Sexta-feira, 10 de abril de 2020 - 20h53
O naufrágio do navio Metropolis no litoral
norte-americano, episódio ligado a tentativa de construção da E.F.M.M. em 1878,
revela uma faceta da ganância e do desrespeito pela vida humana que também teve
consequências sobre os trabalhadores brasileiros flagelados pela seca de
1877-1878. Esses homens, buscando trabalho para fugir dessa catástrofe social,
enredaram-se em outra tragédia na qual todos sofreram e muitos morreram.
Para a P. & T. Collins a tragédia do
Metropolis representou o prejuízo considerável tanto pela carga como pelos trabalhadores
perdidos, tão necessários para a construção da ferrovia. Ao desfalque dos
trabalhadores do Metropolis somou-se outro, ocasionado pela rebelião dos
trabalhadores italianos em Santo Antônio, após a chegada de Collins em 29 de
março. Todos esses contratempos somados à diminuição dos trabalhadores abatidos
pelas doenças tropicais tornou mais urgente a necessidade de novos
recrutamentos.
As primeiras tentativas foram realizadas nos
E.U.A., mas elas não resultaram em recrutamento de trabalhadores na quantidade
pretendida pela ferrovia. A razão desse insucesso foi anunciada (Afraidto go toBrazil) no jornal “New
York Tribune” de 10 de maio de 1878. Havia por parte dos trabalhadores
norte-americanos o medo de vir para o Brasil. A notícia nos dá conta de que
apesar dos esforços de um agente da P. & T. Collins em Washington e na
Virgínia para contratar trabalhadores negros não conseguiram atrair mais de 125
interessados. A tarefa poderia ser mais bem-sucedida, dado o grande número
desses trabalhadores desempregados naquelas áreas. Contudo, pesava na decisão
de recusar a oferta de trabalho o fato de que ainda existia a escravidão negra
no Brasil. Temiam que aqui fossem escravizados (apud BARBOZA, 2013, p. 179).
Para reforçar o quadro de trabalhadores foi encomendado
ao sr. José Paulino von Hoonholtz a contratação de mais 600 indivíduos (GALVÃO,
1878, p. 57). Esse empresário havia residido no Ceará e possuía interesses
comerciais vinculados à empresa que fornecia água potável para a capital
daquela província (FIGUEIREDO JÚNIOR, 1863, p. 19). Assim, os trabalhadores
foram recrutados no Ceará e partiram de Fortaleza ainda em 1878 a bordo do
Purus, vapor da Marinha de Guerra Brasileira. Vinham alguns de diversas
localidades do interior do Ceará e outros das províncias vizinhas. Todos fugiam
de uma das enormes secas que assolaram o nordeste brasileiro nos anos de 1870.
Ficavam arranchados no subúrbio da capital, aguardando uma solução para seus
problemas, onde foram recrutados. O recrutador receberia US$ 1,30 por dia de
trabalho dos recrutados e o transporte desses trabalhadores para o norte seria
pago com verbas dos “Socorros Públicos”.
Embora a maioria dos trabalhadores fosse solteira,
seguiam junto quarenta esposas dos operários, que serviriam como cozinheiras,
além de quarenta crianças dessas famílias. Alguns trabalhadores seguiam sem as
esposas, mas acompanhados de outros parentes, filhos adultos e irmãos. Além dos
braçais iam também vinte apontadores de turmas. Apesar de ser combinado que a
empresa ferroviária proveria o crédito em Belém para a obtenção de alimentos
para os recrutados, tal não ocorreu. A recusa dos comerciantes paraenses em
fornecer esses víveres gerou a revolta dos recrutados. A demora em sair de
Belém para Santo Antônio aumentava a exasperação dos trabalhadores. Em setembro
de 1878 o Purus ainda estava no porto de Belém sem poder prosseguir em razão da
vazante do rio Amazonas (CÂNDIDO, 2014, pp. 47-48).
Seguiram no vapor Canuman e, segundo Craig,
chegaram a Santo Antônio apenas 300 ou 400, bastante debilitados em razão de
uma epidemia de varíola (1947, p. 367). Note-se que 115 cearenses desembarcaram
em Belém, desligados da expedição por Hoonholtz em razão de uma rebelião dentro
do navio promovida pelos trabalhadores insatisfeitos quanto ao tratamento
recebido, especialmente a alimentação (CÂNDIDO, 2014, p. 45).
Ao chegar o vapor Canuman a Santo Antônio trazendo
os trabalhadores cearenses o desastre do empreendimento já estava selado. Em
novembro de 1878 o presidente da província do Amazonas visitou aquele povoado.
Observou ali que os trabalhadores estavam insatisfeitos em razão no atraso dos
seus pagamentos. Collins declarou não possuir recursos para honrar esses
compromissos. Terminado o tempo do contrato dos trabalhadores norte-americanos
e italianos que vieram com a primeira leva poderiam retornar às suas casas.
Porém, muitos ali ficaram aguardando seus proventos, apesar da promessa de que
ao chegar aos E.U.A. seria efetuado o pagamento.
Desenho de PercyLau.
Fonte: Geografia da Fome, de Josué de Castro.
Atritos
com Hoonholtz relativos ao computo das horas trabalhadas aumentavam os
problemas. 76 cearenses doentes retornaram a Manaus no vapor Juruá. (GALVÃO,
1879, pp. 39-42).
A fome era uma constante, mesmo entre os trabalhadores
norte-americanos. Os cearenses tiveram que adquirir do armazém da empresa
ferroviária alimentos a preços bastante majorados, o que era de estranhar ao
sr. José Paulino porque a empresa possuía isenção de impostos de importação. O
clima de tensão em razão da revolta anterior agravava-se, pois havia sete meses
que os trabalhadores não recebiam seus salários.
Desenho: ÉdouardRiou.
Fonte: CREVAUX, 1883, p. 331.
O temor de que também não fossem pagos fez com que
os cearenses parassem de trabalhar, desistindo do intento após a intervenção do
recrutador. Aumentando a penúria dos homens o próprio Collins resolveu fornecer
aos trabalhadores alimentos e medicamentos. Logo depois suspendeu o
fornecimento. Posteriormente o contrato com José Paulino Von Hoonholtz foi
desfeito. O recrutador propôs então a esses trabalhadores contratá-los
diretamente ao preço de três mil réis por diária dos quais seriam debitados
dois mil réis a título de despesas com alimentação. Muitos desses cearenses
ficaram doentes e, não recebendo o salário, não tinham como sair de Santo
Antônio (CÂNDIDO, 2014, pp. 45-48).
A catástrofe já era visível em Santo Antônio,
lutando com a falta de recursos e doenças já no final do ano, em novembro, o
número de cearenses trabalhando era de 325. Os salários deixaram de ser pagos,
impedindo a muitos, inclusive norte-americanos, de saírem do local. Os que
conseguiram sair foram para Belém ou Manaus conforme informou o barão de
Maracaju a chegada de 122 cearenses na capital do Amazonas. Aproximadamente 300
norte-americanos foram para Belém onde viveram da caridade pública até
conseguirem retornar aos seus lares. Finalmente, cem desses cearenses foram
contratados para trabalhar na localidade do Crato, no rio Madeira, levados por
Hoonholtz para servir ao seringalista boliviano D. Santos Mercado (CÂNDIDO,
2014, pp. 48). Do destino das mulheres e crianças transportadas no Purus e no
Canuman não encontramos notícias.
Extraído
do livro Estudos de História da Amazônia. Vol. II (2ª. Ed. Porto Velho:
Rondoniana 2016) de autoria de Dante Ribeiro da Fonseca.
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