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Dante Fonseca

O soldado anônimo e a fronteira do rio Madeira ao Guaporé.


 O soldado anônimo e a fronteira do rio Madeira ao Guaporé.  - Gente de Opinião


Coronel “Teixeirão” e o Dia do Guerreiro de Selva


No dia 1º. De junho é comemorado pelo Exército Brasileiro o “Dia do Guerreiro da Selva”. Essa data comemorativa estabelece uma profunda relação com Rondônia, pois foi instituída em homenagem ao coronel da arma de artilharia Jorge Teixeira de Oliveira, último governador do Território de Rondônia e o primeiro do Estado de Rondônia. O coronel Teixeira, ou Teixeirão, como era popularmente conhecido, era um gaúcho apaixonado pela Amazônia. As realizações mais importantes de sua carreira estão vinculadas a esta região, iniciando com a organização do  Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), do qual foi o primeiro comandante (1964 a 1971). Daí para o primeiro comando do Colégio Militar de Manaus e depois de reformado, prefeito daquela cidade nos anos seguintes até que assumiu o governo de Rondônia em 1979, já na reserva, cargo no qual permaneceu até 1985.

Foi deste modo que o coronel de artilharia eternizou seu nome como combatente de selva, daí a homenagem do Exército Brasileiro. Teixeirão deu continuidade a uma história secular. A conquista do Brasil pelos portugueses se deu em grande parte a pé, particularmente o avanço colonizador sobre o Mato Grosso, do qual Rondônia herdou mais de 85% do seu atual território. Foram de pedestres os primeiros regimentos do Guaporé lusitano, compostos, segundo a tradição guararape, de índios, tapuios, negros, mulatos, europeus e neobrasileiros. Atuaram esses regimentos nas selvas do norte do Mato Grosso. Hoje são chamados infantes de selva, e é esse seu grito de guerra e saudação: Selva

Essa história inicia quando da conquista da fronteira colonial do Brasil. Nesse período, a política de aliança militar com os nativos foi uma constante, particularmente durante o período pombalino. Além dessas alianças, realizadas com grupos inteiros, o tapuio, nativo recentemente desenraizado e agregado à população colonial, assim como os africanos e seus descendentes eram largamente utilizados na defesa de nossa fronteira oeste. A conquista, realizada a pé, consolidou a presença na região do soldado pedestre dessas diversas origens étnicas que ainda hoje compõem as nossas infantarias de selva.

Já em carta de 1754, o capitão-general do Grão-Pará Mendonça Furtado (1751-1759) informa que enviara uma guarda militar para Trocano (Borba), para conter o contrabando de ouro que por ali passava. Antes mesmo da elevação do aldeamento de Borba à categoria de vila (1756), o marquês de Pombal escrevia Mendonça Furtado, em julho de 1755, instruindo-o a conceder aos nativos patentes de oficiais. Em 1767, Mendonça Furtado, agora no cargo de Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, mandava expedir todas as patentes de confirmação, provendo nativos para os corpos auxiliares ao capitão-general do Grão-Pará, Ataíde Teive (1763 e 1772). O 1º comissário da 4º divisão de limites Pereira Caldas, em resposta datada de 28 de junho de 1786 à carta do comandante militar de Borba, orientava-o para realizar a aliança militar com os indígenas muras, segundo ele benéfica para proteger os territórios consolidados pelo Tratado de Madri. Os capitães-generais fizeram provisão de patentes aos nativos durante a segunda metade do século XVIII. O fato tornou-se tão corriqueiro, que foi necessário a rainha D. Maria I chamar à atenção em 1778 a Pereira Caldas, quando capitão-general do Grão-Pará (1772-1780), para o fato de que a coroa precisava confirmar as referidas patentes.

No Mato Grosso, a Guerra aos paiaguás, em 1734, levou à formação de uma tropa de 842 homens, sobre a qual o cronista Barbosa de Sá revela que os brancos levavam cargo militar e pretos, índios e mestiços eram soldados. A partir do governo do primeiro capitão-general do Mato Grosso, Rolim de Moura (1751-1765), foi mais bem organizada a defesa da capitania, reunindo inclusive os índios junto aos destacamentos militares. Dentre as instruções levadas ao Mato Grosso pelo seu primeiro capitão-general, havia a ênfase especial na constituição de corpos militares que defendessem a fronteira dos espanhóis. Determinavam as ordens reais, que todos os moradores da capitania se alistassem nas ordenanças. Rolim de Moura criou dois corpos voluntários pedestres constituídos de mulatos e caborés.

Em 1760 os portugueses ocuparam as edificações do antigo aldeamento Santa Rosa, que os jesuítas espanhóis haviam instalado na margem direita do rio Guaporé em 1743 e que foi abandonado em razão do Tratado de Madri, onde: [...] cuidou em reparar alguns dos referidos edifícios [...] montou guarda que ficou assim composta: 27 dragões; 13 pedestres e 20 soldados aventureiros e perto de 40 homens entre índios e escravos. (LEVERGER, 1949. p. 251). Rolim de Moura, denominava aventureiros aos sertanistas que antes de sua chegada entraram pelos rios do Mato Grosso para escravizar os indígenas e minerar. Ordenou que eles assentassem praça com soldo, mas sem fardamento.

Em 1763, tropas espanholas compostas por 1.200 homens, muitas canoas, peças de artilharia, armas e munições, acantonaram-se nas margens do rio Guaporé, com o objetivo de ocupar a margem direita daquele rio. O destacamento português de Santa Rosa, agora denominado de Nossa Senhora da Conceição, possuía então um efetivo de 224 pessoas, a saber: [...] 3 oficiais, 1 sargento, 6 cabos e 60 soldados, 3 aventureiros, 13 pedestres, 24 índios e 114 negros (LEVERGER, 1949. p. 254). As tropas espanholas ocuparam a barra do rio Itonamas, de onde intentaram impedir com artilharia o acesso fluvial para Vila Bela e cortar as comunicações dessa cidade com o efetivo de Nossa Senhora da Conceição. Com a chegada dos reforços pedida por Rolim de Moura foi realizado o ataque com 24 dragões, seis infantes e pedestres: mulatos, negros, escravos e índios carijós, mais alguns brancos.
 

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Esses regimentos, chamados de pedestres, eram na verdade compostos por infantes de selva. Lutando no ambiente da hileia amazônica, assim descreve Rolim de Moura em 1755 o regimento de pedestres adidos à Companhia de Dragões: Andam sempre descalços de pé e perna, o seu único vestido é um jaleco e umas bombachas. A armas de que usam, uma espingarda sem baionetas uma bolsa de caça e uma faca de mato. (LEVERGER, 1949, p. 247). Outra descrição dos bandeirantes, provenientes de São Paulo, assim os retrata: vestem-se de calças de algodão e altas pederneiras, camisa de algodão sobre a qual exibem um gibão de couro ou vestimenta estofada para protegê-los das flechas. Quase sempre andam descalços e protegem a cabeça com um chapéu de palha com abas largas, levam uma bolsa de couro a tiracolo, uma cuia para comer e um cantil de chifre para beber (GÓES FILHO, 2015, pp. 119-120).

Apesar dessa pobreza de recursos, declara Rolim de Moura o valor de seus serviços, sem os quais mesmo os Dragões (tropas de linha) não poderiam realizar nenhuma diligência nos povoados interioranos. Eram pilotos, remeiros e guerreiros. Bons atiradores penetravam nas matas e sertões, bons nadadores e nada embaraçava seu caminho.

A prevenção contra possíveis ataques dos castelhanos, às posições de fronteira, era uma preocupação permanente do governo metropolitano. A esse respeito, em 1765, o capitão-general do Mato Grosso, João Pedro da Câmara Coutinho informou ao rei D. José I das tropas de milícias do Mato Grosso estavam assim compostas: 97 oficiais e soldados brancos da Companhia de Ordenança; 28 homens bastardos filhos de índias com homens brancos sujeitos à Companhia de Ordenança; 75 oficiais e soldados pretos da Companhia de Ordenança; 71 oficiais e soldados pardos da Companhia de Ordenança deslocados da Vila de Cuiabá e do destacamento de Nossa Senhora da Conceição para guarnecer a capital Vila Bela; 147 homens da Companhia de Dragões; 6 soldados aventureiros e 121 soldados pedestres (TULUX, 2011, p. 9).

Com a entrada do século XIX e a independência do Brasil e da Bolívia, as questões fronteiriças somente se tornaram violentas a partir de 1898, com o início da Rebelião Acreana. Contra o Paraguai, declarou o Império uma guerra que durou de 1865 a 1870. Contudo, a fronteira Guaporé-Madeira não foi objeto de maior preocupação por parte do Brasil, na medida em que as operações de guerra concentravam-se mais ao Sul do Mato Grosso. Segundo Ferreira Reis, a Guarda Nacional foi autorizada pelo governo a prestar serviço militar na defesa das fronteiras. Conforme notícia do jornal The Anglo-Brazilian Times do Rio de Janeiro, datada de 9 de fevereiro de 1865 e publicada no número 3, ano 1 de 10 de março daquele mesmo ano, o navio Pirajá partiu de Manaus com destino ao rio Madeira para substituir as guarnições de Borba, Baetas e Santo Antônio pelos voluntários da Guarda Nacional. É evidente que essas tropas de linha substituídas seguiriam para o teatro de operações de guerra. Apesar dessa participação, o forte Príncipe da Beira, construído entre 1776 e 1783, não desempenhou nenhum papel importante nesse conflito. É que estava fora do teatro de operações. Sequer é citado no relatório do Ministro de Guerra de 1865 e nem do Presidente da Província de Mato Grosso. Na sua viagem de inspeção de fronteira em1878 o general João Severiano da Fonseca dá conta das guarnições do Guaporé. No destacamento de Pedras Negras encontra apenas um sargento e dois soldados. Sobre o Forte Príncipe da Beira, Severiano da Fonseca informa-nos que havia naquela localidade em 1822, uma população de 477 pessoas, mas quando por lá passou em 1878 encontrou apenas uma guarnição composta por quatorze soldados e um sargento.

Ainda na Primeira República, o índio e seus descendentes foram utilizados como elementos de consolidação das fronteiras. O Ministro de Estado da Indústria, Viação e Obras Pública, Miguel Calmon du Pin e Almeida, em 1907, recomendou que nas obras de construção da linha telegráfica de Cuiabá até Santo Antônio do Rio Madeira, fossem instaladas colônias indígenas no entorno das estações telegráficas. Algumas delas foram entregues posteriormente aos cuidados desses nativos, como foi o caso de estação de Vilhena (RO).

Em 23 de setembro de 1932, foram criados três Contingentes de Fronteira visando proteger a fronteira Madeira/Guaporé. Situavam-se em Porto Velho (Madeira), Guajará Mirim (Mamoré) e Forte Príncipe da Beira (Guaporé). Cada um desses contingentes funcionava com oficiais comissionados e possuíam o seguinte efetivo: um segundo sargento, dois cabos e trinta soldados. Apenas no Forte Príncipe da Beira a esse contingente era acrescido, em razão da necessidade de cuidados da fortaleza: [...] além do 2º. Sargento comandante, dois cabos e quinze soldados. (FERREIRA, 1936, p. 36). Em 1934 o contingente de Porto Velho foi aumentado para 117 homens com a absorção do efetivo orçamentário do Contingente de Linhas Telegráficas.

As promoções nesses contingentes respeitavam o princípio de que os militares atuavam em região com dificuldades de todo tipo. Recomendava, portanto, como imperativo a escolha dos mais aptos e capazes. Assim, o Aviso que criou esses contingentes recomendou o aproveitamento da “população aclimatada”, vale dizer os nossos caboclos, majoritariamente descendentes dos indígenas. Ainda, que na promoção a cabos e sargentos fosse aproveitado o pessoal dos contingentes.

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Desse contingente inicial surgiu a 17ª Brigada de Infantaria de Selva, Brigada Forte Príncipe da Beira, que hoje defende essa parte do território nacional, tão duramente conquistada pelos nossos antepassados.
Por último, devo destacar, que é à ao contingente dessa brigada, um pelotão estacionado junto ao Forte Príncipe da Beira, que devemos à conservação daquele monumento histórico, que década após década jaz no descaso, apenas minimizado pelas mãos daqueles soldados. Assim é que, as paredes das casernas, que há poucos anos sustinham-se, somente ainda não desabaram porque esses soldados providenciaram escoras. Penso que está na hora de acabarmos com isso, restaurar a fortificação, o maior monumento militar e parte integrante de nossa história, é imperativo, entrega-lo à ocupação de seus naturais ocupantes, é de justiça. Melhor seria, para a conservação da fortaleza, que o pelotão após restauradas as casernas, funcionasse dentro do forte.

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Por essas e outras razões devemos dar vivas a esses destemidos pioneiros, que ombreiam com a população, anonimamente, a construção de Rondônia nesses rincões de nossa pátria.
Salve o soldado anônimo, à memória do infante pedestre do passado: salve o guerreiro da selva.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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