Sexta-feira, 16 de novembro de 2018 - 09h32
A cidade de Guayaramerin surgiu durante o Primeiro Ciclo da Borracha em
razão da intensificação do comércio da goma elástica que até aproximadamente os
anos de 1880 era transportada com muita dificuldade da Bolívia para o alto
Madeira. A partir da exploração de Edwin R. Heath em 1880 o rio Beni passou a
compor a rota de navegação dos rios daquela região, integrando essas partes
longínquas cujo percurso, antes da navegação regular desse rio, era
extremamente demorado e dificultoso. O surgimento de Guayaramerín está
vinculado a esse momento histórico.
Recentemente um importante testemunho sobre a origem dessa cidade foi
descoberto e transcrito por Juan Carlos Crespo Avaroma, interessado pesquisador
da história mojenha, administrador do “Palacio de la Cultura y Galería de
Notables del Beni” e presidente da “Sociedad de Escritores de Guayaramerín”
(Guayaramerín – Beni – Bolivia). O amigo Juan Carlos teve a generosidade de
compartilhar comigo sua descoberta, a qual tive o interesse de traduzir a
transcrição e, com a autorização do mesmo, publicá-la para servir aos demais
pesquisadores e interessados. Desde já manifesto ao escritor meus
agradecimentos.
Mas, continuemos com a gênese de Guayaramerín. Após o início da
exploração de borracha no baixo Mamoré, outra área gumífera instalou-se entre
Reyes e Cavinas. O temor dos ataques promovidos por grupos indígenas
desestimulava o aumento da produção, que então seguia um caminho tortuoso e
demorado, porém mais seguro. De Cavinas seguia para Porto Salina e dali para
Reyes, jornada que demorava coisa de dois meses. De Reyes seguia por terra, em
um percurso de quase sessenta milhas, até o rio Yacuma e daí mais quinhentas
milhas via Santa Ana e Exaltación atingindo então o rio Mamoré. Essa
dificuldade desestimulava muito a produção de borracha naquela região.
As descobertas do médico Edwin Heath, que explorou o Beni em 1880,
declarando sua navegabilidade, serviram de rápido estímulo para a expansão da
exploração gumífera naquela área. Como resultado dessa descoberta foi constatada
a possibilidade de navegação franca por vapores desde Cachuela Esperanza até
Huachi e por canoas até Irupana, situada no Departamento de La Paz. A expansão
do extrativismo foi de tal monta que segundo o Edwin Heath, aquele rio ocupava
menos de 200 trabalhadores na extração da goma elástica no final de 1880.
Poucos meses depois esse número cresceu para um total de um a dois mil
extratores. Fato atribuído à descoberta de que as duas principais áreas de
exploração de borracha estavam ligadas pelo rio Beni e que o baixo Beni não era
ocupado por grupos nativos hostis, que serviu de estímulo à intensificação da
exploração daquele rio.
Cachoeira
Esperança no rio Beni - Bolivia/Brazil.
Observem à
esquerda os trilhos da pequena ferrovia que contornava a cachoeira.
Fotógrafada
possivelmente entre 1908 e 1911.
Fotógrafo: possivelmente Dr. Bauler (Suíça).
Já em 1881 a empresa Suarez Hermanos, que viria a ser o maior
empreendimento da economia gumífera na Amazônia, fundou sua sede em cachuela
Esperanza no rio Beni, a alguns quilômetros de sua foz no rio Mamoré. A
localidade situa-se próxima ao encontro dos rios Beni e Mamoré, que formam o
rio Madeira. Ali, uma pequena ferrovia foi construída para contornar a
cachoeira e facilitar o comércio de importação e exportação daquela empresa com
o resto do mundo.
Diversos empresários iniciaram suas atividades coletoras de borracha
nessa região a partir da iniciativa de Suarez: Antenor Vásquez estendeu suas
atividades ao longo do baixo Madre de Dios; a empresa francesa Braillard (mais
tarde Seiler) estabeleceu-se em Reyes; Vaca Diez estabeleceu seringais ao longo
do Beni abaixo de Riberalta e à montante do rio Orton. Todos esses pioneiros
migravam principalmente de Santa Cruz de La Sierra. Como desde vinte anos antes,
em 1885, essa produção de goma elástica boliviana seguia pelo rio Madeira
abaixo.
A partir de então uma série de povoações surgiram em razão da exploração
da goma elástica nos atuais departamentos bolivianos de Pando (antigo
Território de Colônias) e Beni (antiga província jesuítica de Moxos). Em 1892 o
empresário Manuel Jesús Añez Paredes, partindo de Villa Bella chega a
Guayaramerin com o objetivo de ali instalar uma base para o comércio da
borracha. Em 1898 esse empresário abriu um caminho de 62 quilômetros e dois
metros de largura, conforme ele mesmo declarou, destinado ao tráfego de
cavalgaduras entre Villa Bella e Guayaramerin, para o qual obteve a concessão
para cobrar pedágio. Cachuela Esperanza fica há quarenta quilômetros de
Guayaramerin e hoje é povoação daquele município.
Note-se que hoje Guayaramerin é cidade fronteiriça a Guajará-Mirim (BR),
surgida no ponto final da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré décadas depois. O
lugar onde hoje está situada Riberalta, capital do Departamento de Pando, na
confluência dos rios Madre de Dios e Beni, foi batizado durante da viagem de
exploração de Heath com o nome de Barranca Colorada. Posteriormente a empresa
francesa Braillard instala um barracão naquele local onde já havia a atividade
extrativa da borracha, que denominou La Cruz. Em 1894 a cidade foi fundada
oficialmente. A superação dos obstáculos e o estabelecimento do comércio
regular com o alto dos rios apresentava-se, além de melhor recurso para o
escoamento da borracha, como mais um elemento que viria a facilitar a atração
de braços para explorar aquelas regiões de difícil acesso.
Por volta de 1896 não existia o povoado brasileiro de Guajará-Mirim, no rio Mamoré, cercanias da cachoeira de mesmo nome, embora já houvessem seringais pertencentes aos brasileiros naquele local. Contudo, na margem oposta existia a povoação boliviana de Guayaramerím habitada pelos seringalistas bolivianos Manuel e Memesio Jordán e Leonor de Castro. Conforme transcrito por Juan Carlos Crespo Avaroma:
Fundação Guayaramerín
Em 1895 a Casa J. Añez e Irmãos,
celebrou contrato social com Dona Leonor Castro para administrar os negócios
desta senhora naquele lugar. Estabeleceu então essa firma uma casa de comissões
e consignações e, ainda, encarregou-se cuidar das roças já estabelecidas. Este
contrato social durou 4 anos e a empresa foi liquidada em 1899. Foi assim que
Dona Leonor Castro passou a possuir também terras neste porto.
A Casa Añez somente obteve 50 hectares de terra naquela localidade mediante petição de compra feita à Delegação Nacional, a qual era então chefiada pelo dr. Dámaso Sanchez. Mais tarde, transferiu esse direito pendente à Casa Vaca Diez de Orton [...] Assino o presente com minha própria caligrafia, em Guayaramerín, em 23 de junho de mil novecentos e quatro. (Assinado M. Jesus Añez)”. Transcrito do jornal "La Voz del Beni”, no. 242, página 6, Riberalta, 06 de agosto de 1963.
Podemos então deduzir do texto transcrito por Juan Carlos que a ocupação
principal desses pioneiros habitantes de Guayaramerín era o apoio ao transporte
entre o Mamoré e rios adjacentes e o Madeira, inclusive abastecendo com o
produto de suas plantações de bananas, macaxeiras e outros gêneros de
alimentação as embarcações em trânsito. No caso de Manuel Jesús Añez sua firma,
ao operar com comissões e consignações, também apoiava o comércio naquela parte
do rio.
Por volta de 1896 não existia o povoado brasileiro de Guajará-Mirim, no
rio Mamoré, cercanias da cachoeira de mesmo nome, embora já houvessem seringais
pertencentes aos brasileiros naquele local. Na margem oposta já existia então a
povoação boliviana de Guayaramerím habitada pelos seringalistas bolivianos
Manuel e Memesio Jordán e Leonor de Castro. Na povoação propriamente dita, a
população estimada, em 1903, era de 20 habitantes ocupados nas atividades de
transporte de mercadorias entre Trinidad, Villa Bella e Riberalta. A influência
de Suárez Hermanos ainda se mantinha firme na região e, no Madeira, continuavam
a manter depósitos e empregados na vila de Santo Antônio.
O ensaio que segue foi elaborado para ser apresentado na cerimônia de abertura do Seminário Integrado de Ensino e Pesquisa e a Semana de História –
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