Sexta-feira, 24 de setembro de 2021 - 06h00
Bagé, 24.09.2021
07
a 09.03.1914
- Relata Rondon -
07 a 09.03.1914 – A mudança do 7° para o 8° acampamento
foi ser feita por terra, seguindo um caminho da extensão de 490 m, aberto na
mata, contornando a cachoeira. Esses trabalhos e 03 preliminares para a varação
das canoas fizeram-se no dia 7. A cachoeira constava de 2 saltos principais,
distantes um do outro 100 m, precedidos e seguidos de corredeiras perigosas. Os
degraus eram formados por um espigão de pórfiro vermelho, que atravessava o
leito do Rio normalmente à sua direção.
Reconheci, no dia imediato, que, abaixo do ponto escolhido para saída
daquele varadouro, era preciso abrir um segundo, com o comprimento de 180 m.
Apesar de nestes trabalhos se empenhar toda a boa vontade do Ten Lyra e do Sr.
Kermit, não foi possível termina-los antes do dia 10, Estes acontecimentos
causavam grandes contrariedades ao Sr. Roosevelt, que temia resultar de tudo
isso maior demora na terminação da viagem e portanto algum prejuízo para os
seus projetos de breve regresso aos Estados Unidos. Examinava constantemente o
desenho que íamos levantando do caminhamento diário, procurando prognosticar o
termo desta e de outras contrariedades.
Mas, apesar de tudo, não se afastava uma linha sequer do seu hábito de
escrever diariamente o registro das suas impressões de momento e mais algumas páginas
do livro destinado a divulgar o que estava vendo e passando nesta travessia dos
Sertões brasileiros. Além disso, dedicava algum tempo de cada dia para se
internar pela floresta, levando a sua espingarda. Nestas incursões, ia sempre
sozinho; e o mais frequente era voltar sem caça alguma, visto como, por sofrer
de miopia, não conseguia descobrir de longe os animais, os quais, por sua vez,
se espantavam e fugiam quando, procurando ele aproximar-se, ouviam o barulho
dos seus passos. (RONDON)
- Relata Roosevelt -
07 a 09.03.1914 – Passamos os
dias 07, 08, 09 a transportar as cargas, a arrastar por terra e lançar à água
as canoas, desviando-nos da série de corredeiras em cujo início havíamos
parado. No primeiro dia ([1]),
transferimos o acampamento para baixo daquela série de corredeiras, a 1,5 km
Rio abaixo. Era um local pitoresco e encantador, à beira d’água, havendo aí uma
pequena enseada com praia de areia compacta. No ponto médio da praia, se erguia
d’água um grupo de três palmeiras buritis, cujos grandes troncos se
assemelhavam a colunas.
Em volta da clareira onde ficavam as barracas existiam várias árvores
muito grandes, entre as quais duas seringueiras. Kermit desceu o Rio pelo
trajeto de 05 ou 06 km e voltou com um jacu, tendo verificado que no ponto que
atingira a ave, outras corredeiras ‒ quase uma Cachoeira ‒, exigiam que de novo
arrastássemos as canoas para outro transbordo.
Antônio, o Pareci, matou um grande macaco, o que me agradou, pois fazer
tais baldeações é serviço pesado, e os homens gostavam de carne. Até então
Cherrie havia reunido no Rio da Dúvida 60 aves, todas novas para a coleção e
algumas, provavelmente, para a ciência também. Vimos sinais frescos de pacas,
quatis e caititus, e Kermit, com os cães, levantou uma anta que atravessou o
Rio mesmo nas corredeiras, mas ninguém conseguiu atirar nela. Uma canoa bem
grande, com carga leve, conseguiria provavelmente descer por aquelas
corredeiras, exceto em um ou talvez dois lugares. Mesmo com tal canoa, porém,
seria loucura fazer a tentativa, no caso de uma Expedição exploradora, em que a
perda de uma canoa ou de sua carga seria um verdadeiro desastre; acresce que
semelhante canoa não poderia ser utilizada devido à impossibilidade de
arrastá-la nas baldeações, quando estas se tornassem inevitáveis. Quanto às
nossas canoas, não flutuariam nem meio minuto naquelas águas revoltas.
No segundo dia ([2]),
as canoas e cargas foram levadas para baixo das primeiras corredeiras. Lyra
abria a passagem e colocava os roletes de madeira, enquanto Kermit, com o
cadernal, arrastava as canoas da água para cima do barranco, à força de cordas
e músculos. Todos então juntavam as forças, pois, sobre aquele terreno
desigual, era necessário o esforço de todas as pessoas para se arrastarem as
canoas. Nesse ínterim, o Coronel com um ajudante media as distâncias e depois
seguiu para uma caçada demorada, mas não achou caça. Eu desci, acompanhando o
Rio por espaço de alguns quilômetros, e também nada encontrei. Na densa mataria
tropical da Bacia Amazônica é muito difícil caçar, especialmente para quem
esteja procurando atravessar a região tão depressa quanto possível.
Em uma viagem como a nossa, conseguir caça era, em larga escala, uma
questão de sorte. No dia imediato ([3]),
Lyra e Kermit desceram as canoas e cargas, com trabalho ingente, até à praia
das três palmeiras, onde estavam as barracas. Numerosas pacovas cresciam em
torno e os homens utilizavam suas folhas imensas, algumas com quatro metros de
comprimento por quase um de largura, para cobrirem os frágeis abrigos em que
armavam suas redes. Entrei na mata, mas, no emaranhado do cipoal, só por mero
acaso poderia enxergar algum animal de porte. Em geral, a mata era silenciosa e
deserta. De vez em quando, passavam pequenos bandos de aves de espécies várias
– pica-paus, papa-formigas, tangarás, tiranos – bem como na primavera e no
outono passam nas matas do Norte os bandos de toutinegras, gaios e pegas.
Sobre as pedras e sobre as frondosas árvores próximas do Rio, existiam
grandes orquídeas brancas e lilases – a sobrália ([4]),
de perfume delicado e agradável. Naquele ensejo, meus livros pareciam-me um
tanto indigestos e o dia talvez se me tornasse enfadonho, se Kermit não me
tivesse emprestado a seleta de poesias francesas de Oxford. Eustáquio Deschamp,
Joaquim du Bellay, Ronsard, o delicioso La Fontaine, o delicioso, porém
terrivelmente difícil Villon, a Guitarra de Victor Hugo, os versos de Madame
Desbordes-Valmore sobre a menina e o travesseiro, os versos mais delicados,
sobre uma criança, que se poderiam escrever – estes e muitos outros
confortaram-me bastante quando os lia, de gaze na cabeça e luvas, sentado em um
tronco, à beira do Rio desconhecido, na floresta amazônica. (ROOSEVELT)
10.03.1914
-
Relata Rondon -
10.03.1914 – Afinal, no dia
10, pudemos prosseguir o reconhecimento do Dúvida, para baixo daquelas
cachoeiras, cuja maior ficou com a designação de “6 de Março”.
Não chegamos a percorrer 732 m inteiramente desembaraçados; logo
encontramos outro rápido. Felizmente, nele existia um Canal por onde foi
possível varar as canoas, descarregadas; as cargas e as pessoas desceram por
terra a distância de 403 m, ao fim da qual se puderam embarcar de novo. Ainda
assim, a nossa marcha atrasou-se de três horas, que foi o tempo necessário para
concluir a passagem.
Ao rápido, demos o nome de Jacaré, por ter sido aí que, pela primeira
vez, avistamos, no Dúvida, um desses anfíbios ([5]).
A uns 607 m abaixo desse rápido, deparou-se-nos outro, que transpusemos sem
mais trabalho do que o de descarregar as canoas e fazê-las descer pelos canais,
tripuladas por um piloto e um proeiro. Como já fosse bastante tarde, o Sr.
Roosevelt opinou que deveríamos fazer alto e acampar. O levantamento acusou
para esse dia o insignificante percurso de 1.847 m; estávamos, pois, a mais de
102 km do ponto inicial da Expedição. O Rio apresentava-se-nos com a largura de
100 m, correndo através de solo em que aflorava a diábase ([6]).
Ao nosso 9° acampamento, estabelecido neste lugar, dei a princípio o nome de “Jacutinga Atirada”, mas, no dia
seguinte, tive de mudá-lo para o de “Quebra-Canoas”.
O motivo de semelhante substituição, foi o ter-se, durante
a noite, arrebentado a amarra de uma das balsas, que, ficando à mercê da
correnteza encachoeirada do Rio, se foi despedaçar de encontro às pedras. Assim
perdemos duas canoas e, para as substituir fizemos abater e escavar uma grande
árvore, da família das Euphorbiaceas, cuja madeira, denominada Tatajuba, é de
cor amarelada. (RONDON)
-
Relata Cherrie -
10.03.1914 – As duas últimas
das canoas foram arrastadas pelo varadouro “Rápidos
06 de março” e nossos equipamentos e suprimentos foram carregados ao
meio-dia. Nosso atual Acampamento fica a, mais ou menos, um quilômetro abaixo
do último, na margem direita do Rio. No entanto, fica abaixo de outra série de
três Rápidos.
Nós todos caminhamos. As cargas foram desembarcadas e transportadas no
primeiro e no terceiro rápido, mas foram carregadas nas canoas para ultrapassar
o segundo rápido. Ver os homens descerem a terceira série de Rápidos nas canoas
vazias foi bastante emocionante. Ao descer a menor das duas “balsas”, ela afundou e, para não
perdê-la, os barqueiros pularam na água e puxaram-na para a terra. A segunda
balsa, formada pelas duas velhas canoas, foi conduzida cuidadosamente e foi
passada próxima das margens e abaixo dos Rápidos. (CHERRIE)
Bilbiografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist
‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9
de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro
Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da
Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal
do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São
Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São
Paulo, 1976.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H