Segunda-feira, 13 de setembro de 2021 - 06h00
Bagé, 13.09.2021
28.02.1914
- Relata Rondon -
28.02.1914 – Daí prosseguimos
às 8 horas da manhã imediata. Percorridos 14.778 m, encontramos do lado direito
da barra de um Ribeirão, com 21 m de largura e 4 de profundidade, que
reconhecemos ser o Festa da Bandeira, nome com que designamos, desde 1912, as
águas de uma cabeceira, denominada Carumixaru pelos Nambiquara. Terminamos os
trabalhos desse dia, 1.750 m abaixo dessa barra, ou sejam 25.842 m a contar da
Ponte da Linha. (RONDON)
- Relata Roosevelt -
28.02.1914 – Na manhã
seguinte, as 2 canoas do levantamento largaram logo depois do café. Uma hora
mais tarde os dois pares de canoas ligadas seguiram em frente. Eu retive nossa
canoa atrás a fim de que Cherrie pudesse colher espécimes, pois nas horas
matinais ouvíramos os cantos de certo número de aves na mata próxima. Os mais
interessantes que matou foram um cotinga ([1]) de um
azul-turquesa brilhante, com o pescoço vermelho magenta e um grande pica-pau ([2]) de
dorso preto e ventre cor de canela, com a cabeça e pescoço inteiramente
vermelhos.
Eram quase 12h00 quando partimos. Vimos mais outras aves e rastos frescos
de antas e pacas num lugar em que desembarcamos. Ouvimos uma vez bugios no
fundo da mataria e avistamos uma grande lontra no meio da corrente. Fomos descendo,
ora derivando, ora remando pela correnteza suja e redemoinhante, entre o verde
vivo da floresta tropical molhada pela chuva.As árvores pendiam sobre o Rio de
ambos os lados. Quando eram muito altas, as que caíam ao Rio em algum lugar
estreito, ou quando acontecia caírem duas de margens opostas, formavam-se
barreiras que os homens das canoas da frente abriam a machado.
Havia muitas palmeiras, tanto buritis com suas folhas espalmadas como
enormes leques, como uma bela espécie de bacaba, com ramos longuíssimos
harmoniosamente encurvadas. Em certos lugares as palmeiras apareciam em moitas
cerradas, altas e esbeltas, com os troncos em grandiosas colunatas e os ramos
das folhas formando uma cúpula rendilhada arqueada contra o azul celeste.
Borboletas de inúmeras cores esvoaçavam sobre as águas.O dia era sombrio, com
bátegas ([3]) de
chuva, e, quando o Sol fulgia entre frestas nas nuvens, seus raios douravam a
floresta. Ao meio da tarde, chegamos à Foz de um caudaloso e rápido afluente
que desembocava à direita.
Era sem dúvida o Festa da Bandeira que havíamos atravessado bem pelas
cabeceiras, dez dias antes, ao nos dirigirmos para José Bonifácio. Os
Nambiquara haviam informado o Coronel Rondon de que ele caía no Rio da Dúvida.
Depois da junção, o Rio se alargou com o volume d’água do tributário, sem
perder em profundidade. Estava tão cheio que transbordava por entre a mata nos
lugares baixos. Somente os pontos mais altos estavam a seco. Nas barranceiras ([4]) a
prumo, junto às quais parávamos, tínhamos de empurrar as canoas por espaço de
alguns metros através da galhada das árvores submersas, abrindo passagem a
machado. Em algumas enseadas e remansos, de onde a corrente se afastara,
viam-se altas capituvas ([5]).
Naquela tarde, acampamos numa coroa plana de terreno enxuto, de mata
densa, é claro, logo acima da barranca e a quase 2 m acima do nível da água.
Dava prazer presenciar a maneira fácil e vigorosa com que os foiceiros faziam
um roçado para as barracas. No dia seguinte, quando nos banhamos antes de o Sol
nascer, mergulhamos em água profunda mesmo junto à margem onde amarráramos as
canoas. Naquele segundo dia, percorremos 16,5 km pelo Rio, o que representava
quase nove em linha reta para o Norte. (ROOSEVELT)
- Relata Cherrie -
28.02.1914 – Nos últimos
acampamentos, coletei uma dúzia de aves, e preparei suas peles. Nossa rota
hoje, depois de fazer incontáveis voltas e mais voltas, inicialmente seguindo
direção Oeste, logo depois, a Este, nossa a direção geral apontava para o
Norte. Vimos apenas um ou dois galináceos – nenhum outro animal foi avistado. Foi
um dia muito agradável, apenas um pouco chuvoso. Todos os acampamentos são
identificados com marcos de madeira de lei, nos quais são pintadas a data, a
distância a partir do ponto de partida, o número do Acampamento e outros dados.
Trilhas de anta e outros animais foram avistadas em abundância nas cercanias do
Acampamento. (CHERRIE)
01.03.1914
- Relata Roosevelt -
01.03.1914 – Choveu muito,
algumas vezes simples chuviscos, outras vezes pancadas fortes. Nossa rota foi
um tanto para Noroeste e vencemos 20,5 km. Passamos por vestígios de habitações
de índios, abrigos de folhas de palmeiras abandonados aos dois lados do Rio. Na
margem esquerda, encontramos 2 ou 3 roças antigas de índios, cheias de
esqueletos de árvores queimadas e invadidas pelas samambaias. Na Boca de um
Ribeirão que entrava pela direita, algumas varas fincadas n’água indicavam o
lugar de um antigo pari ([6])
de apanhar peixes.
Em um ponto achamos um grosseiro corrimão de cipós de uma ponte dos
índios, atravessando o Rio a uns 60 cm de altura sobre a água. Era evidente que
a pinguela fora construída com as águas baixas. Três fortes estacas tinham sido
fincadas em fila no leito do Rio, em ângulo reto com a direção da corrente. A
ponte consistira em paus amarrados àquelas estacas – ligando as três entre si e
as estacas extremas aos barrancos. O cordame de grossos cipós fora estendido
para servir de corrimão, indispensável com tão precário apoio para os pés. A
enchente levara a ponte, mas as estacas e o corrimão continuaram no lugar. Pela
tarde, Cherrie, embarcado na canoa, matou um grande macaco cinza-escuro ([7]),
com cauda preensora.
Tinha uma carne muito saborosa. Abarracamos num plano enxuto, só alguns
palmos acima do nível do Rio, de modo que nosso banho e nado eram fáceis. O
mato foi roçado e o acampamento arranjado com rapidez metódica. Um dos homens
quase pisou em uma cobra coral verdadeira, o que seria coisa séria, pois ele
estava descalço. Felizmente eu tinha calçado de grosso couro, e as presas dessa
cobra – diferentes das de todas as víboras – são por demais curtas para furar
couro forte. Prontamente lhe pus a bota em cima e ela a picou sem que seu
veneno me pudesse causar dano.
Tem-se afirmado que os tons brilhantes da cobra coral dão-lhe em seus
esconderijos habituais uma coloração dissimulante. No mato escuro e emaranhado
e, em menor grau, na paisagem variada comum, qualquer coisa imóvel,
especialmente se estiver meio oculta, ilude facilmente o olhar. Mas contra o
fundo escuro do chão da mata onde encontramos aquela coral, sua cor clara e
brilhante era distintamente reveladora; infinitamente mais, que o escuro
mosqueado ([8]) da jararaca e
de outras perigosas lachesis ([9]).
No mesmo local, entretanto, encontramos um exemplo típico de genuína
coloração e forma miméticas ou protetoras. Uma grande larva de inseto – pelo
menos assim a classificamos, sem ser nenhum de nós entomologista – se
assemelhava a uma folha seca parcialmente enrolada, o que era francamente de
surpreender. A cauda imitava o pedúnculo ou continuação da nervura central da
folha seca. O corpo achatado estava dobrado para cima nos bordos e tinha as
nervuras e a coloração exata de uma folha seca. A cabeça, da mesma cor, se
projetava para diante.
Estávamos ainda no planalto Brasileiro. A floresta não vibrava de vida e
era, ao invés, geralmente silenciosa; não ouvíamos o coro de aves e animais
como por vezes ouvíramos, mesmo em nossa passagem pelo altiplano, onde mais de
uma vez fomos acordados à madrugada pelos guinchos dos macacos, araras,
papagaios e periquitos. Vinham até nós, entretanto, de tempos em tempos, sons
singulares da mataria; caída a noite, várias espécies de rãs e insetos emitiam estranhos
gritos e apelos que pareciam crescer em volume e frequência até a meia-noite.
[...] Ali, as formigas carregadeiras devoraram por completo a camiseta do
Médico e abriram furos em seu mosquiteiro; além disso, comeram a correia que
suspendia a tiracolo a espingarda de Lyra. Muitas abelhinhas sem ferrão
enxameavam em quantidade tal, e tão insistentes eram, que tínhamos de usar o
véu de gaze à cabeça quando escrevíamos ou esfolávamos os espécimes.
(ROOSEVELT)
- Relata Rondon -
01.03.1914 – No dia seguinte,
1° de março, percorremos e levantamos uma extensão de 20.377 metros, apesar de
sermos muito incomodados por uma grande pancada de chuva que caiu desde às
11h00 até 13h00.
Nesse trajeto encontramos, primeiro, a Foz de outro Ribeirão, com a
largura de 15 m; e em seguida numerosos vestígios de Nambiquara, provavelmente
dos pertencentes ao grupo chamado Navaité. Dos vestígios a que aludimos,
mencionaremos: uma barragem para pescarias construída naquele Ribeirão, que por
esse motivo ficou conhecido como “Ribeirão
da Tapagem”; capoeiras de roças antigas; um porto com alguns ranchos
pequenos; e uma pinguela, muito comprida, ao longo da qual estava estendido um
cipó, disposto de maneira a servir de corrimão. (RONDON)
- Relata Cherrie -
01.03.1914 – [...] Hoje saímos
por volta das 11h00. Pouco depois de partir, começou a chover e assim
permaneceu durante a maior parte do dia. Passamos por algumas antigas clareiras
indígenas e uma “ponte”, ou melhor,
uma passarela – de cipós. Avistamos numerosos jacus, mas todos fora de alcance
de tiro. Pouco antes de chegar ao Acampamento, matei um macaco-barrigudo ([10]),
depois de acamparmos, esfolei-o. Antes de deixar o Acampamento na noite
passada, matei e esfolei ([11])
um pica-pau. Kermit é novamente vitimado pelas febres! Nosso curso geral, desde
o início, tem sido o Norte. (CHERRIE)
Bibliografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist
‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9
de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro
Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da
Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal
do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São
Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São
Paulo, 1976.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Cotinga: cotinga de garganta encarnada – Porphyrolaema
porphyrolaema.
[2] Pica-pau: pica-pau-de-topete-vermelho – Campephilus melanoleucos.
[3] Bátegas: pancadas.
[4] Nas barranceiras: nos barrancos.
[5] Capituvas: Rhynchospora áurea.
[6] Pari: armadilha de pesca que consiste de um tapume feito de
estacas, que atravessa o Rio de uma margem à outra, possui no centro uma única
abertura por onde os peixes entram e ficam presos em um cercado.
[7] Macaco cinza-escuro: Macaco-barrigudo ‒ Lagothrix lagotricha.
[8] Mosqueado:malhas escuras.
[9] Lachesis: surucucus.
[10] Macaco barrigudo: Lagothrix lagotrichia.
[11] Esfolei: eviscerei.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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