Sexta-feira, 8 de setembro de 2023 - 18h02
Todo mundo que lutou contra o golpe de Estado de 2016,
contra o Fascismo institucional de 2018 a 2022, tem plena noção do que é
preciso fazer: literalmente resgatar a cidadania e efetuar a Justiça Política
Restaurativa – tomando-se como premissas (antes de quaisquer outras
iniciativas).
Todos nós sabemos que, sem desenvolvimento econômico, sem
gerar emprego e renda, sem fortes investimentos na infraestrutura, sem tirar o
país do mapa da fome, sem colocar o Brasil de volta ao eixo da concertação
internacional, todos os nossos esforços serão jogados fora: “o bebê com a água
suja do banho”.
Também temos consciência do quanto é complexo o jogo
político congressual, com a maioria dividida entre a extrema direita fascista e
o assim chamado Centrão: uma central das piores práticas políticas
possíveis.
Todos nós sabemos que não há anjos na política comezinha,
e sabemos, portanto, que o realismo político não é brincadeira de crianças.
Pelo contrário, sabemos que o jogo da política é uma disputa de vida e morte,
entre amigos e inimigos.
Porém, também sabemos que os políticos, por mais bem
intencionados que sejam – por melhores valores que possam ter ou só admirar –
cometem erros, às vezes muitos erros. Porque todo ser humano comete
erros.
Ainda sabemos que, via de regra, as escolhas pessoais são
piores do que as decisões que seguem normativas institucionais.
Desse modo, hoje, em razão da pretendida governabilidade,
o próprio governo deu sensível guinada à direita (governo que não se confunde
com o estafe no comando do Estado).
Em função dessa guinada, muitas situações já ocorreram e
muitas outras (gravosas) podem ocorrer. Uma delas é provocar um racha no
interior das forças progressistas que tiveram êxito na eleição presidencial de
2022.
Dentre tantos temas sensíveis, a este possível racha
político na base orgânica do progressismo social, a reforma ministerial ocupa a
mente de todos os leitores conscientes.
Outro tema candente é referente às indicações de membros
ao Supremo Tribunal Federal (STF). Um homem branco, abonado financeiramente,
representante de setores ultra conservadores (sobretudo, quanto a costumes), já
foi indicado.
Para a segunda vaga, especula-se que a indicação siga este
mesmo padrão ideológico.
Ao contrário disso, dessa possibilidade de repetição do
padrão ideológico, vozes e forças progressistas querem a indicação de uma
mulher ao STF: uma mulher negra, progressista, garantista, constitucionalista,
com notório saber jurídico e defensora do Estado Laico (como reza o artigo 19
da CF88). Entendem que é preciso haver uma "curvatura da vara" à
esquerda, visto que hoje o condão da governabilidade já está muito deformado à
direita, notadamente, no espectro político-institucional.
Mas, há forte resistência quanto à proposição de uma
mulher negra ao STF[1].
Por que?
Muitas podem ser as respostas. Uma delas é ideológica,
como flutuação sobre a realidade e subjugação da capacidade analítica e
crítica.
Há uma parcela significativa das "esquerdas"
bastante perdulária, pronta a desculpar, e novamente acatar ordens.
Infelizmente, não vemos brancos e brancas das
"nossas" esquerdas com vontade de interpelar a vontade do presidente
da República em nomear outros homens brancos.
Há um pacto de silêncio, de conformidade, no interior do
que se pode chamar de "centrão obediente do PT".
Na prática funciona assim: "se decidir por mais
homens brancos para o STF (ministérios também) eu acato". Eles/elas
acatam, nós não.
Parece haver uma espécie de missão de salvamento:
redentor, mitológico.
Para alguns, mais acirrados no pensamento perdulário,
trata-se de um real sentimento/pensamento messiânico: "cumprir
missão".
Seria reflexo da ausência de reflexão?
Seria aderência ao padrão missionário, típico de uma
seita?
Se sim, o que podemos entender por "seita"?
SEITA:
qualquer agrupamento humano que mantém intocáveis as mesmas referências e
diretrizes, sem, no entanto, atentar-se para as premissas lógicas dos
enunciados –, especialmente, a partir da primeira tese: a realidade é mutável
(1). Mantendo-se atentos/as em negação à segunda tese: a premissa maior exige
que a derivada consiga reportar as diferenças entre teoria e prática, entre
“querer e fazer”, entre propor-se e descumprir, entre aparência e essência (2).
De tal modo que suas conclusões se apegam às ideologias (“distorções da
realidade”: por oposição à ciência), e assim invalidam convenientemente o
Princípio da Realidade (a tese 1).
Em síntese, trata-se de uma "cosmovisão" incapaz
de disfarçar a “visão de mundo” (no conceito de Löwy) parcelada,
instrumentalizada, acomodada frente ao pragmatismo, aos interesses pessoais,
grupais, clubísticos, político-partidários, religiosos e outros.
No
popular, diz-se assim: aceita que é mais fácil.
Por fim, infelizmente, há duas conclusões possíveis e
óbvias:
1.
É muito fácil conseguir-se
inimigos (à direita e à esquerda), o famoso “cancelamento” (canelada), quando
se defende as pautas de quem sempre está do “lado certo, justo, da história”.
2.
É negando-se a primeira conclusão
que, exatamente, o racismo se perpetua.
A
conclusão, no entanto, poderia/deveria ser outra, utópica (e não distópica): “O
Brasil é capaz de mover forças poderosas contra o racismo, modificar a
realidade negativa, negacionista, dos fatos, e se voltar contra a fonte do
resiliente pensamento escravista”.
Em
nossa Utopia, talvez um dia.
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