Quarta-feira, 3 de julho de 2019 - 08h16
Recentemente recebi
como presente de um amigo um livro escrito pelo jornalista norte americano
Larry Rohter. A obra trata da biografia de Rondon e sua referência segue ao
final. De interesse sobre tantas outras biografias desse nosso ilustre
conterrâneo é o tratamento analítico realizado pelo autor. Não oferece a obra
apenas um repositório cronológico da vida e obra do marechal, mas do empenho em
situá-lo dentro de seu tempo para melhor compreender seus atos e suas ações.
Eis então a diferença entre o biógrafo e aquele que escreve pouco mais que uma
fé de ofício. É, evidentemente, um risco, um atirar-se ao desconhecido, todo
aquele que arrisca a compreender, deixando de lado a cômoda descrição de uma
vida. Como homens do presente podem falar, e compreender, as ações de homens do
passado? Como podem abordar sociedades e comportamentos que não viveram? Essa é
a tarefa geral daquele que enfrenta o desafio, para a qual o grande historiador
francês Marc Bloch declara possuir o profissional da História a característica
de ser humano, como aqueles sobre os quais escreve. Talvez essa seja a maior
regalia do historiador. Mas não é única, nem definitiva, embora sem a qual
seria inútil qualquer esforço de inteligibilidade. Essa inevitável vantagem
deve ser complementada então com o método de trabalho, com a teoria, com a
crítica e, principalmente, com a disciplina intelectual. Resulta daí, senão um
trabalho irretocável, uma obra de profissional. Jornalistas e historiadores, o
quanto têm em comum?
Da leitura da obra,
que recomendo a quantos tenham curiosidade sobre o assunto e, creio, seja de
interesse especial para os cidadãos de Rondônia, destaco a surpreendente
constatação do biógrafo sobre o desconhecimento da obra de Rondon fora do
Brasil. Animou-me essa denúncia, porque partindo de um estrangeiro deveria
receber acolhida e providências das autoridades brasileiras. Nossas autoridades
deveriam divulgar mais a vida e obra de Rondon. Particularmente porque nossa
República está cada vez mais faminta pela escassez de heróis que, por sua vida,
possam dar exemplo de abnegação patriótica na realização das obras exigidas
pelo bem da nação. Sim, porque ainda somos uma nação, independentemente dos
interesses particularistas que intentam impor-se acima do bem geral. Esquecem
esses grupos vorazes pelos “direitos” que as crises econômicas e políticas, as
calamidades causadas pela insânia de maus brasileiros, atingem a todos, embora,
como sempre, atinjam mais aos menos favorecidos, que muitas vezes são vítimas
dos erros justamente daqueles que mais se empenham em propagar que os defendem.
O Brasil passa por um jejum de cidadãos que sejam muito mais conduzidos pelo
senso do dever do que pela busca de mais e mais direitos, que geralmente
satisfazem a fome dos pequenos grupos e ignoram ou mesmo causam a inanição
geral da nação.
Sim, a vida de
Rondon deve ser ensinada, mais no Brasil e divulgada mais no exterior,
justamente pelo exemplo que ela representa. Cândido Mariano da Silva Rondon nasceu em Santo
Antônio de Leverger (MT)
em 5 de maio de 1865 e faleceu no Rio de
Janeiro em 19 de janeiro de 1958.
Formado oficial pela Escola Militar do Rio de Janeiro passou a servir nas obras
de construção das linhas telegráficas nos sertões brasileiros, justamente a
tarefa que muitos queriam evitar. Dessa missão inicial progride ao longo do
tempo para a causa de sua vida. Juntamente com a extensão dos fios do telégrafo
promove o conhecimento do solo pátrio, o contato e a defesa das populações
nativas.
Segundo Rohter,
tanto no que se refere a quantidade de expedições realizadas, quanto às
distâncias vencidas, dificuldades encontradas ou número de informações
coletadas: “Rondon é o maior explorador dos trópicos na história”. Suas
realizações superam os feitos de exploradores como Henry Stanley, David
Livingstone ou Richard Francis Burton. Participou de mais de vinte e cinco
expedições pelos sertões do Mato Grosso, que cobriram o percurso de mais de
quarenta mil quilômetros a cavalo, a pé, em canoas ou sobre mulas. Nessa
ocupação abriu estradas, fundou povoações e contatou grupos indígenas. Era
também um homem de ciência, foi engenheiro militar, bacharel em matemática e
ciências físicas e naturais, além de professor de astronomia na escola militar.
Publicou mais de cem artigos científicos versando sobre antropologia,
astronomia, biologia, botânica, ecologia, etnologia, geologia, ictiologia,
linguística, meteorologia, mineralogia, ornitologia e zoologia. Os cientistas
que trabalharam sob suas ordens catalogaram novas plantas, animais e minerais.
Contudo, seu interesse principal eram as populações das regiões que percorreu.
Assim, muitos dos seus registros científicos referem-se à língua, crenças e
costumes dos povos com os quais entrou em contato. Foi o inspirador e primeiro
dirigente do Serviço de Proteção ao Índio. Essa instituição propugnou a defesa
do nosso nativo, em um momento onde o grande tema da política nacional era
quanto ao destino das populações indígenas no Brasil. Quando alguns pregavam a
“inutilidade” dessas populações para o “progresso” nacional, considerando essas
populações como um estorvo e recomendando seu “desaparecimento”, Rondon
propugnava sua proteção e inserção na sociedade nacional.
Apesar de ter
obtido o reconhecimento nacional que se manifestou com o recebimento da patente
de marechal, de ter sido escolhido para patrono da arma de comunicações do
Exército Brasileiro (creio que devia ser também o patrono da “Arma da Paz”
recentemente criada no Exército
Brasileiro), e de ter sido o único dos nossos conterrâneos a merecer a
homenagem de com seu nome batizar um estado (Rondônia), entre tantas outras
manifestações reveladoras da importância do trabalho que desenvolveu por
décadas em favor da ciência e do nosso povo. Apesar de merecer o reconhecimento
de diversos cientistas de renome internacional, como Claude Levi Strauss,
teórico franco-belga da antropologia estrutural, também de Albert Einstein que,
maravilhado com a ideia de um general que pregava o contato pacífico com os
indígenas, indicou Rondon para o Prêmio Nobel da Paz em 1925, Rondon não
mereceu até hoje o devido respeito internacional por parte de importantes
instituições de pesquisa. É Larry Rohter que informa não existir: [...] um verbete para Rondon no prestigiado Oxford
Atlas of Expoloration [...], embora nele contenha nomes de outros
exploradores que mais tarde percorreram os mesmos caminhos já abertos por
Rondon. Do mesmo modo é registrada a ausência de seu nome no National Geographic Expeditions Atlas,
que reserva ao presidente Theodore Roosevelt todas as glórias da expedição ao
rio da Dúvida, hoje conhecido por rio Roosevelt. Em geral, quando se trata da
Expedição Roosevelt-Rondon no exterior, Rondon é tratado mais ou menos como o
guia nativo do buana Roosevelt. É
interessante observar que Roosevelt reconheceu os grandes méritos do marechal
ao afirmar que um país que possuía um homem daquela envergadura estava destinado
a figurar entre as grandes nações do Mundo.
A razão desse
esquecimento e desvalorização da figura e da obra de Rondon no exterior?
Responde Rohter em uma palavra: racismo. Não se enquadrava Rondon no
estereótipo do explorador alto, branco, de preferência louro e de olhos azuis.
Na sua ancestralidade constava a composição de índios guanazes, terenas e
borôros, além de europeus e algum suposto africano. Era de baixa estatura,
tinha a pele escura, aproximando-se seu tipo físico mais do índio. Para o
brilho de sua biografia sua missão também diferia daqueles colonizadores que carregados
da mentalidade imperialista, com métodos e objetivos apropriados à essa
ideologia, vasculhavam o Mundo fora da Europa. Também se distinguia daqueles,
cujo interesse era meramente científico ou daqueles cujo interesse era a
simples aventura. Rondon unia a curiosidade científica com a preocupação pelos
destinos do nosso povo, principalmente pela parte mais esquecida e vilipendiada
dele, a população rural: o índio e o caboclo. Além de falar o inglês e o
francês, Rondon dominava diversas línguas nativas. Era, portanto, a síntese
bem-sucedida de um povo miscigenado e portador de uma cultura mestiça cuja obra
o alçou à condição de herói nacional. Completa Rohter então sua análise:
Mas, sem dúvida, o
racismo amplamente disseminado de sua época é um dos fatores preponderante - se
não o principal – tanto de sua ausência no panteão de renomados exploradores
quanto para o desconhecimento de sua vida entre o grande público.
ROHTER, Larry. Rondon,
uma biografia. Tradução Cássio de Arantes Leite. 1a ed. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2019.
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