Segunda-feira, 22 de janeiro de 2024 - 08h19
Lauro Frederico Barbosa Da Silveira[1]
Vinício C. Martinez[2]
Como
diz Ítalo Calvino, há muitas formas de se definir um clássico, neste caso,
porque Holmes Jr. foi seguramente o maior jurista americano
"moderno". Sua visão de Justiça, aliada ao "instrumental",
como objetividade, poderia ser vista como antecipação de J. Rawls. Além do
mais, é lapidar quando diz: ao
homem bom, basta a consciência.
“Path of the Law” - do juiz Oliver
Wendell Holmes Jr.[3]
Quando
estudamos Direito não estamos estudando um mistério, mas uma bem conhecida
profissão. Estamos estudando o que queremos a fim de aparecer diante dos juízes,
ou aconselhar pessoas de modo a deixá-las a salvo dos tribunais. A razão porque
isso é uma profissão, porque as pessoas pagam advogados para argumentar a favor
delas ou para lhes aconselhar é que, em sociedades como a nossa, o comando do
poder público é confiado a juízes, em certos casos, e a totalidade do poder do
Estado será empenhada, se necessário, para fazer cumprir seus julgamentos e
decretos. As pessoas querem saber sob que circunstâncias e até onde correrão o
risco de irem contra o que é tão mais forte que elas, e, portanto, torna-se um
negócio descobrir quando esse perigo deve ser temido. O objeto de nosso estudo
é, por conseguinte, uma predição, a predição da incidência do poder público
através da instrumentalidade dos tribunais.
Pode-se
ver bem claramente que um homem mau tem tanta razão quanto um homem bom para
desejar evitar um encontro com o poder público. Caso se queira saber a lei e
nada mais além dela, deve-se vê-la como um homem mau, que só se preocupa com as
conseqüências materiais que tal conhecimento lhe permite predizer, não como um
homem bom, que encontra suas razões para conduzir-se, dentro ou fora da lei,
nas sanções mais vagas da consciência[4].
Os
meios utilizados para o estudo são um corpo de relatórios, de tratados, e de
estatutos, neste país[5] ou
na Inglaterra, remontando seiscentos anos no passado, e que em nossos dias
cresce anualmente em centenas. Nessas folhas sibilinas espalham-se profecias do
passado a respeito de casos sobre os quais cairá o machado. Estes são o que
propriamente têm sido chamados os oráculos da lei. O significado mais
importante e, praticamente, total de todo novo esforço legal é tornar essas
profecias mais precisas, e generalizá-las num sistema conexo de ponta a ponta.
O processo é único, desde o enunciado de um caso pelo advogado, eliminando todos
os elementos dramáticos que vestiam a história contada pelo cliente, e
restringindo-se somente aos fatos de importância legal, até as análises finais
e aos universais abstratos da jurisprudência teórica. A razão pela qual um
advogado não menciona [aquelas particularidades] é que ele presume que o poder
público agirá da mesma maneira quando o cliente estiver diante dele. Tornam-se
mais fáceis de ser lembradas e de ser entendidas as profecias, se o ensinamento
das decisões do passado forem colocados em proposições gerais e reunidos em
livros-texto, ou que os estatutos assumam uma forma geral. Os direitos
primários e os deveres com os quais a jurisprudência se ocupa novamente nada
mais são do que profecias. Um dos efeitos maléficos da confusão entre idéias legais
e idéias morais, sobre o que tenho alguma coisa a falar daqui a um momento, é
que a teoria está apta para colocar a carroça adiante do cavalo, e considerar o
direito e o dever como alguma coisa existindo à parte e independente das
conseqüências de sua quebra, para a qual, certas sanções são posteriormente
adicionadas. Mas, como tentarei mostrar, um assim chamado dever legal nada mais
é senão uma predição de que se um homem faz ou omite certas coisas, será ele
submetido, dessa ou daquela maneira, ao juízo do tribunal – e, portanto, de um
direito legal.
O
número de nossas predições, tendo sido elas generalizadas e reduzidas a um
sistema, não é tão grande a ponto de não poderem ser manuseadas. Elas se
apresentam como um corpo finito de dogmas que pode ser dominado dentro de um
tempo razoável. Constitui-se num grande erro ficar-se apavorado com o número
sempre crescente de relatos. Os relatos de uma certa jurisdição ao longo de uma
geração reúnem em si, todo o corpo da lei, e o restabelece de um ponto de vista
atual. Podemos reconstruir o corpus a
partir deles, se tudo que veio anteriormente tiver sido queimado. O uso de
relatos anteriores é freqüentemente histórico, uso sobre o qual tenho alguma
coisa a dizer antes de terminar.
Desejo,
caso possa, apresentar alguns princípios primeiros para o estudo desse corpo de
dogmas ou de predições sistematizadas que denominamos lei. Isto servirá para
aqueles que desejem usá-lo como instrumento de trabalho permitindo-lhes profetizar
por seu turno, levando o estudo a um ideal, desejo eu, que nosso direito ainda
não alcançou.
A
primeira coisa para o entendimento operacional do assunto é entendê-lo em seus
limites, e devido a isto penso ser desejável desde o início apontar e desfazer
uma confusão entre moralidade e lei, que algumas vezes atinge à altura de uma
teoria consciente, e mais freqüentemente e de maneira constante confunde ao
nível das minúcias sem atingir o nível consciente. Muito simplesmente pode-se
ver que um homem mau[6]
tem tanta razão quanto um bom para desejar evitar um encontro com o poder
público, sendo, portanto, possível ver-se a importância prática da distinção
entre moralidade e lei. Alguém que não se preocupa com uma regra ética criada e
posta em prática por seus visinhos, preocupa-se bastante em evitar ter que
pagar alguma quantia e deseja escapar da cadeia, se puder.
Tomo
como perfeitamente aceito que nenhum de meus ouvintes irá interpretar o que
tenho a dizer como linguagem do cinismo. A lei é a testemunha e o depósito
externo de nossa vida moral. Sua história é a história do desenvolvimento moral
da raça. Sua prática, apesar das pilhérias populares, tende a produzir bons
cidadãos e bons homens. Quando enfatizo a diferença entre lei e moral refiro-me
ao simples fim da de aprender e entender a lei. Para tal propósito, deve-se
dominar de modo definido suas marcas específicas, e é por causa disto que lhes
peço que se imaginem como indiferentes a qualquer coisa outra ou maior.
Não
digo que não haja um ponto de vista mais amplo a partir do qual a distinção
entre lei e moral se torne secundária ou sem importância, como todas as
distinções matemáticas se desvanecem na presença do infinito. Mas digo que a
distinção é de primeira importância para o objeto que temos aqui a considerar –
um estudo correto da lei e seu domínio, como um empreendimento dentro de
limites bem compreendidos, um corpo de dogmas enclausurado entre linhas
definidas. Acabo de mostrar a razão prática para dizer isso. Se alguém quiser
saber a lei e nada mais, deve encará-la como o homem mau, que só se preocupa
com as conseqüências materiais que tal conhecimento lhe permite prever, e não
como um homem bom que encontra razões para sua conduta, no interior ou fora da
lei, nas vagas sanções da consciência. A importância teórica da distinção não é
menor do que se o assunto fosse tratado corretamente. O direito está repleto de
fraseologia proveniente da moral, e por pura força da linguagem continuamente
nos convida a passar de um domínio a outro sem perceber, tendo certeza de que
assim procedemos salvo se a fronteira entre ambos estiver constantemente diante
de nossas mentes. A lei fala de direitos, deveres, malícia, intento,
negligência e daí em diante, e nada é mais fácil ou comum no raciocínio legal
do que tomar essas palavras em seu sentido moral, em algum estágio do
argumento, e, desse modo, cair em uma falácia. Por exemplo, quando falamos dos
direitos do homem num sentido moral, queremos marcar os limites de
interferência com a liberdade individual que pensamos estarem prescritos pela
consciência, ou por nosso ideal, onde quer que seja alcançada. É, contudo,
certo que várias leis foram impostas no passado, e provavelmente, algumas estão
sendo impostas no momento presente, que são condenadas pela opinião mais
esclarecida do tempo ou que passam os limites de interferência que muitas
consciências estabeleceriam. Manifestamente, portanto, somente confusão de
pensamento poderia resultar do fato de se assumir que os direitos do homem num
sentido moral se equivalem aos direitos no sentido da Constituição e da lei.
Sem dúvida, casos simples e extremos podem ser colocados de leis imaginárias
que o poder de impor estatutos não tentaria impor, mesmo na ausência de
proibições constitucionais, porque a comunidade se rebelaria e lutaria contra;
e isto fornece certa plausibilidade à proposição de que a lei, se não for parte
da moralidade, é limitada por ela. Mas esse limite do poder não é co-extensivo
com qualquer sistema moral. Em sua maior parte ele se localiza longe dos
limites de um tal sistema, e em alguns casos pode excedê-los, por razões
decorrentes de hábitos de um povo em particular num tempo particular [...][7]
Não se pode negar que estatutos errados possam ou sejam impostos, e não
estaríamos todos concordes sobre quais seriam errados.
A
confusão com a qual estou lidando cerca confessadamente as concepções
legais.
Tome-se a questão fundamental: O que constitui o direito?
Encontrar-se-ão alguns autores de textos dizendo de que é alguma coisa
diferente do que é decidido pelos tribunais de Massachusetts ou da Inglaterra,
de que é um sistema de razão, de que é uma dedução a partir de princípios da
ética ou axiomas admitidos, o que pode ou não coincidir com as decisões. Se for
tomado o ponto de vista de nosso amigo, o homem mau, ver-se-á que ele pouco
liga para axiomas ou deduções, mas quer efetivamente saber o que provavelmente
farão de fato os tribunais de Massachusetts ou da Inglaterra. Eu mesmo sou
muito mais dessa maneira de pensar. As profecias do que de fato farão os
tribunais, e nada mais pretensioso do que isso, é o que entendo por direito.
Tome-se
novamente uma noção que, compreendida popularmente, é a mais ampla que a lei
contém – a noção de obrigação legal, à qual antes já me referi. Preenchemos a
palavra com todo conteúdo que extraímos da moral. Mas o que ela quer dizer para
o homem mau? Principalmente, e em primeiro lugar, uma profecia de que se ele
fizer certas coisas, será submetido a conseqüências desagradáveis por meio da
prisão ou do pagamento compulsório de alguma quantia monetária. Mas de seu
ponto de vista, qual a diferença entre ser multado ou ser taxado em certa soma
por ter feito alguma coisa? Que esse ponto de vista é o teste dos princípios
legais, mostra-se pelas diversas discussões, que têm havido nos tribunais a
respeito precisamente da questão se uma dada imposição estatutária é uma
penalidade ou uma taxa. Da resposta à questão depende a decisão se a conduta é
legalmente incorreta ou correta, e também se o homem está sob compulsão ou está
livre [...]
De
minha parte, freqüentemente ponho em dúvida se não seria um ganho, caso todas
as palavras de importância moral pudessem ser banidas da lei, e fossem adotadas
outras palavras que veiculassem idéias legais desprovidas de qualquer coloração
decorrente de qualquer coisa estranha à lei. Soltaríamos o registro fóssil de
um bom número de história e majestade provenientes de associações éticas, mas
nos livrando de uma desnecessária confusão, ganharíamos muito em termos de
clareza de nosso pensamento.
Isto
basta quanto aos limites da lei. O próximo assunto de que desejo considerar é
quais são as forças que determinam seu conteúdo e seu crescimento. Pode-se assumir
com Hobbes, Bentham e Austin, que toda lei emana do soberano, mesmo quando os
primeiros seres humanos que a enunciaram fossem juízes, ou pode-se pensar que a
lei é a voz do Zeitgeist, ou o que se quiser. Tudo isso se equivale diante de
meu presente propósito. Mesmo que cada decisão requeresse a sanção de um
imperador com poder despótico e um caprichoso estado mental, estaríamos
interessados, ainda tendo em vista uma predição, em descobrir alguma ordem,
alguma explicação racional e algum princípio de crescimento para as leis que
ele estabelecesse. Em todo sistema há tais explicações e princípios a serem
descobertos. É com respeito a eles que surge uma segunda falácia, que me parece
importante ser aqui exposta.
A
falácia a que me refiro é a noção de que a única força atuante no
desenvolvimento da lei é a lógica. No mais amplo sentido, com efeito, essa
noção seria verdadeira. O postulado pelo qual pensamos a respeito do universo é
que existe uma relação quantitativa fixa entre cada fenômeno e seus antecedentes
e conseqüentes. Caso haja uma coisa tal como um fenômeno sem essas relações
quantitativas fixas, tratar-se-á de um milagre. Tal fenômeno estaria fora da
lei da causa e de efeito, e transcenderia nosso poder de pensamento, ou ao
menos alguma coisa para a qual ou a partir da qual não poderíamos raciocinar. A
condição de nosso pensamento a respeito do universo é que ele é capaz de ser
pensado racionalmente, ou, em outras palavras, que cada uma de suas partes é
efeito e causa no mesmo sentido em que aquelas partes estão com relação com
aquilo que nos é mais familiar. Deste modo, no sentido mais amplo, é verdade
que a lei é um desenvolvimento lógico, como qualquer outra coisa. O perigo de
que falo não é a admissão de que os princípios que governam outros fenômenos
também governam a lei, mas a noção de que um dado sistema, o nosso, por
exemplo, pode ser trabalhado tal como a matemática a partir de alguns axiomas
gerais de conduta. Este é o erro natural das escolas, mas nela não se confinam.
Uma vez ouvi um eminentíssimo juiz dizer que ele nunca tomava uma decisão até
que ele estivesse absolutamente seguro que ela estava certa. É por causa disso
que o dissenso é freqüentemente condenado, como se ele quisesse dizer
simplesmente que um lado ou o outro não estava fazendo suas contas
corretamente, e que se ambos fizessem um pouco mais de esforço, a concordância
inevitavelmente surgiria.
Essa
maneira de pensar é inteiramente natural. O treinamento dos advogados é um
treinamento em lógica. Os processos de analogia, discriminação e dedução são
aqueles nos quais eles se sentem mais à vontade. A linguagem da decisão
judicial é principalmente a linguagem da lógica. E o método lógico, assim como
a forma, satisfaz aquela necessidade de certeza e de repouso que se encontra em
toda mente humana. Mas a certeza geralmente é ilusória, e o repouso não é o
destino do homem. Por trás da forma lógica encontra-se um juízo a respeito do
valor e da importância dos fundamentos legislativos que se encontram em
competição, embora seja verdade que tal juízo seja freqüentemente inarticulado
e inconsciente, embora permaneça sendo a verdadeira raiz e nervo de todo o
procedimento. É possível conferir-se forma lógica a qualquer conclusão. Pode-se
sempre implicar uma condição a um contrato. Mas por que implicá-la? Certamente
isto é devido a alguma crença assim com à pratica da comunidade ou de uma
classe, ou é devido a alguma opinião, talvez política. Em suma, devido a alguma
atitude sobre uma matéria incapaz de uma medida quantitativa, e, portanto, não
capaz de fundar conclusões lógicas exatas. Tais assuntos são, na realidade,
campos de batalha onde não há meios para determinações que serão boas para
sempre, e nas quais as decisões nada mais poderão fazer do que dar corpo à
preferência a certo assunto em um dado tempo e em dado lugar. Não imaginamos
quão ampla parte de nossa lei está aberta a reconsiderações a partir de uma
leve mudança no hábito da mente pública. Nenhuma proposição concreta é
auto-evidente, e não importa quanto estejamos prontos para aceitá-la, ninguém
tem o direito de fazer o que quiser, mesmo que não interfira num igual direito
de seus visinhos [...]
Há uma
batalha dissimulada meio inconsciente quanto à questão da política legislativa
e se alguém pensar que ela pode ser estabelecida dedutivamente, ou de uma vez
por todas, somente posso dizer que penso que ele esteja teoricamente errado, e
que eu estou certo que sua conclusão não será aceita na prática semper
ubique et ab omnibus.
Em
todos os lugares a base do direito é a tradição, a tal ponto que corremos o
risco de conferir uma importância exagerada ao papel exercido pela história [...]
Tenho confiança em que ninguém irá entender minhas palavras como de desrespeito à lei, somente por que a critico tão livremente. Venero a lei, e especialmente nosso sistema de leis, como um dos mais vastos produtos da mente humana. Ninguém sabe melhor do que eu o incontável número de grandes inteligências que se dedicaram a fazer algum acréscimo ou desenvolvimento, o maior deles sendo mínimo quando comparado com o todo. Seu maior título é existir, não sendo um sonho hegeliano, mas uma parte da vida dos homens. Mas pode-se criticar mesmo o que se venera. A lei é o negócio ao qual devoto minha vida, e me faltaria devoção não fizesse o que em mim permite aperfeiçoá-la, e quando percebo o que me parece ser o ideal em seu futuro, me faltaria igualmente devoção se hesitasse a denunciar o que cabe aperfeiçoar e fazer avançar com todo meu coração.
Talvez tenha dito o suficiente para mostrar a parte que o estudo de história necessariamente desempenha no estudo inteligente da lei em nossos dias [...] Devemos tomar cuidado com a cilada do antiquarianismo[8], e lembrar que para os nossos propósitos nosso único interesse no passado é devido à luz que ele lança sobre o presente. Espero pela vinda de um tempo em que a parte exercida pela história na explicação dos dogmas será pequena, e em vez da pesquisa ingênua, gastaremos nossa energia em um estudo dos fins a serem alcançados e das razões para desejá-los. Como um passo em direção a esse ideal parece-me que cada advogado deve procurar entender de economia. O divórcio atual entre as escolas de economia política e de direito parece-me uma evidência de quanto se deve progredir no estudo filosófico a ser ainda levado a cabo. No estado presente da economia política, com efeito, recorremos ainda em larga escala à história, sendo chamados a considerar os fins da legislação, os meios para atingi-los, assim como seu custo e ponderar a respeito disso tudo. Aprendemos que para a aquisição de cada coisa, temos que abandonar outra, e somos ensinados de calcular a vantagem adquirida em contraposição à que se perde e, a saber, o que estamos fazendo quando a elegemos.
Há
outro estudo que algumas vezes é menosprezado pela mente prática, sobre o qual
quero dizer alguma coisa, embora pense que muita coisa de pequena importância
corre sob esse nome. Quero mencionar o que se denomina jurisprudência. A
Jurisprudência como eu a entendo, é simplesmente a lei em sua parte mais generalizada.
Todo esforço de reduzir o caso a uma regra é um esforço de jurisprudência,
embora o nome tal como é usado em inglês confine-se às regras mais amplas e às
concepções mais fundamentais. Uma marca distintiva de um grande advogado é sua
capacidade de ver a aplicação das regras mais amplas [...] Se alguém procura a
lei, ele o faz para dominá-la, e dominá-la significa passar reto sobre os
incidentes dramáticos e discernir a verdadeira base para a profecia. Portanto,
basta ter uma noção apurada do que se quer significar por lei, por um direito,
por um dever, por malícia, por intento, por negligência, por propriedade, por
posse, e, assim por diante [...]
O
conselho dos mais velhos aos mais jovens provavelmente é tão irreal quanto uma
lista dos melhores cem livros [...] A maneira de adquirir uma visão liberal de
seu assunto não é ler alguma coisa, mas atingir o ponto mais profundo do próprio
assunto. Os meios para fazê-lo são, em primeiro lugar, percorrer o corpo
existente dos dogmas até suas mais altas generalizações com a ajuda da
jurisprudência; em seguida, descobrir pela história como chegou ele a ser tal
como é; e, finalmente, tanto quanto possível, considerar os fins desejados, o
que deve ser abandonado para alcançá-lo, e se eles merecem tal preço [...]
Os
direitos e deveres primários com os quais se preocupa a jurisprudência são nada
mais que profecias [...] um dever legal assim denominado é tão somente uma
predição de que se um homem faz ou omite alguma coisa, sofrerá desse ou daquele
modo pelo juízo do tribunal; e o mesmo se diga de um direito legal. O dever de
manter um contrato pelo direito consuetudinário significa uma predição de que
se deve pagar os danos se não cumpri-lo, e nada mais. Se for cometido um delito
civil, fica-se responsável por pagar uma soma compensatória. O não cumprimento
de um contrato traz a responsabilidade pelo pagamento de um soma compensatória
a não ser que transcorra o acontecimento, sendo esta a diferença. Pode-se ver,
assim, como a vaga circunferência da noção de dever diminui, ao mesmo tempo em
que se torna mais precisa quando lavada com ácido cínico e expele tudo, salvo o
objeto de nosso estudo, a saber, as operações da lei.
Venho
falando do estudo do Direito, e praticamente nada falei do que comumente se
fala ligado a isto – livros de texto, obras sistemáticas e toda maquinaria com
a qual o estudante mais imediatamente entra em contato. A teoria é meu assunto,
e não os detalhes práticos. Os modos de ensinar têm sido implementados desde
meu tempo de estudante, mas a habilidade e a inventividade dominarão o material
bruto seja por que modo for. A teoria é a mais importante parte da dogmática do
direito, assim como o arquiteto é importante sujeito que toma parte na
construção de uma casa. Para o incompetente, algumas vezes é verdade, como tem
sido dito, que um interesse em idéias gerais significa uma ausência de
conhecimento particular [...] Mas o fraco e o tonto devem ser deixados em sua
tontice. O perigo está na mente competente e prática ver com indiferença e
desconfiança as idéias cuja conexão com seus negócios é remota [...] O objeto
de ambição e poder geralmente se apresentam hoje em dia somente na forma de
dinheiro. O dinheiro é a forma mais imediata, sendo um objeto próprio do
desejo. “A fortuna, diz um autor, é a medida da inteligência.” Este é um belo
texto para fazer acordar as pessoas do paraíso dos bobos. Mas, como diz Hegel,
“Ao final, não se encontra o apetite, mas a opinião para ser satisfeita.” Para
uma imaginação de qualquer escopo a forma de maior alcance do poder não é o
dinheiro, mas o comando de idéias. Caso queiram bons exemplos disso, vejam como
cem anos após a morte de Descartes, suas especulações abstratas se tornaram uma
força prática controlando a conduta dos homens. Leiam as obras dos grandes
juristas alemães, e vejam quão mais o mundo atual é dirigido por Kant do que
por Bonaparte. Nem todos nós podemos ser Descartes ou Kant, mas todos queremos
a felicidade. E a felicidade, disto estou certo, já que conheci muitos homens
de sucesso, não pode ser ganha simplesmente por conselho de grandes corporações
e pelo ganho de cinqüenta mil dólares. Uma inteligência suficientemente grande
para ganhar o prêmio, precisa de outros alimentos além do sucesso. Os mais
remotos e gerais aspectos da lei são os que lhe conferem interesse universal. É
através deles que o homem se torna não somente um grande mestre na opinião dos
outros, mas articula o assunto de seu interesse com o universo e capta um eco
do infinito, lança um rápido olhar em seu insondável processo, uma sugestão da
lei universal.
(Anexo 01)
LOCNER vs. NEW YORK[9]
Oliver
Wendell Holmes, Jr. (1905)
(Dissenso)
Lamento sinceramente não ser capaz de concordar com o julgamento neste caso [invalidando um estatuto que limitava o número de horas de trabalho nas padarias][10], e pensar ser meu dever expressar meu dissenso.
Este caso foi decidido com base na teoria econômica cuja grande parte do país não adota. Fosse esta uma questão de eu concordar com esta teoria, desejaria estudá-la mais profunda e longamente antes de formar uma opinião. Mas não concebo ser este o meu dever, pois fortemente creio que minha concordância ou discordância nada tem a ver com o direito de um maioria dar corpo a suas opiniões na lei. Foi estabelecido por várias decisões da Corte que as constituições estaduais e as leis estaduais podem regular a vida de vários modos, que nós como legisladores podemos pensar como sendo não judiciosos ou, se preferirem, como tirânicos, e que igualmente como neste caso interferem na liberdade de contrato. As leis do Domingo e as leis da usura são exemplos antigos. Um caso mais moderno é a proibição das loterias. A liberdade do cidadão de fazer o que quiser, enquanto não interferir na liberdade dos outros fazerem o mesmo, e que tem sido uma marca distintiva para alguns escritores bem conhecidos, sofre a interferência das leis escolares, do Correio, em cada Estado ou instituição municipal que toma seu dinheiro, para propósitos que se pensam desejáveis, goste ele disto ou não. A décima quarta emenda[11] não transforma em lei a Estática Social do Sr. Hebert Spencer[12]. Outro dia sustentamos a lei da vacinação de Massachusetts. Os estatutos e as decisões dos Estados Unidos e dos estados derrubando a liberdade de se contratar por meio de combinação, são familiares a esta Corte. Dois anos atrás aprovamos a proibição das vendas de estoque sobre margens ou para futura entrega na Constituição da Califórnia. A decisão sustentando uma lei de oito horas para os mineiros ainda é recente. Algumas destas leis dão corpo a convicções e preconceitos dos quais os juízes de modo semelhante compartilham. Algumas, possivelmente não. Mas uma Constituição não é feita para dar corpo a uma teoria econômica particular, seja de paternalismo e de ralações orgânicas do cidadão ao Estado ou de laissez-faire. Ela é feita para um povo, com modos de ver fundamentalmente diferentes, e o acidente de acharmos certas opiniões naturais e familiares ou novas e mesmo chocantes não deve levar nosso juízo a concluir a respeito da questão, se os estatutos que incorporam estão em conflito com a Constituição dos Estados Unidos.
Proposições
gerais não decidem casos concretos. A decisão dependerá de um julgamento ou
intuição[13]
mais sutil do que qualquer premissa maior articulada[14].
Mas penso que a proposição agora estabelecida, caso seja aceita, nos levará
para o fim. Toda opinião tende a se tornar lei[15].
Creio que a palavra liberdade na décima quarta emenda é pervertida quando usada
para impedir o encaminhamento natural da opinião dominante, a não ser que se
possa dizer que o homem racional e justo, necessariamente admitiria que o
estatuto proposto infringisse princípios fundamentais, como têm sido
compreendidos pelas tradições de nosso povo e de nosso direito. Não é
necessário pesquisar para mostrar que nenhuma condenação tão devastadora teria
passado sobre o estatuto diante de nós. Um homem dotado de razão pode pensar
uma medida apropriada no que diz respeito à saúde. Pessoas às quais eu
certamente não poderia declarar desprovidas da razão a aprovariam como a
primeira etapa de uma regulamentação geral das horas de trabalho. Caso, sob
este último aspecto a resolução se tornasse passível de contestação, por tratar
desigualmente casos semelhantes, penso não ser necessário discutir.
[1] O tradutor é Doutor em
Filosofia. Professor do Programa de Pós-graduação em Filosofia da
UNESP/Marília. Participa do “Projeto Cognitus” de assessoria à
PETROBRAS para questões de Meio Ambiente e é Membro Honorário do Núcleo de
Psicanálise de Marília e Região.
[2] O revisor é Bacharel e Mestre em Direito e
Doutor em Educação e em Ciências Sociais.
[3] O texto foi traduzido a partir de Possner,
Richard A. (ed.) The
Essential Holmes. Chicago - London. the University
of Chicago Press. 1992. p.
160-177.
[4] Conforme o imperativo
categórico: "Age sempre de maneira a tratares a humanidade em ti e
nos outros sempre ao mesmo tempo como um fim e jamais como um simples
meio" (segunda regra). "Age como se fosses ao mesmo tempo
legislador e súdito na república das vontades" (terceira regra).
[5] NT. No caso, os Estados Unidos da América.
[6] Homo homini lupus est (nota do revisor).
[7] NT. As passagens supressas do original dizem respeito a assuntos do
momento, certamente do conhecimento do auditório. Podem também corresponder a
digressões exemplares sobre investigações na história do direito
consuetudinário, de questões restritas àquele direito.
[8] Há uma forte conotação conservadora e até reacionária no uso da
expressão Antiquarianismo inglês: diletantismo do partido Whig, influências do sturm
und drang alemão, nacionalismo inglês, nostalgia do mundo feudal e verdadeiro
terror das transformações liberais (ou de “democracia radical”) propostas pela
Revoluçao Francesa.
[9]Posner, Richard A. – The Essential Holmes. Chicago and London. The
University of Chicago Press. 1992.
P.305-307.
[10] Acréscimo do editor.
[11] NT. A décima quarta emenda à Constituição dos
Estados Unidos da América, em sua Seção 1, diz que: Seção 1. Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas
nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados
Unidos e do Estado em que residem. Estado algum fará qualquer lei, ou a ela
dará força, que restrinja os privilégios e imunidades dos cidadãos dos Estados
Unidos nem Estado algum destituirá uma pessoa de sua vida, liberdade ou
propriedade, sem o devido processo legal; nem negará a alguém dentro de sua
jurisdição a igual proteção das leis. VAN DOREN STERN, Philip (ed.)
– The Pocket Book of América.
New York. Pocket Book Inc. 1942.
[12] É desse filósofo inglês (1820 1903) a expressão "sobrevivência do mais apto" e,
por isso, é considerado o criador do chamado “Darwinismo social”, muito embora
nunca tenha empregado a expressão. Também a Spencer é associado o “imperialismo
inglês”. (Nota do revisor).
[13] Para o sociólogo alemão Max
Weber, intuição é uma dedicação integral a uma causa especial, só
surgindo com trabalho e paixão. Curiosamente, o relato também foi
realizado em forma de conferência: A
ciência como vocação. (Nota do revisor).
[14] Mas, e quando diante, por exemplo, do
Princípio da Verdade Real, prevalecente nas relações jurídicas trabalhistas,
coloca-se um “formalismo” frenético e exacerbado? (Nota e grifos do revisor).
[15] Talvez esteja empregando o sentido forte da
liberdade, sob os princípios do liberalismo clássico. Mas, é preciso lembrar
que os “liberais”, como John Locke, foram contratualistas que viam a vontade
individual, de certo modo, subsumida ao “contrato social” ou a regras morais
anteriormente fixadas. (Nota do revisor).
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