Terça-feira, 29 de outubro de 2019 - 10h29
Introdução
Nesses últimos dias, quando
elaborava um trabalho introdutório à uma obra do inglês Edward Davis Mathews, encontrei
em uma das fontes que consultava boa surpresa. Em 1872 Mathews foi escolhido
por George Earl Church para ser o engenheiro residente na primeira tentativa de
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Church foi o primeiro
concessionário de construção dessa ferrovia e escolheu Mathews para fiscalizar
o trabalho da Public Works Construction Company, empresa construtora inglesa
por ele contratada para executar a obra. A agradável surpresa foi quando deparei-me
com um trabalho de Church, publicado postumamente por Clements Markham em
Londres no ano de 1912, intitulado “Aborigines of South America”.
Edward Davis Mathews
publicou duas obras depois de partir Santo Antonio do Rio Madeira rumo à
Inglaterra pela via do oceano Pacífico em 1874. A primeira: “Report to the
directors Madeira and Mamore Railway Company, Limited”, foi publicada em 1875,
coisa de um ano após a saída de Mathews de Santo Antonio. A segunda: “Up the
Amazon and Madeira Rivers through Bolivia and Peru”, publicada também em
Londres em 1879 é aquela para a qual escrevi o estudo introdutório. Essa obra
será em breve pela primeira vez publicada em língua portuguesa pela editora
Valer de Manaus, sua tradução foi feita pelo professor Hélio Rocha da Fundação
Universidade de Rondônia – UNIR, sob o título em português “Viagens pelo
Amazonas, Madeira [Brasil] Bolívia e Peru (1872- 1874).” Trata-se da descrição
de Mathews de sua viagem pela América do Sul do rio Madeira, aos Andes até o
oceano Pacífico, um diário de viajante útil aos curiosos e pesquisadores de
várias áreas.
De Mathews não
encontrei até hoje sequer uma biografia resumida. Não sabemos onde nasceu, onde
morreu, onde estudou e pouco do que fez. Do pioneiro concessionário da ferrovia
Madeira-Mamoré até agora não havia encontrado uma biografia mais completa. Porém,
quando pesquisando para elaborar o estudo a que me referi, encontrei a já
citada publicação póstuma promovida por Clements Markham onde ele reverencia a
figura de Church. Essa iniciativa de Markham é curiosa e instigante. Devemos então
nos esforçar por entende-la. Até os anos de 1870 a Bolívia, país que com o Brasil
sediou alguns empreendimentos de Church, exportava a casca da quina, produto
extrativo amplamente utilizado no combate às febres tropicais. Nas décadas
anteriores Markham viajou pela América do Sul de onde contrabandeou a semente
dessa árvore para os domínios britânicos. O resultado foi que a partir de 1870
a exportação da quina boliviana obtida pela atividade extrativa começou a
decair em razão da concorrência do mesmo produto produzido pela agricultura nas
colônias inglesas da Ásia. Era Markham, um aventureiro e membro de diversas
sociedades de científicas inglesas onde certamente conheceu Church.
Seguramente as causas
da atração de Markham por Church foram as aventuras e o conhecimento da América
do Sul que tinham em comum. Da história dessa parte do continente contudo, ambos
participaram de forma diferente. Markham contrabandeou sementes e derrocou a
produção extrativa da quina. Church investiu em ferrovias e empresas de
navegação para escoar as matérias primas e alimentos e introduzir no interior
do continente os produtos industrializados europeus e norte-americanos.
Quem conhece a volumosa
biografia escrita por Charles A. Gauld (Farquhar o último titã: um empreendedor
americano na América Latina. São Paulo: Editora de Cultura, 2006) do
empreendedor da bem sucedida tentativa de construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré entre 1907 e 1912 fique sabendo que, em relação a Church,
Percival Farquhar teve uma vida bastante monótona. Começando como engenheiro por
construir estadas de ferro nos Estados Unidos, Church passou a aventurar-se
pela Argentina na mesma atividade, foi oficial na Guerra Civil dos Estados
Unidos, participou ainda como militar contra Maximiliano na aventura imperial
mexicana, internou-se pela Bolívia e Brasil para empreender a aliança dos
cursos d’água que levassem à integração comercial desses países com o Mundo.
Muitos podem dizer: “ora, estava atrás de dinheiro”. Evidente, aí não há
novidade, é o que todos nós fazemos. Isso não é crítica, é simplismo. Segundo
Tomas Hobbes duas são as alavancas das ações humanas: a riqueza material e a glória
do reconhecimento social. Nas entrelinhas podemos então concluir que não há
ação humana desinteressada, embora algumas sejam meritórias e outras não, o que
é outra e complicadíssima questão.
Não entraremos aqui
no aspecto moral, que é o fundo da maior parte das discussões políticas em História,
nem sobre o imperialismo e nem sobre o colonialismo. Nossa contemporaneidade é prenhe
desses “ismos” e ao mesmo tempo é tão ignorante deles quanto a mãe o é sobre o
filho que traz em seu ventre. Basta para nós nesse momento saber que se Church
não obteve a primeira (riqueza), certamente a História lhe reservou a segunda
(glória). Outra diferença em relação a Farquhar, Church era muito mais
engenheiro que investidor, trabalhou na construção de ferrovias. Era efetivamente
militar (embora não de carreira) participou de batalhas nos Estados Unidos, na
Argentina e no México. Foi jornalista em diversos jornais americanos,
particularmente o “New York Herald”. Foi também geógrafo e historiador com
assento nas mais distintas instituições científicas da Europa e dos Estados
Unidos. Publicou diversas obras a respeito das regiões que percorreu e onde
investiu. Enfim, para minha agradável surpresa encontrei uma biografia de
Church, mais completa, na obra patrocinada por Markham. Segue seu texto abaixo.
Antes porém, devo
alertar a existência de outra biografia, também mais robusta que aqueles
pequenos verbetes normalmente encontrados nos livros. Trata-se do artigo
intitulado “American Captains of Industry in Latin America, Colonel George Earl
Church” publicado no “Bulletin of the International Bureau of the American
Republics” (1909). De qualquer modo, voltaremos a Church em breve.
Finalmente, pedimos
desculpas ao leitor pois, muitas das passagens dessa biografia exigem notas
explicativas: o que é um soldado comissionado; quem foi Maximiliano, o que é o
mescal e outras, a falta de tempo não permitiu porém esse trabalho. Quem sabe
adiante, em uma biografia mais aprofundada de Church esse trabalho seja
realizado.
George Earl Church: notícia biográfica por Clements Markham
O coronel George Earl
Church era descendente direto de Richard Church, nascido em Oxford em 1608. Richard
Church migrou para a Nova Inglaterra em 1630 e se estabeleceu em Plymouth em
1632. Seu nome é frequentemente mencionado nos registros da colônia. Em 1633
foi admitido como “Freeman of the Incorporation of Plymouth in New
England". Alguns anos depois, recebeu permissão judicial "[...] para
ir com os Servos Antigos ocupar uma parte da terra em Saconett". Em 1636
casou-se com Elizabeth Warren, uma das cinco filhas de Richard Warren, que
chegou a Massachusetts no Mayflower.
Richard Church teve
cinco filhos, Benjamin, Nathaniel, Joseph, Richard e Caleb. O primeiro, nascido
em 1639, tornou-se o célebre coronel Church das guerras contra os índios e franceses.
Suas façanhas heroicas e extraordinárias são temas da História Colonial. Entre
1689 e 1704, foi comandante-chefe de cinco expedições contra franceses e
índios. Incorretamente é atribuída a paternidade do coronel Benjamin Church a
Joseph, mas os registros de Plymouth atribuem essa paternidade a Richard. Por
esses registros, encontramos o Richard Church, acima mencionado, nascido em
Oxford, Inglaterra, 1608, casado com Elizabeth Warren. Seu segundo filho, Nathaniel
Church, nascido em Duxbury em 1641, casou com Sarah Barstow. Richard Church,
nascido em Scituate, Massachusetts, em 1669, casou-se com Hannah (registros
mutilados) seu filho, Richard Church, nascido em Scituate, em 1697, casou-se
com Anna (registros mutilados). O filho desse último, Lemuel Church, nascido em
Rochester, Massachusetts, em 1721, casou-se com Bethia Clapp, cuja mãe, Mary
Winslow, era descendente direta do governador Winslow, de Massachusetts. O
filho de Lemuel, Ebenezer Church, nascido em Rochester, Massachusetts, em 1767,
casou-se com Lois Bennett, neta de seu tio Richard. O filho de Ebenezer, George
Washington Church, nasceu em Rochester em 1811 e morreu em Mobile, 1838,
casou-se com Margaret Fisher, de Edgarton, Martha's Vineyard. O filho de George
Washington Church, George Earl Church, nasceu em New Bedford, Massachusetts, em
7 de dezembro de 1835, casou em 1882 com Alice Helena Carter, que possuía
parentesco distante com a família Church e morreu, placidamente, em novembro de
1898.
Em 1843, a mãe do coronel Church se mudou para Providence (Rode Island)
com seu filho George. George foi enviado pela mãe para a Escola de Gramática
Arnold Street, onde estudou até os 13 anos de idade quando transferiu-se para a
Providence High School. A Sra. Church morreu em 1887. Aos dezesseis anos seu
filho começou o estudo de engenharia civil e topográfica.
Durante
algum tempo participou da pesquisa sobre os municípios de Massachusetts,
destinada à confecção do mapa do estado. Posteriormente trabalhou como
engenheiro assistente em várias empresas ferroviárias em Iowa.
Foi nomeado
engenheiro residente nas obras do Great Hoosac Tunnel, de Massachusetts, antes
dos 21 anos. Quando os trabalhos desse túnel foram paralisados devido a
dificuldades financeiras, Church aceitou o cargo de engenheiro assistente chefe
em uma ferrovia no Oeste dos Estados Unidos.
Pouco tempo depois
foi convidado para ir à República Argentina, onde se tornou membro de uma
comissão científica formada pelo governo de Buenos Aires. Tinha a missão de
explorar a fronteira sudoeste do país e informar sobre o melhor sistema de
defesa daquela república contra as ferozes incursões dos patagônios e de outros
índios que viviam nas encostas dos Pampas Andinos. Para esta expedição selvagem
e perigosa, o governo argentino destacou uma força militar de proteção composta
por 400 cavalarianos. A comissão percorreu mais de 12.000 milhas em nove meses
e travou duas duras batalhas com os índios. Uma dessas batalhas ocorreu em 19
de maio de 1859, quando a pequena força expedicionária foi atacada à meia-noite
por 1.500 guerreiros das tribos dos huelches, puelches, pehuenches, pampas,
araucanos e patagones. Foi um ataque surpresa feito pelos nativos, montados nus
sobre seus esplêndidos cavalos que com suas longas lanças alinhadas avançaram
sobre a expedição em uma magnífica carga de cavalaria ao luar. A luta corpo a
corpo durou três horas ininterruptas. Finalmente os índios bateram em retirada
em boa ordem, carregando consigo 3.000 cabeças de gado, incluindo aí cavalos,
como prêmio de sua ousada incursão. No retorno a Buenos Aires cada membro da
comissão apresentou um plano para a defesa das fronteiras. O plano do sr.
Church foi adotado pelo governo e publicado.
Com a notícia da eclosão da Guerra Civil nos
Estados Unidos, o Sr. Church, que era então engenheiro na construção da Grande
Ferrovia do Norte de Buenos Aires, renunciou a esse cargo e voltou para casa. Dirigiu
então ao secretário de guerra dos Estados Unidos um pedido para comparecer
perante a banca examinadora da Academia Militar de West Point. A petição tinha
por finalidade submetê-lo a um exame para ser comissionado como segundo tenente
de engenheiros do exército. Como, contrariando os regulamentos, o pedido foi
recusado, dirigiu-se a Providence onde foi comissionado capitão do 7º Regimento
de Infantaria de Rhode Island. Logo depois ingressou no 9º. Corpo do Exército
de Potomac. As promoções do capitão Church foram rápidas, conforme demonstram
as datas de seus comissionamentos: capitão em 27 de julho de 1862 quando servia
no 7º. Regimento de Infantaria de Rode Island (voluntários); tenente-coronel em
7 de janeiro de 1863, ainda servindo no mesmo regimento; coronel em 11 de
fevereiro de 1863, quando lotado no 11º. Regimento de Infantaria de Rode Island
(voluntários); coronel em 31 de dezembro de 1864 servindo no 2º. Regimento de
Infantaria de Rode Island (voluntários). Essa última comissão foi dada a Church
quando terminou o seu serviço no 11º. de Rode Island, mas não foi imediatamente
convocado para o serviço no 2º. Regimento em razão de que essa famosa unidade
não havia completado o número suficiente de recrutas antes do final da guerra.
No ataque em Mary's
Heights, na primeira batalha de Fredricksburg, em dezembro de 1862, o
tenente-coronel e major do 7º. R.I. foram mortos. Assim, no segundo dia de
batalha, o capitão Church foi colocado no comando do regimento e o coronel
Bliss assumiu o comando da brigada. O coronel Church por várias vezes comandou essa
brigada. Na defesa de Suffolk, quando sitiada por Longstreet, comandou o 11º. Regimento
de Rode Island e mais tarde liderou a vanguarda com uma brigada de quatro
regimentos, parte de uma força de 14.000 homens, em um ataque bem-sucedido para
a destruição de Seaboard, Roanoke, Norfolk e Petersburg Rail. Então, com sua
brigada, cobriu a retaguarda, lutando contra várias escaramuças do inimigo quando
a força se retirou de Suffolk. Durante a campanha de Gettysburg, em junho de
1863, foi colocado no comando das fortificações de Williamsburg. Para essa
missão foi incorporado ao 11º. Regimento de Rode Island, por ele comandado, a
2ª. bateria de Wisconsin, a bateria “E” da 1ª. artilharia e um esquadrão da 5ª
Cavalaria, ambos da Pensilvânia.
Enquanto aguardava
que o recrutamento do 2º R.I. atingisse o número de soldados suficientes para
entrar em serviço, o coronel Church ocupou o cargo de engenheiro chefe na
construção da Ferrovia Providence, Warren e Fall River, concluída em abril de
1865.
Por essa época, a
invasão francesa do México estava agitando intensamente a opinião púbica
americana. O coronel Church publicou o artigo “A Historical Review of Mexico
and its Revolutions”, no “New York Herald”. A publicação completa desse artigo
foi feita em dezesseis colunas, saiu na sua edição de 25 de maio de 1866, com o
elogio do jornal. O sr. Romero, então representante diplomático do México em
Washington, enviou ao Departamento de Estado americano o pedido para arquivá-lo
como o melhor esboço da história mexicana já escrito. Pediu também a permissão
do autor para republicá-lo em forma de panfleto e fez com que uma cópia fosse
colocada sobre a mesa de cada um dos senadores e membros do Congresso norte-americano.
O artigo foi traduzido para o alemão, o francês e duas vezes para o espanhol. Sua
publicação resultou na partida do coronel Church para o México, com a missão de
apoiar a causa liberal do presidente Juarez que, desprovido de seu exército e
com o governo fragmentado, transferiu seu comando para o norte, próximo à
fronteira com os Estados Unidos. O coronel Church, acompanhando o general Lew
Wallace, viajou 1.300 milhas de Matamoros a Chihuahua, via Monterrey, Saltillo
e Parras. No caminho encontrou grupos favoráveis à causa imperial. Também
encontrou bandidos e uma incursão de índios apaches do Novo México que matou
126 mexicanos em três dias ao longo da rota percorrida por nossos aventureiros
viajantes, o que os levou a se refugiarem por uma noite em uma destilaria de mescal.
Chegando a Chihuahua
em 21 de outubro de 1866 o Coronel Church encontrou o presidente Juarez, seu
gabinete e uma tropa desorganizada com cerca de 1.200 homens. A artilharia do
presidente consistia em dois pequenos obuses com diferentes calibres. Por falta
de ferro utilizavam bolas de cobre como munição. O coronel Church permaneceu
sete meses com o presidente Juarez e seu gabinete. Durante esse período ficou
aquartelado com o general Ygnacio Mejia, ministro da guerra. Com Mejía
compartilhou privações, derrotas, longas marchas e sucessos, até a captura de
Maximiliano em Queretero. A campanha que cercou o infeliz imperador e resultou
em sua captura foi planejada por Church. Uma hora depois de ser apresentada ao ministro
da guerra foi discutida em uma reunião do gabinete e as ordens para as tropas foram
rapidamente expedidas.
Dois dias antes da
invasão de Zacatecas (27 de janeiro de 1867), o general imperial Miramon enviou
uma mensagem ao coronel Church, informando que o mataria na praça daquela
localidade se o capturasse. Na manhã do violento ataque os generais imperiais
quase capturaram Church. A razão é que ele havia dado seu veloz cavalo ao
presidente Juarez. Assim, o coronel Church foi o último a sair da praça sob uma
chuva de balas de um batalhão de zouaves franceses. Nesse momento, apenas a 300
metros de distância, na estrada da montanha Bufa, atacava Miramon trovejando à
cabeça de 900 cavalarianos. A corrida era pela vida, especialmente nas ruas
atulhadas com os escombros do exército liberal e também ao sul da cidade. O
coronel Church descreveu sua viagem como uma grande corrida de obstáculos por
72 milhas, na qual ele ganhava terreno constantemente até Miramon desistir da
perseguição e retornar a Zacatecas. Três dias depois, os liberais retomaram a
cidade.
Na cidade de San Luiz
de Potosí foram cunhadas cinco medalhas para comemorar a retomada daquela
importante cidade pelo exército liberal: uma em ouro para o presidente Juarez,
uma em prata para cada um dos ministros do gabinete e uma em prata para o
coronel Church, ao qual foi entregue em notável cerimônia.
Cerca de quarenta e
nove cartas escritas pelo coronel Church do México foram publicadas pelo “New
York Herald” reportando sua experiência naquela guerra. Elas descrevem os
variados acasos da causa liberal desde o dia em que ele chegou ao México até a
rendição de Maximiliano. Quando da captura de Maximiliano, o coronel Church
viajou 600 milhas em seis dias para a fronteira do Rio Grande. Dali apressou-se
para Washington, na esperança de que o governo dos Estados Unidos usasse sua
influência para salvar a vida de Maximiliano. Contudo, seus esforços foram
infrutíferos, avisado de seu objetivo o sr. Seward negou-lhe mesmo uma
entrevista.
Ao voltar para New
York, o coronel Church aceitou um emprego na equipe editorial do “New York
Herald” onde permaneceu por mais de um ano. Quando ainda trabalhando para
aquele jornal o governo boliviano enviou o general Quintin Quevedo, um membro
proeminente de seu corpo diplomático, para convidá-lo a empreender o tão
esperado projeto nacional de abrir as 3.000 milhas de afluentes dos rios
bolivianos da Amazônia para a navegação. Esses rios são separados das águas
navegáveis do baixo rio Madeira por cerca de 300 milhas de cataratas e
corredeiras formidáveis, principalmente no território brasileiro. Church
aceitou o convite e seguiu para a Bolívia via Buenos Aires.
Em frente a essa
cidade do rio da Prata, em Colonia, ele selecionou e preparou um local adequado
para a base marítima de uma empresa americana. Então com um empregado viajou
por terra por 3.000 milhas de Buenos Aires até La Paz, capital da Bolívia, onde
conseguiu a concessão necessária para a navegação dos rios bolivianos. Retornou
a New York via Panamá. Logo após sua chegada voltou a La Paz a pedido do
governo boliviano. Depois foi para o Rio de Janeiro, pelo estreito de
Magalhães, para obter o direito de construir uma ferrovia que contornasse as
quedas do rio Madeira. Essa viagem resultou do fracasso do governo boliviano em
negociar a concessão ferroviária com o Brasil, como havia acordado com Church.
A desejada concessão do Brasil foi então entregue ao coronel Church com algum
atraso.
Novamente em New York
obteve a carta patente do governo dos Estados Unidos com a qual organizou a National
Bolivian Navigation Company em junho de 1870, tornando-se presidente dessa companhia.
Em seguida foi para Londres, onde organizou a Madeira & Mamoré Railway
Company, para a qual obteve a concessão brasileira, também se tornando
presidente dessa empresa. Então levantou mais de US$ 6.000.000 para iniciar as
operações das duas empresas que dirigia e contratou a obra ferroviária com uma
poderosa empresa inglesa.
Novamente voltou para
a Bolívia via Peru e através do passo Tacora. Nos Andes, alcançou a capital do
sul, Sucre, via Oruro. Dali seguiu para Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra,
uma cidade nas cabeceiras de um dos afluentes que desembocam no rio Amazonas. Organizou
então uma expedição de canoas com oitenta e três índios e alguns homens brancos
para descer os rios Piraí, Mamoré e as cachoeiras do Madeira. Na última
cachoeira, em Santo Antônio, encontrou um pequeno navio a vapor que ele havia feito
transportar três milhas por terra pelas cachoeiras. Na cachoeira de Pederneira
ele salvou a vida de dezesseis índios que estavam agarrados a uma canoa
naufragada no meio do rio. Em outro rápido sua própria canoa foi destruída,
ocorrendo o mesmo na cachoeira do "Caldeirão do Inferno" onde quase
perdeu toda a expedição. Retornou à Europa pelos rios Madeira e Amazonas.
A magnitude e a expectativa
que despertaram os projetos de Church provocaram o acre zelo e a oposição daqueles
que detinham o monopólio comercial da área, os comerciantes da Costa do
Pacífico, na medida em que se propunha a abrir rota concorrente de comércio. De
repente descobriram que uma companhia americana detinha um empreendimento que
prometia penetrar pelo centro da América do Sul e transformar seu comércio. Ao
utilizar a rede fluvial, afetaria poderosamente as relações políticas e inter comerciais
de vários Estados hispano-americanos. Ferozes interesses contrariados se aliaram
amplamente. A English Construction Company denunciou o contrato e aliou-se aos seus
acionistas em um ataque ao fundo fiduciário ferroviário, que eles vincularam
por liminar ao Tribunal de Chancelaria. O governo boliviano tentou apreender o
fundo. O coronel Church lutou contra esses pesados ataques, defendendo o
terreno a cada polegada que houvesse para sustentar ganhou batalha após batalha
entre 1873 a 1878. O comitê dos detentores de títulos subornou o presidente
boliviano Daza com £ 20.000 para tomar partido ao seu favor e instaurou um novo
processo para revogação da concessão boliviana. Mesmo neste novo processo, o
coronel Church ganhou no Tribunal de Primeira Instância. A Câmara dos Lordes
finalmente resolveu a questão declarando impraticável o empreendimento, embora
meses antes o governo brasileiro tivesse dado seu apoio inabalável ao coronel Church.
A seu pedido foi decretado um complemento ao fundo existente com o montante
necessário para concluir as obras ferroviárias. Na época em que a empresa faliu
havia 1.200 homens trabalhando na linha férrea e uma locomotiva em tráfego no
primeiro trecho inaugurado.
Poucos meses após o
naufrágio de sua grande empreitada, encontramos o coronel Church partindo de
Washington a caminho de Quito para executar as instruções do então secretário
de Estado norte-americano, o exmo. James G. Blaine, e elaborar um relatório ao
governo dos Estados Unidos sobre as condições políticas, sociais, comerciais e
gerais do Equador. Nessa viagem a ele também foi confiado, pelos detentores
ingleses de títulos de dívida do Equador, plenos poderes para negociar o
reajuste da dívida nacional daquele país. Seguiu para Guayaquil, no Panamá, nos
Andes atravessou o passo Chimborazo, permaneceu em Quito três meses, cavalgou
para o norte até a fronteira com a Colômbia e depois foi para Lima, onde
permaneceu por um tempo e escreveu seu relatório para o Governo dos Estados
Unidos, intitulado “Equador em 1881”. Esse relatório foi publicado (Ex. Doc.
No. 69 do 47 ° Congresso) com uma mensagem especial do presidente Arthur ao
Congresso. As informações que ele contém são ampla e frequentemente citadas. O
coronel Church partiu então para o Chile e contornou o Estreito de Magalhães,
passando pelo Uruguai e pela República Argentina, de onde foi ao Brasil e dali
retornou aos Estados Unidos pela Inglaterra.
Mais tarde em Londres
ele se envolveu em operações financeiras de considerável grandeza relacionadas às
obras públicas. Em 1889 contratou a construção de uma ferrovia na República
Argentina por um milhão de libras esterlinas. Esse trabalho ele completou em
dois anos, em meio à crise de Baring, que arruinou tantos empreiteiros de obras
públicas na América do Sul. Em 1895, ele passou três meses na Costa Rica
representando os estrangeiros que possuíam títulos daquele país. Durante sua
estada nesse país, fez um relatório elaborado sobre a condição da via à
Companhia Ferroviária da Costa Rica.
Embora ainda
envolvido na construção de ferrovias na República Argentina, o coronel Church
dedicou muito tempo a atividades literárias. Foi membro de várias sociedades
científicas e eruditas, incluindo a Sociedade Americana de Engenheiros Civis.
Foi membro do Conselho da Sociedade Geográfica Real por quatro anos e também
foi seu vice-presidente, sendo o primeiro e único que não era inglês a ter
recebido essa honra. Publicou diversos trabalhos sobre as áreas onde atuou na
América do Sul.
Em 1891, o Coronel Church
representou a Sociedade Americana de Engenheiros Civis no Congresso
Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Londres. Em 1898, na
reunião de Bristol da Associação Britânica para o Progresso da Ciência ele,
como presidente da Seção Geográfica, leu um artigo sobre “Argentine Geography
and the Ancient Pampean Sea”, que atraiu grande atenção e foi aclamado pelo
jornal “The Times” como: “[...] um dos melhores artigos científicos já lidos
nessa seção.” Publicou numerosos e extensos artigos no “Geographic Journal” e,
recentemente, um dos números mensais desse periódico foi quase inteiramente
ocupado por seu “Outline of the Physical Geography of South America.”
A sua bela biblioteca
continha obras em várias línguas estrangeiras com as quais ele estava
familiarizado. Dedicou todo o seu tempo livre ao estudo de História e
Geografia. Também dedicou-se às viagens de tal forma que para informar esses
aspectos da sua vida, seria necessário um trabalho volumoso. Realizou viagens
extensas à Europa e à maior parte da América, convivendo entre os índios da
América do Norte e do Sul. Arriscando sua vida passou por inúmeras aventuras
emocionantes que abalaram parcialmente as forças físicas quase inesgotáveis
desse representante de uma das antigas famílias puritanas de Massachusetts. O
coronel Church se casou em segundas núpcias em 1907 com Annie Marion, viúva de
Frederic Chapman. Morreu na Cromwell Road 216 em 4 de janeiro de 1910.
Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia
Nesses tempos, quando a população de Rondônia se vê ameaçada pela suspensão de alguns voos e mudanças de rota das companhias aéreas que nos servem,
Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho
O último artigo que publiquei aqui tratou da figura do “velho Pimentel”, um personagem que, apesar de seu caráter até agora mítico, parece estar ind
A origem da cidade de Porto Velho e o velho Pimentel
Todos sabem que a origem da cidade de Porto Velho coincide com a última tentativa de construção da ferrovia Madeira-Mamoré em 1907. Naquele ano, ao
Ciclos econômicos e migração marcaram a história de Porto Velho desde a sua criação
Há mais de 100 anos um trecho do alto Madeira presenciava o surgimento de uma nova povoação, em razão do início da construção da Estrada de Ferro Ma