Terça-feira, 12 de fevereiro de 2019 - 08h51
A um
autêntico historiador ocorreria talvez ir ver diretamente as fontes e
examina-las com espírito crítico, para decidir que tem razão – ou se até não
haveria que ir para uma terceira interpretação. (GODINHO, 2018, p. 242).
Dedico esse pequeno trabalho ao amigo jornalista José Carlos Sá Junior
que embora partindo não deixa Rondônia, mas a carregará dentro de si, e de quem
espero continuar a contar com sua crítica e disciplinada leitura dessa coluna.
O presente trabalho trata basicamente da primeira sucessão no governo do
Território Federal do Guaporé em 1946 e sua relação com duas eleições: para
presidente da república em 1945 e a do primeiro deputado federal pelo
território de 1947. De pronto podemos afirmar que ao contrário da maioria dos
textos sobre o assunto trazemos mais dúvidas que certezas. Peço ao leitor,
contudo, não manifestar espanto, nem critica a tal opção antes de examinar seus
elementos originários. Defendo-me argumentando que uma boa pesquisa inicia com
boas dúvidas. Ainda, escoro essa opção em Sócrates que, segundo Platão,
afirmava ser sua sabedoria o conhecimento que nada sabia, enquanto que os
demais pensavam saber aquilo que ignoravam.
Uma certeza nos revelaram as fontes: que Aluízio Ferreira não foi eleito
deputado federal em 1946 “ao abdicar do governo do território”, mas sua eleição
ocorreu no segundo semestre de 1947. Essa certeza permite o surgimento de
inúmeras dúvidas. Uma data, um preciosismo, uma tolice. Coisa de historiador
positivista, diriam os “críticos”. Que importa o ano, em que isso muda o
entendimento da História? Respondo, primeiramente, através das palavras do
grande historiador francês Marc Bloch que afirmou ser a precisão factual não um
mérito, mas obrigação do historiador. Em segundo lugar, como veremos a seguir,
o fato de que Aluízio Ferreira não abdicou ao governo do território para imediatamente
entrar a concorrer no pleito para deputado federal em 1946, aliado às
circunstâncias do pleito presidencial de 1945, permite-nos levantar hipóteses,
que a momentânea ausência de fontes impede de confirmar ou não.
Como os demais territórios brasileiros criados em 1943 (Amapá, Ponta
Porã, Iguaçu e Rio Branco/Roraima), o Território Federal do Guaporé (hoje
Rondônia) possuía uma constituição política que ao nível da representação era incompleta
na medida em que não previa a existência da maioria das instâncias legislativas
e executivas eleitas pelo sistema de representação popular. Isto porque estavam
ausentes nos territórios os órgãos legislativos próprios aos estados da
federação: as câmaras de vereadores e as assembleias legislativas e os cargos
executivos de governador e prefeito eram preenchidos por nomeação.
A criação do território foi realizada durante um período de exceção à
normalidade democrática denominado Estado Novo (1937-1945). Baseando-se então
no artigo número 180 da Constituição de 1937, que permitia ao presidente da
República de expedir decretos-leis sobre todas as matérias de competência da
União enquanto o parlamento não se reunisse é que Getúlio Vargas outorgou o
Decreto-Lei no. 5.812 de 13 de setembro de 1943, que criou os novos territórios
federais brasileiros. Em 21 de setembro do mesmo ano o Decreto-Lei 5.839 dispôs
sobre a administração desses territórios.
A vida político-eleitoral do Território nesse período resumia-se à
eleição periódica de um deputado federal (para a qual deu provimento a
Constituição de 1946) e do presidente da república. A regulamentação pertinente
previa a nomeação do governador do território pelo presidente da República. Os
demais cargos da administração territorial, os prefeitos dos dois municípios
existentes (Porto Velho e Guajará-Mirim) eram de livre nomeação e exoneração do
governador. Também por nomeação do governador era composto o Conselho
Territorial, mero arremedo de Assembleia Legislativa, pois possuía função apenas
consultiva. Essa regulamentação, em si mesma, excluía a participação popular,
pois os cargos de representação, quando existentes, não eram eletivos. Contudo,
informalmente, esses processos de preferência que conduziam à nomeação do
governador do território poderiam ficar à mercê de uma combinação entre o poder
executivo federal e do deputado federal. Internamente ao Território o
preenchimento dos executivos municipais eram função da dinâmica do partido no
poder e suas coligações.
Era o deputado federal uma figura que complementava ao governador no
papel de prover recursos federais para o Território e poderia ter grande
ascendência sobre o executivo territorial, caso a nomeação do segundo fosse
resultado da indicação do primeiro. Seria o deputado federal, segundo
entendimento unânime das poucas obras a respeito do assunto que, nesses anos
iniciais pelo menos (de 1943 a 1964), sugeriria ao Presidente da República quem
seria nomeado para governar o território. Podemos, com certa dose de
razoabilidade, supor que apenas se o presidente pertencesse ao mesmo partido ou
coligação do deputado federal o nome sugerido seria nomeado.
Constituído após o final do Estado Novo, o quadro partidário do
Território convivia com as tendências, tradições e dinâmicas da época. Mas,
podemos agregar, com certa independência das ideologias expressas pelas siglas
partidárias nacionais. Assim é que a vida política local ficou polarizada, a
partir de determinado momento, entre os cutubas, seguidores do grupo liderado
por Aluízio Ferreira; e peles curtas, liderados por Joaquim Rondon e seu
sucessor, o médico Renato Medeiros. Esses grupos deram cores locais aos partidos
nacionais. Após 1964 ocorreu que, segundo as palavras de Josias de Macedo em sua coluna “Rio e adjacências”,
ocorreu que:
Aluizio, Rondon e Renato Medeiros
abandonaram seus liderados, que por falta de chefia entregaram o Território de
Rondônia ao arbítrio dos presidentes da república e dos ministros do interior,
que transformaram Rondônia em uma verdadeira Capitania Hereditária, que
entregam a seus amigos e compadres. (Alto Madeira, 13/01/1981).
O primeiro governante do território foi o oficial do Exército Brasileiro
Aluízio Pinheiro Ferreira. Paraense de Bragança chegou à região da
Madeira/Guaporé proveniente de Óbidos nos anos de 1920. Participara de uma
rebelião promovida pelos quadros do Movimento Tenentista na fortificação
daquela localidade (1924). Fracassado o movimento, homiziou-se no Guaporé,
passando a trabalhar como administrador de seringal. Posteriormente entrou em
contato com Rondon que o aconselhou a entregar-se e submeter-se à Corte Marcial.
Tendo cumprido sua dívida com o Exército a ele foi reintegrado, passando a
exercer a subchefia do Posto Telegráfico de Santo Antonio do Alto Madeira.
Falecendo o chefe desse posto, Emanuel Amarante, genro de Rondon, passou à
chefia[1].
Esse cargo vinculava ainda Aluízio Ferreira a Rondon através de uma teia de
instituições interligadas, pois havia de fato um vínculo operacional entre a
Comissão das Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas, o Serviço de
Proteção aos Índios e a Inspeção de Fronteiras[2],
conforme reconhecido por Rondon:
Convém
salientar que a Inspeção de Fronteiras pôde realizar o programa que organizei
por ser ela filha dileta da antiga comissão telegráfica, ou Comissão Rondon,
como já o havia sido o Serviço de Proteção aos Índios. (VIVEIROS, 1969, p.
554).
Na chefia do posto telegráfico Aluízio era uma espécie de catalizador das
ações dessas três entidades ao nível local. Fatos posteriores viriam a reforçar
esse papel. Em 1931, ameaçando os ingleses abandonarem a concessão que detinham
da ferrovia Madeira-Mamoré, suspendendo o tráfego, liderou Aluízio Ferreira um
movimento ao final do qual a ferrovia retornou à administração do Estado
Nacional e tornou-se seu primeiro diretor brasileiro. No ano seguinte, em razão
da instalação dos Contingentes de Fronteira em Porto Velho, Guajará-Mirim e
Pedras Negras (todos no território onde hoje se situa Rondônia) tornou-se
inspetor dessas unidades.
Esses foram eventos importantes para a futura vida política de Aluízio
Ferreira, pois é de se notar que através deles foi investido de grande poder. Principalmente
no que se refere à ferrovia, uma espécie de segunda municipalidade, na medida
em que de sua estrutura dependia parte do funcionamento de Porto Velho no que
tange ao fornecimento de certos serviços públicos. A partir de então participou
ativamente das injunções locais para a criação do Território, tendo mesmo
visitado Getúlio Vargas em Petrópolis para conversar sobre o assunto. Em 1943 Aluízio
Ferreira já detinha liderança inconteste na região, cuja base eram os recursos
de poder que a administração da ferrovia, assumida em 1931, e a inspetoria dos Contingentes
de Fronteiras, criados no mesmo ano, lhe confirmavam.
Convém aqui destacar outra interessante característica dos governos dos
territórios federais criados em 1943. Trata-se do fato de que na maior parte
das vezes foram governados por oficiais das forças armadas. Essa característica
foi propugnada já na primeira proposta para a criação de territórios publicada
em 1849 por Francisco Adolpho Varnhagen (Visconde de Porto Seguro), tendo em
vista a redivisão territorial do Brasil. Tal escolha era justificada desde o
projeto Varnhagen em razão da defesa nacional. Argumentava que, situados que
estavam esses territórios nas fronteiras, um militar seria o elemento mais
adequado para o seu governo e defesa (VARNHAGEN, 2016, p. 153). Via de regra
esse pormenor foi seguido nas diversas propostas de redivisão territorial do
Brasil posteriores à de 1849 até a criação do Território Federal do Guaporé,
mais de cem anos depois. Contudo, cabe alertar que o decreto que criou os
territórios não previa a obrigatoriedade de seus governantes serem oficiais das
forças armadas, embora a ideia tenha prevalecido na maioria das nomeações.
Com a criação do Território Aluízio Ferreira, que assumira a
administração da Ferrovia Madeira-Mamoré em 10/07/1931, deixou-a em 09/11/1943
(CANTANHEDE, 1950, p. 296), pois fora nomeado por Vargas em 01/11/1943 para
governa-lo. O governo do território fez aumentar a liderança de Aluizio
Ferreira. Mesmo o abandono da administração da ferrovia (entidade federal) revelou-se
apenas provisório. Em 31 de maio de 1944 pelo Decreto-Lei 6.504 a direção da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré com os seus correspondentes serviços [...] portuários, rodoviários, de força e luz,
abastecimento d’água, cerâmica, frigorífico, instrução e saúde [...] passou
a ser dirigida pelo governador do território (GER, 1990, p. 73). Resta saber se,
ou em que medida, Aluízio Ferreira teve parte na decisão emanada por esse
decreto. Observe-se, aliás, que não há contradição em razão de que o Território
era federal, como a ferrovia. Fato é que a perda do controle da administração
da ferrovia, ao tornar-se governador do Território em muito limitaria o raio de
intervenção de Aluizio Ferreira, pois conforme afirma Souza: A criação do Território otimizou as ações do
governo federal dando continuidade às políticas encabeçadas pela EFMM e pela
Inspetoria dos Contingentes de Fronteira. (SOUZA, 2002, p. 134). Essas
políticas foram implementadas a partir de 1931, durante os doze anos e meio nos
quais Aluizio Ferreira fora seu administrador. Era a Estrada de Ferro grande
empregadora de mão de obra e fornecedora de certos serviços públicos para a
cidade de Porto Velho, do que derivava potencial formadora de eleitorado.
No final do período conhecido como
Estado Novo (1937-1945), com o processo de redemocratização, foram convocadas
eleições gerais para o ano de 1945. O marechal Dutra saiu candidato. Dutra,
cuja candidatura à presidência fora lançada por setores articulados ao Partido
Social Democrático (PSD), participara ativamente do governo Vargas dirigindo o
Ministério da Guerra. Apesar disso, ao final do Estado Novo apoiara as forças
contrárias a Vargas, que exigiam sua saída do governo. Esse apoio foi
considerado uma traição pelos correligionários de Vargas. Mas Vargas, para
preservar as instituições criadas em seu governo e temendo outras más
consequências caso a UDN vencesse o pleito, apoiou Dutra.
Naquele ano o eleitorado do Guaporé votou apenas para o cargo de
Presidente da República, apesar de haver também eleição para a Assembleia
Nacional Constituinte. Dada a cisão entre o grupo apoiador de Getúlio e aquele
que apoiava Dutra é de se inquirir qual a postura que assumiu Aluízio Ferreira.
De que lado ficou? Apesar do apoio de Vargas a Dutra, apenas pragmático,
diga-se, a divisão ficara marcada. Permanecia Aluízio Ferreira como governador
do Território e sua vinculação com Vargas era, aparentemente, forte. Nesse
sentido, declara o jornalista João Tavares: A
amizade entre os dois era tão boa que o Presidente Vargas, quando se referia ao
Território, chamava-o “o Guaporé do Aluízio” (TAVARES, 1997, pp. 37-38). A
declaração deve ser considerada, pois Tavares viveu essa época, tendo conhecido
Aluízio Ferreira ainda menino e com ele convivendo na vida adulta, como
correligionário do PTB (TAVARES, 1997, pp. 31-33). Certamente entre Vargas e
Ferreira não havia somente uma boa amizade, mas uma mutuamente proveitosa
aliança política.
As fontes consultadas afirmam que foi Joaquim Rondon nomeado segundo governador
do Guaporé por indicação de Aluízio Pinheiro Ferreira. Contudo, se confrontada
com outras fontes de informações essa afirmação pode pertinentemente ser melhor
ponderada por várias razões. O jornalista João Tavares declarou, fazendo eco a
uma percepção ordinariamente aceita, que: Cada
Território Federal tinha apenas um deputado federal e esse, geralmente,
indicava o governador (TAVARES, 1998, p. 97). Primeiramente destacamos da
afirmação que a nomeação poderia ocorrer por indicação do deputado federal, mas
nem sempre essa indicação era aceita, fato que o uso da palavra “geralmente”
nos permite concluir.
No caso da nomeação do segundo governador temos os seguintes fatos. Sabemos
que o governador do território não possuía mandato. O governo de Aluízio
Ferreira transcorreu entre 01/11/1943 a 07/02/1946. Aluízio Ferreira foi eleito
deputado federal apenas em 19/01/1947, onze meses após sua saída do governo do
Território. A eleição para esse cargo se deu por força de dispositivo da nova
constituição promulgada em 18 de setembro de 1946. Qual a razão então dessa
saída, aparentemente extemporânea, do governo do Território? Sabia
antecipadamente Aluízio já em fevereiro de 1946 que a constituição promulgada
em setembro daquele ano dotaria o território da representação política na
Câmara dos Deputados, eleita pelo voto direto dos cidadãos? Caso soubesse seria
natural que continuasse detendo os poderes de governador, deles se utilizando
para influenciar o eleitorado em seu favor para o pleito que se aproximava
poucos meses depois. Caso não soubesse tinha mais um motivo para permanecer no
cargo, pois não lhe restaria outra alternativa para manter o poder no
território. Não há indicada na literatura consultada uma razão clara para essa
abdicação.
Podemos sugerir então a hipótese de que Aluízio não pediu, mas foi
exonerado do cargo pelo presidente da República. Lembremos que Joaquim Rondon foi
empossado governador do Território no mesmo dia que Aluízio se retirou do cargo
em 07/02/1946, sete dias apenas após a posse de Dutra. Também que, Joaquim
Rondon foi exonerado 31/10/1947, nove meses após a eleição de Aluízio Ferreira.
É possível que haja uma relação entre esses fatos que não aquela apontada pelas
fontes consultadas para essa investigação?
Joaquim Rondon, também oficial do Exército, era cuiabano, nascido em
05/04/1900, filho de José Mamede da Silva Rondon e de Ana Isabel das Neves
Rondon. Fez seus estudos no Liceu Cuiabano, tendo iniciado sua carreira militar
na Escola de Realengo (RJ), onde se formou oficial. Posteriormente cursou a
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, a Escola do Estado-Maior e a Escola
Superior de Guerra.
Diz-se que Aluízio Ferreira deixou o cargo de governador, indicando para
substituí-lo a pessoa de Joaquim Rondon. Se assim for essa é uma evidência da
influência política de Aluízio Ferreira junto a Dutra, pois quando da indicação
de Vicente Rondon não detinha Aluízio mandato popular (em outras palavras, não
era deputado federal). Também não é despropositado especular que essa indicação,
caso verdadeira, sugira a existência de alguma afinidade política ou pessoal entre
Aluizio e Rondon. Nada na literatura consultada permite-nos admitir facilmente a
proximidade e influência entre Dutra e Ferreira, embora pertencessem aos
quadros do mesmo partido. A proximidade de Aluízio Ferreira de Getúlio Vargas e
a circunstância da sucessão presidencial sugerem que o presidente Dutra e o
governador do território não estavam alinhados politicamente. É possível também
que Aluizio tenha colocado seu cargo à disposição de Dutra, como é normal
nessas situações de transição de governo, que então o exonerou. A nomeação de Joaquim
Rondon foi efetivada pelo também cuiabano Eurico Gaspar Dutra, que começou a governar
em 1946. As fontes informam que Aluízio Ferreira indicou Joaquim Rondon, mas
não informam claramente se ele pediu exoneração do cargo, o que seria natural
ser apresentado nos textos juntamente com as razões do pedido. Também não
indicam as razões dessa indicação.
Já governando o Território, Joaquim Rondon passou a opor-se a Aluízio
Ferreira. Esse fato é surpreendente, já que fora sugerido para o governo por
Aluizio. Segundo Yêdda Borzacov, o choque entre Aluízio Ferreira, quando
cumpria seu primeiro mandato parlamentar, e Joaquim Rondon foi constante, como
segue:
Permanecia
como governador do Território Joaquim Rondon, inimigo de Aluízio, o que tornava
impraticável um trabalho harmonioso em prol do desenvolvimento do Território. O
Governador Rondon continuava com as intrigas mesquinhas e sorrateiras e o
Deputado Aluízio empreendia esforços para afastá-lo do cargo de Governador
[...] (BORZACOV, 1997, pp. 130-131).
Ferreira, foi eleito deputado federal com 1.288 votos nas eleições
suplementares de 19 de janeiro de 1947. Concorreu com Paulo Cordeiro da Cruz
Saldanha, de Guajará-Mirim, apoiado por Joaquim Rondon, que recebeu 956 votos
(TSE, 1950, p. 68; SANTOS, 1990, p. 224). Saldanha concorreu pela UDN, partido
fundado no Território por Joaquim Rondon, enquanto Aluízio Ferreira concorreu
pelo PSD, partido que fundou também no Território (MATIAS, 1997, p. 97). Essa
também é uma informação importante, pois conduz à seguinte indagação: qual a
razão de o governador nomeado pelo presidente eleito pela coligação PSD/PTB,
fundar no Território um diretório do partido (UDN) que não era do governo?
Evidentemente a situação interna já que as siglas varguistas estavam sob o
controle de Aluizio. Informações posteriores permitem-nos abrandar o espanto,
pois tais relações estranhas às ideologias partidárias fizeram parte do jogo
político da época.
Outra questão que, por enquanto, fica sem resposta é: qual a razão da
desinteligência entre o então deputado federal e o governador do território? A
razão poderia ser a própria defenestração de Aluízio Ferreira do cargo em
proveito de Joaquim Rondon. Outra razão seria a autonomia apresentada por este
último em relação ao primeiro no governo do Território. Finalmente, o fato de
constituir partido político de oposição ao seu grupo. Em outras palavras,
Joaquim Rondon, caso realmente nomeado por indicação de Aluízio Ferreira, não teria
seguido suas diretrizes no governo do território, passando a opor-se a ele.
Nesse caso a resignação extemporânea de Aluízio teria outras razões e o papel
de Joaquim Rondon seria o de títere do primeiro governador.
De posse do mandato passou a pedir Aluízio Ferreira a exoneração de Joaquim
Rondon em razão de sua oposição ao seu grupo político. Da disputa atribui-se ao
arcebispo de Cuiabá (D. Aquino Correa) e a própria esposa do marechal Dutra (D.
Carmela Dutra) a proteção de Joaquim Rondon no cargo. Segundo a literatura
consultada, o arcebispo intercedeu junto à primeira dama em favor de Joaquim Rondon,
que permaneceu no cargo até a morte daquela senhora (TAVARES, 1997, p. 97; BORZACOV,
1997, p. 131). A necessidade dessa intercessão sugere uma tendência de Dutra
para a exoneração de Rondon. Por pressão de Aluizio Ferreira ou por outras
razões? De fato, a senhora Carmela Dutra faleceu em 9 de outubro de 1947 e no
dia 31 daquele mesmo mês Joaquim Rondon foi exonerado do cargo.
Mas o próprio arcebispo, para além de sua autoridade eclesiástica, foi também
uma influência política a nível nacional entre as décadas de 1910 a 1940. A
partir dos anos de 1930 vinculou-se fortemente à figura de Vargas expressando a
união entre a Igreja Católica e o Estado em prol do conservadorismo. Devido a
essas concepções ideológicas e ao seu apoio ao governo de Vargas foi colocado
no ostracismo na década de 1950, falecendo em 1956.
Essas informações biográficas permitem-nos vislumbrar, para além da
influência da esposa do presidente, outra fonte de apoio político a Joaquim
Rondon que escapa à pessoa de Aluízio Ferreira e que poderia ter influenciado diretamente
sua nomeação, o arcebispo. Seja como for esse apoio e possível indicação do
arcebispo não foi suficiente para mantê-lo no cargo. Ou teria sido outro o
motivo da exoneração e não as pressões de Aluízio Ferreira? Joaquim Rondon
servira nas linhas telegráficas sob as ordens de Cândido Rondon, seria possível
ver nisso também uma possibilidade de apoio e indicação? O fato é que, embora
se argumente que o governo de Joaquim Rondon foi curto, o que dá a impressão de
ter sido breve em razão de sua querela com Aluízio Ferreira, seu período de
governo foi mais longo que a média de dezesseis meses de administração por
governador durante o período territorial (1943-1981). Joaquim Rondon ficou dezenove
meses no cargo, mais tempo que o próprio Aluízio Ferreira, que nele permaneceu
durante quinze meses.
Referências
Alto
Madeira, ano LXIII, 13/01/1981, número 13642.
BORZACOV, Yêdda Pinheiro. Centenário de Aluízio
Pinheiro Ferreira (1897-1997). In: Em
memória: Aluízio Pinheiro Ferreira 1897-1997.Porto Velho. Secretaria de
Cultura, Esportes e Turismo de Rondônia, 1997, pp. 39-144.
CANTANHEDE, Antônio. Achegas
para a história de Porto Velho. Manaus: Seção de Artes Gráficas da Escola
Técnica de Manaus, 1950.
GER - GOVERNO DO ESTADO DE RONDÔNIA. Coleção das
leis de Rondônia: legislação referente aos territórios e à Amazônia. Porto
Velho: GH/comunicação Gráfica, 1990
GODINHO, Vitorino Magalhães. A Expansão Quatrocentista Portuguesa (reimpressão). Lisboa: Dom
Quixote, 2018.
HUGO, Vítor. Cinquenta
anos do Território Federal do Guaporé (1943-1993). Brasília. Editora ser,
1995.
MATIAS, Francisco. Pioneiros: ocupação humana e trajetória política de Rondônia. Porto
Velho: Gráfica e Editora Maia, 1997.
SANTOS, Wanderley Guilherme et alii (coords.) Que Brasil é este? Manual de indicadores
políticos e sociais. São Paulo: Ed. Vértice/ Revista dos Tribunais, 1990.
SOUZA, Valdir Aparecido. (Des) ordem na fronteira: ocupação militar e conflitos sociais na bacia
do Madeira-Guaporé (30/40). Dissertação. Assis (SP): Faculdade de Ciências
e Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2002.
TAVARES, João. Aluízio Pinheiro Ferreira, o homem
público, os estudantes e a política. In: Em
memória: Aluízio Pinheiro Ferreira 1897-1997. Porto Velho. Secretaria de
Cultura, Esportes e Turismo de Rondônia, 1997, pp. 31-33.
TSE - TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Dados
estatísticos das eleições federal, estadual e municipal, realizadas no Brasil a
partir de 1945. Rio de Janeiro: Departamento de imprensa Nacional, 1950.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo. Memorial orgânico: (uma proposta para o Brasil em meados do século
XIX); com ensaios introdutórios de Arno Wehling. Brasília: FUNAG, 2016.
VIVEIROS, Esther de. Rondon conta sua vida. Rio de
Janeiro: Cooperativa Cultural dos Esperantistas, 1969.
[1] É bastante
comum encontrar nas obras locais a informação que Aluízio Ferreira transferiu a
chefia do Posto Telegráfico para Porto Velho em 1929. Contudo, um aviso
publicado no jornal Alto Madeira de fevereiro do ano de 1930 depõe o contrário: Nosso distincto amigo sr. Tenente Aluizio
Ferreira. Pede encarecidamente às pessoas que teem assumptos à tratar na
Comissão de Linhas Telegráficas, o obsequio de não o procurarem em sua
residência para esse fim. O escritorio em Santo Antonio dá expediente
diariamente das 8,30 as 17 horas.” (Alto Madeira, 09/02/1930, 1318).
[2] A esse
respeito vide: FONSECA, Dante Ribeiro da. Rondon e o SPI em Guajará-Mirim (RO)
na década de 1930. In: Estudos de História da Amazônia. Vol. I, 2a. ed. Porto
Velho: Nova Rondoniana 2014.
O ensaio que segue foi elaborado para ser apresentado na cerimônia de abertura do Seminário Integrado de Ensino e Pesquisa e a Semana de História –
Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia
Nesses tempos, quando a população de Rondônia se vê ameaçada pela suspensão de alguns voos e mudanças de rota das companhias aéreas que nos servem,
Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho
O último artigo que publiquei aqui tratou da figura do “velho Pimentel”, um personagem que, apesar de seu caráter até agora mítico, parece estar ind
A origem da cidade de Porto Velho e o velho Pimentel
Todos sabem que a origem da cidade de Porto Velho coincide com a última tentativa de construção da ferrovia Madeira-Mamoré em 1907. Naquele ano, ao