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Dante Fonseca

Será lançada em breve a obra do engenheiro Edward Davis Mathews traduzida para o português pelo professor Helio Rocha

As publicações de George Earl Church sobre a construção da Estrada de ferro Madeira-Mamoré


Será lançada em breve a obra do engenheiro Edward Davis Mathews traduzida para o português pelo professor Helio Rocha - Gente de Opinião

Deixei o ponto inicial da ferrovia, em Santo Antônio em abril do último ano [...] (MATHEWS, 1875, p. 03). Com essas palavras o engenheiro Edward Davis Mathews encerra a primeira parte de sua aventura desde a Inglaterra. Chegando ao Brasil em 1872, passou pelas províncias do Pará, Amazonas e Mato Grosso até chegar à remota localidade de Santo Antônio do Rio Madeira, então um extremo ponto dessas duas últimas províncias em relação às fronteiras com os países vizinhos. Na segunda parte se internou na Bolívia pela fronteira do rio Mamoré cruzando-a até seu limite oposto, o oceano Pacífico, de onde embarcaria de retorno à sua terra natal em 24 de abril de 1874 (MATHEWS, 1875, pp. 3-4).

Edward Davis Mathews, que foi o engenheiro residente escolhido por George Church para fiscalizar os trabalhos da Public Works Co., empreiteira contratada pela Madeira & Mamoré Railway para a construção da mesma ferrovia, publicou duas obras depois de partir Santo Antonio do Rio Madeira rumo à Inglaterra pela via do oceano Pacífico em 1874. A primeira: “Report to the directors Madeira and Mamore Railway Company, Limited”, foi publicada em 1875, coisa de um ano após sua saída de Santo Antonio. A segunda: “Up the Amazon and Madeira Rivers through Bolivia and Peru”, publicada também em Londres em 1879.

Essa obra terá sua primeira publicação em língua portuguesa, prevista pela editora Valer de Manaus para finais de fevereiro ou no mês de março do corrente ano. Sua tradução foi feita pelo professor Hélio Rocha da Fundação Universidade de Rondônia – UNIR, sob o título em português “Viagens pelo Amazonas, Madeira [Brasil] Bolívia e Peru (1872- 1874).” Trata-se da descrição de Mathews de sua viagem pela América do Sul do rio Madeira, aos Andes até o oceano Pacífico, um diário de viajante útil aos curiosos e pesquisadores de várias áreas. Para subsidiar ao leitor escrevi um estudo introdutório ao tema. O trecho abaixo refere-se aos trabalhos elaborados pelo coronel Church, primeiro concessionário da ferrovia Madeira-Mamoré com base nos estudos realizados para sua construção.

 

As publicações de Church sobre a Madeira-Mamoré

 

Já na segunda metade do século XIX à divulgação das potencialidades do comércio e da riqueza contida no interior da América do Sul correspondeu ao interesse de inúmeros viajantes, que nela vieram buscar informações para seus governos e investidores. Assim, entre 1861 e 1872, percorreram a região entre os rios Guaporé e o Amazonas: o coronel peruano Faustino Maldonado (1861), o coronel boliviano Quintin Quevedo (1861), os engenheiros alemães Franz e Joseph Keller (1867-68), o investidor norte-americano Azanel D. Piper (1867, 73,74), os missionários religiosos italianos Samuel Mancini e Jesualdo Macchetti (1869) e também Edward Davis Mathews entre 1872 e 1874 (VALLVÉ, 2010, p. 114).

As informações fornecidas pelos transeuntes da região não passaram despercebidas ao coronel, engenheiro e investidor norte-americano George Earl Church (1835-1910). O governo boliviano enviou o general Quintin Quevedo, membro do corpo diplomático daquele país, a Nova York para convidá-lo a viajar para a Bolívia e participar do projeto de abertura dos rios bolivianos ao comércio internacional, o que aconteceu em 1868 (CHURCH, 1912, p. XVI). Viajava em busca de oportunidades comerciais e para conhecer os rios da fronteira entre o Brasil e a Bolívia, a saber: Beni, Mamoré e Guaporé, com vistas ao escoamento dos produtos bolivianos. Além do conhecimento in loco, Church estudou diversos escritos a respeito da região, de modo a melhor planejar suas propostas e convencer seus investidores.

O primeiro resultado desses estudos publicado por Church foi o opúsculo intitulado “The Rapids of the Madeira branch of the Amazon River” (As cachoeiras do rio Madeira, afluente do rio Amazonas), e tem como subtítulo: “Um relatório preliminar sobre a Ferrovia Madeira & Mamore, por George E. Church, engenheiro, com base nos mapas e pesquisas feitos pelos engenheiros Jose & Francisco Keller, por ordem do Governo Imperial do Brasil”. (CHURCH, 1870-a). Nele analisava que a abertura do Amazonas à navegação internacional e o Tratado de Ayacucho, eventos ocorridos no ano de 1867, que foram segundo Church as medidas preliminares necessárias para a solução do problema de transporte no trecho encachoeirado do rio Madeira (CHURCH, 1870-a). Com a concessão para a construção de uma ferrovia naquele setor, obtida através do decreto nº 4.509, de 20 de abril de 1870 (CLIB, tomo XXXIII, parte II, 1870, p.) a Bolívia e o Mato Grosso ficariam em conexão com o comércio internacional. Vê-se, então que, segundo a visão de Church, a decisão de construir a ferrovia estava vinculada à liberação dos rios Amazônicos à navegação por embarcações de bandeira estrangeira.

Em seguida, Church apresenta dados técnicos sobre o trecho como: o número e o nome das cachoeiras e as distâncias entre elas. Passa depois a considerar detalhes de ordem humana para o empreendimento, como a questão sanitária, abordada superficialmente em três citações, que viria a ser determinante para o fracasso dessa e da segunda tentativa de construção da ferrovia. Também a mão de obra, que informou ser possível obter dos índios bolivianos, demonstrou-se depois ser uma solução bem menos viável. O transporte do material ferroviário e o custo de construção da ferrovia também foram observados. O opúsculo apresenta, de forma despreocupada e otimista, um plano para a construção de uma ferrovia cujas dificuldades consumiriam mais de quarenta anos e três tentativas de construí-la. Calcado no estudo dos Keller, em si mesmo um estudo bastante ligeiro, estava fadado a cometer erros fatais na sua empreitada, por exemplo calcula uma linha férrea de 271 quilômetros, quando após inúmeras tentativas e dificuldades a ferrovia, quando construída mediu 366 quilômetros.

O escrito é um trabalho de convencimento sobre a vantagem em se investir nesse empreendimento. No mapa (abaixo) que inicia o livro, a informação que se passa é impactante. Nele Church apresenta a rota utilizada então para o comércio marítimo dos Estados Unidos e da Europa com a Bolívia e a mesma rota de comércio após a construção da Madeira-Mamoré. Com base no mapa a única conclusão possível é a vantagem ao comércio internacional que trará a construção da ferrovia.

O segundo opúsculo publicado por Church, ainda no ano de 1870, foi “Bolivia and Brazil in the Amazon Valley” na “The Fortnightly Review” (CHURCH-b, 1870, pp. 564-580). Foi esse texto novamente publicado no ano seguinte ao fracasso da primeira tentativa de construção em 1872 em livro que teve o título “Papers and documents relating to the Bolivian loan” (NBNC; MMRC, 1873) e incluía, relatórios dos engenheiros que foram para Santo Antonio e documentos relativos aos empréstimos de Church para a execução das concessões de transportes.

Em “Bolivia and Brazil in the Amazon Valley”, traça um histórico da conquista ibérica na América do Sul e em seguida demonstra a vantagem que o Império do Brasil tem na navegação do rio Amazonas, pois é em seu território que se encontra sua foz. Fala também no interesse de compartilhamento pelas demais nações onde corre aquele curso d’água. Comenta as consequências do Tratado de 1867, a exploração das Terras Baixas da Bolívia pelo naturalista Haenke e dedica algumas páginas à descrição da Bolívia e seus contatos comerciais com o Brasil e da ligação da bacia do Madeira com o Mundo. Ainda na obra “Papers and documents relating to the Bolivian loan”, encontramos o mesmo “The Rapids of the Madeira branch of the Amazon River” publicado primeiramente em 1870 (NBNC; MMRC, 1873, pp. 47-68).

Será lançada em breve a obra do engenheiro Edward Davis Mathews traduzida para o português pelo professor Helio Rocha - Gente de Opinião

Fonte: CHURCH, 1870-a.


Cremos, contudo, que a obra principal, no que se refere a obter uma visão panorâmica das fontes através das quais Church tomou conhecimento da região que seria objeto de seus investimentos, foi publicada em 1875, intitulada “Explorations made in the Valley of the River Madeira from 1749 to 1868” (Explorações realizadas no vale do rio Madeira entre 1749 a 1868), publicada sob os auspícios da própria National Bolivian Navigation Company (CHURCH, 1875).

Não eram incomuns esses estudos das fontes primárias que são encontrados nas bibliografias de diversos viajantes. Podemos citar como exemplo a compilação de Clements R. Markham “Expedition into the valley of Amazons” (1859). Nela encontramos traduzidas para o inglês pelo compilador as seguintes fontes históricas: “Expedition of Gonzalo Pizarro to the land of Cinnamon, A.D., 1539-42”, traduzida da segunda parte de Garcilaso Inca de la Vega nos "Royal Commentaries of Peru"; “The Voyage of Francisco de Orellana down the river of the Amazons”, a.d. 1540-1, traduzido de Antonio de Herrera's na "General History of the Western Indies"; “New Discovery of the Great River of the Amazons”, escrita pelo padre Cristoval de Acuña, a.d. 1639, traduzida da edição espanhola de 1641; finalizando com uma relação feita por Markham, “List of the Principal Tribes in the Valley of the Amazons, containing all those which are mentioned in the voyages of Orellana and Acuna”.

Clements Markham também percorreu a região impulsionado pelo interesse comercial, de natureza, porém, diferente daquela de Church. Vinha buscar uma maneira de contrabandear as sementes da árvore da quina, importante produto extrativo do comércio boliviano, para adaptar essa árvore às plantações que os ingleses fariam em suas colônias. Não foi o único nessa atividade, décadas depois o escocês Alexander Wikham contrabandeou mudas de seringueiras para a Inglaterra. Ao empenho dos dois súditos de sua Majestade Britânica devemos a decadência dessas duas atividades econômicas na Amazônia.

A sua compilação desses trabalhos e relatórios de agentes públicos e privados sobre o trânsito entre os rios Madeira e Guaporé, continha também dois estudos indisponíveis quando de sua vagem à Bolívia em 1868. O primeiro, o estudo dos Keller, foi realizado simultaneamente à sua viagem à América do Sul constitui-se, como vimos, na sua principal fonte de informações para a construção da ferrovia. O outro é um estudo de Ignácio Arauz, importante seringalista boliviano do rio Madeira. Curiosamente Church não explica a razão de não ter incluído na obra suas próprias impressões relativas à viagem que fez à América do Sul, particularmente na parte dos rios onde se concentravam seus interesses comerciais, os rios Piraí, Mamoré e Madeira que, declara não fora publicada até aquele ano de 1875. Na introdução da obra, Church explica que:

 

O objetivo do presente volume é apresentar de forma compacta outras evidências, além da minha, em relação ao rio Madeira e à rica região que ele drena e chamar mais atenção para o vasto sistema de canais naturais, que estão destinados a desempenhar um grande papel na história comercial e política da América do Sul (CHURCH, 1875, p. viii).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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