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Dante Fonseca

A Madeira-Mamoré e a notícia biográfica de George Earl Church feita por Clements Markham


A Madeira-Mamoré e a notícia biográfica de George Earl Church feita por Clements Markham - Gente de Opinião

Introdução

 

Nesses últimos dias, quando elaborava um trabalho introdutório à uma obra do inglês Edward Davis Mathews, encontrei em uma das fontes que consultava boa surpresa. Em 1872 Mathews foi escolhido por George Earl Church para ser o engenheiro residente na primeira tentativa de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Church foi o primeiro concessionário de construção dessa ferrovia e escolheu Mathews para fiscalizar o trabalho da Public Works Construction Company, empresa construtora inglesa por ele contratada para executar a obra. A agradável surpresa foi quando deparei-me com um trabalho de Church, publicado postumamente por Clements Markham em Londres no ano de 1912, intitulado “Aborigines of South America”.

Edward Davis Mathews publicou duas obras depois de partir Santo Antonio do Rio Madeira rumo à Inglaterra pela via do oceano Pacífico em 1874. A primeira: “Report to the directors Madeira and Mamore Railway Company, Limited”, foi publicada em 1875, coisa de um ano após a saída de Mathews de Santo Antonio. A segunda: “Up the Amazon and Madeira Rivers through Bolivia and Peru”, publicada também em Londres em 1879 é aquela para a qual escrevi o estudo introdutório. Essa obra será em breve pela primeira vez publicada em língua portuguesa pela editora Valer de Manaus, sua tradução foi feita pelo professor Hélio Rocha da Fundação Universidade de Rondônia – UNIR, sob o título em português “Viagens pelo Amazonas, Madeira [Brasil] Bolívia e Peru (1872- 1874).” Trata-se da descrição de Mathews de sua viagem pela América do Sul do rio Madeira, aos Andes até o oceano Pacífico, um diário de viajante útil aos curiosos e pesquisadores de várias áreas.

De Mathews não encontrei até hoje sequer uma biografia resumida. Não sabemos onde nasceu, onde morreu, onde estudou e pouco do que fez. Do pioneiro concessionário da ferrovia Madeira-Mamoré até agora não havia encontrado uma biografia mais completa. Porém, quando pesquisando para elaborar o estudo a que me referi, encontrei a já citada publicação póstuma promovida por Clements Markham onde ele reverencia a figura de Church. Essa iniciativa de Markham é curiosa e instigante. Devemos então nos esforçar por entende-la. Até os anos de 1870 a Bolívia, país que com o Brasil sediou alguns empreendimentos de Church, exportava a casca da quina, produto extrativo amplamente utilizado no combate às febres tropicais. Nas décadas anteriores Markham viajou pela América do Sul de onde contrabandeou a semente dessa árvore para os domínios britânicos. O resultado foi que a partir de 1870 a exportação da quina boliviana obtida pela atividade extrativa começou a decair em razão da concorrência do mesmo produto produzido pela agricultura nas colônias inglesas da Ásia. Era Markham, um aventureiro e membro de diversas sociedades de científicas inglesas onde certamente conheceu Church.

Seguramente as causas da atração de Markham por Church foram as aventuras e o conhecimento da América do Sul que tinham em comum. Da história dessa parte do continente contudo, ambos participaram de forma diferente. Markham contrabandeou sementes e derrocou a produção extrativa da quina. Church investiu em ferrovias e empresas de navegação para escoar as matérias primas e alimentos e introduzir no interior do continente os produtos industrializados europeus e norte-americanos.

Quem conhece a volumosa biografia escrita por Charles A. Gauld (Farquhar o último titã: um empreendedor americano na América Latina. São Paulo: Editora de Cultura, 2006) do empreendedor da bem sucedida tentativa de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré entre 1907 e 1912 fique sabendo que, em relação a Church, Percival Farquhar teve uma vida bastante monótona. Começando como engenheiro por construir estadas de ferro nos Estados Unidos, Church passou a aventurar-se pela Argentina na mesma atividade, foi oficial na Guerra Civil dos Estados Unidos, participou ainda como militar contra Maximiliano na aventura imperial mexicana, internou-se pela Bolívia e Brasil para empreender a aliança dos cursos d’água que levassem à integração comercial desses países com o Mundo. Muitos podem dizer: “ora, estava atrás de dinheiro”. Evidente, aí não há novidade, é o que todos nós fazemos. Isso não é crítica, é simplismo. Segundo Tomas Hobbes duas são as alavancas das ações humanas: a riqueza material e a glória do reconhecimento social. Nas entrelinhas podemos então concluir que não há ação humana desinteressada, embora algumas sejam meritórias e outras não, o que é outra e complicadíssima questão.

Não entraremos aqui no aspecto moral, que é o fundo da maior parte das discussões políticas em História, nem sobre o imperialismo e nem sobre o colonialismo. Nossa contemporaneidade é prenhe desses “ismos” e ao mesmo tempo é tão ignorante deles quanto a mãe o é sobre o filho que traz em seu ventre. Basta para nós nesse momento saber que se Church não obteve a primeira (riqueza), certamente a História lhe reservou a segunda (glória). Outra diferença em relação a Farquhar, Church era muito mais engenheiro que investidor, trabalhou na construção de ferrovias. Era efetivamente militar (embora não de carreira) participou de batalhas nos Estados Unidos, na Argentina e no México. Foi jornalista em diversos jornais americanos, particularmente o “New York Herald”. Foi também geógrafo e historiador com assento nas mais distintas instituições científicas da Europa e dos Estados Unidos. Publicou diversas obras a respeito das regiões que percorreu e onde investiu. Enfim, para minha agradável surpresa encontrei uma biografia de Church, mais completa, na obra patrocinada por Markham. Segue seu texto abaixo.

Antes porém, devo alertar a existência de outra biografia, também mais robusta que aqueles pequenos verbetes normalmente encontrados nos livros. Trata-se do artigo intitulado “American Captains of Industry in Latin America, Colonel George Earl Church” publicado no “Bulletin of the International Bureau of the American Republics” (1909). De qualquer modo, voltaremos a Church em breve.

Finalmente, pedimos desculpas ao leitor pois, muitas das passagens dessa biografia exigem notas explicativas: o que é um soldado comissionado; quem foi Maximiliano, o que é o mescal e outras, a falta de tempo não permitiu porém esse trabalho. Quem sabe adiante, em uma biografia mais aprofundada de Church esse trabalho seja realizado.

George Earl Church: notícia biográfica por Clements Markham

 

O coronel George Earl Church era descendente direto de Richard Church, nascido em Oxford em 1608. Richard Church migrou para a Nova Inglaterra em 1630 e se estabeleceu em Plymouth em 1632. Seu nome é frequentemente mencionado nos registros da colônia. Em 1633 foi admitido como “Freeman of the Incorporation of Plymouth in New England". Alguns anos depois, recebeu permissão judicial "[...] para ir com os Servos Antigos ocupar uma parte da terra em Saconett". Em 1636 casou-se com Elizabeth Warren, uma das cinco filhas de Richard Warren, que chegou a Massachusetts no Mayflower.

Richard Church teve cinco filhos, Benjamin, Nathaniel, Joseph, Richard e Caleb. O primeiro, nascido em 1639, tornou-se o célebre coronel Church das guerras contra os índios e franceses. Suas façanhas heroicas e extraordinárias são temas da História Colonial. Entre 1689 e 1704, foi comandante-chefe de cinco expedições contra franceses e índios. Incorretamente é atribuída a paternidade do coronel Benjamin Church a Joseph, mas os registros de Plymouth atribuem essa paternidade a Richard. Por esses registros, encontramos o Richard Church, acima mencionado, nascido em Oxford, Inglaterra, 1608, casado com Elizabeth Warren. Seu segundo filho, Nathaniel Church, nascido em Duxbury em 1641, casou com Sarah Barstow. Richard Church, nascido em Scituate, Massachusetts, em 1669, casou-se com Hannah (registros mutilados) seu filho, Richard Church, nascido em Scituate, em 1697, casou-se com Anna (registros mutilados). O filho desse último, Lemuel Church, nascido em Rochester, Massachusetts, em 1721, casou-se com Bethia Clapp, cuja mãe, Mary Winslow, era descendente direta do governador Winslow, de Massachusetts. O filho de Lemuel, Ebenezer Church, nascido em Rochester, Massachusetts, em 1767, casou-se com Lois Bennett, neta de seu tio Richard. O filho de Ebenezer, George Washington Church, nasceu em Rochester em 1811 e morreu em Mobile, 1838, casou-se com Margaret Fisher, de Edgarton, Martha's Vineyard. O filho de George Washington Church, George Earl Church, nasceu em New Bedford, Massachusetts, em 7 de dezembro de 1835, casou em 1882 com Alice Helena Carter, que possuía parentesco distante com a família Church e morreu, placidamente, em novembro de 1898.

Em 1843, a mãe do coronel Church se mudou para Providence (Rode Island) com seu filho George. George foi enviado pela mãe para a Escola de Gramática Arnold Street, onde estudou até os 13 anos de idade quando transferiu-se para a Providence High School. A Sra. Church morreu em 1887. Aos dezesseis anos seu filho começou o estudo de engenharia civil e topográfica.

George Earl Church, aos dezessete anos de idade Fonte: IBAR, 1909, p. 401 - Gente de Opinião
George Earl Church, aos dezessete anos de idade Fonte: IBAR, 1909, p. 401

Durante algum tempo participou da pesquisa sobre os municípios de Massachusetts, destinada à confecção do mapa do estado. Posteriormente trabalhou como engenheiro assistente em várias empresas ferroviárias em Iowa.  

Foi nomeado engenheiro residente nas obras do Great Hoosac Tunnel, de Massachusetts, antes dos 21 anos. Quando os trabalhos desse túnel foram paralisados devido a dificuldades financeiras, Church aceitou o cargo de engenheiro assistente chefe em uma ferrovia no Oeste dos Estados Unidos.

Pouco tempo depois foi convidado para ir à República Argentina, onde se tornou membro de uma comissão científica formada pelo governo de Buenos Aires. Tinha a missão de explorar a fronteira sudoeste do país e informar sobre o melhor sistema de defesa daquela república contra as ferozes incursões dos patagônios e de outros índios que viviam nas encostas dos Pampas Andinos. Para esta expedição selvagem e perigosa, o governo argentino destacou uma força militar de proteção composta por 400 cavalarianos. A comissão percorreu mais de 12.000 milhas em nove meses e travou duas duras batalhas com os índios. Uma dessas batalhas ocorreu em 19 de maio de 1859, quando a pequena força expedicionária foi atacada à meia-noite por 1.500 guerreiros das tribos dos huelches, puelches, pehuenches, pampas, araucanos e patagones. Foi um ataque surpresa feito pelos nativos, montados nus sobre seus esplêndidos cavalos que com suas longas lanças alinhadas avançaram sobre a expedição em uma magnífica carga de cavalaria ao luar. A luta corpo a corpo durou três horas ininterruptas. Finalmente os índios bateram em retirada em boa ordem, carregando consigo 3.000 cabeças de gado, incluindo aí cavalos, como prêmio de sua ousada incursão. No retorno a Buenos Aires cada membro da comissão apresentou um plano para a defesa das fronteiras. O plano do sr. Church foi adotado pelo governo e publicado.

Coronel George Earl Church em 1865 Fonte: IBAR, 1909, p. 482 - Gente de Opinião
Coronel George Earl Church em 1865 Fonte: IBAR, 1909, p. 482

 Com a notícia da eclosão da Guerra Civil nos Estados Unidos, o Sr. Church, que era então engenheiro na construção da Grande Ferrovia do Norte de Buenos Aires, renunciou a esse cargo e voltou para casa. Dirigiu então ao secretário de guerra dos Estados Unidos um pedido para comparecer perante a banca examinadora da Academia Militar de West Point. A petição tinha por finalidade submetê-lo a um exame para ser comissionado como segundo tenente de engenheiros do exército. Como, contrariando os regulamentos, o pedido foi recusado, dirigiu-se a Providence onde foi comissionado capitão do 7º Regimento de Infantaria de Rhode Island. Logo depois ingressou no 9º. Corpo do Exército de Potomac. As promoções do capitão Church foram rápidas, conforme demonstram as datas de seus comissionamentos: capitão em 27 de julho de 1862 quando servia no 7º. Regimento de Infantaria de Rode Island (voluntários); tenente-coronel em 7 de janeiro de 1863, ainda servindo no mesmo regimento; coronel em 11 de fevereiro de 1863, quando lotado no 11º. Regimento de Infantaria de Rode Island (voluntários); coronel em 31 de dezembro de 1864 servindo no 2º. Regimento de Infantaria de Rode Island (voluntários). Essa última comissão foi dada a Church quando terminou o seu serviço no 11º. de Rode Island, mas não foi imediatamente convocado para o serviço no 2º. Regimento em razão de que essa famosa unidade não havia completado o número suficiente de recrutas antes do final da guerra.

No ataque em Mary's Heights, na primeira batalha de Fredricksburg, em dezembro de 1862, o tenente-coronel e major do 7º. R.I. foram mortos. Assim, no segundo dia de batalha, o capitão Church foi colocado no comando do regimento e o coronel Bliss assumiu o comando da brigada. O coronel Church por várias vezes comandou essa brigada. Na defesa de Suffolk, quando sitiada por Longstreet, comandou o 11º. Regimento de Rode Island e mais tarde liderou a vanguarda com uma brigada de quatro regimentos, parte de uma força de 14.000 homens, em um ataque bem-sucedido para a destruição de Seaboard, Roanoke, Norfolk e Petersburg Rail. Então, com sua brigada, cobriu a retaguarda, lutando contra várias escaramuças do inimigo quando a força se retirou de Suffolk. Durante a campanha de Gettysburg, em junho de 1863, foi colocado no comando das fortificações de Williamsburg. Para essa missão foi incorporado ao 11º. Regimento de Rode Island, por ele comandado, a 2ª. bateria de Wisconsin, a bateria “E” da 1ª. artilharia e um esquadrão da 5ª Cavalaria, ambos da Pensilvânia.

Enquanto aguardava que o recrutamento do 2º R.I. atingisse o número de soldados suficientes para entrar em serviço, o coronel Church ocupou o cargo de engenheiro chefe na construção da Ferrovia Providence, Warren e Fall River, concluída em abril de 1865.

Por essa época, a invasão francesa do México estava agitando intensamente a opinião púbica americana. O coronel Church publicou o artigo “A Historical Review of Mexico and its Revolutions”, no “New York Herald”. A publicação completa desse artigo foi feita em dezesseis colunas, saiu na sua edição de 25 de maio de 1866, com o elogio do jornal. O sr. Romero, então representante diplomático do México em Washington, enviou ao Departamento de Estado americano o pedido para arquivá-lo como o melhor esboço da história mexicana já escrito. Pediu também a permissão do autor para republicá-lo em forma de panfleto e fez com que uma cópia fosse colocada sobre a mesa de cada um dos senadores e membros do Congresso norte-americano. O artigo foi traduzido para o alemão, o francês e duas vezes para o espanhol. Sua publicação resultou na partida do coronel Church para o México, com a missão de apoiar a causa liberal do presidente Juarez que, desprovido de seu exército e com o governo fragmentado, transferiu seu comando para o norte, próximo à fronteira com os Estados Unidos. O coronel Church, acompanhando o general Lew Wallace, viajou 1.300 milhas de Matamoros a Chihuahua, via Monterrey, Saltillo e Parras. No caminho encontrou grupos favoráveis à causa imperial. Também encontrou bandidos e uma incursão de índios apaches do Novo México que matou 126 mexicanos em três dias ao longo da rota percorrida por nossos aventureiros viajantes, o que os levou a se refugiarem por uma noite em uma destilaria de mescal.

Chegando a Chihuahua em 21 de outubro de 1866 o Coronel Church encontrou o presidente Juarez, seu gabinete e uma tropa desorganizada com cerca de 1.200 homens. A artilharia do presidente consistia em dois pequenos obuses com diferentes calibres. Por falta de ferro utilizavam bolas de cobre como munição. O coronel Church permaneceu sete meses com o presidente Juarez e seu gabinete. Durante esse período ficou aquartelado com o general Ygnacio Mejia, ministro da guerra. Com Mejía compartilhou privações, derrotas, longas marchas e sucessos, até a captura de Maximiliano em Queretero. A campanha que cercou o infeliz imperador e resultou em sua captura foi planejada por Church. Uma hora depois de ser apresentada ao ministro da guerra foi discutida em uma reunião do gabinete e as ordens para as tropas foram rapidamente expedidas.

Dois dias antes da invasão de Zacatecas (27 de janeiro de 1867), o general imperial Miramon enviou uma mensagem ao coronel Church, informando que o mataria na praça daquela localidade se o capturasse. Na manhã do violento ataque os generais imperiais quase capturaram Church. A razão é que ele havia dado seu veloz cavalo ao presidente Juarez. Assim, o coronel Church foi o último a sair da praça sob uma chuva de balas de um batalhão de zouaves franceses. Nesse momento, apenas a 300 metros de distância, na estrada da montanha Bufa, atacava Miramon trovejando à cabeça de 900 cavalarianos. A corrida era pela vida, especialmente nas ruas atulhadas com os escombros do exército liberal e também ao sul da cidade. O coronel Church descreveu sua viagem como uma grande corrida de obstáculos por 72 milhas, na qual ele ganhava terreno constantemente até Miramon desistir da perseguição e retornar a Zacatecas. Três dias depois, os liberais retomaram a cidade.

Na cidade de San Luiz de Potosí foram cunhadas cinco medalhas para comemorar a retomada daquela importante cidade pelo exército liberal: uma em ouro para o presidente Juarez, uma em prata para cada um dos ministros do gabinete e uma em prata para o coronel Church, ao qual foi entregue em notável cerimônia.

Cerca de quarenta e nove cartas escritas pelo coronel Church do México foram publicadas pelo “New York Herald” reportando sua experiência naquela guerra. Elas descrevem os variados acasos da causa liberal desde o dia em que ele chegou ao México até a rendição de Maximiliano. Quando da captura de Maximiliano, o coronel Church viajou 600 milhas em seis dias para a fronteira do Rio Grande. Dali apressou-se para Washington, na esperança de que o governo dos Estados Unidos usasse sua influência para salvar a vida de Maximiliano. Contudo, seus esforços foram infrutíferos, avisado de seu objetivo o sr. Seward negou-lhe mesmo uma entrevista.

Ao voltar para New York, o coronel Church aceitou um emprego na equipe editorial do “New York Herald” onde permaneceu por mais de um ano. Quando ainda trabalhando para aquele jornal o governo boliviano enviou o general Quintin Quevedo, um membro proeminente de seu corpo diplomático, para convidá-lo a empreender o tão esperado projeto nacional de abrir as 3.000 milhas de afluentes dos rios bolivianos da Amazônia para a navegação. Esses rios são separados das águas navegáveis do baixo rio Madeira por cerca de 300 milhas de cataratas e corredeiras formidáveis, principalmente no território brasileiro. Church aceitou o convite e seguiu para a Bolívia via Buenos Aires.

Em frente a essa cidade do rio da Prata, em Colonia, ele selecionou e preparou um local adequado para a base marítima de uma empresa americana. Então com um empregado viajou por terra por 3.000 milhas de Buenos Aires até La Paz, capital da Bolívia, onde conseguiu a concessão necessária para a navegação dos rios bolivianos. Retornou a New York via Panamá. Logo após sua chegada voltou a La Paz a pedido do governo boliviano. Depois foi para o Rio de Janeiro, pelo estreito de Magalhães, para obter o direito de construir uma ferrovia que contornasse as quedas do rio Madeira. Essa viagem resultou do fracasso do governo boliviano em negociar a concessão ferroviária com o Brasil, como havia acordado com Church. A desejada concessão do Brasil foi então entregue ao coronel Church com algum atraso.

Novamente em New York obteve a carta patente do governo dos Estados Unidos com a qual organizou a National Bolivian Navigation Company em junho de 1870, tornando-se presidente dessa companhia. Em seguida foi para Londres, onde organizou a Madeira & Mamoré Railway Company, para a qual obteve a concessão brasileira, também se tornando presidente dessa empresa. Então levantou mais de US$ 6.000.000 para iniciar as operações das duas empresas que dirigia e contratou a obra ferroviária com uma poderosa empresa inglesa.

Novamente voltou para a Bolívia via Peru e através do passo Tacora. Nos Andes, alcançou a capital do sul, Sucre, via Oruro. Dali seguiu para Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra, uma cidade nas cabeceiras de um dos afluentes que desembocam no rio Amazonas. Organizou então uma expedição de canoas com oitenta e três índios e alguns homens brancos para descer os rios Piraí, Mamoré e as cachoeiras do Madeira. Na última cachoeira, em Santo Antônio, encontrou um pequeno navio a vapor que ele havia feito transportar três milhas por terra pelas cachoeiras. Na cachoeira de Pederneira ele salvou a vida de dezesseis índios que estavam agarrados a uma canoa naufragada no meio do rio. Em outro rápido sua própria canoa foi destruída, ocorrendo o mesmo na cachoeira do "Caldeirão do Inferno" onde quase perdeu toda a expedição. Retornou à Europa pelos rios Madeira e Amazonas.

A magnitude e a expectativa que despertaram os projetos de Church provocaram o acre zelo e a oposição daqueles que detinham o monopólio comercial da área, os comerciantes da Costa do Pacífico, na medida em que se propunha a abrir rota concorrente de comércio. De repente descobriram que uma companhia americana detinha um empreendimento que prometia penetrar pelo centro da América do Sul e transformar seu comércio. Ao utilizar a rede fluvial, afetaria poderosamente as relações políticas e inter comerciais de vários Estados hispano-americanos. Ferozes interesses contrariados se aliaram amplamente. A English Construction Company denunciou o contrato e aliou-se aos seus acionistas em um ataque ao fundo fiduciário ferroviário, que eles vincularam por liminar ao Tribunal de Chancelaria. O governo boliviano tentou apreender o fundo. O coronel Church lutou contra esses pesados ataques, defendendo o terreno a cada polegada que houvesse para sustentar ganhou batalha após batalha entre 1873 a 1878. O comitê dos detentores de títulos subornou o presidente boliviano Daza com £ 20.000 para tomar partido ao seu favor e instaurou um novo processo para revogação da concessão boliviana. Mesmo neste novo processo, o coronel Church ganhou no Tribunal de Primeira Instância. A Câmara dos Lordes finalmente resolveu a questão declarando impraticável o empreendimento, embora meses antes o governo brasileiro tivesse dado seu apoio inabalável ao coronel Church. A seu pedido foi decretado um complemento ao fundo existente com o montante necessário para concluir as obras ferroviárias. Na época em que a empresa faliu havia 1.200 homens trabalhando na linha férrea e uma locomotiva em tráfego no primeiro trecho inaugurado.

Poucos meses após o naufrágio de sua grande empreitada, encontramos o coronel Church partindo de Washington a caminho de Quito para executar as instruções do então secretário de Estado norte-americano, o exmo. James G. Blaine, e elaborar um relatório ao governo dos Estados Unidos sobre as condições políticas, sociais, comerciais e gerais do Equador. Nessa viagem a ele também foi confiado, pelos detentores ingleses de títulos de dívida do Equador, plenos poderes para negociar o reajuste da dívida nacional daquele país. Seguiu para Guayaquil, no Panamá, nos Andes atravessou o passo Chimborazo, permaneceu em Quito três meses, cavalgou para o norte até a fronteira com a Colômbia e depois foi para Lima, onde permaneceu por um tempo e escreveu seu relatório para o Governo dos Estados Unidos, intitulado “Equador em 1881”. Esse relatório foi publicado (Ex. Doc. No. 69 do 47 ° Congresso) com uma mensagem especial do presidente Arthur ao Congresso. As informações que ele contém são ampla e frequentemente citadas. O coronel Church partiu então para o Chile e contornou o Estreito de Magalhães, passando pelo Uruguai e pela República Argentina, de onde foi ao Brasil e dali retornou aos Estados Unidos pela Inglaterra.

Mais tarde em Londres ele se envolveu em operações financeiras de considerável grandeza relacionadas às obras públicas. Em 1889 contratou a construção de uma ferrovia na República Argentina por um milhão de libras esterlinas. Esse trabalho ele completou em dois anos, em meio à crise de Baring, que arruinou tantos empreiteiros de obras públicas na América do Sul. Em 1895, ele passou três meses na Costa Rica representando os estrangeiros que possuíam títulos daquele país. Durante sua estada nesse país, fez um relatório elaborado sobre a condição da via à Companhia Ferroviária da Costa Rica.

Embora ainda envolvido na construção de ferrovias na República Argentina, o coronel Church dedicou muito tempo a atividades literárias. Foi membro de várias sociedades científicas e eruditas, incluindo a Sociedade Americana de Engenheiros Civis. Foi membro do Conselho da Sociedade Geográfica Real por quatro anos e também foi seu vice-presidente, sendo o primeiro e único que não era inglês a ter recebido essa honra. Publicou diversos trabalhos sobre as áreas onde atuou na América do Sul.

Em 1891, o Coronel Church representou a Sociedade Americana de Engenheiros Civis no Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Londres. Em 1898, na reunião de Bristol da Associação Britânica para o Progresso da Ciência ele, como presidente da Seção Geográfica, leu um artigo sobre “Argentine Geography and the Ancient Pampean Sea”, que atraiu grande atenção e foi aclamado pelo jornal “The Times” como: “[...] um dos melhores artigos científicos já lidos nessa seção.” Publicou numerosos e extensos artigos no “Geographic Journal” e, recentemente, um dos números mensais desse periódico foi quase inteiramente ocupado por seu “Outline of the Physical Geography of South America.”

Coronel George Earl Church Fonte: IBAR, 1909, p. 478 - Gente de Opinião
Coronel George Earl Church Fonte: IBAR, 1909, p. 478

A sua bela biblioteca continha obras em várias línguas estrangeiras com as quais ele estava familiarizado. Dedicou todo o seu tempo livre ao estudo de História e Geografia. Também dedicou-se às viagens de tal forma que para informar esses aspectos da sua vida, seria necessário um trabalho volumoso. Realizou viagens extensas à Europa e à maior parte da América, convivendo entre os índios da América do Norte e do Sul. Arriscando sua vida passou por inúmeras aventuras emocionantes que abalaram parcialmente as forças físicas quase inesgotáveis desse representante de uma das antigas famílias puritanas de Massachusetts. O coronel Church se casou em segundas núpcias em 1907 com Annie Marion, viúva de Frederic Chapman. Morreu na Cromwell Road 216 em 4 de janeiro de 1910.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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