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Vinício Carrilho

Boçalismo jurídico - O dia em que o metafísico apanhou da Ciência


Boçalismo jurídico - O dia em que o metafísico apanhou da Ciência - Gente de Opinião

O metafísico foi incumbido de defender uma tese vermífuga no Supremo Tribunal Federal (STF) e foi pro bono, quer dizer, de graça.

Sua causa, porque ele não sabe o que é uma tese jurídica, requeria um brilhante direito de negar a Ciência, a realidade, o conhecimento que crianças educadas aprendem no ensino fundamental – o que o autor da ação chama de 5 série.

Pois bem, com a ação em mente (há que se perguntar onde), o metafísico queria luzes e ribaltas para suas redes antissociais. Ledo engano, tadinho, porque já na chegada o detetor de metal o impediu de adentrar no recinto com seu ilustrado chapéu de alumínio.

Depois do 8 de janeiro de 2023, nenhum metal é aceito no STF, ainda que o boçalismo ainda seja levado até à Corte Suprema do país. Mas, o metafísico não sabia disso, porque havia regressado de Nárnia naqueles dias.

Para ajudar na iluminação da defesa do metafísico, subitamente, a gravação daquela sessão foi interrompida. Seu voto quixotesco (no Brasil estaria montado num jegue – não há alazões suficientes), intitulado “O direito de livre expressão da mentira grotesca”, pensava o metafísico, deveria fundamentar a seguinte “tese”: “Há uma bizarrice jurídica que deve ser externalizada, sob pena de sermos calados”. (sic, sic, sic).

Quando se preparava para soltar o verbo, seu tempo de gloriosos cinco minutos foi acionado, e os ministros (todos) saíram, abandonaram o metafísico. O pobre, que, aliás, pagou todas as custas elevadíssimas em Brasília, passagens aéreas e tudo mais, correu contra o tempo. Mesmo sozinho, forçou sua crença e pensou bem alto (o gari da rua ouviu e nos relatou): “hoje vou ‘correr atrás do prejuízo’, me idolatrar como o maior metafísico da história jurídica”. Realmente, o metafísico logo descobriria a força atrativa da lógica pois, quem corre atrás do prejuízo logo, logo, o encontra.

Ao final dos mais longos cinco minutos da história da humanidade, os ministros voltaram e (por sorteio) um deles leu um breve voto “em definitivo” – sem apelação, mesmo para aqueles que apelam. E dizia mais ou menos assim:

 

“Vermes não causam diabetes”.

“Diabetes não se cura com vermífugo”.

Todo mundo sabe disso, até crianças bem educadas. Essas crianças, vacinadas, também sabem (já sabiam em 2020) que os mesmos vermífugos não inibem ou combatem a COVID-19. Porém, alguns adultos – movidos pela negação da lógica mais simples ou por interesses ocultos (dinheiro ou falta de inteligência) – ainda pensam que sim.

Tivemos que esperar o Supremo Tribunal Federal (STF) intervir para remover de circulação uma decisão judicial sem noção da realidade, sem amparo em nenhum dado infanto-juvenil acerca do Ensino de Ciências.

Com certeza, decisões como essas não deveriam chegar ao crivo da Corte, pois que lhes faltam condições essenciais de racionalidade. Sem contar a gama infinita de violações de princípios do próprio direito – a começar pelo fato do Judiciário não poder decidir contra a Ciência e a Ética, em favor de algum negacionismo muito pior do que O Alienista e em desfavor da saúde pública. Em outras palavras, o STF teve que remover a aplicabilidade de uma Fake News criada pelo próprio Judiciário – e que deveria nos defender das mentiras públicas.

Não é essa a função do Supremo, tanto quanto a obviedade deveria ser a marca das decisões judiciais. Como a segunda pedida é bastante inusitada, difícil de ser alcançada, resta ao STF agir como protetor da realidade mais prosaica e da sanidade do povo, desatando-se os engodos da ideologia vermífuga de alguma extrema direita.

Porém, além disso, nesta decisão, o Supremo ainda está a corrigir distúrbios jurídicos, uma vez que, por óbvio, não existe nenhuma suposta liberdade de propagandear alucinações – como curar diabetes com vermífugo – e menos ainda teria valia se confrontada (essa “liberdade de expressar a não-ciência”) com a obrigação do Poder Público em defender a saúde pública, a incolumidade física e mental do povo brasileiro.

Se tudo corresse como se espera no ensino fundamental, com apreço ao Ensino de Ciências, também é suficientemente claro, nosso voto não estaria sendo apresentado. E nenhum texto seria publicado em reprovação à decisão da magistratura, já constante do rol das pérolas e gargalhadas do Judiciário. Todavia, o que seria de nós, privados de sabedorias assim – sem que Machado de Assis tivesse escrito seu próprio Alienista?

Como se diz, a arte copia a realidade – ou será o contrário, se pensarmos que o Judiciário de 1ª instância, neste caso, superou com folgas a obra do nosso maior gênio literário?

Mas, querem saber quando o STF será blindado de casos e decisões desse tipo? Nunca. A certeza negativa vem do fato de que, o mesmo STF ainda criminaliza a mãe que venha furtar um chocolate, uma caixinha de leite para alimentar seu bebê que está literalmente morrendo de fome.

Não é impossível, sequer é difícil, analisar a lógica que compõe esse poder. É fácil notar que a redoma retira a noção de realidade, salvo exceções. E, se há exceções, nesta hipótese, parece que apenas confirmam as regras jurídicas alienistas.

E antes que se diga, já me adianto.

Mudanças no “ensino jurídico”, por si, não resolvem o problema de descolamento da retina jurídica – a exemplo dessa tese vermífuga trazida pelo metafísico e apoiada por decisão judicial de 1ª instância. Afinal, não é depois de adulto que se irá ensinar a obrigação de não se furtar à realidade, para outra dimensão – exatamente porque não há outra dimensão ou universo paralelo.

Enquanto disciplinas como português, matemática, ciências, sociologia, filosofia, Ética, são abduzidas, e crescem as margens negacionistas (fascistas) de escolas cívico-militares, do ensino religioso (abusando, assediando o Estado Laico) e da educação financeira (para crianças e jovens que tem os pais desempregados), o desiderato seguirá sendo nossa bússola moral”.

Por fim, concluiu o ministro eloquente:

        “O único verme que pode nos abater, na seara da inteligência jurídica, é o Taenia solium, transmitido pela ingestão de carne de suíno contaminada. Esse, sim, se aloja e procria no cérebro – corroendo-o em seu juízo mediano. O resultado, como se sabe, é o boçalismo”. 

De minha parte, nada tenho a acrescentar. 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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