Sábado, 3 de dezembro de 2022 - 09h52
Introdução
Iniciada
no final dos anos de 1970, a garimpagem do ouro no rio Madeira teve seu apogeu
na década seguinte. Seu declínio principia nos primeiros anos da década de
1990. A atividade concentrou-se na região do Alto Madeira, inclusive no trecho
encachoeirado do rio, em sua maior parte dentro do estado de Rondônia
expandindo-se também pela região fronteiriça da Bolívia com o Brasil. Atraiu
pessoas de todas as partes do Brasil e entre esses buscadores da fortuna estava
o sr. Mário Savanhago. Primeiramente garimpeiro, depois dono de draga, permaneceu
nessa atividade até que o garimpo iniciou a decair. As informações que seguem,
resultantes da entrevista que fiz com o autor entre os dias 7 e 14 de abril do
corrente ano, registra as lembranças e percepções sobre o garimpo, entre os
anos de 1987 e 1991, feitas pelo sr. Savanhago.
A
entrevista foi elaborada para servir de suporte ao projeto AGAGÊ (Hg),
agraciado pelo Edital nº 33/2021/SEJUCEL-CODEC- 2ª Edição Alejandro Bedotti do
Edital de Chamamento Público de Fomento à Cultura para Pesquisa e
Desenvolvimento de Expressões Culturais, da Superintendência da Juventude,
Cultura, Esporte e Lazer - Sejucel, do Estado de Rondônia. É um exerto do
artigo publicado na revista Afros & Amazônicos, 37, Vol. 2, nº 4, 2021, pp.
36-48.
Um garimpeiro do rio Madeira na década de 1980
O
sr. Mário Jorge Savanhago nasceu em Francisco Beltrão (PR) no dia 19 de
dezembro de 1965. Seu pai Ivair Savanhago já falecido, era construtor e
agricultor e sua mãe Erci Endres Savanhago reside hoje perto de balneário
Camboriú (SC). Integrou os quadros da Brigada Militar do Rio Grande do Sul de
1982 a 1986, onde serviu no primeiro batalhão de Porto Alegre. Nesse ínterim,
cursou parcialmente vários cursos superiores, quais sejam: Teologia (Faculdade
Teológica de Ciências Humanas e Sociais Logos – FAETEL, SP), pedagogia na
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) de
Frederico Westphalen /RS e Administração de Empresas na UERGS - Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul.
Em
1987 foi recrutado para trabalhar no garimpo do rio Madeira, em Rondônia. Junto
com ele vieram outros, para trabalhar como peões de um conjunto de dragas
pertencentes a um italiano de Porto Alegre. Esse senhor, que se chamava Vicente
Atanásio, era leiteiro nos anos de 1980, entregava leite nos morros de Porto
Alegre. Em 1984/85 veio para o garimpo do rio Madeira como mergulhador. Era um estrangeiro
gordo, mas mergulhava dezoito, trinta metros. Ganhou seus primeiros dois, três
quilos de ouro e se transformou de garimpeiro em dono de draga. A turma que
saiu com Savanhago de Porto Alegre para Porto Velho era composta por vinte e
sete homens, que foram conduzidos a Rondônia por um ônibus da empresa União
Cascavel. Esse grupo tinha como tarefa montar cinco dragas para seu recrutador
e depois operá-las no garimpo.
Savanhago,
ocupou-se do garimpo do ouro no rio Madeira desde 1987 até 1991, quando o
garimpo já dava sinais de esgotamento. Ainda em 1987 a principal forma de
mineração era através das balsas. Eram equipadas com magotes de quatro polegadas.
Mergulhadores conduziam a extremidade submersa desse magote, que sugava do
fundo do rio o material contendo ouro (areia e algum cascalho). Respiravam
através de uma mangueira por onde o compressor bombeava o ar, essa mangueira
terminava em uma “chupeta”, que ficava acoplada à boca do mergulhador.
A partir de 1985 chegaram em Rondônia as dragas “queixo duro”. Eram assim chamadas porque na ponta de suas tubulações não havia ainda a maraca, que somente seria inventada depois. As dragas queixo duro eram equipadas com canos de aço com até cinquenta metros de comprimento e bitolas de 8, 10 e 12 polegadas. Nessas dragas já não era necessária mais a utilização de mergulhadores para sugar o fundo do rio. O cano batia no fundo do rio para sugar a areia e o cascalho. Na verdade, como atingiam profundidades de trinta e cinco a quarenta metros, poucos mergulhadores poderiam suportar o trabalho.
Os que aguentavam quando emergiam eventualmente morriam, por causa da descompressão.
No
ano em que aqui chegou uma importante inovação melhorou a produtividade do
garimpo, foi inventada, a maraca. Naquele ano um dono de oficina chamado Rolfe,
Rolph ou Wolf, de nacionalidade alemã, inventou a maraca para adaptar às
dragas. Tinha ele uma oficina situada no trevo do Roque (em Porto Velho), onde
se concentravam na época muitas oficinas para a construção de equipamentos para
garimpagem e madeireiras. O senhor Rolfe (chamemo-lo assim) era torneiro
mecânico e começou a fabricar as maracas em sua oficina As primeiras não deram
muito certo, quebravam bastante, depois foram melhorando.
As
maracas eram movimentadas um motor hidráulico com força de 34 cavalos que
promovia sua rotação. Ambos, maraca e motor, ficavam na ponta submersa da
tubulação, escarificando o cascalho, ajudando a moê-lo um pouco no fundo do rio
para que chegasse à superfície em pedaços menores junto com a areia. As dragas
queixo duro pouco aproveitavam desse cascalho porque eram desprovidas das
maracas. Segundo o senhor Savanhago: “Foi usada uma mecânica totalmente
hidráulica, a engenharia foi copiada da retroescavadeira, como as que temos até
hoje em todas as cidades do Brasil”. No final, as maracas aprimoradas com a
tecnologia da retroescavadeira foram as que fizeram mais ouro no garimpo.
Então, de 1987 em diante a produtividade das dragas aumentou, o que coincidiu
com o aumento da produção do ouro.
Posteriormente
Savanhago veio a ser proprietário de dragas. Trabalhou com esse italiano no
primeiro ano na cachoeira de Santo Antonio, no segundo ano adquiriu sua própria
draga em sociedade com outros amigos. Naquela época, para garimpar no rio
Madeira, era exigido o registro das dragas também no Ministério da Marinha,
como se fosse uma embarcação.
O
regime de trabalho era tão intensivo que se trabalhava dia e noite e se perdia
a noção dos dias, não se dando conta se estavam no sábado ou no domingo. Dessa forma,
passaram-se dois anos sem que o sr. Savanhago se desse conta do dia do seu
aniversário sequer, de tão ocupado que estava. E conclui: “Quem pensa que o
garimpo é fácil, está muito enganado, é um trabalho muito difícil e vai toda a
saúde e toda tecnologia que tu possa usar e estiver ao seu dispor para arrancar
o ouro do fundo do rio, as vezes dezoito, vinte e até cinquenta metros de
profundidade em alguns lugares em que eu garimpei”.
Lembra
que os políticos iam fazer campanha nas beiras do rio, nas áreas de garimpo,
para tentar se eleger com o voto dos garimpeiros. Por esse motivo ele
transferiu seu título de eleitor para votar em Porto Velho, nos deputados que
apoiavam as demandas dos garimpeiros, que era a liberação de certas áreas do
garimpo, para tornar o garimpo legal para os trabalhadores.
Existiam
locais onde o garimpo era proibido , como as áreas cedidas às grandes empresas
internacionais (certamente as mineradoras de cassiterita). Eram áreas cheias de
placas proibindo o acesso e alguns garimpeiros, aqueles que chegaram muito
perto eram repelidos a tiros de balas de espingarda Winchester. O brasileiro
não podia chegar perto dessas empresas, que eram norte-americanas e chinesas.
Ele não sabe como no governo, depois do Collor, esses estrangeiros conseguiram
áreas, montanhas inteiras, para garimpar sem a perturbação dos brasileiros, do
povo nativo. Também as áreas de preservação e as áreas indígenas eram
proibidas. Ainda, era proibido garimpar nas proximidades de Porto Velho e no
canal de navegação das balsas. Para evitar embaraços às balsas que
transportavam mercadorias entre Manaus e Porto Velho. Essas áreas eram
respeitadas pelos garimpeiros.
As
populações ribeirinhas formadas por famílias, que o sr. Savanhago define como
cristãs, ordeiras, acolhedoras, honestas e trabalhadoras, comerciavam com os
garimpeiros. Em 1987 ficou seis meses garimpando na cachoeira de Teotônio.
Havia, próximo à cachoeira: minimercado, vendinha, farmácia, bares, pesca
esportiva. Afirma que a população convivia com os garimpeiros e, nas suas
palavras, adorava a presença deles porque pagavam em ouro.
Compravam
nesse comércio farinha, remédio, soro para a malária, cobertor, gasolina,
hélice de motor de popa, que eram pagos com ouro, porque todas as vendinhas
tinham sua balança para pesar o ouro. Calculava-se o valor das compras em moeda
corrente e convertia-se na cotação de outro do momento, daí pesava-se o valor
correspondente às compras em ouro e pagava-se ao comerciante. O garimpeiro era
bem vindo porque não comprava fiado.
Quanto
à exposição dos garimpeiros ao mercúrio, disse que os garimpeiros sabiam das
afecções resultantes de sua manipulação. Isso porque, segundo afirma, em geral
os donos de draga não eram pessoas ignorantes. Havia poucos que sequer
completaram o ensino fundamental, mas a maioria era como ele, já haviam passado
pelos bancos de um curso superior. Esses donos de dragas providenciavam para
seus negócios os EPI’s (equipamentos de proteção individual). Equipamentos que
não poluíssem a natureza e prejudicassem sua própria saúde.
A
exceção eram aqueles que denominou “garimpeiros raiz”, que estavam sempre em
volta deles. Foram para Porto Velho com o pessoal do Sul, mas sempre davam
empregos e oportunidades ao pessoal ribeirinho. Assim, tendo trabalhando com o
pessoal de Porto Velho e o pessoal ribeirinho, observou que esse pessoal não
respeitava as normas de segurança (de trabalho e sanitária). Então esse pessoal
não usava os EPI’S, não usavam botinas, luvas, o cadinho (retorta). Queimavam o
ouro a céu aberto, mas era tão pouco que afirma não ter prejudicado o rio.
Sendo essa acusação, segundo ele, conversa de ecologista.
Afirma
ser mentira que o rio Madeira foi poluído de mercúrio pelos garimpeiros, em
razão de que o forte do ouro foi extraído pelos garimpeiros do Paraná, Rio
Grande do Sul, São Paulo parte de Goiás. Esse pessoal sempre usou cadinho,
porque não queria jogar dinheiro fora, o mercúrio custava muito caro. Com o uso
do cadinho o mercúrio era reaproveitado, não indo nada para a natureza.
O
óleo velho, óleo de motor, eles tiravam em baldes e levavam para a cidade, não
era largado, nem no rio, nem na mata. Então é claro que os garimpeiros sabiam
dos resultados das afecções resultantes do manejo do mercúrio. Principalmente
do mercúrio em forma de vapor que, quando respirado, se aloja no pulmão e é
fatal, provoca doenças neurológicas, tipo mal de Alzheimer. Então o pessoal do
Sul, de todo o Brasil, se cuidava muito, mas o ribeirinho não ligava para nada,
garimpavam de calção e chinelo de dedo, mas eram poucos. Na fofoca, num
aglomerado de dragas, você encontrava 100 pessoas nesse estilo, ou outros, 500
1000 pessoas, eram todos de botina, luva e com os EPI’s, com a segurança
necessária e o bom andamento do trabalho para salvar o mercúrio, conhecido por
azougue na época.
Em
1985 foi o ano no qual se extraiu mais ouro. Foi também onde houve maior
mortandade, na localidade de Abunã, nos Periquitos. Ouviu falar, pelos que já
estavam no garimpo em 1985, que a mortandade foi principalmente pela falta de
equipamentos de segurança e treinamento dos mergulhadores. O garimpo nos
Periquitos era muito artesanal, sem nenhum cuidado técnico.
Acontecia
as vezes que estavam garimpando em um buraco na areia dez, vinte, trinta e até
cinquenta dragas e balsas, “batendo areia” no buraco no fundo do rio até que
chegam no cascalho. Nesse ponto já se havia formado em volta do buraco um
barranco de areia de aproximadamente dez metros de altura. Quando esse barranco
desabava, todos os mergulhadores que estavam no fundo do buraco ficavam soterrados
por toneladas de areia. Com o advento da maraca esse tipo de acidente diminuiu
bastante.
A
malária era o que menos matava. As mortes por desavenças (bebida, ouro e
mulher) causavam mais mortes. A maioria dos corpos que desciam o rio boiando
resultavam dessas causas. Certa feita, ao passar pela cachoeira de Teotônio
presenciou o velório de um mergulhador, ainda vestido em traje de mergulho. Ao
perguntar pela causa do infausto, foi informado que o falecido estava submerso
a aproximadamente vinte e oito metros de profundidade e subiu muito rápido. Não
fazendo a descompressão necessária foi vítima de embolia pulmonar que o levou a
óbito.
Morria-se
muito disso: falta de conhecimento técnico e treinamento para o mergulho. A
malária seria o terceiro colocado na seguinte ordem: falta de aptidão técnica
para o mergulho, a ganância pelo ouro, a combinação de mulher e bebida,
finalmente a malária. A mortalidade era muito grande nessa época, a vida no
garimpo era uma roleta russa diária para essas pessoas que não pensavam no
amanhã. Houve dias que, parado na draga, viu passar da manhã até a noitinha
vinte e três corpos flutuando no rio, pessoas que foram mortas mais acima, nos
Periquitos e no Palmeiral. Todos mortos à bala ou na faca, por esses três
motivos: ouro, bebidas e mulheres.
Quando
do início de seu labor de garimpeiro, conheceu pessoas que já garimpavam há
mais tempo e que afirmavam desde sempre o garimpo ser área insalubre. A vida
nos garimpos do estado, de maneira geral, era muito insalubre, muito triste,
muita malária, e sempre à mercê das intempéries. A selva amazônica cobra a seu
preço com as malárias, com as pneumonias e com as doenças venéreas. Na época a
doença mais grave que havia no garimpo era a gonorreia, logo depois surgiu a
AIDS, mas então era a gonorreia, que se curava fácil. Também, é claro, onde há
ouro, bebidas e mulheres, havia também as drogas da Bolívia, era só atravessar
o rio.
Viu
muita gente se perder na droga. Quando chegou ao garimpo já era homem feito e
havia sido policial militar, ou seja: conhecia a malandragem. Mas muita gente
chegou com a cabeça aberta e: “Viraram garimpeiros, nunca mais viraram homens
de verdade.”. O garimpeiro em si é um bicho trabalhador, trabalha a semana
inteira para gastar tudo em um final de semana em um bordel em Porto Velho.
Acabado o ouro volta para o garimpo. Infelizmente fortunas foram conseguidas e
gastas assim: “Quando tu viras garimpeiro raiz, nunca mais se tornará um homem,
no sentido de uma pessoa que pensa no futuro, que pensa nos filhos e que pensa
na família, que é cristão e que pensa na pátria. Vira um bichinho, que só
trabalha e satisfaz suas necessidades básicas, mais nada.”
Existiam
famílias em Porto Velho que adquiriam sítios nas proximidades dos garimpos,
onde as fofocas estavam bamburrando, onde tinham cem, duzentas, quinhentas
dragas trabalhando dia e noite. Iam e vinham com o achado do metal, porque
essas aglomerações não demoravam muito tempo. Teve o privilégio de conhecer um
membro dessas famílias que o levou a conhecer a casa dele, que era um barraco
de madeira, coberto de palha e chão batido, “no meio do nada”.
O
terreno circundante a essas moradias era queimado, para espantar cobras e
outros animais, e nele eram plantadas algumas espécies comestíveis: abóbora,
maxixe, cana, banana, jambo. Visitou algumas famílias que viviam nesses sítios,
à beira do rio, que eram rapidamente abandonados com o fim da fofoca. Viviam
desprovidos de qualquer luxo, não tinham televisão, não tinham nada, sequer uma
cama para dormir. O mobiliário se resumia às redes, um fogão de barro, o maior
luxo eram as panelas, tratadas com zelo e primorosamente areadas, brilhavam
como prata. Compunha o restante dos utensílio domésticos um radinho de pilha,
uma lanterna, uma espingarda e uma garrafa de pinga.
Todo
o dia o morador caçava ou pescava e cuidava de um roçado de aproximadamente
trinta metros de comprimento. Protegia essa plantação uma cerca de pau grosso
para impedir sua devastação provocada pelas varas de queixada (porco do mato),
que comiam tudo. Tudo era abandonado tão logo terminava a fofoca.
É
evidente no depoimento de Savanhago a enorme simpatia que ele nutria por essas
famílias beiradeiras. Em certo momento afirmou mesmo que, apesar das poucas
posses dessas famílias, sentia ao visitá-las ser apossado por uma paz inédita.
Explica essa sensação pelo o fato do isolamento dessas famílias dos desejos e
sofrimentos do mundo moderno. Isso explica a sensação de paz, tranquilidade e
segurança espiritual que sentia no ar, uma tranquilidade inexplicável.
Afirmou
que somente mesmo estando no local é que é possível sentir-se em um local
abençoado, onde circulam seres angelicais que cuidam daquela propriedade,
daquela família, contra onças, contra cobras ou serpentes em razão de estarem
no “nada”, a cento e cinquenta quilômetros de Porto Velho, do outro lado do
rio. Essas famílias só tem um “caiquinho” (pode ser uma montaria, pequena
embarcação regional ou espécie de uma canoa típica da região Sul do Brasil)
para atravessar o rio de água barrenta com grande correnteza e profundidade
pode chegar a 40 metros. Estavam lá desamparados, mas com uma tranquilidade
espiritual nunca vista. Em lugar nenhum do Brasil viu aquilo. Mas a família
mais bonita foi aquela que viu no meio do nada, perto do Acre para quem vai em
direção a Guajará Mirim, do lado boliviano do rio. Nunca viu tanta felicidade e
paz espiritual naquele casal que não tinha nada, só umas panelas ariadas e duas
redes para dormir.
Outro
tipo de família que viu no garimpo foi aquela que residia na mesma draga. Em cima
das dragas, principalmente as dragas de dois andares, viu famílias inteiras.
Pai, filho, mãe, trabalhando e convivendo ali no garimpo, durante os oito ou
nove meses quando é possível trabalhar, porquê depois vem a cheia e tem que
encostar a draga até que passem os troncos violentos que descem o rio. Essas
famílias conviviam normalmente em cima das dragas por meses e meses a fio.
Na
cachoeira de Teotônio, em 1987, Savanhago fez muito ouro. Só com sua draga fez
oito quilos de ouro em seis meses. Também naquele ano o Abunã fez muito ouro.
Em 1988, 1989 (ou 1990) foi o Palmeiral e a Prainha. O Palmeiral ficava entre
entre Guajará Mirim e o Abunã. Também a Prainha, que era uma ilha formada por
um banco de areia.
Conheceu
sua segunda esposa em 1988 ou 1989 nas proximidades da avenida Sete de
Setembro, em Porto Velho e teve com ela uma filha cujo nome é Priscila Gabrieli
de Castro Savanhago, nascida em Porto Velho, no Hospital de Base e hoje reside
no balneário de Camboriú (SC). Dela se separou em 1990. A percepção da
população local sobre os garimpeiros era também construída através da
vizinhança urbana. O sr. Mário possuía residência na cidade, perto da antiga
loja de autopeças PEMASA, onde vivia sua família constituída em Rondônia. Era
conhecido como gaúcho e sempre foi muito bem tratado pela vizinhança. Como,
mesmo quando a renda do garimpo não era boa, sempre tinha algum dinheiro
guardado, porque não gastava dinheiro nos bordéis de Porto Velho, quando ia
para casa fazia um bom rancho, comprava carne e bebidas e convidava os vizinhos
para um churrasco. Nas épocas de chuvas e no Natal voltava ao Rio Grande do Sul
para visitar a família. Onde os garimpeiros estavam era sinal de progresso, de
prosperidade, as igrejas, os pastores pediam doações, sempre vinham adular os
donos de dragas.
Em
1991 começou a declinar a produção do garimpo, de tal forma que muitos
garimpeiros venderam seus equipamentos e voltaram para o sul. Foi esse o caso
dele. Quando sua filha tinha um ano ele vendeu tudo e retornou ao Rio Grande do
Sul. Vendeu tudo com auxílio de advogado, a venda registrada em cartório, mas
até hoje não recebeu o valor do negócio. Hoje é casado com a sra. Diana Salete
Zelesky, de origem polonesa e moradora de Frederico Westphalen com a qual
possui um filho de vinte e quatro anos (Mário Jorge Savanhago Junior),
casualmente nascido no mesmo dia e no mesmo mês que o pai. Suas ocupações
atuais são: agricultor, cultiva mudas de plantas em um sítio próprio, que
comercializa em uma floricultura própria, que é contígua a uma loja de roupas e
tecidos de sua propriedade, ambas situadas em Frederico Westphalen (RS).
Ficou
rico no garimpo três vezes, e ficou pobre duas vezes, ainda sobrou algum
dinheiro que ele levou para o sul. As malárias levaram a riqueza, a primeira
vez que enriqueceu veio a malária e teve que internar-se em clínica particular.
Enquanto estava enfermo foi roubado no garimpo, até motor de popa e uma
embarcação bico chato foram levados pelos empregados que trocaram por droga. No
garimpo é assim: se o dono da draga não estiver em cima o peão toma conta e
rouba na cara dura.
Durante
seu período no garimpo, observou que de uma forma geral havia no garimpo
pessoas de todo o Brasil. Mas liderando essa população, como donos de dragas,
liderando garimpos, liderando equipes de trabalho predominavam os naturais do:
Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro, o povo
trabalhador da Paraíba e da Bahia, que era o povo que se destacava. Mas existia
gente do Brasil inteiro, gente de Minas Gerais e do Goiás, alguns capixabas
também. Conheceu pessoas de todas as partes do Brasil, mas quem realmente fez a
riqueza do garimpo foram os gaúchos e paranaenses, paraibanos, baianos,
potiguares e goianos, e conclui: “Esse pessoal foi o que fez o Brasil ganhar
dinheiro com ouro.”
Quem
continua desbravando a Amazônia é o paranaense, desbravador, e o povo gaúcho,
seguido pelos outros estados do Brasil. Nunca viu povo mais desbravador que o
paranaense, na década de 1960, 1970 e 1980 foi o que desbravou o estado do Acre
e Rondônia foi o paranaense e o gaúcho, seguido pelo mato-grossense pelo
goiano. Esse povo, com malária, criando filho, botava tudo em cima de um
caminhão, um armário, uns colchões, um tratorzinho, vendia as terras no sul e
encarava aquele mundão de selva, as onças, as malárias com força, fé e
esperança, esse é o povo gaúcho e o povo paranaense.
O ensaio que segue foi elaborado para ser apresentado na cerimônia de abertura do Seminário Integrado de Ensino e Pesquisa e a Semana de História –
Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia
Nesses tempos, quando a população de Rondônia se vê ameaçada pela suspensão de alguns voos e mudanças de rota das companhias aéreas que nos servem,
Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho
O último artigo que publiquei aqui tratou da figura do “velho Pimentel”, um personagem que, apesar de seu caráter até agora mítico, parece estar ind
A origem da cidade de Porto Velho e o velho Pimentel
Todos sabem que a origem da cidade de Porto Velho coincide com a última tentativa de construção da ferrovia Madeira-Mamoré em 1907. Naquele ano, ao