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Dante Fonseca

Aldeamentos indígenas e agricultura na Amazônia no auge do Primeiro Surto Gumífero - Por Dante Ribeiro da Fonseca



Outro recurso, utilizado para o abastecimento das novas regiões gumíferas, foi as roças plantadas por algumas missões indígenas.   Por exemplo, existia em 1881, na embocadura do rio Machado (ou Ji-Paraná), afluente do rio Madeira, a missão de São Francisco, que abrigava quatrocentos indígenas. A produção dessa missão era de certa monta, pois justificava a presença constante de dois negociantes ali estabelecidos, que comerciavam com os artigos produzidos por aquela comunidade e faziam circular anualmente a quantia de quinze a dezesseis contos de réis, resultado da produção de um milhar de paneiros de farinha de mandioca, produção de óleo de copaíba e fabricação comercial de canoas e montarias. Vê-se então que no centro da zona gumífera uma comunidade indígena articulava-se dinamicamente ao setor exportador, produzindo para subsistência e comercialização, dentro da região, alimentos, e embarcações para o setor exportador. Além dessa, existia na província uma outra missão, no rio Ituxi, que foi fechada no mesmo ano em razão do pouco progresso apresentado e da falta de suficiente pessoal religioso. Foram os padres encaminhados á missão de São José do Maracajú e outras, situadas no rio Uaupés, de grande esperança para o governo, por ser aquele rio numerosamente povoado de nativos[1].

Essas missões dos rios Uaupés, Papuri e Tiquié somavam 3.377 indígenas distribuídos em nove aldeamentos (Tabela 6-02) com população variando entre 40, aldeamento de Conceição, e 730 nativos, São Jerônimo de Ipamoré, indivíduos dos grupos Tariana, Macu e Tucano, cuidados por missionários religiosos. Nos aldeamentos produzia-se gêneros de alimentação para a comercialização. Esses grupos que estavam inseridos no mundo gumífero representava, contudo, menos da metade dos grupos contatados pelos missionários naqueles rios, os restantes, indivíduos dos grupos Macu, Itumiri, Manioas, Carapanãs e Cureras, viviam isolados na selva onde eram, ocasionalmente, visitados pelos missionários.

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Os indígenas eram usados também em serviços públicos, quando necessário, dado o alto custo da escassa mão-de-obra. Assim é que, constatando o péssimo estado com que chegavam as reses compradas no baixo Amazonas, em função de seu transporte nos vapores, pretendeu o governo provincial abrir um campo em Manaus para a engorda dos animais, comprados pelo governo para diminuir o custo da carne verde na capital, antes do abate. Constatando o elevado custo da mão-de-obra apelou o presidente para o trabalho indígena. Primeiramente recrutou alguns nativos dos aldeamentos de Abacaxis e Canumã, sem resultado satisfatório. Depois negociou com os principais maués de Andirá e Uriaú conseguindo recrutar vinte nativos. Também na abertura da estrada do rio Branco foram utilizados como trabalhadores os indígenas dos rios Urariquera[2]. Vez por outra os indígenas faziam chegar ao governo reclamações contra os missionários encarregados de sua catequese[3].

As missões dos rios Uaupés e Tiquié foram quase todas fundadas entre os anos de 1880 e 1881 e estavam em 1888 em estado de abandono. Os indígenas daquelas missões, em número bastante considerável, ocupavam parte do ano trabalhando ora na atividade extrativa ora na agrícola. Segundo a estatística provincial do ano de 1888, os aldeamentos indígenas nos rios Uaupés, Papurí e Tiquié e mais os grupos ocasionalmente visitados pelos missionários nos rios Papurí, Queirarí, Içana e Caduiarí, continham uma população de sete mil cento e quarenta e oito pessoas. Desse total, uma pequena maioria (52,76%) não estava aldeada, e não há informações de sua inserção no mercado amazônico, o restante estava aldeado e aproximadamente metade desses indígenas trabalhava independentemente na coleta de borracha e piaçava. No rio Tiquié os indígenas ocupavam-se mais da agricultura e da produção de farinha de mandioca, mas respondiam eles por aproximadamente um terço da população aldeada naqueles rios. De qualquer modo a produção indígena naqueles rios era notável, atribuindo-se a ela o incremento da navegação à vapor, de tal modo que antes apenas uma embarcação da Companhia do Amazonas navegava o rio, de dois em dois meses, e no ano de 1888, um vapor daquela empresa fazia a linha mensal completada com viagens extraordinárias, além de lanchas rebocadoras fretadas por comerciantes[4].

No Pará existiam, em 1880, treze diretorias parciais de índios situadas nos rios Maracanã, Capim, Acará-mirim, Acará, Xingú, Vizeu, Pacajá, Alto Tocantins, Gurupí, Alto Tapajós, Baixo Tapajós e Tocantins (Quadro 6-01). Informava o presidente da província das muitas queixas recebidas contra os diretores dos índios. Registra-se que na missão do Bacabal, no alto Tapajós, o frade responsável, após ter sido demitido a bem do serviço público, retornou e vendeu os gêneros e mercadorias, como a borracha, depositados no armazém daquela missão[5]. Por vezes as reclamações incidiam sobre o comportamento dos índios aldeados. É o caso dos índios Amanagés, aldeados no rio Capim que em 1879 assassinaram a tripulação de uma canoa, composta de elementos do grupo Tembé[6].

No município de Acará havia, em 1884, um aldeamento denominado Miritipitanga habitado por cem indígenas Turiuára. Existia também um aldeamento no rio Acará-mirim dividido em três aldeias, uma formada por setenta e seis elementos do grupo Tembé, a outra do mesmo grupo e número de habitantes não sabido e o terceiro formado por setenta e um elementos do grupo Turiuá. Esses grupos produziam mandioca, arroz, milho, feijão, óleo de copaíba, madeiras e estopas. Com esses últimos itens fabricavam canoas. Toda essa produção, era trocada por tecidos, espingardas, ferragens, etc..

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Também registra-se a existência de um aldeamento denominado Maracanã, nas cachoeiras deste rio, a cento e onze quilômetros da vila de Cintra, dividido em duas aldeias com mais de cem indivíduos do grupo Tembé dedicados ao cultivo do feijão, tabaco, milho e mandioca. Seu contato mais imediato era com a freguesia de São Domingos por uma estrada de vinte e dois quilômetros a partir do igarapé Curanátena[7].


[1] Dias, Satyro de Oliveira. Presidente da província do Amazonas. Fala de 4 de abril de 1881, pp. 38-9.

[2] Paranaguá, José Lustosa da Cunha. Presidente da província do Amazonas. Relatório de 25 de março de 1883, p. 86.

[3] Bueno, Francisco Antonio Pimenta. Presidente da província do Amazonas. Exposição de 21 de junho de 1888, p. 21.

[4] Andrade, Joaquim Cardoso de. Presidente da província do Amazonas. Relatório de 5 de setembro de 1888, anexo 13, p. 3.

[5] Abreu, José Coelho da Gama e (Barão de Marajó). Presidente da província do Pará. Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1880, p. 80.

[6] Paranaguá, José Lustosa da Cunha. Presidente da província do Amazonas. Relatório de 25 de março de 1883, p. 80.

[7] Baena, 1885, p. 29.

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