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Hiram Reis e Silva

A Disciplina e a Lealdade Por Hiram Reis e Silva (*)


A Disciplina e a Lealdade  Por Hiram Reis e Silva (*) - Gente de Opinião

Bagé, 02.05.2023

 

Repercuto o artigo de meu caro Amigo, Irmão e Mestre Higino Veiga Macedo.

A Disciplina

(Higino Veiga Macedo)

[...] A disciplina militar prestante

Não se aprende, Senhor, na fantasia,

Sonhando, imaginando ou estudando,

Senão vendo, tratando e pelejando.

Camões - Canto X – Estrofe 153.

Há tempo tento aprender e entender sobre DISCIPLINA. Entendê-la, mas sem as definições não muito cuidadosas dos dicionários, hoje muito ideoló­gicos e até partidários. A Disciplina é parte da estrutura moral da atividade militar, junto com a Hierarquia, dizem muitos estudiosos.

É fácil entender HIERARQUIA porque ela é um estamento de responsabilidades e deveres e são, em qualquer circunstância, codificadas. São níveis de res­ponsabilidades numa sequência de subordinação. Reco­nhecê-la e entendê-la faz parte da DISCIPLINA.

A DISCIPLINA e a HIERARQUIA, como já dito, são fundamentos morais como dois apoios, colunas, da “atitude militar”. Eu criei mais um elemento moral – a Lealdade – não como coluna e nem só para quebrar a instabilidade que a díade permite, mas como blindagem impermeabilizante das duas colunas. Poderia até consi­derá-la uma terceira coluna, como fator de estabilidade que a tríade permite. Mas fugiria da tradição do Exér­cito e do Povo brasileiros.

Há tempo também escrevi sobre a leitura errada que algumas pessoas, incluídos alguns militares, fazem sobre Disciplina. Confundem-na com Obediência e até com Submissão.

ü Disciplina – é a subordinação consciente de coisas aprendidas;

 

ü Obediência – é a submissão cega pela subser­viência, submissão, escravização:

Temos de ver o preto como branco, se a Igreja assim determinar. (Carta de Ignácio de Loyola aos Jesuítas portugueses).

A Submissão tem etimologia extensa. É um elevado grau de subjugação que torna o submisso instrumento do subjugador para qualquer ação: legal, ilegal, religiosa ou não religiosa; moral ou imoral. É uma domesticação psicológica e obsessiva, perversas:

A ti Adolf Hitler ([1]), Führer e chanceler do Reich, presto juramento de fidelidade e de coragem. Eu te juro, a ti e aos chefes por ti designados, obediência até a morte. Que Deus seja testemunha. (Juramento das SS, na etapa final de admissão, dia 20 Abril – aniversário de Hitler).

Em um livro de autoajuda li e colhi esta definição: “Disciplina é fazer o que não é natural” ([2]). Nesta definição, entendi que disciplina se aprende a fazer, a ter, a estar. Não é um instinto. Não nasce com o indivíduo. É cultural.

Há nos dicionários que Disciplina tem a mesma etimologia de Discípulo. E os discípulos são sempre eternos aprendizes e seguidores.

Há na obra de Michel Foucault ([3]) toda a Terceira Parte dedicada à Disciplina onde ele repassa diferentes conceitos vindos dos quartéis, dos monastérios e das escolas. Locais onde se não houver disciplina não haverá o alcance de objetivos e competências. A ele é: - a consciência de fazer bem feito o que deve ser feito.

Há o muito conhecido Canto X, de Camões, sobre a “disciplina militar prestante” a que talvez mais me convença como definição. Registra o poeta a repre­ensão dura, direta, mas honesta, de Aníbal a Formião. Aníbal um prático, como sói acontece ao combatente. Formião, um filósofo, que “diante dele, com larga voz tratava e lia” sobre o que não sabia. Um teórico. Con­testa-o Anibal:

[...]não se aprende, Senhor, na fantasia... [...]

Aliás, opinar sobre o que não se sabe é tão comum nos dias de hoje, quando são chamados a opinar, sobre atividades militares, os ditos “especialistas”.

Ao longo da vida militar consegui entender a Disciplina. E meu entendimento passa muito próximo do que referenciei. A mim, a DISCIPLINA é a prática de qualquer missão, função, responsabilidade... com a dedicação vocacionada, sacerdotal, “mongeana”. É o professar a atividade.

Ao professar, se pratica a atividade como a uma religião não só fazendo, mas ensinando, aprendendo, corrigindo, informando como o PROFESSOR. A DISCI­PLINA é a ação professada. Portanto, ser feito sem o medo de imposições de fiscalizações, regras e leis. Não é cumprir o imposto por uma ordem de alguém.

Do que até agora procurei e encontrei, registro que disciplina não é a submissão domesticada: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Li que é uma aprendizagem e não algo instintivo. Li que é uma necessidade para atingir objetivos e competências.

Entendi que não é um método, uma atividade, apenas. Nem um assunto, um conhecimento – como a Matemática – cuja aprendizagem requer a disciplina.

Entendi que é A COMPREENSÃO DO MEU NÍVEL DE IMPORTÂNCIA NUM TODO. Para tê-la em nível de excelência, preciso: aprender, treinar, executar, dedi­car, criar, cooperar, orientar, corrigir, atualizar, de modo a me tornar útil e trazer benefício ao todo no qual estou inserido. O disciplinado, por si só introjeta sua importância em qualquer ofício.

Portanto, a um “disciplinado” não necessita um controlador. A um “disciplinado” não necessita de um contexto, pois solitariamente é capaz de agir. A um “disciplinado” não precisa de regras agudas, com penalizações, para sua eficiência e eficácia. A um “disciplinado” não precisa explicar sempre sua posição na hierarquia. Todo disciplinado é objetivo e consciente.

Não há disciplina consciente, com predito às vezes. Se não for consciente, não será disciplina e sim cumprimento de ordens.

Enfim, passei tantos anos procurando uma defi­nição e vim encontrá-la em Camões. Secularizou-a como excelência quando perpetuou a repreensão dada por Aníbal a Formião. Qualificou, a DISCIPLINA pratica­da, treinada, adestrada, ao superlativo. Coloco em for­ma de prosa o que facilita o entendimento:

De Formião, filósofo elegante,

Vereis como Aníbal escarnecia,

Quando das artes bélicas, diante

Dele, com larga voz tratava e lia.

A disciplina militar prestante

Não se aprende, Senhor, na fantasia,

Sonhando, imaginando ou estudando,

Senão vendo, tratando e pelejando.

Aprendi TUDO com Camões o que é DISCIPLINA.

A Lealdade

(Higino Veiga Macedo)

É de domínio geral, que a instituição militar se apoia em dois fundamentos morais: a Disciplina e a Hierarquia. Popularmente, consideram-na duas colu­nas. Elas constam de tratados, leis e estudos o que lhe dá uma dimensão real, objetiva, quase palpável.

Penso que existe o terceiro, e, também, impor­tante fundamento moral: a Lealdade. Numa acepção pitagórica, é lícito considerar que seja uma terceira coluna, para quebrar a instabilidade, da díade e se ter a estabilidade da tríade.

Entretanto, a Lealdade é sentimento, vontade, talante e daí ser virtual, abstrata, intangível. Concebo-a com fluidez plástica. Esta plasticidade fluida a faz material ligante na estrutura das outras duas. E dá-lhes têmpera que necessitam.

É difícil individualizá-la uma vez que está entranhada, misturada, amalgamada nas outras duas. É sempre tratada no campo filosófico e psicológico, sem constar das leis, dos regulamentos e de estudos. De­pois de entendida, se vê que sem ela, as outras duas ficam corroídas, minadas, falsas, porosas, inconsis­tentes e quebradiças. É a resina catalisadora, da estru­tura, que impermeabiliza.

A Lealdade é latente no homem. Será manifesta nele, quando for conquistada a sua confiança através da honradez, da sinceridade e do senso de justiça.

A Lealdade é um vetor, pois tem direção, sentido e quantidade. As direções são três: para os superiores, para os subordinados e para os pares (semelhantes). O sentido é bilateral, isto é, tem ida e volta. A unilateralidade nega-lhe a existência. A quantidade (valor) é mais complicada de explicar. Recorre-se à filosofia. Esta quantidade será a diferença entre o maior e o menor, pois, um sistema de medidas é sempre um padrão arbitrado pelo homem.

E qual será a quantidade menor e a maior, de lealdade? Bem, acho que a lealdade menor é para com o inimigo e a maior, para com a Pátria.

A Lealdade é FORÇA de líderes que ao usá-la nas três direções – para superior, para subordinado e para os pares, usa tal força com o mesmo valor, com o mesmo quantum.

Então, pode-se afirmar que a Lealdade, nas três direções, é formada por três “S”: - Superior; Subordinado e Semelhante.

Assim, há que se considerar a LEALDADE como o terceiro fundamento moral de sustentação da Insti­tuição Militar como importante elemento na manuten­ção e coesão dos outros dois fundamentos basilares: sem Lealdade, a Hierarquia é anarquia; sem Lealdade a Disciplina é caótica.

Conclusão

Conclusão tem vários significados. O que desejo não é o fechamento de conhecimentos. Um resumo. O que desejo é que seja ensinamento, moral, lição... [Sinônimo de Conclusão - Sinônimos (sinonimos.com.br)]. Como dito, busquei reproduzir o que pratiquei. Por ser experiência própria, não me “apóio” (com acento) em descrições particularizadas e teóricas que sempre tem muito do “dever ser” por quem nunca praticou o “ser”.

Para mim ficou assim estabelecido, depois de trinta e cinco anos de serviço militar, dos quais 14 anos amazônicos onde deixei cento e cinquenta quilômetros de estrada pioneira e contribui com mais de duzentos em asfaltamento. Ainda amazônico, comandei um Batalhão de Construção que para comandá-lo tive que transferi-lo por seis mil km de rio e mais quinhentos km de rodovia. Na Amazônia a saga começou como Segundo Tenente em unidades de construção até Tenente-Coronel. Como Coronel tive o privilégio de servir em Manaus e conhecer todos os pelotões de fronteira. Isso me permitiu conhecer de Pacaraima a Humaitá; de Marajó a Tabatinga. Esta bagagem me permite definições tais como:

ü  Líder fundamentado na coragem moral e no equilíbrio emocional;

 

ü  Líder militar está fundamentado no comandan­te de pelotão, para mim o “líder militar pri­mordial”, isto é: primitivo, inicial, primário, primevo, básico, basilar. ([4])

 

ü  Hierarquia fundamentada na Responsabili­dade;

 

ü  Disciplina pautada no domínio de seu ofício, pelo eterno aprendizado, praticado de forma professada;

 

ü  Lealdade como fundamento moral que amál­gama a hierarquia e a disciplina.

Por isso e muito por isso, nesta parte do planeta Terra, chamado Brasil, eu não só “vim, vi, venci”, mas como combatente “CHEGUEI, LUTEI, CONQUISTEI, FIXEI E PERMANECI”.

HIGINO VEIGA MACEDO

RIO, 02.SET.1990

 


(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    A Ordem Negra – Heinz Höhne – Biblioteca do Exército e Laudes Editores – Vol 79; Pub 404 – 1970 - Pag. 106.

[2]    O Monge e o Executivo – James C Hunter – Editora Sextante – www.sextante.com.br.

[3]    Vigiar e Punir – Michel Foucault - Editora Vozes – 27ª Edição – Trad de Raquel Ramalhete.

[4]    https://www.sinonimos.com.br/primordial/

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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