Sexta-feira, 21 de julho de 2017 - 07h08
Por Fernando Horta, no jornal GGN
Desde o Império Romano se tem claro que o Estado dispõe de tantos meios e recursos que é preciso dar-lhe um limite. Lá, no Velho Continente, depois da Revolta do Monte Sagrado (494 a.C.) os plebeus ganharam o direito de terem um representante seu no Senado. A figura recebeu o nome de “Tribuno da Plebe”, também para que ficasse claro que ele não era (nem nunca poderia ser) senador. As fontes falam em algo entre 4 e 10 representantes da plebe. O número jamais faria frente ao número de senadores, mas o Tribuno tinha dois importantes poderes: tinha poder de veto e sua casa era inviolável. O poder de veto dava ao Tribuno uma oportunidade de barganhar em favor da plebe e a inviolabilidade de sua casa o protegia das artimanhas do Estado e de opositores.
Esta percepção, da possibilidade do abuso do poder, vai ir e voltar durante a Idade e Média e Modernidade, tornando-se sólida apenas após a Revolução Francesa. Era preciso proteger o cidadão do Estado. Os direitos individuais, tornados, ao longo do século XIX e XX, pétreos e, em seguida, aumentados para os “direitos humanos”, têm por função também tal proteção. Para dizer pouco, esta é a pedra-de-toque da construção de todo o arcabouço político e social norte-americano.
Thomas Hobbes, por exemplo, defendia o direito do cidadão se rebelar contra o Estado no caso deste estar-lhe ameaçando a vida. John Adams, um dos “pais fundadores” dos EUA, em discussões sobre o arcabouço jurídico de lá, lembrava que se a constituição não provesse meios institucionais para proteger o cidadão das arbitrariedades do Estado ou não fosse seguida, “sempre existiria a solução armada”.
Ainda hoje, apenas o viés político diferencia uma “guerra de resistência” de populações “submetidas à violência do Estado” de uma sedição ilegal. Muitas discussões na ONU são travadas neste sentido. Populações que se levantavam contra a “opressão” do presidente X são tratadas como oposição legítima e precisam ser “defendidos”. Outros grupos, que pediam independência na Espanha, na Escócia ou mesmo no Canadá e nos EUA, são tratados como criminosos que buscam a divisão do país. Semana passada mesmo, o plebiscito na Catalunha, tão ilegal aos olhos constitucionais do país, foi tratado como “um absurdo”, ao passo que a mesma ilegalidade na Venezuela – na mesma página de jornal – era incentivada como uma manifestação lícita de resistência. Pelo Estado, as leis são torcidas, consideradas ou desconsideradas segundo a política.
Desde as questões legais, econômicas até o monopólio legítimo da força, o Estado tem uma pluralidade de ferramentas à sua disposição, que fazem o cidadão simplesmente incapaz de resistir. As constituições deveriam ser uma regra dura a ser seguida como limite ao poder, exatamente por conta desta disparidade. Mas, no Brasil, a constituição é letra morta e o poder judiciário avança sobre o cidadão com uma voracidade nunca vista na história do país. Se, durante a ditadura civil-militar de 64-85, tivemos um judiciário que se rebelava constantemente, hoje parece que foi formado um coro e conservador punitivista, observado de longe por aqueles que discordam. Quase sempre em silêncio. Poucas e valorosas vozes têm se levantado contra o abuso. E têm sofrido por isto.
A verdade é que depois de mais de três anos de investigações, quebra de sigilos fiscais, financeiros, vazamentos, escutas legais e clandestinas sobre Lula, sua família, seus advogados e sabe-se lá quem mais, tudo o que o Estado conseguiu foi uma delação premiada feita por retificação. Num primeiro momento, Léo Pinheiro tinha dado depoimentos semelhantes a tantas outras testemunhas, no sentido de afirmar a não participação de Lula em nada. Então, jogando a constituição no lixo junto com mais de 200 anos de tradição do liberalismo, Moro condena Pinheiro a mais de dez anos de cadeia e o tribunal vai elevando a soma das penas para mais de 26 anos. Concomitantemente, este mesmo e pernicioso Estado, libera, por exemplo, o doleiro Yousseff para “prisão domiciliar”, assim como tantos outros “colaboradores”.
Jogando com uma teia de mentiras impossível de ser verificada (pois não existem provas), delatores, testemunhas, delegados, promotores e tantos outros trabalhando por seus próprios interesses, participam de um teatro mal encenado em que prevalecem interesses privados sobre qualquer noção de justiça. Moro escolhe discricionariamente ao que dar crédito e o que desconsiderar, conforme seu conservadorismo atávico. E se esconde atrás do Estado, jogando com a cumplicidade de vários setores que, por anos, também usaram o Estado como seus escritórios de gerenciamento.
Para mim, uma prefeitura jogar água em cidadãos em situação de rua, ameaça-os de morte. Para mim, não pagar salários e deixar os servidores sem condições de sobreviver, ameaça-os de morte. Para mim, ordenar violência policial em manifestações públicas, com armas proibidas até em convenções sobre guerra, ameaça o povo de morte. Perseguições jurídicas, como a levada a cabo por Moro, ameaça a todos nós cidadãos. Enquanto perseguem uns, matam tantos outros de fome, frio ou com tiros mesmo. Estamos sitiados e Hobbes, no século XVII, já admitia o direito à rebelião contra um Estado sem limites.
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