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Dante Fonseca

Início da navegação a vapor no rio Madeira: o 'Onça' (1866)


Dante Ribeiro da Fonseca

Se algum outro vapor subiu a Santo Antonio no ano de 1865 para buscar a carga boliviana em Santo Antonio não encontramos registro, mas sempre há a possibilidade de o evento ter ocorrido. A possibilidade está ancorada no fato de que outro navio, não mencionado nos relatórios dos presidentes de província navegou pelo rio Madeira em 1866. Esse navio, cuja referência impressa é apenas encontrada nos jornais da época, também se mantinha até agora ignorado pelas fontes secundárias. Em manuscrito anônimo de 1866 encontramos a seguinte informação sobre a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas:

A prova de que tem vapores de sobra, e pode fazer sem sacrifícios a navegação do Madeira, é que ella no fim de 1866, alli mandou o vapor Onça (um dos que costumam estar parados), o qual vasou em umas pedras, e depois desencalhou, regressando com muita carga (Manuscrito anônimo. Notas sobre navegação fluvial. 1866.).

Esse documento se encontra na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Sobre ele podemos afirmar duas coisas: a) foi escrito por autoridade do governo da província do Amazonas, talvez mesmo por seu presidente, a utilização da primeira pessoa no trato de assuntos de interesse público, como subsídios à navegação, demonstra-o (“Eu havia levantado a exageração do primeiro pedido; [...]; b) é de 1866, pois declara que a Companhia do Amazonas “[...] pede agora (em 1866) [...] a redução do subsídio proposto anteriormente.

É de se estranhar a ausência de referência a essa viagem nas fontes impressas, mas a existência desse vapor é comprovada por essas fontes. Segundo o manuscrito, o vapor “Onça” foi enviado pela Cia. do Amazonas ao rio Madeira no final de 1866 de onde voltou carregado, certamente de produtos do extrativismo florestal praticado naquele rio. Resta saber até que ponto do rio foi a embarcação: Borba, Crato, Santo Antônio? Ainda, que motivos levaram a Cia. do Amazonas a enviar um de seus vapores para uma viagem fora das linhas programadas? Em 1867, o gerente da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas propôs ao presidente da província do Pará o estabelecimento de uma linha de navegação entre Belém e Óbidos, explorando a mesma linha o ramal do Madeira até Crato. O contrato foi firmado entre o governo da província do Pará e a empresa de navegação, mas dependia da aprovação do governo imperial e não prosperou (VELLOZO, 1867, p. 24 e Jornal do Pará, no. 93 de 24/04/1867).

Talvez a viagem do “Onça” tivesse o objetivo de estudar o trajeto daquela linha, mas é possível também que fosse uma viagem avulsa, fora da linha regular de navegação que eventualmente era promovida e na qual essa, e outras empresas depois, auferia pingues lucros. Isso ocorria em razão da demanda ainda não satisfeita de linhas de navegação para alguns rios amazônicos naquele momento. Nas palavras do informante, o vapor “Onça” era “[...] um dos que costumam estar parados [...]. A viagem ao rio Madeira seria uma oportunidade para lucrar com o capital ocioso.

Posteriormente foi esse vapor transferido para a Empresa de Navegação á Vapor de Marajó e Tocantins, também conhecida como Empresa de Marajó, que foi criada em 1874 com a finalidade de transportar gado para o abastecimento de Belém. Em 1878 possuía essa empresa os vapores “Aruan“, “Apihy“, “Vulcano“, “Arapixy“ e o ´vapor “Pará“, adquirido por compra ao governo provincial (MALCHER, 1878, p. 94). Em 1880 a empresa firmou com o governo da província o contrato por dez anos para a exploração da navegação subsidiada entre Belém e o interior da província em duas linhas: a primeira até Igarapé-Mirim e a segunda entrando pelo rio Moju até Cairari (ABREU, 1881, p. 46)

Em 1884 a embarcação pertencia à Empresa de Marajó (Diario de Notícias de 27/12/1884; Diario de Belémde 27/12/1884). Era o vapor “Onça” uma pequena lancha de 35 toneladas (NASCIMENTO, 1886, p. 41). Media 23,70 metros de comprimento por 3,65 metros de largura, 5 pés de calado e possuía casco de aço (Diario de Notícias de 10/10/1887). Para se ter uma idéia da capacidade dessa embarcação, basta informar que a frota da Empresa de Marajó possuía em 1881 seis embarcações: o “Trombetas”, de 200 ton.; o “Arapixy”, de 419 ton.; o “Apihy”, de 193 ton.; o “Parintins”, de 500 ton.; o “Augusto”, de 600 ton. e o “Vulcano”, de 30 ton. (ABREU, 1881, p. 52). Assim, estava o “Onça” próximo da classe desse vapor de menor tonelagem pertencente à empresa em 1881.

Apesar de possuir pouca capacidade, fretava cargas, encomendas e conduzia passageiros (Diario de Belém de 27/12/1884). Para essa finalidade foi adicionado à embarcação um reboque(O Liberal do Pará de 23/12/1884; Diario de Notícias de 10/10/1887). Um anúncio do ano de 1884 dispõe a embarcação para ser fretada, mas os diversos jornais da época evidenciam que sua utilização mais comum era o serviço entreas localidades de Belém a Cairari e Igarapé-Mirim, explorando ainda a linha concedida em 1880 pelo governo da província à Empresa de Marajó. (GALVÃO, 1884. p. 113). Eventualmente também fazia viagens a outras localidades de Amazônia, como Maués por exemplo.

Em janeiro de 1886 a firma Mello & Cia., de Belém, era apontada como proprietária do vapor “Onça” (NASCIMENTO, 1886, p. 41). Essa firma era a concessionária da Empresa de Marajó (ARARIPE, 1886, p. 39). Em fevereiro aquele ano o contrato do governo do Pará, para a exploração das linhas de Igarapé-Mirim, Moju e Cairari, com a Empresa de Marajó foi rescindido (BARRADAS, 1887. p. 49). O vapor “Onça” passou então ficar sob a consignação da empresa Denis Cullerre & C.a, naquele mesmo ano. A partir de 1886 a utilização mais comum desse vapor foi seu fretamento para viagens ao interior da província do Pará, conforme podemos concluir da leitura de um anúncio de redução do frete da embarcação publicado em jornal paraense. Aos interessados era informado que “Trata-se na agência á rua do Imperador — Denis Cullerre & C.a.” (Diario de Belém no. 96 de 01/05/1886) que eram armadores naquela cidade.

No ano seguinte foi anunciado seu leilão pelos armadores, para o dia 20 de dezembro. Os agentes,Denis Cullerre e C.a. informavam ter o barco passado poruma reforma que “[...] renovou grande número de peças de sua máchina” (Diario de Notícias de 10/10/1887). Desde então não obtivemos mais informações sobre essa embarcação. Apenas há o registro, em 1917, da partida de um vapor com o nome de “Onça”, de Manaus para o “baixo Amazonas” (A Capital de 10/12/1917). Cremos, contudo, tratar-se de outro vapor. Isso em razão de que se em 1866 aquele navio que a serviço da Companhia do Amazonas navegara o Madeira, teria essa embarcação em 1917 mais de 51 anos, sendo o mais provável que com essa idade já estivesse desmobilizada.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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