Sexta-feira, 2 de junho de 2017 - 06h15
Por Dante Ribeiro da Fonseca
Falando em jubileus, embora tardiamente registramos hoje o centenário de criação de outra respeitável instituição da Amazônia: o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas - IGHA. Fundado em 25 de março 1917 em Manaus o IGHA funciona hoje ainda em um antigo casarão doado pelo Governo do Amazonas que apoia a instituição com recursos para sua manutenção. Possui uma importante biblioteca e acervo documental versando basicamente sobre a Amazônia e promove eventos relativos à História, Geografia e, de uma maneira geral, Cultura da Amazônia.
Como parte das comemorações foi impressa uma edição fac-similar da primeira Revista do Instituto Geográphico e Histórico do Amazonas, publicada no mesmo ano de criação da instituição. Essa edição constitui-se em importante fonte de pesquisa para estudiosos. A importância é revelada primeiramente em razão de que traz informações preciosas sobre os primeiros momentos daquela instituição: o decreto que aprova os estatutos do IGHA, assinados pelo governador do Amazonas Pedro de Alcantara Bacellar seguido dos estatutos e de outro decreto que concede o usufruto do prédio onde funciona o instituto e as primeiras atas de reunião. Nessa edição primeira consta também interessante material sobre a polêmica negociação entre o Amazonas e o Mato Grosso sobre os limites entre os dois estados no rio Madeira trazendo um raro “Mappa de todo o território do Baixo Rio Madeira (margem direita) pertencente ao Estado do Amazonas (1917)”. Também foi cunhada a medalha comemorativa ao jubileu.
Com a autorização do autor, o ilustre intelectual amazonense dr. Antonio José Souto Loureiro, ex presidente do IGHA, autor de mais de uma dezena de livros sobre a História do Amazonas, cujo sobrenome já sugere as láureas que merece, publico abaixo matéria sobre o evento.
Cem anos do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (1917-2017)
Antonio José Souto Loureiro
Não podemos esquecer que a História da Amazônia vem sendo vivida há mais de 20.000 anos, a data das pinturas rupestres, dos restos de fogueiras, das terras pretas e das cerâmicas espalhadas, por esse imenso território, e que a nossa Historiografia começou a ser escrita há apenas quinhentos anos, desde quando Vicente Yanez Pinzon citou a existência desse rio de Santa Maria de La Mar Dulce, em 1500, que avançava dezenas de léguas mar adentro esse imenso caudal do rio Amazonas.
Também não podemos olvidar o trabalho dos primeiros cronistas, entre os quais o piloto Antonio Pereira Temudo, que deixou para a posteridade o registro das vicissitudes da fundação da cidade de Belém, a 12 de janeiro de 1616, em seu diário de bordo, há 400 anos, um dos primeiros relatos sobre a nossa região, na viagem da primeira flotilha de guerra, que aqui chegou. Nem tão pouco da descrição das Batalhas Navais das Ubás contra os navios de alto bordo ingleses e holandeses, que resultaram na ocupação da foz do rio Amazonas. Lembremos também o cronista André Pereira, além da memorável viagem de Pedro Teixeira, de ida e volta a Quito, no Equador atual, subindo e descendo o Amazonas, indo e vindo através dos Andes, em um percurso em dobro ao de Francisco Orellana, outro viajante de que se guardou memória, em périplos muito maiores que os de Ulisses, o grego.
E a memória registrada pelas tropas de resgates destinadas a fornecer a mão de obra para repovoar o Marajó e a região em volta de Belém, onde tupinambás e aruãs foram praticamente exterminados. Povoava-se uma área e despovoava-se outra. E a dos droguistas que na busca de produtos regionais também expandiram a fronteira, sem qualquer participação de bandeirantes, como se quis impingir com a Historiografia predominante no Estado Novo.
Lembremos ainda o fervor da Igreja ao expandir as suas Encomendas do interior, no sentido espanhol dessa instituição, de domínio da terra e dos índios, com a formação moral, o trabalho comunal indígena, nas plantações, na coleta dos produtos da terra e nas fazendas, e a criação de um possível V Império Religioso, com os seus luminares registrando fatos e coisas, inclusive da história regional.
Desta época também devemos render as nossas homenagens a Bernardo Pereira de Berredo, que foi governador do Estado do Maranhão e do Grão-Pará de 1718 a 1722, ao registrar a História até àquele ano, em seus Annaes, salvando-a da perda total, quando os arquivos do Estado, em uma de suas mudanças e andanças, entre São Luís e Belém, afundaram. Aliás, é bom lembrarmos a existência de alguns bons historiadores maranhenses, que nos apresentaram muitos dados comuns de nossas origens.
Nos tempos imperiais o sentimento amazônico foi afogado em sangue durante a Cabanagem. São importantes para a História desta época: Domingos Antonio Rayol, com Motins Políticos, Antonio Ladislau Monteiro Baena, com o Compêndio das Esras da Província do Pará, e Lourenço Araujo e Amazonas, com o Dicionário Topográfico, Histórico e Descritivo da Comarca do Alto Amazonas (1852).
Durante quase todo o século XX os historiadores do Amazonas, que na memorável sessão do dia 21 de março, tornaram-se patronos de novas cadeiras, dedicaram-se a uns poucos filões da nossa rica História, como o da Exaltação do Período Colonial e dos colonizadores, o da Cabanagem e o do fausto do período áureo da borracha, principalmente relacionado com a descrição da riqueza e com a modernização do equipamento urbano de Manaus e de Belém.
Mas a maior importância do nosso Instituto, cuja fundação data de 25 de março de 1917, por tanto há 100 anos, tem sido a de manter um patrimônio geo-histórico de grande valor constituído de uma hemeroteca dos jornais regionais, peças indígenas arqueológicas e atuais, alguns quadros e móveis antigos, uma boa mapoteca, muitas fotografias e uma biblioteca de obras antigas e modernas.
Essa fundação talvez esteja relacionada com a Grande Crise, que se abatera sobre a região, pela perda do mercado exclusivo se borracha natural silvestre e pela Grande Guerra, com a Inglaterra requisitando todos os navios da Booth Line, para serem armados.
Desde 1913, o ano em que a produção de borracha do Oriente superara a produção da Amazônia, a região esvaziava-se econômica e populacionalmente. Naquele ano, cerca de 13.000 pessoas a mais, das que haviam entrado, deixaram o Amazonas, e, em Manaus, mais de 2000 casas estavam abandonadas. A situação continuava piorando, a tal ponto que a Gripe Espanhola de 1918, encontrou uma população subalimentada, enfraquecida, com vizinhos se cotizando para não passar fome, com a Morte ceifando mais de 6.000 pessoas, em pouco mais de três meses. Os 100.000 habitantes de 1910, trinta anos mais tarde estavam reduzidos a 40.000.
Parece que esses momentos de crise unem os cidadãos, tornam a população mais homogênea, e isto fez aparecer não só o IGHA, em 1917, mas a Academia Amazonense de Letras, em 1919, e livros como a Corografia do Amazonas, de Agnello Bittencourt; a História do Amazonas, de Arthur Reis; e a célebre Canção de Fé e Esperança, de Álvaro Maia, desencadeando o Movimento Glebarista.
Assim, o nosso Instituto serviu para guardar um grande acervo da história regional, embora um pouco dilapidado por épocas de desinteresse ou de cupidez, e de congregar personalidades interessadas em manter as tradições da nossa diferenciada região, apesar das tentativas de abafá-las, como ocorreu durante o Estado Novo, quando até as bandeiras estaduais foram proibidas. Como os gaúchos, nós também resistimos, sem perder a brasilidade.
Além do seu dever de continuar com essas funções outras novas deveriam estar presente em nossos ideais futuros: as do fortalecimento aos Institutos Históricos e Geográficos Municipais já existentes e a do incentivo à criação de novos, onde forem possíveis, em todos aqueles com mais de 50.000 habitantes, com a criação de bibliotecas e museus, e com uma extensão para a História Natural, para nos libertarmos aos poucos do pensamento literário e ingressarmos no pensamento científico, recuperando a pesquisa científica, entregue em mãos estranhas, do que foi exemplo o nosso Jardim Botânico do Amazonas, fechado por medida de economia.
Sem esquecermos que devemos ainda procurar restabelecer ou reativar as instituições dos Estados do Acre e de Roraima, adormecidas.
Talvez fosse interessante criarmos uma confederação de Institutos Municipais, I com uma reunião bienal nas capitais, para a apresentação de trabalhos. Precisamos criar em nossa região mecanismos, com essa finalidade.
Afinal somos todos as mesmas gentes, com pequeníssimas diferenças de dosagens de DNA das nossas etnias formadoras. Apesar de tudo, hoje a Amazônia é a maior extensão territorial de fala portuguesa do mundo, onde mais de vinte milhões pessoas expressam-se em um sonoro e vocálico português, graças à pertinácia de milhares de homens, que se atreveram a enfrentar e a atravessar os mares nunca dantes navegados, e a subir rios, a remo, vela e sirga, em percursos de dezenas de dias, alguns semelhantes à atravessia do Oceano Atlântico. Muitos deles devem ser destacados, como Pedro Teixeira, que levou os domínios da Coroa Portuguesa até o Napo, Antonio Vieira, com os seus sermões chamando a sociedade à Regeneração e pelas suas prédicas a favor da liberdade dos índios, os capuchos Cristóvão de São José e Antonio de Marciana, os primeiros missionários da Amazônia, Samuel Fritz, o evangelizador do Solimões, Pedro da Costa Favela, Pedro Baião de Abreu e Feliciano Coelho de Carvalho, nas lutas contra holandeses e ingleses, pela posse da foz do Amazonas, Francisco Xavier de Mendonça Furtado e seu irmão Sebastião José de Carvalho e Melo o Marquês de Pombal, por terem vislumbrado a grandiosidade da região amazônica, traçando-lhe planos de desenvolvimento e de incentivos econômicos, estabelecendo leis raciais igualitárias e lutando pela expansão e proteção de suas fronteiras, e João Pereira de Caldas e Manuel da Gama Lobo de Almada, os grandes demarcadores, que conseguiram delineá-la, apesar da oposição dos espanhóis e dos holandeses. E finalmente de Ajuricaba e de Guaimiaba, na luta em defesa de suas terras nativas. Hoje podemos chamá-la de Feliz Amazônia, desde que continuemos a defendê-la, por que tem água potável em abundância, bilhões em minérios, terras para a agricultura, florestas gigantescas a explorar e uma população ordeira e trabalhadora, um dos últimos locais da Terra onde ainda se pode ter Esperança e que representa o futuro do nosso Brasil, que nos trata como uma mera colônia distante, para os lados do Equador terrestre.
O ensaio que segue foi elaborado para ser apresentado na cerimônia de abertura do Seminário Integrado de Ensino e Pesquisa e a Semana de História –
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