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Gente de Opinião

Dante Fonseca

Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho


Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho - Gente de Opinião

O último artigo que publiquei aqui tratou da figura do “velho Pimentel”, um personagem que, apesar de seu caráter até agora mítico, parece estar indissoluvelmente vinculado pelo imaginário e pela História à origem da cidade de Porto Velho. Sim, porque mitos também pertencem à História e por ela precisam ser explicados. Após a publicação do artigo, recebi com surpresa uma mensagem de zap alertando para diversas menções ao nome Ponto Velho contidas em um livro. Primeiramente explicarei a surpresa. Não foi pelo livro, pois o possuo em meio físico e digital há muitos anos. A razão da surpresa é que faz oito anos que publico nesta coluna e nunca recebi qualquer crítica, elogio, comentário ou contribuição em relação aos textos publicados. Dessa vez houve uma inusitada, rápida e pertinente reação de um leitor atento apenas poucas horas após a publicação.

O autor do alerta é o professor Luís Henrique Araújo, graduado em História pela Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR, professor do Colégio Militar dos Bombeiros Dom Pedro II, do Cursinho Impactus, Cursinho Pré-Vestibular Sapiens e mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Amazônia – PPGHAM/UNIR. Escreveu ele em sua mensagem: “Recentemente achei outra referência sobre essa questão, que o termo “Porto Velho” viria de “Ponto Velho” designado pela Comissão Morsing para situar a localidade que se transformaria em Porto Velho.”

 Trata-se então aqui não mais do velho Pimentel, mas do Ponto Velho mencionado no livro intitulado “Do Rio de Janeiro ao Amazonas e Alto Madeira: Itinerário e trabalhos. Comissão de Estudos da Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré. Impressões de viagem por um dos membros da mesma comissão”. É a mesma Comissão Morsing, que ficou assim conhecida em razão do nome do seu primeiro engenheiro chefe, Carlos Alberto Morsing. Conforme nos informa o “Almanach do Amazonas historico, administrativo, commercial, estatistico e litterario, 1884” (Manaus: Tipografia do Amazonas, 1884) a comissão foi autorizada pela lei no. 3.141 de 30 de outubro de 1882. Tinha por objetivo promover o estudo preliminar para a determinação do melhor traçado de uma estrada de ferro entre Santo Antônio e a Cachoeira do Guajará-Mirim. Partiu do Rio de Janeiro em 10 de janeiro de 1883, tendo iniciado seus trabalhos em Santo Antônio em 20 de março de 1883.

A referida obra foi publicada anonimamente no Rio de Janeiro, pela tipografia a vapor de Soares & Niemeyer em 1883. Creio que somente exista dela uma edição até hoje. Podemos especular que, talvez, a modéstia do autor tenha tentado cobrir com o manto do anonimato a autoria da obra. É possível também que o autor temesse ver seu nome envolvido nas polêmicas ocorridas entre os engenheiros da referida comissão (Morsing e Pinkas). Pode ser, enfim, outra a causa do anonimato, a qual não atinamos no momento.

Passados mais de cem anos após publicada, o nome de quem escreveu a obra foi revelado aos rondonienses em nota publicada no jornal “Alto Madeira” datado de 19/10/1989 sob o título “Certidão de Batismo de Porto Velho” e posteriormente no artigo intitulado “Ernesto Matoso e sua contribuição na gênese de Porto Velho”, que integra o “Compêndio de história e cultura de Rondônia” (FUNCER, Porto Velho. Edigral, 1993) ambos de autoria do acadêmico (Academia de Letras de Rondônia - ACLER) desembargador Hélio Fonseca.

Fonseca encontrou esse registro de autoria em outro livro do próprio Ernesto Matoso Maia Fortes intitulado “Coisas do meu Tempo (Reminiscências)” (Bordeaux: Imprimiries Gounouilhou, 1916). O dr. Hélio Fonseca concluiu pela autoria de Maia Fortes na parte do livro onde são listadas as obras do autor onde consta “Do Rio de Janeiro ao Amazonas ...”. Na obra, Fortes descreve que tendo se deslocado o engenheiro Huet Bacellar em lancha a vapor para jusante de Santo Antonio, a fim de explorar a margem direita do rio Madeira, encontrou um local com boas condições de ancoragem que era conhecido naquele tempo como Ponto Velho (Compêndio ..., Fonseca, 1993, p. 168).

Devemos, sem demérito à revelação do ilustre acadêmico, registar que já em 1908, em artigo jornalístico intitulado “Madeira Mamoré, 1867 a 1908, curiosas informações” encontramos a seguinte passagem: “[...] Ernesto Mattoso, actual diretor do Instituto Lauro Sodré, do vizinho Estado do Pará, que escreveu um livro intitulado Do Rio de Janeiro ao Alto Madeira, em que descreveu as suas impressoes.” (Jornal do Commercio, Manaus, ano 5, no. 1404, quinta feira, 20/02/1908). Entre aquele ano de 1908 quando Porto Velho apenas iniciava e 1993 passaram 85 anos e a publicação do Jornal do Commercio, assim como outras, ficou perdida no nevoeiro do passado, à espera de alguém que viesse resgatá-la, do mesmo modo que “Coisas do meu Tempo. Por último, conforme informa outro subtítulo, trata a obra das “Impressões de viagem por um dos membros da mesma comissão”. De fato, Fortes exerceu naquela comissão as funções de secretário e tesoureiro (Amazonas, ano XVII, número 924, Manaus, 23/09/1883).

Para economizar o tempo do pesquisador que tem interesse nos assuntos aqui tratados, acautelo que não busque em “Coisas do meu tempo” qualquer informação adicional sobre a origem de Porto Velho, não a encontrará.

A quantidade de elementos equivocados, ou mal fundamentados, que compõe a história da gênese da capital do estado de Rondônia, particularmente no caso desse artigo em relação ao seu nome, remonta aos primeiros escritos sobre a povoação, que foi se acumulando e até crescendo ao longo dos anos. Também assim sobre sua vizinha e antecessora, a povoação de Santo Antônio do Rio Madeira, tornada pelo governo do Mato Grosso cabeça do município do Alto Madeira em 1908.

Para encurtar o assunto, vou elencar vários erros sobre o tema constantes em texto explicativo que há anos está disponibilizado na wikipedia. A escolha se explica por comporem um resumo quase fiel da paisagem irreal que se tem sobre esse tema. Chamo a atenção para o fato de que não se tratam aqui de possibilidades, mas de erros comprovados pelas fontes disponíveis. É um pouco a síntese de falhas que, ora isoladas ora em grupos, povoam as histórias de Porto Velho, como de resto povoam todas as Histórias, seja onde for. Afinal, a ciência somente é possível onde há o erro ou o vácuo de conhecimento científico. Começa o texto informando ao leitor que em consequência do: a) Decreto-lei n.º 5.024 assinado pelo imperador Pedro II em 15 de janeiro de 1873 onde foram autorizados aos navios mercantes estrangeiros navegarem o rio Madeira; b) o porto de Santo Antônio foi dotado de equipamentos modernos de modo a facilitar a atracação e descarga dos navios; c) esse porto passou a ser denominado Porto Novo.

É de impressionar como conseguiu um pequeno texto produzir tanta confusão. Primeiramente, o número correto do decreto que abre a navegação do rio Madeira aos navios de todas as nações é 5.204 e a data certa é 25 de janeiro de l873 (Coleção de Leis do Império do Brasil de 1873. Tomo XXXVI, parte II. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1874, página 26). Acrescentamos também que não é um decreto-lei, mas um decreto. Nesses longos anos de pesquisa não encontramos decretos-lei no Período Imperial, o que nos faz desconfiar que essa figura jurídica não existia naquele período. Em segundo lugar não encontrei nenhum registro de investimentos de modernização no porto de Santo Antônio que era, e continuou sendo até o seu fim, uma barranca de rio. Em terceiro lugar, não encontrei, senão nesse site, nenhum registro desse Porto Novo. Havia, segundo Severiano da Fonseca, dois portos em Santo Antônio, o porto dos vapores (a jusante da cachoeira) e o porto das canoas (a montante da cachoeira). Em seguida, afirma a Wikipedia que o Porto Velho dos Militares, continuou a ser usado. Difícil entender como e a razão pela qual usariam esse suposto porto, pois não havia ligação por terra entre esse alegado Porto Velho dos Militares, que Fortes denominou Ponto Velho, e a povoação de Santo Antônio. Assim, qual o motivo da atracação de navios naquele local?

Bem, esses são os ingredientes de má qualidade, que mal cozidos se tornaram caldo de difícil digestão intelectual. De qualquer modo, há tanta confusão sobre a existência do Porto quanto do Velho. Da vez passada dissemos que o velho Pimentel está para Porto Velho assim como a Loba do Capitólio está para Roma. Aprimoramos melhor a analogia agora, o velho Pimentel está para a Loba enquanto o Ponto está para o Capitólio. No presente estudo optamos por tratar do “porto”, já que do “velho” tratamos anteriormente. É o Porto ou Ponto, portanto a razão de ser, o objetivo principal deste artigo.

Contudo, permitimo-nos aqui um parêntese para tratar mais uma vez do suposto velho. Isto em razão de que temos ainda algo que ficou esquecido no artigo anterior e é necessário agora acrescentar. Como viu-se, tudo o que conhecemos até agora da monografia escrita por Bohemundo Affonso em 1940 é um pequeno fragmento citado por Antônio Teixeira Guerra em 1953. Por este fragmento podemos saber que: o nome Porto Velho seria corruptela de Porto do Velho, em referência a um idoso que moraria nesse local. Não sabemos se em algum ponto da monografia de Affonso é citado o nome do velho, mas igualmente Cantanhede afirma a existência desse idoso na área onde surgiria a povoação, mas atribui-lhe um nome, Pimentel. Ainda Cantanhede ressalva com propriedade que a memória popular conhecia aquele local como Ponto Velho em 1907, do mesmo modo a que a ele se referiu Fortes em 1883. Mas Cantanhede revela nessa passagem sua incredulidade em relação à existência seja de uma pessoa morando naquele local seja de uma guarnição militar.

Retornando a Fortes, primeiramente, devemos evidenciar que dos fragmentos enviados pelo professor Luiz Henrique, que na verdade compõe-se de todas as passagens onde há a referência ao local. Não há sequer uma referência ao Ponto do Velho ou a Porto Velho, nem ao velho Pimentel, mas apenas ao Ponto Velho, conforme constante nas páginas 108, 155, 161, 177, 189, 192 e 193. Há também uma enorme imprecisão quanto a sua localização na obra de Fortes. Segundo ela, o local do Ponto Velho, ficaria a uma distância variável de Santo Antônio entre 8 quilômetros (1883, p. 161), 7 quilômetros (1883, p. 177) e 6 quilômetros (1883, p. 192). Compreendemos a causa da indefinição dadas as condições daquela primeira abordagem. Mas essa imprecisão não é muito importante, pois de fato abriga o espaço onde viria a se constituir a povoação de Porto Velho.

Uma das explicações encontradas na literatura pertinente para o nome Ponto Velho é que a palavra ponto seria, naquele século XIX, equivalente a porto. Daí, por derivação, Ponto Velho, Ponto do Velho, Porto Velho. Consultando o “Diccionario Topographico do Imperio do Brasil” (Rio de Janeiro: Tipografia Commercial de P. Gueffier, 1834) de José Saturnino da Costa Pereira, não encontramos em nenhum momento a palavra porto como equivalente de ponto, mas sinônimo de local. Por exemplo: “CASAL-VASCO. —Ponto Militar da fronteira com a República Boliviana [...]” (1834, p. 39); “COIMBRA. — Ponto fortificado na Provincia de Matto Grosso [...]” (1834, p. 43) e “FORTE DO PRINCIPE. — Ponto fortificado na Provincia de Matto-Grosso [...] (1834, p. 57). Então ponto pode ser, no século XIX, ponto militar ou ponto fortificado, nunca se confundido com porto, mesmo quando existente à beira dos rios, como é o caso dos fortes de Coimbra (rio Paraguai) e Príncipe da Beira (rio Guaporé). Também não encontrei essa equivalência no “Diccionario topographico, historico, descriptivo da comarca do Alto-Amazonas” do tenente da Armada Imperial, Lourenço da Silva Araújo e Amazonas (Recife: Tipografia Commercial Meira Henriques, 1852).

Sobre o mesmo assunto, consultando adicionalmente o “Diccionario da lingua portugueza recopilado de todos os impressos até o presente” de Antonio de Moraes Silva (2 v. Lisboa: Tipografia de M. P. de Lacerda, 1823) não encontramos, dentre as inúmeras utilizações da palavra ponto, sua equivalência a porto. Então, a afirmação que o nome de Porto Velho resultaria de Ponto Velho fica seriamente comprometida. Com razão poderia objetar algum arguto observador que as palavras mudam de significado através do tempo, replico porém que tais mutações resultam de processos de longa duração não se processando em parcos cinquenta ou sessenta anos, que é menos que uma gota de água no vasto oceano da história.

Além disso, sustentamos que antes da construção da ferrovia Madeira-Mamoré (1907-1912) não há evidências consistentes da existência de um porto a seis ou oito quilômetros a jusante de Santo Antônio, mesmo se denominado porto a um local com melhores condições de atracação na margem do rio. Após a intensificação do comércio pelo rio Madeira, que iniciou em torno de 1865, todas as embarcações a vapor das quais temos conhecimento, atracaram na cachoeira de Santo Antônio até a construção da ferrovia. Isto porque não faria sentido percorrer por terra e em mata fechada, mercadorias e pessoas, já que não existia estrada entre o Ponto Velho e Santo Antônio antes de 1908. Essas mercadorias ou pessoas vinham do trecho encachoeirado ou para lá se dirigiam. Isso vale inclusive para o período anterior, quando toda essa navegação era realizada por ubás movidas principalmente a remo. Na verdade, nesse período, as embarcações feitas a partir de troncos de arvore seguiam diretamente para o Crato quando desciam o rio.

De outro modo atribuir a origem do nome Ponto Velho (Ponto ou Porto Velho dos Militares) ao antigo destacamento dos militares da Guerra do Paraguai (dezembro de 1864 a março de 1870), que teria ali estacionado, resulta insustentável. Tomaremos aqui o lapso de tempo entre 1864 e 1883, que corresponde ao início do conflito (1864) e os trabalhos da Comissão Morsing (1883), quando tomamos conhecimento da denominação Ponto Velho, para tratar desse tema.

Ás vésperas da eclosão da Guerra do Paraguai não havia qualquer guarnição militar em Santo Antônio ou suas proximidades. O então presidente da província do Amazonas Adolfo de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda em relatório de outubro de 1864, declarou que a região das cachoeiras era então quase desconhecida. No que tange à navegação a vapor, os registros pesquisados revelam que os três primeiros vapores que percorreram o rio Madeira, sequer chegaram até Santo Antônio, mas sim até o Crato, localidade situada a dezenas de quilômetros a jusante daquela cachoeira, são eles: o “Guajará” (1858), o “Pirajá” (1861 e 1864) e o “Inca” (1864). Era naquele tempo o Crato, ponto de paradas dos viajantes, e não Santo Antonio. Naquele mesmo relatório de outubro de 1864 recomendou o presidente da província que fosse escolhido um local nas proximidades da cachoeira de Santo Antônio para que nele se fundasse uma colônia militar. Assim, não havia então colônia, e portanto porto dos militares, antes de 1864. De fato não havia nenhum tipo de morador também em Santo Antonio.

Vejamos os registros de alguns viajantes que por lá passaram. Talvez eles possam ter testemunhado essa guarnição aquartelada no Ponto Velho. Iniciamos pela viagem em comissão imperial que fizeram Franz e Joseph Keller ao Amazonas entre 1867 e 1868. Tinham como missão examinar a viabilidade de melhorar o tráfego no trecho encachoeirado do rio Madeira. No relatório apresentado ao governo (Relatório da exploração do Rio Madeira na parte compreendida entre a cachoeira de Santo Antônio e a barra do Mamoré. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, 1869), declara Keller que chegando a Santo Antônio observou taperas abandonadas pelos militares da guarnição antes ali aquartelada. Esse destacamento fora criado pelo Decreto nº 3.962, de 18 de setembro de 1867 e pertencia a uma seção do Batalhão de Infantaria do serviço ativo de Guardas Nacionais ocupada no rio Madeira (Coleção das Leis do Império do Brasil, 1867, p. 341, vol. 1, pt. II). Esse destacamento da infantaria ficou pouco tempo em Santo Antônio, pois criada em setembro de 1867, em julho do ano seguinte já havia descido para o Crato. (KELLER, 1869, pp. 4 a 22). Com o início da guerra o governo mobilizou todos os militares das forças armadas acantonadas no Amazonas. Foi feito então um esforço de reorganização da Guarda Nacional, para que substituísse os militares de carreira nos destacamentos de fronteira e, inclusive, na capital.

No ano seguinte passou por Santo Antônio o frei Jesualdo Maccheti, que descreveu o local em seu “Diario del viaje fluvial del padre fray Jesualdo Maccheti, misionero del Colegio de la Paz, desde San Buenaventura y Reyes hasta el Atlántico en 1869” (La Paz: Imprenta de El Siglo Industrial , 1886, p. 51). Descreve Maccheti que no local o governo do Brasil havia mantido um destacamento militar. Em 1870 a Companhia Fluvial do Alto Amazonas iniciou a operar uma linha no rio Madeira, com paradas no Crato e em Santo Antônio. Até agora todas as fontes consultadas não fazem menção ao Ponto Velho.

Em 1872 chegou a Santo Antônio o engenheiro Edward D. Mathews, encarregado por George Church de fiscalizar as obras de construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Também ele assinala em suas memórias, sob o título de “Up the Amazon and Madeira Rivers through Bolivia and Peru” (London: Sampson Low, Marston, Searle & Rivington, 1879, p. 24) existir então naquele local um destacamento com aproximadamente 30 homens comandados por um capitão. Mathews permaneceu aproximadamente dois anos em Santo Antônio, e nenhuma menção fez ao Ponto Velho.

Em 1874 subiu o rio Madeira a comissão instituída pela Amazon Steam Navigation Co. Ltd. para investigar os rios da bacia do Amazonas. C. B. Brown e Willian Lidstone, membros dessa comitiva registraram suas memórias em “Fifteen thousand miles on the Amazon and its tributaries” (London: Edward Stanford, 1878). Quando chegaram a Santo Antônio, os expedicionários mencionaram dentre seus habitantes os militares da guarnição (1878, pp. 341-342).

Em 1878 passou pelo local, vindo do Mato Grosso a serviço de inspeção de fronteira, o general João Severiano da Fonseca. Dessa comissão escreveu “Viagem ao Redor do Brasil (1875-1878)” (Rio de Janeiro: Tipografia de Pinheiro & C., 1881). Como navegava a favor da correnteza, ou seja, da nascente para a foz do rio Madeira, descreve (no volume 2, p. 308 da obra) que transitou por um difícil caminho do porto das canoas para o porto dos vapores onde se situava o “[...] posto militar de Santo Antônio [...]”. O porto dos vapores situava-se no núcleo da nascente povoação de Santo Antônio, de onde Fonseca descreveu as ruínas da tentativa anterior da construção da ferrovia (1872). Relata nesse local a existência de um destacamento composto por 15 praças comandados por um subalterno (p. 309).

Finalmente, o português Bernardo da Costa e Silva, que passou por Santo Antônio no último quartel do século XIX e escreveu “Viagens no sertão do Amazonas: do Pará à costa do mar Pacífico pelo Amazonas, Bolívia e Peru” (Porto: s/ed., 1891), informa nessa obra que Santo Antônio era “[...] ponto militar de fronteira [...], onde se situava um destacamento de três a quatro soldados (pp. 193-194). Como podemos então afirmar a existência de um ponto a coisa de sete quilômetros a jusante de Santo Antonio que já era, em 1883, velho, se não há nenhuma menção anterior a ele?

Então, meu caro colega Luiz Henrique, não temos evidência do velho. Restou, porém, a menção de Fortes, ao Ponto Velho. Desse nome, pela semelhança, certamente derivou a designação de Porto Velho, assim conhecida a nascente povoação já em 1907. Curioso é que consultando os jornais da época no Amazonas não encontramos o topônimo, mas o encontramos em alguns periódicos do Rio de Janeiro, já no ano seguinte à comissão. Assim é que, por exemplo, o Jornal do Commercio se refere ao Ponto Velho em duas edições de 1884, em uma atribuindo a sua localização as coordenadas 6º 400’ (Rio de Janeiro ano 63, no. 288, quarta 15/10/1884) e em outra 6º 435’ (Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 63, no. 132, segunda, 12/05/1884).

Mas, na medida em que Fortes não fornece mais informações sobre como Bacellar soube desse nome e qual sua razão de ser, restam muitas dúvidas. O que seria esse Ponto Velho? Ponto de quê? Já vimos que não seria um porto. Primeiro porque antes da ferrovia Madeira-Mamoré aquele local nunca foi utilizado como porto. Segundo porque não encontramos, nem no dicionário consultado, nem em estudos de toponímia, palavra ponto como equivalente a porto. Em terceiro lugar, o Ponto Velho, não tem esse nome em razão da guarnição criada para o alto Madeira na Guerra do Paraguai, em razão de que essa guarnição sempre esteve baseada em Santo Antônio e não encontramos razão para que estivesse alguns quilômetros rio abaixo, onde as embarcações comerciais ou do governo não ancoravam.

Como explicar então o nome Ponto Velho? Não sabemos. Foi algum mal entendido? Afinal de contas somente encontramos registro dele a partir de 1883. Talvez mais informações apareçam em futuro incerto, quando novas fontes nos permitam entender a origem desse topônimo. Porto de canoas? Somente se for dos moradores do local. Talvez eles, por uma razão particular tenham nomeado o local assim e informado aos membros da Comissão Morsing. O que sabemos é que o Porto Velho, sabe-se lá se passando pelas variações Ponto do Velho, Ponto Velho e Porto do Velho, já era assim conhecido pelas autoridades brasileiras em 1907. Mais ou menos por essa época foi assim também denominado pelos norte-americanos de Porto Velho ... de Santo Antônio (The Porto Velho Times, Porto Velho de Santo Antonio, 4/07/1909). Ponto Velho parece um boato, mas como todo boato tem um fundo de verdade permito-me suspeitar que acharemos algo dele no futuro. Mantendo a esperança de retornar oportunamente ao tema com novas informações, agradeço o alerta, pois permitiu-me sistematizar mais meus conhecimentos sobre o tema.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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