Sábado, 26 de abril de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Dante Fonseca

Aldeamentos indígenas e agricultura na Amazônia no auge do Primeiro Surto Gumífero - Por Dante Ribeiro da Fonseca



Outro recurso, utilizado para o abastecimento das novas regiões gumíferas, foi as roças plantadas por algumas missões indígenas.   Por exemplo, existia em 1881, na embocadura do rio Machado (ou Ji-Paraná), afluente do rio Madeira, a missão de São Francisco, que abrigava quatrocentos indígenas. A produção dessa missão era de certa monta, pois justificava a presença constante de dois negociantes ali estabelecidos, que comerciavam com os artigos produzidos por aquela comunidade e faziam circular anualmente a quantia de quinze a dezesseis contos de réis, resultado da produção de um milhar de paneiros de farinha de mandioca, produção de óleo de copaíba e fabricação comercial de canoas e montarias. Vê-se então que no centro da zona gumífera uma comunidade indígena articulava-se dinamicamente ao setor exportador, produzindo para subsistência e comercialização, dentro da região, alimentos, e embarcações para o setor exportador. Além dessa, existia na província uma outra missão, no rio Ituxi, que foi fechada no mesmo ano em razão do pouco progresso apresentado e da falta de suficiente pessoal religioso. Foram os padres encaminhados á missão de São José do Maracajú e outras, situadas no rio Uaupés, de grande esperança para o governo, por ser aquele rio numerosamente povoado de nativos[1].

Essas missões dos rios Uaupés, Papuri e Tiquié somavam 3.377 indígenas distribuídos em nove aldeamentos (Tabela 6-02) com população variando entre 40, aldeamento de Conceição, e 730 nativos, São Jerônimo de Ipamoré, indivíduos dos grupos Tariana, Macu e Tucano, cuidados por missionários religiosos. Nos aldeamentos produzia-se gêneros de alimentação para a comercialização. Esses grupos que estavam inseridos no mundo gumífero representava, contudo, menos da metade dos grupos contatados pelos missionários naqueles rios, os restantes, indivíduos dos grupos Macu, Itumiri, Manioas, Carapanãs e Cureras, viviam isolados na selva onde eram, ocasionalmente, visitados pelos missionários.

Aldeamentos indígenas e agricultura na Amazônia no auge do Primeiro Surto Gumífero - Por Dante Ribeiro da Fonseca - Gente de Opinião
Os indígenas eram usados também em serviços públicos, quando necessário, dado o alto custo da escassa mão-de-obra. Assim é que, constatando o péssimo estado com que chegavam as reses compradas no baixo Amazonas, em função de seu transporte nos vapores, pretendeu o governo provincial abrir um campo em Manaus para a engorda dos animais, comprados pelo governo para diminuir o custo da carne verde na capital, antes do abate. Constatando o elevado custo da mão-de-obra apelou o presidente para o trabalho indígena. Primeiramente recrutou alguns nativos dos aldeamentos de Abacaxis e Canumã, sem resultado satisfatório. Depois negociou com os principais maués de Andirá e Uriaú conseguindo recrutar vinte nativos. Também na abertura da estrada do rio Branco foram utilizados como trabalhadores os indígenas dos rios Urariquera[2]. Vez por outra os indígenas faziam chegar ao governo reclamações contra os missionários encarregados de sua catequese[3].

As missões dos rios Uaupés e Tiquié foram quase todas fundadas entre os anos de 1880 e 1881 e estavam em 1888 em estado de abandono. Os indígenas daquelas missões, em número bastante considerável, ocupavam parte do ano trabalhando ora na atividade extrativa ora na agrícola. Segundo a estatística provincial do ano de 1888, os aldeamentos indígenas nos rios Uaupés, Papurí e Tiquié e mais os grupos ocasionalmente visitados pelos missionários nos rios Papurí, Queirarí, Içana e Caduiarí, continham uma população de sete mil cento e quarenta e oito pessoas. Desse total, uma pequena maioria (52,76%) não estava aldeada, e não há informações de sua inserção no mercado amazônico, o restante estava aldeado e aproximadamente metade desses indígenas trabalhava independentemente na coleta de borracha e piaçava. No rio Tiquié os indígenas ocupavam-se mais da agricultura e da produção de farinha de mandioca, mas respondiam eles por aproximadamente um terço da população aldeada naqueles rios. De qualquer modo a produção indígena naqueles rios era notável, atribuindo-se a ela o incremento da navegação à vapor, de tal modo que antes apenas uma embarcação da Companhia do Amazonas navegava o rio, de dois em dois meses, e no ano de 1888, um vapor daquela empresa fazia a linha mensal completada com viagens extraordinárias, além de lanchas rebocadoras fretadas por comerciantes[4].

No Pará existiam, em 1880, treze diretorias parciais de índios situadas nos rios Maracanã, Capim, Acará-mirim, Acará, Xingú, Vizeu, Pacajá, Alto Tocantins, Gurupí, Alto Tapajós, Baixo Tapajós e Tocantins (Quadro 6-01). Informava o presidente da província das muitas queixas recebidas contra os diretores dos índios. Registra-se que na missão do Bacabal, no alto Tapajós, o frade responsável, após ter sido demitido a bem do serviço público, retornou e vendeu os gêneros e mercadorias, como a borracha, depositados no armazém daquela missão[5]. Por vezes as reclamações incidiam sobre o comportamento dos índios aldeados. É o caso dos índios Amanagés, aldeados no rio Capim que em 1879 assassinaram a tripulação de uma canoa, composta de elementos do grupo Tembé[6].

No município de Acará havia, em 1884, um aldeamento denominado Miritipitanga habitado por cem indígenas Turiuára. Existia também um aldeamento no rio Acará-mirim dividido em três aldeias, uma formada por setenta e seis elementos do grupo Tembé, a outra do mesmo grupo e número de habitantes não sabido e o terceiro formado por setenta e um elementos do grupo Turiuá. Esses grupos produziam mandioca, arroz, milho, feijão, óleo de copaíba, madeiras e estopas. Com esses últimos itens fabricavam canoas. Toda essa produção, era trocada por tecidos, espingardas, ferragens, etc..

Aldeamentos indígenas e agricultura na Amazônia no auge do Primeiro Surto Gumífero - Por Dante Ribeiro da Fonseca - Gente de Opinião
Também registra-se a existência de um aldeamento denominado Maracanã, nas cachoeiras deste rio, a cento e onze quilômetros da vila de Cintra, dividido em duas aldeias com mais de cem indivíduos do grupo Tembé dedicados ao cultivo do feijão, tabaco, milho e mandioca. Seu contato mais imediato era com a freguesia de São Domingos por uma estrada de vinte e dois quilômetros a partir do igarapé Curanátena[7].


[1] Dias, Satyro de Oliveira. Presidente da província do Amazonas. Fala de 4 de abril de 1881, pp. 38-9.

[2] Paranaguá, José Lustosa da Cunha. Presidente da província do Amazonas. Relatório de 25 de março de 1883, p. 86.

[3] Bueno, Francisco Antonio Pimenta. Presidente da província do Amazonas. Exposição de 21 de junho de 1888, p. 21.

[4] Andrade, Joaquim Cardoso de. Presidente da província do Amazonas. Relatório de 5 de setembro de 1888, anexo 13, p. 3.

[5] Abreu, José Coelho da Gama e (Barão de Marajó). Presidente da província do Pará. Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1880, p. 80.

[6] Paranaguá, José Lustosa da Cunha. Presidente da província do Amazonas. Relatório de 25 de março de 1883, p. 80.

[7] Baena, 1885, p. 29.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSábado, 26 de abril de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Castanha-do-pará ou castanha-do-brasil? Uma semente amazônica, muitas histórias e muitos nomes 1.

Castanha-do-pará ou castanha-do-brasil? Uma semente amazônica, muitas histórias e muitos nomes 1.

Pomposa como uma fidalga silvestre, abre o seu chapéu-de-sol verde por cima do nível ondulante e superior da floresta, indicando logo mesmo em zonas

A História da Amazônia e de Rondônia, uma reflexão sobre sua dinâmica nos últimos 40 anos – 1984 – 2004

A História da Amazônia e de Rondônia, uma reflexão sobre sua dinâmica nos últimos 40 anos – 1984 – 2004

O ensaio que segue foi elaborado para ser apresentado na cerimônia de abertura do Seminário Integrado de Ensino e Pesquisa e a Semana de História –

Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia

Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia

Nesses tempos, quando a população de Rondônia se vê ameaçada pela suspensão de alguns voos e mudanças de rota das companhias aéreas que nos servem,

Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho

Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho

O último artigo que publiquei aqui tratou da figura do “velho Pimentel”, um personagem que, apesar de seu caráter até agora mítico, parece estar ind

Gente de Opinião Sábado, 26 de abril de 2025 | Porto Velho (RO)