Domingo, 1 de outubro de 2017 - 10h49
Deixará de circular?
Por Dante Ribeiro da Fonseca (Que teve a honra de ser um modesto e ocasional colaborador do Alto Madeira).
Entre surpreso e incrédulo soube da notícia pelo Lucio Albuquerque. O Alto Madeira terá sua última edição publicada no dia 01/10/2017. Com ele emudecerá mais uma testemunha da História da nossa querida Rondônia? Testemunha presente (ocular, diriam os antigos) que sempre foi do nosso pequeno e grande cotidiano. Como as casas de pinho, as estações ferroviárias, as máquinas e os vagões, os equipamentos e o mobiliário da ferrovia Madeira-Mamoré, outro marco de nossa História recente, desaparecerá o Alto Madeira? Sendo verdade, perderemos inevitavelmente esse vestígio, que nos lembra nosso passado. Será uma tragédia, pois o passado é a memória, e a memória é tudo, é nós mesmos. Seus vestígios registram e lembram-nos seu significado, sem os quais nada seríamos, alienados de nossa substância espiritual.
Mas, a dúvida insiste em persistir. Recusa acreditar: desaparecerá mesmo? A pergunta sempre renovada deriva dessa negação, quase irracional. O fato, porém, é que ferrovias e jornais impressos sofrem já de interminável inanição. Explico. A Madeira-Mamoré sofreu da inanição causada pela mudança no modal de transportes, hoje sofre da inanição de espírito público, de interesse cívico e de empenho pelos marcos de nossa História e de nossa identidade como unidade da federação. Falece, vítima de uma longa agonia, com direito à UTI e herdeiros brigando pela sua herança na antessala. O Alto Madeira debilitado, aparentemente de súbito, mas como resultado de lenta e discreta desnutrição econômica. Insuficiência crônica de leitores, de anunciantes, provocada, enfim, por aqueles que migraram para meios mais econômicos e visíveis de comunicação. De uma maneira geral podemos detectar como o presumível culpado por essa situação a internet.
Também a pressa da modernidade, já não permite o vagar no ler. O jornal impresso, considerado meio ligeiro e superficial de informação, dada a limitação de espaço, foi superado por outro meio de comunicação, onde não falta espaço, mas a informação é mais ligeira ainda. A matéria jornalística virou nesse novo meio o fast food do leitor sem tempo (ou paciência), que a devora com pressa, sem sentir gosto ou olfato. Lembro ainda do tempo em que o Jornal do Brasil do Rio de Janeiro era tão volumoso aos domingos que levávamos toda a semana para lê-lo. Já não existe mais, vencido pelo mesmo inimigo. Um seu irmão de menor tamanho, o Alto Madeira, resistiu bravamente. Qual a razão dessa resistência? Tamanho não é documento, diz o sábio ditado popular. Resistiu em razão da gigantesca vontade de seu editor e proprietário Euro Tourinho. Somente assim chegou a completar cem anos. Em triste coincidência o outro proprietário, Luiz Tourinho, passou à eternidade nesse mesmo ano do jubileu centenário. Contudo, devo aqui corrigir-me. Não quero passar a impressão errada ao leitor. O Alto Madeira não morrerá. Dei-me conta agora que a analogia seria fácil demais, simples demais.
Deixa de circular, o que é diferente de desaparecer. Passará à eternidade com a fome da notícia não publicada, como em castigo de mitologia grega. Tamanha maldade, essa pena imerecida contrista. Pensávamos ainda em vê-lo anunciar em futuro breve, ao menos com a brevidade da História, aquelas notícias dos nossos sonhos: um país sem corrupção, com melhor distribuição de riqueza e mais feliz. Mais que isso, gostaríamos de ver tudo isso realizado pela democracia, que também parece estar faminta nesse Brasil esfomeado de tudo. Em resumo gostaríamos de ler a manchete onde anunciaria o aprimoramento de nossa democracia política como resultado de sua transformação em democracia social. Sim, pois é a democracia, bem alimentada e substantiva, o único regime que será capaz de levar a cabo essa tarefa. Gostaríamos de vê-lo contribuir para a realização desse sonho, praticando sua plena e democrática liberdade de informação e de opinião, embora fosse deixar os saudosos da ditadura, das nossas e das alheias, da esquerda e da direita, rancorosos e enraivecidos. Ditadura e jornalismo, duas palavras incompatíveis, pois com a primeira a segunda se faz arremedo. Sendo assim, apenas espíritos incoerentes podem se utilizar do jornal para defender ditaduras, pois é ato covarde utilizar a liberdade para exterminá-la. Do mesmo modo, jornalismo é incompatível com o “controle social”, uma dessas belas ideias que lotam o inferno, pois escamoteiam o controle do Estado sobre a sociedade civil, tão agradável às almas prepotentes daqueles que não sabem conviver com a multiplicidade de opiniões.
Voltando ao Alto Madeira. Quem sabe, no futuro, se torne Fênix, voltando de sua eternidade, mesmo que sob a forma internética? Embora tudo indique o contrário: a esperança é a última que morre. Seria sonho demasiado ambicioso ver estampada na primeira página desse centenário jornal o sonho do poeta? Seria muito desejar manchetes anunciando o renovado brilho do sol? A iluminação dos corações? A destruição da semente do mal? A eternidade do amor? Desvanecida a esperança, resta-nos a alegria de saber que o Alto Madeira somente deixará de circular. Continuará, entretanto, vivo, para todos os que desejarem conhecer os primeiros cem anos de Porto Velho e o surgimento de Rondônia. Repetimos nossa certeza, não morrerá. Como é atributo dos imortais continuará falando, mesmo depois de emudecido. Suas palavras continuarão ecoando, principalmente nos corações daqueles destemidos pioneiros que amam esse rincão do Brasil. Sua vitória sobre o tempo, que a tudo destrói, será essa, sua condenação à eternidade enquanto durarmos.
Foto tirada no centenário do Alto Madeira
O ensaio que segue foi elaborado para ser apresentado na cerimônia de abertura do Seminário Integrado de Ensino e Pesquisa e a Semana de História –
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