Segunda-feira, 22 de abril de 2024 - 15h54
O mundo inteiro sabe
que o caramelo é um bem cultural, uma conquista imaterial e um patrimônio
genético da humanidade. O caramelo só ocorre no Brasil, não tem fabricação, nem
máquina, nem formação social que o reproduza. Seriam cinco séculos (ou mais) e
as mesmas ocorrências históricas, seguidas, repetidas continuamente, para que o
caramelo pudesse ser replicado.
O caramelo é aquele cãozinho sem raça definida, da cor de
caramelo, que é sempre companhia fiel de uma família inteira – a maioria é de
adotados por famílias pobres. Raramente vê um veterinário, raramente come ração
especial, raramente sai das ruas. Seu lar costuma ser as praças públicas. O
caramelo é sociável, socializado, praticamente inofensivo. É um animal público.
Aliás, é mais público do que muitas autoridades que vagueiam em salas fechadas.
O caramelo não tem dono, tem amigos.
O caramelo não pode ser confundido com um cachorro
vira-latas qualquer. O caramelo é a cor do Brasil, que não se confunde com o
“amarelo canarinho” (menos ainda se tiver o selo CBF estampado). Não se
confunde com um tipo qualquer de vira-latas porque o caramelo não tem a Síndrome
do Vira-latas – esses vira-latas são ingratos, revoltados, alienados e sofridos
na alma canina por não terem uma raça reconhecida nas organizações culturais
internacionais. O vira-latas, bem mais arisco e estranho, vive achando que a
ração do vizinho (normalmente um caramelo) é melhor do que a dele. E por isso
arruma encrenca toda hora. Essa Síndrome de vira-latas não escolhe casas,
famílias de cães, pequenos e grandes, para afetar. É o pior tipo de sarna para
se coçar. O caramelo faz o que pode para evitar esse contágio louco, bravio.
Também não podemos confundir o legítimo caramelo com um
tipo qualquer de cachorro louco. Esses podem ser ou não vira-latas. Muitas
vezes são adotados pelas famosas elites brasileiras, alguns nem existiriam se
os laboratórios não tivessem inventado. Esse cachorro é louco porque insiste em
sua “superioridade”, acentuada por uma arrogância bastante tola – então, se
negam a tomar vacina. Esse cachorro louco morde até mesmo o dono: a mão que o
alimenta.
O caramelo vem de linhagens muito antigas, do nosso país,
algumas trazidas de fora, vindas por vontade própria ou obrigadas. Alguns dos
ascendentes do caramelo sofreram muitos maus tratos, outros simplesmente
pereceram. Poucos foram os primeiros sobreviventes e para isso muitos tiveram
que fugir de seus donos opressores.
Os que sobreviveram ou que fugiram (e sobreviveram) foram
se encontrando, acasalando, casando, se juntando em grupos e bandos e foram
produzindo as primeiras linhas e cores do caramelo; esses que têm uma estatura mediana.
Os estudiosos dizem que essa miscigenação até chegar no caramelo não foi bem
assim, tão tranquila e consentida. Dizem que os avós do caramelo eram muito
bravos e que perseguiam as fêmeas. Não duvido.
Em todo caso, foi essa miscigenação que nos trouxe o
caramelo, esse adorável ser socializado, um verdadeiro “animal político”,
público, adorador das praças públicas. O caramelo é fiel às boas causas, tem
gratidão e educação. Recebe sua educação ainda no berço, sem coices ou
mordidas. Ninguém em sã consciência é capaz de xingar ou bater num caramelo
legítimo – não tem como, é um cãozinho de moral superior.
O caramelo deixou aquela história de transgressão,
violação, perturbação para trás; é seguidor da maioridade social, política,
moral. Ao longo da vida já teve que morder e se defender, mas cresceu numa cor
firme e constante. O caramelo legítimo não é um cão caramelizado qualquer, sua
coloração é uniforme, assim como sua lealdade à praça pública. Esse
caramelizado, dizem os sociólogos das “raças brasileiras” (geneticamente não
existe raça nenhuma), é um cão de cara lisa e más intenções – até criaram o
Mito da cordialidade caramelizada para esse cão ardiloso, bastante traíra. Porém,
essa é outra história.
No começo de sua vida, o caramelo vivia correndo da
carrocinha, levava no lombo todos os dias, eram os tempos em que o caramelo não
sabia de nada. Mas, em algum momento, provavelmente depois de muita lombada, “o
caramelo ousou saber”. E vivia latindo em todo lugar que fosse (e por essa
causa ele brigava), muito alto, quanto mais arrumada a praça pública, mais alto
ele latia: “Ouse saber!”.
Os primeiros contadores de histórias dizem que o caramelo
sobreviveu graças a um povo que viveu no Brasil: os pardos. Esse povo, chamado
de pardo, também era resultado de muita miscigenação, não se reconhecia nesse
negócio de “sangue azul”, “raça pura”, branquela, sem vida e nem cor. De fato,
pode-se dizer que o caramelo e o povo pardo são sobreviventes e são a cara do
povo brasileiro. Sem eira, bem beira, mas seguros de si, sabedores que ousam
saber.
O caramelo não é nenhum cão santo, que ninguém imagine que possa fazê-lo de bobo; apenas não é agressivo, até que precise se defender. Na sua longevidade, no meio da miscigenação e das contradições que o formaram, o caramelo não se esgueira, é um cão astuto, mas não é metido a esperto. Não dá golpes no seu grupo. É amigo de quem lhe é amigo. O que mais gosto é ouvir ele latindo: “Ouse saber! - Ouse saber””.
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[1] Ao contrário de
antigamente, nos primórdios da humanidade, quando escreviam mitos para explicar
algo que não compreendiam muito bem (como tentativa de racionalizar o
desconhecido), hoje em dia as pessoas escrevem mitos para falar de algo que
conhecem, mas preferem contar uma história com metáforas.
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