Terça-feira, 2 de agosto de 2022 - 07h08
Bagé, 02.08.2022
Mais
uma vez tenho a honra de repercutir um artigo de meu Mestre Higino Veiga Macedo.
A
FORMAÇÃO ACADÊMICA
(Cel Eng
Higino Veiga Macedo)
Até 1970, a formação acadêmica, na
Academia Militar das Agulhas Negras, era considerada como muito influenciada
pelo POSITIVISMO. As matérias do chamado ensino universitário eram fortes em ciências
exatas.
Desconfia-se que bem pouca gente sabia
o que exatamente significava POSITIVISMO. Parece que confundiam raciocínio
matemático com raciocínio cartesiano e estes com raciocínio positivista. Também
confundiam raciocínio matemático com raciocínio aritmético.
No início da década de setenta, a
maioria dos professores do ensino universitário, na Academia, lutavam para que
os Cadetes tivessem uma formação humanística. Argumentavam que a partir de Tenente
todo o trato no quartel seria de relacionamento humano. Assim o oficial teria
que dispor de técnicas das ciências humanas que lhe ajudasse a extrair de seus
homens o máximo de profissionalismo.
As notícias, que se tinham das
guarnições mais distantes, eram que o oficial teria que ter embasamentos
outros porque sempre seria, nesses lugares, o juiz, o padre, o médico, o
parteiro, etc., etc.
O presente ensaio pretende defender
que, para a formação intelectual do oficial do Exército, o militar de carreira
necessita ser matemático, para treinar a equacionar problemas; cartesiano, para
avaliar as soluções; e positivista, para tomar decisões.
O
MILITAR
O militar é o profissional da guerra. A
ele cabe defender sua nação ou submeter outra à vontade da sua usando o poder
militar de forma violenta. A guerra é a continuação da política, mas pelo uso
da violência. O treinamento profissional tem que estar voltado para fazer o
homem enfrentar o risco, o perigo e a morte com naturalidade de um
profissional. Isto não quer dizer que o militar tenha que ser uma máquina de matar,
um ser frio e cruel. O seu comportamento diante da morte tem que ser o de um
profissional. Terá que enfrentar a adversidade com frieza dominando o medo, o
pânico tanto os seus como os de seus subordinados e, quiçá, até de superiores.
A tomada de decisão tem que ser rápida e no instante requerido. Tomada de
Decisão esta conhecida como CONDUTA.
Para tanto, o raciocínio tem que ser
rápido e coerente. Nada mais importante que treiná-lo com exercícios
matemáticos.
A
MATEMÁTICA
Desde a antiguidade, entenda os
pitagóricos de todas as gerações, que os homens treinam para o raciocínio rápido
através da matemática. Nela, adrede se sabe o resultado que se quer. A
dificuldade reside na montagem da equação do problema. Equacionado o problema
está resolvido o problema.
O exercício mental pode ser de tal
ordem que o homem pode praticá-lo mesmo longe de instrutores. Pela matemática o
homem acostuma a acreditar em modelos teóricos como são as diversas doutrinas na
arte da guerra. Todos sabemos a impossibilidade de se testar doutrinas de
combates, usando munição real, entre tropas amigas. O militar tem que acreditar
que a doutrina é verdadeira, pois, quem a escreveu o fez estudando conflitos
passados com perdas de preciosas vidas. É a mesma crença que nos faz crer na
velocidade da luz, no tamanho do universo, na idade a terra etc., etc., etc.
O treinamento da inteligência, pela
matemática, não quer dizer o uso primário de raciocínio que a aritmética
permite. Não é o uso abstrato dos números. Cita HORTA BARBOSA do terceiro e
último ensaio de DESCARTES “Regras para a
Direção do Espírito” o seguinte trecho: “As matemáticas, escreve Descartes, têm invenções sutilíssimas que
servem tanto para satisfazer os curiosos como para facilitar todas as artes e
diminuir o trabalho humano” ([1]).
O
CARTESEANISMO
O Discurso do Método, que é o método
para busca de solução de problemas novos, foi criado por Descartes para uso
próprio. Graças à sua simplicidade passaram a usá-lo como ferramenta para
solução de todos os problemas. É, em verdade, um método analítico que se bem
conduzido pode levar a conclusões acertadas. Convém ressaltar que jamais Descartes
disse que era para se duvidar de todas as verdades. Particularmente por ser ele
um Cristão.
Disse, isto sim, que o que se tem por
verdade deve ser analisado para saber se ainda o é. Portanto o raciocínio cartesiano
é um eterno analisar para descobrir as validades das verdades. Com a dialética,
que é válida para as formulações ideológicas, está sempre trazendo novos
conhecimentos e valores.
O raciocínio para ser cartesiano determina
que o TODO seja destrinçado, analisadas as partes, integradas e estabelecido um
NOVO CONHECIMENTO. É uma maneira rápida para se formular respostas para
problemas em todos os níveis.
Os problemas militares são todos
factíveis pelo raciocínio cartesiano. O próprio planejamento da guerra, que no
Exército começa com o ESTUDO DE SITUAÇÃO, é cartesiano.
Daí todos os militares terem a
necessidade de aprender e de continuamente estar praticando o cartesianismo. Particularmente
em combate. Ali as formulações terão ter alta probabilidade de acerto, pois o
chefe estará tratando não de coisas, mas de vidas que lhes foram confiadas. Neste
momento estará o líder “buscando soluções”.
E lhe basta uma que resolva o problema.
Portanto negar a prática e o uso do
raciocínio cartesiano por toda a vida militar é desconhecer o método, a sua
importância e a sua necessidade. Alegar que o militar é antes de tudo um
condutor de homens e por isso terá que ser um ente que aja com emoções, é
desconhecer a finalidade do militar na sociedade (semiologia militar) e as
condições anormais vivido em tempo de paz. Embora em paz, o militar “tem que estar preparado” para a guerra.
É a prática constante do cartesianismo
que levará o militar a atualizar as doutrinas, os procedimentos, a eficiência
e eficácia dos materiais, a formação dos recursos humanos, as hipóteses de
guerra ([2]),
em fim, tudo o que se referir à sua profissão.
O
POSITIVISMO
O pensamento positivo foi percebido já
entre os gregos. Aristóteles foi um dos primeiros a afirmar “que nada há no entendimento que não haja
passado pelos sentidos”. Antes, na escola pitagórica, diz HORTA BARBOSA, “ao lado de suas componentes místicas,
prosseguiu aquela tradição positiva, recorrendo à observação e até mesmo à
experiência”.
Embora Auguste Comte tenha extrapolado
formando, a partir da filosofia positiva, uma religião, a sua parte idealista (ou
ideológica como queiram) levaram os enciclopedistas a dela fazer uso. O
pensamento positivo permite ao homem a decidir com racionalidade.
Elimina a componente emocional (teológica
e metafísica) e agiganta a componente racional (positiva) sem, contudo fazer do
responsável pela decisão um materialista, um calculista desalmado. O homem
decide após passar o problema pelo crivo da RAZÃO. Há uma ideia errada de que o
positivista era pacifista. Sempre foi racionalista e empirista, como prescrevia
John Locke e os demais empiristas ingleses. A qualquer militar, em qualquer
nível de execução, terá que usar a razão – a doutrina de guerra... um
racionalista.
Como poderá ele decidir e determinar
que alguém cumpra uma missão que custará a vida! Com certeza não será com a
emoção. Terá que ter intenso treinamento – o adestramento... um empirista. Quando
se vê, em qualquer nível, um militar conferindo algo, quer venha de
subordinado, quer venha de superiores, nada mais está fazendo que usar o
positivismo na sua esfera de atribuições: conferir. E conferir não é
desconfiar: é certificar se não há erro (que pode custar vidas).
Quanto menor for o nível decisório,
maior será a necessidade do pensamento positivo ( racional e empírico). Com
isso se quer dizer que entre os sargentos e os oficiais, até capitães, a
assertiva é muito mais verdadeira. Daí ser inadiável a revisão da formação da
AMAN e da EsSA hoje, equivocadamente, muito voltada para ciências humanas. É
comum, oficiais de hoje, comentar que Cadetes, quase aspirantes, chamam-lhes de
TIO. A formação humana também está forte nas escolas de primeiro e segundo
grau. É necessária que ela seja minimizada nas escolas militares. Se não
veremos, mais vezes, Tenente comandante de pelotão chorando porque seu soldado
quebrou a pernas quando caiu em um buraco numa patrulha noturna (acontecimento
pessoalmente vivido pelo autor, quando comandante).
A
FILOSOFIA
A partir de quando o militar terá que
ter uma visão mais humana e filosófica de sua profissão? Com certeza não poderá
ser na AMAN e ou EsSA. Ali por serem escolas de formação têm que ser
eminentemente técnicas e treinadas – a prática (racional e empírica).
Para os oficiais a partir da EsAO é que
caberá ministrar, incentivar, promover e facilitar a formação filosófica do
militar. A escola corresponde ao curso de pós-graduação dos cursos
universitários. Aí terá que haver um equilíbrio entre a execução e a filosofia.
Mais que nunca terá que ser cartesiano, entender “o porquê” do “tem que ser”; entender sua função na
sociedade; sua posição na sociedade e sua importância na sociedade.
Na ECEME o oficial estará fazendo o seu
doutorado. O curso terá que ser mais filosófico que de execução. Infelizmente,
até a história militar foi tirada. Nada mais é tratado sobre a geopolítica. A
estratégia é apenas uma nuvem tênue. Não se sabe mais o que é a tropa blindada
e porque tê-la em combate. Porque se tem tropa mecanizada. Não há fórum de
discussão sobre os conhecidos gênios da arte da guerra. Não se fala ou discute porque
a democracia é boa ou má; porque república ou monarquia; porque presidêncialismo
ou parlamentarismo. E, o pior, como militar, onde se posicionar por ser ele o
braço defensor da nação. No CPEAAEX por todos os motivos terá que primar pelos
aspectos filosóficos dos temas militares e dos que afetam ou influenciam tais
temas. É o Ph D da profissão militar. A partir dele não se pode mais citar
Clawsewitz, Sun Tsu e Maquiavel apenas pelo “ouvi falar”.
CONCLUSÃO
O mundo, nesta última década, passa por
enormes transformações. Muitas delas parecem ser novidades. Mas, por se ter
perdido o referencial devido a várias mudanças, às vezes açodada, são retornos
às origens.
Não que isso represente retrocesso, mas
gesto de humildade para reconhecer que houve enganos e equívocos e, assim,
retomar o caminho seguro da modernização no que for possível modernizar;
atualizar o que não for necessário modernizar; e conservar o que for necessário
conservar para que não haja uma ruptura com o passado e com as verdades imutáveis
do universo. Qualquer que seja a evolução e a modernidade atingida pelo mundo
sempre haverá uma guerra, um conflito. Negar isso seria negar o animal que o
homem é; é negar a liberdade de pensar; é negar a ambição do homem, pois se
assim não o fosse não teria saído das cavernas.
O militar tem que estar preparado todos
os dias de todos os anos enquanto militar for. O desempenho profissional necessita
de embasamentos diferenciados nos diferenciados momento da carreira.
Diferentemente dos profissionais liberais e outros que, desde que saem do curso
de formação, exercerão a mesma rotina profissional, até a morte. A profissão
militar é singular. O superior, para o militar, não é um chefe. É um comandante
que poderá conduzi-lo à morte. O superior, para um outro profissional, é o
chefe que terá de usar técnicas que modifique o comportamento humano para que o
subordinada produza melhor. Há que usar ciências humanas. Qualquer que seja a
tecnologia da guerra sempre terá um militar na guerra.
(*) Hiram
Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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