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Fátima Ferreira Santos

Morangos alfabetizadores


Fátima Ferreira dos Santos - Gente de Opinião
Fátima Ferreira dos Santos

Na bancada espalhei diversas caixas de morangos. “– Que fruta mais linda!” – pensei. Esse contraste perfeito do vermelho intenso e das pequenas folhas verdes são um encantamento da natureza. Cuidadosamente lavei um a um, tentando imaginar como se fez essa fruta libidinosa, que ornamenta tão saborosamente diversas sobremesas.

Ali me vi com tantos morangos e simplesmente sorri. Lembrei que quando  estava em meu processo de alfabetização, lá pelos idos dos anos 60, havia uma cartilha que trazia essa fruta como referência ortográfica para nosso aprendizado. Todas às vezes que pronunciava e via a fotografia ou desenho do morango eu ficava pensando: “– O que é isso!?!?”. Depois de saber que se tratava de uma fruta, eu passei a me perder na possibilidade de sentir seu cheiro, apreciar seu sabor ou, mais simplesmente, vê-la. Eu, que nasci às margens do Rio Jaguaribe, convivendo com peixes, siris, caranguejos e camarões; que comia milho verde cozido, pamonha, canjica, melancia e cajus, queria mesmo era dar de cara com esse tal morango vermelho e de folhas tão verdes.

Cresci e só encontrei o morango por volta dos meus 25 anos. Pasmem!!! Certamente, nesse nosso imenso Brasil do século XXI, muitas e muitas crianças, como eu nos anos 60, nunca viram ou comeram um morango. Mas que doce ironia! Agora me vejo todos os dias às voltas com morangos, morangos e morangos. Depois de aprender a ler e, nunca esquecer das cartilhas com morangos no litoral nordestino, sempre me perguntei por que morangos, e não cajus, melancias, milhos, tamarindos, jacas, seriguelas, atas (pinhas), feijões,  camarões ou tapiocas? Nossa cartilha não era regional. Ela migrava do Sudeste para nossa região, quiçá todo Brasil; desconsiderando para o processo de aprendizagem todas as características regionais, o modo de viver, a identidade cotidiana às margens do rio, do lado do mar, das conversas nas calçadas, das brincadeiras de rua com os pés no chão; dos banhos de chuva debaixo das biqueiras. Até que um dia encontrei Paulo Freire – não o cara, mas a sua obra – e finalmente entendi minha inquietação: estava tomando consciência de quem Eu era, da minha identidade nordestina, me libertando da opressão inquisidora de nos igualar, todos desrespeitando nossas diferenças.

Hoje, depois de 31 anos no Sudeste do Brasil – outra grata ironia –, ainda me perguntam de onde eu sou, pois meu sotaque denuncia minha “nordestinez”. Respondo: “– Sou do Ceará!”. Minha fala sempre teimou em me lembrar minha origem, por isso sempre volto; e nessas idas e vindas, aprecio o sol quente das ondas do mar e o frio no estado da garoa. Ao final, o que costumo dizer é que nasci no Nordeste, mas, antes de tudo, eu sou brasileira.

Continuo com morangos e cajus, entendendo seus sabores e belezas; sempre pensando nesse ícone da educação que foi e é Paulo Freire, que sabiamente soube ver tão bem que a opressão é tão sorrateira que temos sempre que bem lembrar quem somos, onde estamos e de onde viemos.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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