Quarta-feira, 29 de janeiro de 2020 - 11h34
Deixei o ponto inicial da ferrovia, em Santo Antônio em
abril do último ano [...] (MATHEWS, 1875, p.
03). Com essas palavras o engenheiro Edward Davis Mathews encerra a primeira
parte de sua aventura desde a Inglaterra. Chegando ao Brasil em 1872, passou pelas
províncias do Pará, Amazonas e Mato Grosso até chegar à remota localidade de
Santo Antônio do Rio Madeira, então um extremo ponto dessas duas últimas
províncias em relação às fronteiras com os países vizinhos. Na segunda parte se
internou na Bolívia pela fronteira do rio Mamoré cruzando-a até seu limite
oposto, o oceano Pacífico, de onde embarcaria de retorno à sua terra natal em
24 de abril de 1874 (MATHEWS, 1875, pp. 3-4).
Edward
Davis Mathews, que foi o engenheiro residente escolhido por George Church para
fiscalizar os trabalhos da Public Works Co., empreiteira contratada pela
Madeira & Mamoré Railway para a construção da mesma ferrovia, publicou duas
obras depois de partir Santo Antonio do Rio Madeira rumo à Inglaterra pela via
do oceano Pacífico em 1874. A primeira: “Report to the directors Madeira and
Mamore Railway Company, Limited”, foi publicada em 1875, coisa de um ano após sua
saída de Santo Antonio. A segunda: “Up the Amazon and Madeira Rivers through
Bolivia and Peru”, publicada também em Londres em 1879.
Essa obra
terá sua primeira publicação em língua portuguesa, prevista pela editora Valer
de Manaus para finais de fevereiro ou no mês de março do corrente ano. Sua
tradução foi feita pelo professor Hélio Rocha da Fundação Universidade de Rondônia
– UNIR, sob o título em português “Viagens pelo Amazonas, Madeira [Brasil]
Bolívia e Peru (1872- 1874).” Trata-se da descrição de Mathews de sua viagem
pela América do Sul do rio Madeira, aos Andes até o oceano Pacífico, um diário
de viajante útil aos curiosos e pesquisadores de várias áreas. Para subsidiar
ao leitor escrevi um estudo introdutório ao tema. O trecho abaixo refere-se aos
trabalhos elaborados pelo coronel Church, primeiro concessionário da ferrovia
Madeira-Mamoré com base nos estudos realizados para sua construção.
As publicações de Church sobre a Madeira-Mamoré
Já na
segunda metade do século XIX à divulgação das potencialidades do comércio e da
riqueza contida no interior da América do Sul correspondeu ao interesse de
inúmeros viajantes, que nela vieram buscar informações para seus governos e
investidores. Assim, entre 1861 e 1872, percorreram a região entre os rios
Guaporé e o Amazonas: o coronel peruano Faustino Maldonado (1861), o coronel
boliviano Quintin Quevedo (1861), os engenheiros alemães Franz e Joseph Keller
(1867-68), o investidor norte-americano Azanel D. Piper (1867, 73,74), os
missionários religiosos italianos Samuel Mancini e Jesualdo Macchetti (1869) e
também Edward Davis Mathews entre 1872 e 1874 (VALLVÉ, 2010, p. 114).
As
informações fornecidas pelos transeuntes da região não passaram despercebidas
ao coronel, engenheiro e investidor norte-americano George Earl Church
(1835-1910). O governo boliviano enviou o general Quintin Quevedo, membro do
corpo diplomático daquele país, a Nova York para convidá-lo a viajar para a
Bolívia e participar do projeto de abertura dos rios bolivianos ao comércio
internacional, o que aconteceu em 1868 (CHURCH, 1912, p. XVI). Viajava em busca
de oportunidades comerciais e para conhecer os rios da fronteira entre o Brasil
e a Bolívia, a saber: Beni, Mamoré e Guaporé, com vistas ao escoamento dos
produtos bolivianos. Além do conhecimento in
loco, Church estudou diversos escritos a respeito da região, de modo a melhor
planejar suas propostas e convencer seus investidores.
O
primeiro resultado desses estudos publicado por Church foi o opúsculo
intitulado “The Rapids of the Madeira branch of the Amazon River” (As
cachoeiras do rio Madeira, afluente do rio Amazonas), e tem como subtítulo: “Um
relatório preliminar sobre a Ferrovia Madeira & Mamore, por George E.
Church, engenheiro, com base nos mapas e pesquisas feitos pelos engenheiros
Jose & Francisco Keller, por ordem do Governo Imperial do Brasil”. (CHURCH,
1870-a). Nele analisava que a abertura do Amazonas à navegação internacional e
o Tratado de Ayacucho, eventos ocorridos no ano de 1867, que foram segundo
Church as medidas preliminares necessárias para a solução do problema de
transporte no trecho encachoeirado do rio Madeira (CHURCH, 1870-a). Com a concessão
para a construção de uma ferrovia naquele setor, obtida através do decreto nº
4.509, de 20 de abril de 1870 (CLIB, tomo XXXIII, parte II, 1870, p.) a Bolívia
e o Mato Grosso ficariam em conexão com o comércio internacional. Vê-se, então
que, segundo a visão de Church, a decisão de construir a ferrovia estava
vinculada à liberação dos rios Amazônicos à navegação por embarcações de
bandeira estrangeira.
Em
seguida, Church apresenta dados técnicos sobre o trecho como: o número e o nome
das cachoeiras e as distâncias entre elas. Passa depois a considerar detalhes
de ordem humana para o empreendimento, como a questão sanitária, abordada
superficialmente em três citações, que viria a ser determinante para o fracasso
dessa e da segunda tentativa de construção da ferrovia. Também a mão de obra,
que informou ser possível obter dos índios bolivianos, demonstrou-se depois ser
uma solução bem menos viável. O transporte do material ferroviário e o custo de
construção da ferrovia também foram observados. O opúsculo apresenta, de forma despreocupada
e otimista, um plano para a construção de uma ferrovia cujas dificuldades
consumiriam mais de quarenta anos e três tentativas de construí-la. Calcado no
estudo dos Keller, em si mesmo um estudo bastante ligeiro, estava fadado a
cometer erros fatais na sua empreitada, por exemplo calcula uma linha férrea de
271 quilômetros, quando após inúmeras tentativas e dificuldades a ferrovia,
quando construída mediu 366 quilômetros.
O escrito
é um trabalho de convencimento sobre a vantagem em se investir nesse
empreendimento. No mapa (abaixo) que inicia o livro, a informação que se passa
é impactante. Nele Church apresenta a rota utilizada então para o comércio
marítimo dos Estados Unidos e da Europa com a Bolívia e a mesma rota de
comércio após a construção da Madeira-Mamoré. Com base no mapa a única
conclusão possível é a vantagem ao comércio internacional que trará a
construção da ferrovia.
O segundo
opúsculo publicado por Church, ainda no ano de 1870, foi “Bolivia and Brazil in
the Amazon Valley” na “The Fortnightly Review” (CHURCH-b, 1870, pp. 564-580).
Foi esse texto novamente publicado no ano seguinte ao fracasso da primeira
tentativa de construção em 1872 em livro que teve o título “Papers and documents
relating to the Bolivian loan” (NBNC; MMRC, 1873) e incluía, relatórios dos
engenheiros que foram para Santo Antonio e documentos relativos aos empréstimos
de Church para a execução das concessões de transportes.
Em “Bolivia and Brazil in the Amazon Valley”, traça um histórico da conquista ibérica na América do Sul e em seguida demonstra a vantagem que o Império do Brasil tem na navegação do rio Amazonas, pois é em seu território que se encontra sua foz. Fala também no interesse de compartilhamento pelas demais nações onde corre aquele curso d’água. Comenta as consequências do Tratado de 1867, a exploração das Terras Baixas da Bolívia pelo naturalista Haenke e dedica algumas páginas à descrição da Bolívia e seus contatos comerciais com o Brasil e da ligação da bacia do Madeira com o Mundo. Ainda na obra “Papers and documents relating to the Bolivian loan”, encontramos o mesmo “The Rapids of the Madeira branch of the Amazon River” publicado primeiramente em 1870 (NBNC; MMRC, 1873, pp. 47-68).
Fonte: CHURCH, 1870-a.
Cremos,
contudo, que a obra principal, no que se refere a obter uma visão panorâmica
das fontes através das quais Church tomou conhecimento da região que seria
objeto de seus investimentos, foi publicada em 1875, intitulada “Explorations
made in the Valley of the River Madeira from 1749 to 1868” (Explorações
realizadas no vale do rio Madeira entre 1749 a 1868), publicada sob os
auspícios da própria National Bolivian Navigation Company (CHURCH, 1875).
Não eram
incomuns esses estudos das fontes primárias que são encontrados nas
bibliografias de diversos viajantes. Podemos citar como exemplo a compilação de
Clements R. Markham “Expedition into the valley of Amazons” (1859). Nela
encontramos traduzidas para o inglês pelo compilador as seguintes fontes
históricas: “Expedition of Gonzalo Pizarro to the land of Cinnamon, A.D.,
1539-42”, traduzida da segunda parte de Garcilaso Inca de la Vega nos
"Royal Commentaries of Peru"; “The Voyage of Francisco de Orellana
down the river of the Amazons”, a.d. 1540-1, traduzido de Antonio de Herrera's
na "General History of the Western Indies"; “New Discovery of the
Great River of the Amazons”, escrita pelo padre Cristoval de Acuña, a.d. 1639,
traduzida da edição espanhola de 1641; finalizando com uma relação feita por
Markham, “List of the Principal Tribes in the Valley of the Amazons, containing
all those which are mentioned in the voyages of Orellana and Acuna”.
Clements Markham
também percorreu a região impulsionado pelo interesse comercial, de natureza,
porém, diferente daquela de Church. Vinha buscar uma maneira de contrabandear
as sementes da árvore da quina, importante produto extrativo do comércio
boliviano, para adaptar essa árvore às plantações que os ingleses fariam em
suas colônias. Não foi o único nessa atividade, décadas depois o escocês
Alexander Wikham contrabandeou mudas de seringueiras para a Inglaterra. Ao empenho
dos dois súditos de sua Majestade Britânica devemos a decadência dessas duas
atividades econômicas na Amazônia.
A sua
compilação desses trabalhos e relatórios de agentes públicos e privados sobre o
trânsito entre os rios Madeira e Guaporé, continha também dois estudos
indisponíveis quando de sua vagem à Bolívia em 1868. O primeiro, o estudo dos
Keller, foi realizado simultaneamente à sua viagem à América do Sul
constitui-se, como vimos, na sua principal fonte de informações para a
construção da ferrovia. O outro é um estudo de Ignácio Arauz, importante
seringalista boliviano do rio Madeira. Curiosamente Church não explica a razão
de não ter incluído na obra suas próprias impressões relativas à viagem que fez
à América do Sul, particularmente na parte dos rios onde se concentravam seus
interesses comerciais, os rios Piraí, Mamoré e Madeira que, declara não fora
publicada até aquele ano de 1875. Na introdução da obra, Church explica que:
O objetivo do presente volume é apresentar de forma compacta outras
evidências, além da minha, em relação ao rio Madeira e à rica região que ele
drena e chamar mais atenção para o vasto sistema de canais naturais, que estão
destinados a desempenhar um grande papel na história comercial e política da
América do Sul (CHURCH, 1875, p. viii).
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