Quarta-feira, 24 de janeiro de 2018 - 07h15
Capa da obra que será lançada hoje na Loja Maçônica União e Perseverança.
Em Abunã nasceu a luz: a Augusta e Respeitável Loja Simbólica União e Perseverança número 947, cem anos de história (1918-2018)
Por Dante Ribeiro da Fonseca
A Loja Maçônica União e Perseverança, número 947, jurisdicionada ao Grande Oriente do Brasil – GOB, completa no dia de hoje seus 100 anos de fundação em Porto Velho. Para comemorar haverá hoje uma Sessão Solene Comemorativa em sua sede situada à rua José Bonifácio, esquina com rua Dom Pedro Segundo no Centro de Porto Velho (RO). Como parte da Sessão receberá a Loja a Medalha do Mérito Marechal Rondon, a mais alta condecoração concedida pelo estado de Rondônia e a Cruz da Perfeição Maçônica, concedida pelo GOB. Ás autoridades civis e maçônicas presentes serão entregues as Medalhas Comemorativas dos Cem Anos da União e Perseverança. Ainda como parte dos festejos será lançado o selo comemorativo respectivo à data e o livro dos cem anos, cujo título é o mesmo do presente artigo. Após a Sessão Solene será servido um coquetel aos convidados no Salão Social da Loja.
A Loja Maçônica União e Perseverança teve sua primeira tentativa de constituição no Oriente de Presidente Marques (Abunã), vila e distrito do município de Santo Antonio do Madeira, então pertencente ao estado do Mato Grosso e estação ferroviária da Madeira-Mamoré, em 1916. Devido aos problemas ocasionados pela dificuldade em manter reuniões regulares, derivados do fato que a maioria dos seus membros se ocupava nas lides dos distantes seringais, iniciou sua transferência no ano seguinte para Porto Velho por iniciativa de seus fundadores, fato que se efetivou em 24 de janeiro de 1918. O texto que segue abaixo é um extrato do livro já citado e descreve o contexto da vila de Presidente Marques então.
“O vale do rio Abunã
O segundo evento Maçônico que temos registro ocorreu aproximadamente sete anos após a reunião dos maçons da Madeira-Mamoré no Acampamento 11. Como a letra do hino da Augusta e Respeitável Loja Simbólica União e Perseverança, número 947 diz: No Abunã, nasceu a luz, da União e Perseverança. Nada mais propício, profético mesmo, o nome da região e localidade onde os trabalhos maçônicos iniciaram sua institucionalização em terras antes pertencentes ao Mato Grosso, hoje Rondônia.
Mas o que é o Abunã? A pergunta então faz sentido em razão do ato fundador nele praticado em 1916 pelos maçons naquela localidade. Podemos encontrar três respostas de imediato. Abunã é um rio cuja nascente se forma pela junção dos rios Chipamanu e Caramanu, ambos no departamento boliviano de Pando. Constitui esse curso grande parte da fronteira do Brasil, nos estados de Rondônia e Acre, com a Bolívia, departamento de Pando. O Abunã tem como seus principais afluentes os rios Rapirrán, Mapim, Mamo-Manu e Negro.
Esses afluentes contribuem para que seja um rio volumoso, que desagua no alto curso do rio Madeira, já no Brasil, portanto, no seu trecho encachoeirado. Segundo Lacerda e Almeida, subindo o rio Madeira, após a passagem do salto da Pederneira encontra-se a embocadura do rio Abunã a 3 léguas da cachoeira das Araras (ALMEIDA, 1841, p. 25).
Com base nos registros remanescentes do Período Colonial e da segunda metade do século XIX podemos caracterizar esse espaço, que se estendia desde as margens do rio Jaci-Paraná até as margens do rio Abunã, como sendo território dos nativos caripunas. Esses nativos desde o século XVIII eram tradicionais auxiliares eventuais na passagem das embarcações e mercadorias pelo trecho encachoeirado. Essas canoas transitavam entre Belém ou Manaus e localidades bolivianas como Trinidad e Exaltación, no rio Mamoré e Vila Bela da Santíssima Trindade, no rio Guaporé, Mato Grosso (CASTELO BRANCO, 1950, p. 94).
Figura 8: Mapa da Estrada de Ferro Madeira Mamoré - EFMM, 1969.
Fonte: Centro-Oeste, ferreomodelismo, trens e ferrovias do Brasil. Disponível em: http://vfco.brazilia.jor.br/
Contudo, há registro desses caripunas, instalados além dos limites desse território. Assim é que em 1861 o cidadão peruano Faustino Maldonado, em viagem na qual explorou o Madre de Dios, encontrou na embocadura do rio Beni uma maloca dos caripunas, dos quais adquiriu duas embarcações para continuar viagem (VELARDE, 1886, pp. 180-181).
Em 1865, existiam dois ramos desse mesmo grupo localizados no trecho desde a cachoeira de Araras até o Abunã. Vejamos abaixo da descrição desses grupos feita pelo presidente Província do Amazonas Albuquerque Lacerda, em relatório de 1865:
[…] Pouco abaixo da cachoeira de Araras, existe a aldeia do capitão Buxi, filho do respeitável capitão Tupy, do Abunã. São também caripunas, os índios das duas aldeias, mas de boa índole e trabalhadores. Tupy conta mais de 70 anos. Educado no Mato Grosso, fala bem o português, e referem os bolivianos que sua patente foi-lhe concedida por S. M. o Imperador. (LACERDA, 1865, p. 22).
O coronel A. R. Pereira Labre, em viagem pelo rio Madeira em 1877, explorou por quatro quilômetros o rio Abunã, tendo transposto à sirga sua primeira cachoeira à montante da foz (LABREA, 1888, p. 105). Apesar da passagem do explorador brasileiro, a colonização dos principais rios do alto Madeira iniciou através da ação pioneira dos bolivianos. As descobertas do médico Edwin Heath, que explorou o Beni em 1880, revelando sua navegabilidade, serviram de rápido estímulo para a expansão da exploração gumífera naquela área. Liderada pelo empresário Nicolas Suarez, essa família fundou a localidade Cachuela Esperanza em 1882, situando-a na margem direita do rio Beni distante trinta quilômetros de sua confluência com o rio Mamoré.
Assim, em 1883 já haviam os bolivianos ocupado o rio Beni com a exploração da seringa. Naquele ano havia 50 estabelecimentos nessa atividade no rio Beni ocupando uma população de 2.117 pessoas. Colonizavam também os bolivianos dois rios, distantes poucas léguas do Abunã: o rio Madre de Dios onde constituíram 15 estabelecimentos rurais extrativos que ocupavam 585 pessoas e o rio Orton, distante 9 léguas, com 4 estabelecimentos ocupando 123 pessoas. Juan Francisco Velarde finaliza sua descrição desse rio afirmando: O Aboná ou Uaicomanú é de maior volume ainda que o Orton e tem, como este, em suas margens, uma abundancia extraordinária de seringaes. (VELARDE, 1886, pp. 186-187).
Assim, antes mesmo do despontar do século XX e da construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, o rio Abunã já era ocupado por seringais, conforme disserta Octavio Reis, em carta datada do seu seringal Fortaleza, no Abunã, em 09 de maio de 1938:
E muito antes disso, não havia começado ainda o XX século e já os Bolivianos que partiam da cidade de Riberalta, no Madre de Dios, em 1898, invadiam as suas nascentes, explorando Don Roperto Medina os seringais Vila Rica e Perpetuo Socorro, os Maiores do Abunã de então; com Claudio Terraza os seringais Santa Rosa e Montevideu, todos no médio Abunã; D. Justo Terraza os do Alto Abunã; Don Roperto Oliver e Francisco Coimbra os do baixo-Abunã federal e boliviano; sendo a parte amazonense explorada pela firma comercial boliviana Mercado e Bolivian [sic, provavelmente Balivián]. (Apud CASTELO BRANCO, 1950, p. 99).
A vila de Presidente Marques ou Abunã
Com a finalização da construção da Madeira-Mamoré novas povoações surgiram às margens do seu leito. A ferrovia possuía 28 estações de paradas dos seus trens onde existiam apenas de 6 a 10 moradias, geralmente residência do pessoal ferroviário. Contudo, algumas estações, eram estratégicas, pois ficavam próximas às confluências dos afluentes do rio Madeira produtores de borracha e, por isso, tiveram maior desenvolvimento. Esse era o caso das povoações de Jaci-Paraná e Mutum-Paraná, próximas à confluência dos rios homônimos; Vila Murtinho, na foz do Beni, e Abunã, próxima à confluência do rio de mesmo nome. Nessas povoações existia mais moradores, e vieram a possuir casas de comércio, correios, postos fiscais, igreja, escola, depósitos para as pélas de borracha que aguardavam transporte e aviamentos tanto para os seringais brasileiros como bolivianos (EGLER, 1979, p. 62)
Em 1915 foram criados três distritos de paz na área do município de Santo Antônio: o 1º. em Santo Antonio do Rio Madeira; o 2º. em Presidente Marques (Abunã) ambos na margem da ferrovia e o 3º. em Ariquemes, criado originalmente como posto telegráfico pela Comissão Rondon (Resolução 735 de 6/10/1915, Poder Legislativo, Estado de Matto-Grosso). Dois anos antes foi criado um posto fiscal do governo do Mato Grosso em Abunã (LEITE, 1924, p. 40).
Não devemos confundir Abunã (Presidente Marques) com Fortaleza do Abunã. Podemos ser facilmente levados a essa confusão em razão de que têm nomes parecidos e estão no mesmo rio. Mas são localidades distintas. Até 1943 Fortaleza do Abunã, próxima à cachoeira de Fortaleza, no rio Abunã, estava sob a jurisdição do estado do Amazonas, enquanto que a Vila de Presidente Marques, estação ferroviária de Abunã, estava sob a jurisdição do Estado do Mato Grosso. (SILVA, 2010, p. 69). As duas localidades passaram a pertencer ao Território Federal do Guaporé, quando ele foi criado nesse mesmo ano.
Abunã surgiu então como estação ferroviária ao redor da qual cresceu uma povoação que se tornaria importante comercialmente. Até aproximadamente os anos de 1930 foi essa povoação bastante movimentada em comércio e população. A região do rio Abunã chegou a possuir 10.000 habitantes no período de 1915 a 1930. O Alto Madeira, na sua edição de 12 de setembro de 1918, informa a seguinte composição da população daquela vila:
A população de Presidente Marques
A população do districto de Presidente Marques, no município de Santo Antonio do Rio Madeira, a 22 de Junho do corrente anno é de 637 almas, das quaes 517 na sede.
Quanto ao sexo, discriminam-se assim os habitantes de Presidente Marques: homens 424; mulheres, 213.
Quanto à nacionalidade: brasileiros, 492; estrangeiros, 145.
Desses são: portuguezes, 35; Syrios, 33; barbadianos,19; bolivianos,17; hespanhoes, 7; gregos, 4; austríacos, 3; russos, americanos, peruanos, franceses, italianos, turcos e chineses, 2 de cada nacionalidade; belgas, irlandeses, árabes, venezuelanos e marroquinos, 1 de cada. Ignorados, 8.
Quanto à idade: de 0 a 5 annos, 79; de 6 a 10 annos, 47; de 11 a 15 annos, 37; de 16 a 21 anos, 35; de 22 a 35 annos, 185; de 31 a 45 annos, 197; de 46 a 50 annos, 20; de mais de 50 annos, 16.
Observa-se então uma vila bem dinâmica naquele ano, com população significativa em número e composta por diversas nacionalidades. Essas nacionalidades nos indicam grosso modo as atividades econômicas que ali ocorriam: ferroviárias (barbadianos, e americanos), comerciais (portugueses, espanhóis, sírios, turcos, árabes e marroquinos), bolivianos e peruanos (extrativismo gumífero). Com a crise da borracha calcula-se que tenha se reduzido a aproximadamente 30% desse número, calculando-se existirem 4.000 almas naquele vale no ano de 1938 (Carta de Octavio Reis, Fortaleza do Abunã, 09/05/1938. Apud CASTELO BRANCO, 1950, p. 102).
Um recenseamento realizado pelo coronel Lima Figueiredo em 1928 apresenta-nos o seguinte resultado para o vale do rio Abunã: população do Território Federal do Acre 867 habitantes distribuídos em 11 seringais mais 91 moradores na vila de Plácido de Castro; na área do futuro Território Federal do Guaporé havia 187 moradores distribuídos em 3 seringais que somados a 573 habitantes de Fortaleza do Abunã mais 51 da Boca do Abunã somavam 811 habitantes, contra 958 do Acre (CASTELO BRANCO, 1950, p. 102). Assim, em 1928 a vila de Abunã era a menor da região e a maior parte dos seringalistas estava no Território do Acre. O que explica então o surgimento de outra loja simbólica nessa vila do vale do rio Abunã? Podemos aventar duas hipóteses. A primeira diz respeito ao fato de que a iniciativa de fundar a Loja União e Perseverança foi de pessoas vinculadas às atividades urbanas. A segunda consiste no fato de que no trecho da ferrovia, apesar de existirem 28 estações, a maioria das paradas ficavam em seringais e aquelas que resultaram em vilas de relativa importância comercial, embora pequenas, foram: Porto Velho, Vila Murtinho, Guajará-Mirim e Abunã (LEITE, 1924, p. 5).
Em novembro de 1959 o engenheiro e jornalista, Ir⸫ Manoel Rodrigues Ferreira, mais conhecido em Rondônia por ter escrito o livro Ferrovia do Diabo, que descreve a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré[1], partiu para uma viagem ao Território do Guaporé. Sobre essa viagem produziu um livro: “Nas selvas amazônicas”. De Porto Velho viajou por essa ferrovia até Guajará-Mirim, seu ponto final.
Havia duas viagens semanais para cobrir esse percurso de ida e volta que faziam o pernoite em Abunã. Os passageiros podiam aguardar o reinício da viagem, no dia seguinte, em um hotel erguido a cerca de 200 metros da estação na época da construção da ferrovia. Era um sobrado de madeira, com varandas e quartos protegidos com telas de arame para impedir a entrada de insetos e sistema de encanamento de águas e esgotos. Contudo, o estado geral de conservação do imóvel era muito precário, e o fornecimento de água encanada já não funcionava a contento. Assim descreve a vila:
A vila de Abunã tem somente uma rua, de cerca de um quilômetro de extensão, a qual está situada em frente à linha da estrada de ferro.
Do outro lado da linha passa, a cerca de cem metros, o Rio Madeira. Oito quilômetros abaixo encontra-se a foz do Rio Abunã. (FERREIRA, 1968, pp. 182-183).
Ou seja, naquele ano tornara-se apenas um local de pernoite para aqueles que viajavam pela Madeira-Mamoré. Essa perda de importância da vila costuma ser associada ao crescimento de Guajará-Mirim. A povoação foi minguando e perdendo importância até praticamente desaparecer com a desmobilização da ferrovia nos anos de 1970.
Homem de preto
Falta ainda uma terceira explicação, agora relativa ao topônimo Abunã e o profetismo, mesmo que por vias tortas, que se pode vislumbrar nesse nome. Como todo topônimo na língua geral, a tradução para o português pode encontrar diversas versões. Optaremos por uma delas. Aquela que mais se adequa ao nosso tema. Segundo Francisco da Silveira Bueno abunã significa: Homem preto, homem vestido de preto. (1998, p. 29). Provém da língua geral, o nheengatu, a'wuna, de a'wa 'homem' + 'una 'negro. É bem verdade que o termo pode se referir ao africano ou à batina preta do padre jesuíta. Mas também é coincidência a Maçonaria ter surgido na localidade denominada Abunã. Isso porque uma das características dos maçons brasileiros, mais visíveis aos não maçons, é o uso do terno preto.
[1] Escreveu também, em parceria com seu Irmão no mundo profano e na Maçonaria, uma obra em dois volumes sobre a História da Maçonaria no Brasil, trata-se de: FERREIRA, Manoel Rodrigues; FERREIRA, Tito Lívio. A Maçonaria na Independência Brasileira. 2 volumes. São Paulo: Biblos, 1962.
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