Segunda-feira, 21 de maio de 2018 - 13h45
Coronel “Teixeirão” e o Dia do Guerreiro de Selva
No dia 1º. De junho é comemorado pelo Exército Brasileiro o “Dia do Guerreiro da Selva”. Essa data comemorativa estabelece uma profunda relação com Rondônia, pois foi instituída em homenagem ao coronel da arma de artilharia Jorge Teixeira de Oliveira, último governador do Território de Rondônia e o primeiro do Estado de Rondônia. O coronel Teixeira, ou Teixeirão, como era popularmente conhecido, era um gaúcho apaixonado pela Amazônia. As realizações mais importantes de sua carreira estão vinculadas a esta região, iniciando com a organização do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), do qual foi o primeiro comandante (1964 a 1971). Daí para o primeiro comando do Colégio Militar de Manaus e depois de reformado, prefeito daquela cidade nos anos seguintes até que assumiu o governo de Rondônia em 1979, já na reserva, cargo no qual permaneceu até 1985.
Foi deste modo que o coronel de artilharia eternizou seu nome como combatente de selva, daí a homenagem do Exército Brasileiro. Teixeirão deu continuidade a uma história secular. A conquista do Brasil pelos portugueses se deu em grande parte a pé, particularmente o avanço colonizador sobre o Mato Grosso, do qual Rondônia herdou mais de 85% do seu atual território. Foram de pedestres os primeiros regimentos do Guaporé lusitano, compostos, segundo a tradição guararape, de índios, tapuios, negros, mulatos, europeus e neobrasileiros. Atuaram esses regimentos nas selvas do norte do Mato Grosso. Hoje são chamados infantes de selva, e é esse seu grito de guerra e saudação: Selva
Essa história inicia quando da conquista da fronteira colonial do Brasil. Nesse período, a política de aliança militar com os nativos foi uma constante, particularmente durante o período pombalino. Além dessas alianças, realizadas com grupos inteiros, o tapuio, nativo recentemente desenraizado e agregado à população colonial, assim como os africanos e seus descendentes eram largamente utilizados na defesa de nossa fronteira oeste. A conquista, realizada a pé, consolidou a presença na região do soldado pedestre dessas diversas origens étnicas que ainda hoje compõem as nossas infantarias de selva.
Já em carta de 1754, o capitão-general do Grão-Pará Mendonça Furtado (1751-1759) informa que enviara uma guarda militar para Trocano (Borba), para conter o contrabando de ouro que por ali passava. Antes mesmo da elevação do aldeamento de Borba à categoria de vila (1756), o marquês de Pombal escrevia Mendonça Furtado, em julho de 1755, instruindo-o a conceder aos nativos patentes de oficiais. Em 1767, Mendonça Furtado, agora no cargo de Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, mandava expedir todas as patentes de confirmação, provendo nativos para os corpos auxiliares ao capitão-general do Grão-Pará, Ataíde Teive (1763 e 1772). O 1º comissário da 4º divisão de limites Pereira Caldas, em resposta datada de 28 de junho de 1786 à carta do comandante militar de Borba, orientava-o para realizar a aliança militar com os indígenas muras, segundo ele benéfica para proteger os territórios consolidados pelo Tratado de Madri. Os capitães-generais fizeram provisão de patentes aos nativos durante a segunda metade do século XVIII. O fato tornou-se tão corriqueiro, que foi necessário a rainha D. Maria I chamar à atenção em 1778 a Pereira Caldas, quando capitão-general do Grão-Pará (1772-1780), para o fato de que a coroa precisava confirmar as referidas patentes.
No Mato Grosso, a Guerra aos paiaguás, em 1734, levou à formação de uma tropa de 842 homens, sobre a qual o cronista Barbosa de Sá revela que os brancos levavam cargo militar e pretos, índios e mestiços eram soldados. A partir do governo do primeiro capitão-general do Mato Grosso, Rolim de Moura (1751-1765), foi mais bem organizada a defesa da capitania, reunindo inclusive os índios junto aos destacamentos militares. Dentre as instruções levadas ao Mato Grosso pelo seu primeiro capitão-general, havia a ênfase especial na constituição de corpos militares que defendessem a fronteira dos espanhóis. Determinavam as ordens reais, que todos os moradores da capitania se alistassem nas ordenanças. Rolim de Moura criou dois corpos voluntários pedestres constituídos de mulatos e caborés.
Em 1760 os portugueses ocuparam as edificações do antigo aldeamento Santa Rosa, que os jesuítas espanhóis haviam instalado na margem direita do rio Guaporé em 1743 e que foi abandonado em razão do Tratado de Madri, onde: [...] cuidou em reparar alguns dos referidos edifícios [...] montou guarda que ficou assim composta: 27 dragões; 13 pedestres e 20 soldados aventureiros e perto de 40 homens entre índios e escravos. (LEVERGER, 1949. p. 251). Rolim de Moura, denominava aventureiros aos sertanistas que antes de sua chegada entraram pelos rios do Mato Grosso para escravizar os indígenas e minerar. Ordenou que eles assentassem praça com soldo, mas sem fardamento.
Em 1763, tropas espanholas compostas por 1.200 homens, muitas canoas, peças de artilharia, armas e munições, acantonaram-se nas margens do rio Guaporé, com o objetivo de ocupar a margem direita daquele rio. O destacamento português de Santa Rosa, agora denominado de Nossa Senhora da Conceição, possuía então um efetivo de 224 pessoas, a saber: [...] 3 oficiais, 1 sargento, 6 cabos e 60 soldados, 3 aventureiros, 13 pedestres, 24 índios e 114 negros (LEVERGER, 1949. p. 254). As tropas espanholas ocuparam a barra do rio Itonamas, de onde intentaram impedir com artilharia o acesso fluvial para Vila Bela e cortar as comunicações dessa cidade com o efetivo de Nossa Senhora da Conceição. Com a chegada dos reforços pedida por Rolim de Moura foi realizado o ataque com 24 dragões, seis infantes e pedestres: mulatos, negros, escravos e índios carijós, mais alguns brancos.
Esses regimentos, chamados de pedestres, eram na verdade compostos por
infantes de selva. Lutando no ambiente da hileia amazônica, assim
descreve Rolim de Moura em 1755 o regimento de pedestres adidos à
Companhia de Dragões: Andam sempre descalços de pé e perna, o seu único
vestido é um jaleco e umas bombachas. A armas de que usam, uma
espingarda sem baionetas uma bolsa de caça e uma faca de mato.
(LEVERGER, 1949, p. 247). Outra descrição dos bandeirantes, provenientes
de São Paulo, assim os retrata: vestem-se de calças de algodão e altas
pederneiras, camisa de algodão sobre a qual exibem um gibão de couro ou
vestimenta estofada para protegê-los das flechas. Quase sempre andam
descalços e protegem a cabeça com um chapéu de palha com abas largas,
levam uma bolsa de couro a tiracolo, uma cuia para comer e um cantil de
chifre para beber (GÓES FILHO, 2015, pp. 119-120).
Apesar dessa
pobreza de recursos, declara Rolim de Moura o valor de seus serviços,
sem os quais mesmo os Dragões (tropas de linha) não poderiam realizar
nenhuma diligência nos povoados interioranos. Eram pilotos, remeiros e
guerreiros. Bons atiradores penetravam nas matas e sertões, bons
nadadores e nada embaraçava seu caminho.
A prevenção contra
possíveis ataques dos castelhanos, às posições de fronteira, era uma
preocupação permanente do governo metropolitano. A esse respeito, em
1765, o capitão-general do Mato Grosso, João Pedro da Câmara Coutinho
informou ao rei D. José I das tropas de milícias do Mato Grosso estavam
assim compostas: 97 oficiais e soldados brancos da Companhia de
Ordenança; 28 homens bastardos filhos de índias com homens brancos
sujeitos à Companhia de Ordenança; 75 oficiais e soldados pretos da
Companhia de Ordenança; 71 oficiais e soldados pardos da Companhia de
Ordenança deslocados da Vila de Cuiabá e do destacamento de Nossa
Senhora da Conceição para guarnecer a capital Vila Bela; 147 homens da
Companhia de Dragões; 6 soldados aventureiros e 121 soldados pedestres
(TULUX, 2011, p. 9).
Com a entrada do século XIX e a
independência do Brasil e da Bolívia, as questões fronteiriças somente
se tornaram violentas a partir de 1898, com o início da Rebelião
Acreana. Contra o Paraguai, declarou o Império uma guerra que durou de
1865 a 1870. Contudo, a fronteira Guaporé-Madeira não foi objeto de
maior preocupação por parte do Brasil, na medida em que as operações de
guerra concentravam-se mais ao Sul do Mato Grosso. Segundo Ferreira
Reis, a Guarda Nacional foi autorizada pelo governo a prestar serviço
militar na defesa das fronteiras. Conforme notícia do jornal The
Anglo-Brazilian Times do Rio de Janeiro, datada de 9 de fevereiro de
1865 e publicada no número 3, ano 1 de 10 de março daquele mesmo ano, o
navio Pirajá partiu de Manaus com destino ao rio Madeira para substituir
as guarnições de Borba, Baetas e Santo Antônio pelos voluntários da
Guarda Nacional. É evidente que essas tropas de linha substituídas
seguiriam para o teatro de operações de guerra. Apesar dessa
participação, o forte Príncipe da Beira, construído entre 1776 e 1783,
não desempenhou nenhum papel importante nesse conflito. É que estava
fora do teatro de operações. Sequer é citado no relatório do Ministro de
Guerra de 1865 e nem do Presidente da Província de Mato Grosso. Na sua
viagem de inspeção de fronteira em1878 o general João Severiano da
Fonseca dá conta das guarnições do Guaporé. No destacamento de Pedras
Negras encontra apenas um sargento e dois soldados. Sobre o Forte
Príncipe da Beira, Severiano da Fonseca informa-nos que havia naquela
localidade em 1822, uma população de 477 pessoas, mas quando por lá
passou em 1878 encontrou apenas uma guarnição composta por quatorze
soldados e um sargento.
Ainda na Primeira República, o índio e
seus descendentes foram utilizados como elementos de consolidação das
fronteiras. O Ministro de Estado da Indústria, Viação e Obras Pública,
Miguel Calmon du Pin e Almeida, em 1907, recomendou que nas obras de
construção da linha telegráfica de Cuiabá até Santo Antônio do Rio
Madeira, fossem instaladas colônias indígenas no entorno das estações
telegráficas. Algumas delas foram entregues posteriormente aos cuidados
desses nativos, como foi o caso de estação de Vilhena (RO).
Em 23
de setembro de 1932, foram criados três Contingentes de Fronteira
visando proteger a fronteira Madeira/Guaporé. Situavam-se em Porto Velho
(Madeira), Guajará Mirim (Mamoré) e Forte Príncipe da Beira (Guaporé).
Cada um desses contingentes funcionava com oficiais comissionados e
possuíam o seguinte efetivo: um segundo sargento, dois cabos e trinta
soldados. Apenas no Forte Príncipe da Beira a esse contingente era
acrescido, em razão da necessidade de cuidados da fortaleza: [...] além
do 2º. Sargento comandante, dois cabos e quinze soldados. (FERREIRA,
1936, p. 36). Em 1934 o contingente de Porto Velho foi aumentado para
117 homens com a absorção do efetivo orçamentário do Contingente de
Linhas Telegráficas.
As promoções nesses contingentes respeitavam
o princípio de que os militares atuavam em região com dificuldades de
todo tipo. Recomendava, portanto, como imperativo a escolha dos mais
aptos e capazes. Assim, o Aviso que criou esses contingentes recomendou o
aproveitamento da “população aclimatada”, vale dizer os nossos
caboclos, majoritariamente descendentes dos indígenas. Ainda, que na
promoção a cabos e sargentos fosse aproveitado o pessoal dos
contingentes.
Desse contingente inicial surgiu a 17ª Brigada de
Infantaria de Selva, Brigada Forte Príncipe da Beira, que hoje defende
essa parte do território nacional, tão duramente conquistada pelos
nossos antepassados.
Por último, devo destacar, que é à ao
contingente dessa brigada, um pelotão estacionado junto ao Forte
Príncipe da Beira, que devemos à conservação daquele monumento
histórico, que década após década jaz no descaso, apenas minimizado
pelas mãos daqueles soldados. Assim é que, as paredes das casernas, que
há poucos anos sustinham-se, somente ainda não desabaram porque esses
soldados providenciaram escoras. Penso que está na hora de acabarmos com
isso, restaurar a fortificação, o maior monumento militar e parte
integrante de nossa história, é imperativo, entrega-lo à ocupação de
seus naturais ocupantes, é de justiça. Melhor seria, para a conservação
da fortaleza, que o pelotão após restauradas as casernas, funcionasse
dentro do forte.
Por essas e outras razões devemos dar vivas a
esses destemidos pioneiros, que ombreiam com a população, anonimamente, a
construção de Rondônia nesses rincões de nossa pátria.
Salve o soldado anônimo, à memória do infante pedestre do passado: salve o guerreiro da selva.
Nota introdutória: Catalina o pássaro de aço nos céus da Amazônia
Nesses tempos, quando a população de Rondônia se vê ameaçada pela suspensão de alguns voos e mudanças de rota das companhias aéreas que nos servem,
Todo boato tem um fundo de verdade: o Ponto Velho, o Porto do Velho e Porto Velho
O último artigo que publiquei aqui tratou da figura do “velho Pimentel”, um personagem que, apesar de seu caráter até agora mítico, parece estar ind
A origem da cidade de Porto Velho e o velho Pimentel
Todos sabem que a origem da cidade de Porto Velho coincide com a última tentativa de construção da ferrovia Madeira-Mamoré em 1907. Naquele ano, ao
Ciclos econômicos e migração marcaram a história de Porto Velho desde a sua criação
Há mais de 100 anos um trecho do alto Madeira presenciava o surgimento de uma nova povoação, em razão do início da construção da Estrada de Ferro Ma