos rodeios.

Foi recatada e continua sendo, no vestir. Pela viuvez ou pela umbanda, passou a vestir branco e no mais um azul bem clarinho. Não pode ver uma bisneta com as pernas de fora que logo diz: “Eita que pouca vergonha, mostrando a bunda, hein, que trem bão”! E, fica longe que lá vem beliscão no dito patrimônio... Ah, sim roupa preta não é elegante, não, tá. Pra mãe Silvéria roupa escura atrai a negatividade!

Mãe Silvéria, a sábia, que previu lá na frente – ou teve um aviso espiritual do Alzheimer que a acompanharia, de decidir em “sã consciência, como viveria a velhice, sem depender financeiramente dos filhos”, e fez um inventário que poucos idosos fazem em vida, para evitar confusão. “Quero ir para o lar espiritual sossegada, sem assistir gente brigando por conta do material”.

Mãe Silvéria, a sem coração, afinal só uma pessoa assim devolveria uma neta apaixonada aos 15 anos para os pais; ou mesmo ficaria brava com o namorado sem vergonha de outra neta; ou que aplicaria mais que palmadas para corrigir uma outra que fazia mal-criação, “essa jararaquinha”... Ahaaaa quase esqueço da mãe Silvéria apelidando seu povo com nomes de cobras, conforme a personalidade. Eu mesma, fui a caninana, que enfrentava, coloca pra correr e no final não tinha veneno algum...

Ainda a mãe Silvéria sem coração e general, obrigava os filhos a fazer muita coisa que não queriam, e no final das contas nada de ruim aconteceu a eles por conta disso. Ela tinha razão, oh povo custoso!

Por tudo acima afirmo: meu tipo de mulher não é empoderada, não é do Lar, não é executiva, não é meiga, não é zen, não é religiosa... É segura, é forte, é da vida, é tinhosa, é ruim sendo boa, é sem coração tendo o maior coração do mundo; é da religiosidade por respeitar todas as religiões é até hoje fazer diariamente suas orações e acreditar que os encarnados fazem mais mal que os desencarnados...

Meu exemplo de mulher tem os dons da Cora Coralina, de cozinheira e das palavras, mesmo sem saber escrever; a coragem de Frida Kahlo nas adversidades físicas e dor extrema; a frieza atribuída a Margareth Thatcher ao pensar no bem do próximo, mais que o mesmo; a beleza e a inteligência da Michele Obama e da Oprah; a sensatez e a firmeza da Carmem Lúcia e de muitas outras por aí... Enfim, mãe Silvéria, meu tipo de mulher, ontem, amanhã e sempre!


 [A1]

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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