Segunda-feira, 22 de novembro de 2021 - 13h31
Bagé, 22.11.2021
(Francisco C. Mangabeira)
Fulge um astro na nossa bandeira,
Que foi tinto com sangue de heróis
Adoremos na estrela altaneira
O mais belo e o melhor dos faróis
Que
o bairrismo extremamente exacerbado de meus conterrâneos gaúchos me perdoe, mas
o mais belo Hino dos Estados brasileiros é sem dúvida o Hino do Acre ‒ um canto
de titãs, um hino vibrante e viril regido pela honra e pela glória e salpicado
por notas de coragem e desassombro.
Quem,
como eu, já teve a oportunidade de ouvi-lo e senti-lo nas plagas acreanas há de
concordar plenamente com o que digo. O Hino foi composto, no dia 05.10.1903,
na localidade de Capatará, situado acima do Igarapé Distração, zona rural do
Município de Capixaba, AC, em um acampamento onde Plácido de Castro estabelecera
o Quartel-General do seu exército, pelo Médico e Poeta baiano Dr. Francisco
Cavalcante Mangabeira que prestava atendimento à tropa. A música, por sua vez,
foi criada pelo maestro amazonense Mozart Donizeti que conhecia perfeitamente a
realidade e historicidade da região, pois residira nas cidades de Tarauacá e
Cruzeiro do Sul.
(Dr. Francisco Cavalcante Mangabeira e Mozart Donizeti)
I
Que este Sol a brilhar soberano
Sobre as matas que o veem com amor
Encha o peito de cada acreano
De nobreza, constância e valor...
Invencíveis e grandes na guerra,
Imitemos o exemplo sem par
Do amplo Rio que briga com a terra,
Vence-a e entra brigando com o Mar.
Estribilho
Fulge um astro na nossa bandeira,
Que foi tinto com sangue de heróis
Adoremos na estrela altaneira
O mais belo e o melhor dos faróis
II
Triunfantes da luta voltando,
Temos n’alma os encantos do céu
E na fronte serena e radiante
O imortal e sagrado troféu,
O Brasil a exultar acompanha
Nossos passos, portanto é subir,
Que da glória a divina montanha
Tem no cimo o arrebol do porvir.
III
Possuímos um bem conquistado
Nobremente de armas na mão
Se o afrontarem, de cada soldado
Surgirá de repente um leão.
Liberdade é o querido tesouro
Que depois de lutar nos seduz
Tal o Rio que rola, o Sol de ouro
Lança um manto sublime de luz.
IV
Vamos ter como prêmio da guerra
Um consolo que as penas desfaz,
Vendo as flores do amor sobre a terra
E no céu o arco-íris da paz.
As esposas e mães carinhosas
A esperar-nos nos lares fiéis
Atapetam a porta de rosas
E, cantando, entretecem lauréis.
V
Mas se audaz estrangeiro algum dia
Nossos brios de novo ofender,
Lutaremos com a mesma energia
Sem recuar, sem cair, sem temer
E ergueremos então destas zonas
Um tal canto vibrante e viril
Que será como a voz do Amazonas
Ecoando por todo o Brasil.
Dr. Francisco Cavalcante Mangabeira
Esta
biografia do Dr. Francisco Cavalcante Mangabeira, escrita por um de seus
familiares, figura como prefácio de sua obra “Últimas Poesias (Obra Póstuma)”, editado em Salvador, Bahia, nos
idos de 1906, pela Editora “Oficinas dos dois Mundos”.
Notas
Biográficas (pág. XI)
Francisco Mangabeira nasceu na capital da Bahia a 08.02.1879. Era filho
legítimo do farmacêutico Francisco Cavalcante Mangabeira e de D. Augusta Mangabeira,
já falecida. Feito o curso preparatório no Instituto Oficial do Ensino
Secundário, matriculou-se em 1894, com 15 anos de cidade, na Escola de
Medicina.
Por ocasião da terrível campanha de Canudos, Francisco Mangabeira, que
cursava então o 3° ano médico, fez parte da primeira turma de acadêmicos, que
ofereceram seus serviços gratuitos ao governo e seguiram para o campo da luta
crudelíssima.
Em 1898, publicou o seu primeiro livro de versos ‒ “Hostiário” ‒ que o sagrou vate ([1])
inspirado e ilustre cultor das letras. Antes disso, em 1896, o notável escritor
Múcio Teixeira ([2]) havia feito
pela imprensa na Bahia, como na Capital da República, uma apresentação ruidosa
e entusiástica do novo poeta baiano cuja lira vibrava ainda os seus primeiros
ensaios.
Em 1900, deu à estampa ([3])
a sua maravilhosa “Tragédia Épica”,
composta de uma série de admiráveis poemetos, que lhe inspirara a guerra que
tantas vidas consumira no interior do sertão. Neste mesmo ano, doutorou-se em
medicina, aos 18 de dezembro, tendo dissertado, na tese inaugural, sobre “Impedimentos do Casamento Relativos ao
Parentesco”.
A 16.03.1901, partiu para o Maranhão, como médico contratado da Companhia
Maranhense, conservando-se neste posto poucos meses, e dirigindo-se depois para
o Estado do Amazonas, cujo governo lhe deu importante Comissão nas regiões do
Juruá, Javari, Madeira, Negro, Purus, etc., que ele percorreu. Saudades
intensas da família e da pátria querida fizeram-no regressar à Bahia, em
24.12.1902, onde permaneceu até 02.04.1903.
Seguindo de novo para o Amazonas, com destino ao Acre, onde exerceu de modo
brilhantíssimo as funções de médico e de correspondente do Diário de Notícias,
enviando para este órgão da imprensa uma série de Cartas do Amazonas,
grandemente apreciadas pelo público baiano e transcritas em vários outros
jornais de diversos Estados da República.
Os serviços que Francisco Mangabeira prestou, espontaneamente ao Exército
Brasileiro [tendo encontrado em Manaus o 40° Batalhão de Infantaria,
impossibilitado de prosseguir a sua marcha em virtude da falta de médicos
militares, ofereceu-se para acompanhá-lo gratuitamente, e, durante alguns
meses, se conservou naquele posto, abrindo mão
a todas as remunerações a que fazia jus].
Nessa jornada de sacrifícios que o seu gênio patriótico e aventuroso, lhe
impôs, nas regiões inóspitas do Acre, conquistaram-lhe os aplausos dos chefes
da expedição, manifestados em honrosos ofícios e ordens do dia, publicados pela
imprensa.
Desligando-se de seus excepcionais compromissos, como médico gratuito das
tropas brasileiras, Francisco Mangabeira travou relações intimas com os chefes
revolucionários, merecendo da confiança deles ocupar o cargo de secretário da
revolução acreana, posto em que um raro talento, e um raríssimo civismo o
fizeram nobilitar o seu e o nome da pátria. (MANGABEIRA, 1906)
Reporta-nos
Isaac Melo em um belo artigo intitulado “Francisco
Mangabeira: Um Poeta Baiano na Revolução Acreana” editado no Site Alma
Acreana, no dia 28.02.2011.
Hino
acreano
[...] Plácido de Castro organizava seu exército em pontos estratégicos do
Acre Meridional, pronto para nova luta conforme o resultado das confabulações
diplomáticas entre os dois países.
No Seringal Capatará estava assentado o Quartel-General de Plácido. Ao
fundo do barracão erguiam-se as barracas de lona, a alojar os soldados. Numa
delas está Francisco Mangabeira. Desde que cessara os combates aí passara a
atender os feridos da guerra e à população ribeirinha que o procurava.
É nesse ambiente, impressionado pela natureza, pelo ideal de liberdade,
pelos combates e pelo sentimento da terra que o jovem poeta comporá, em
05.10.1903, o magnífico poema que se tornará o Hino Acreano.
Aproximava-se o término do “modus
vivendi”. O poeta encontrava-se, com a tropa, acampado em Boa Fé. Estavam
irrequietos e decididos: ou o Acre seria do Brasil, ou recomeçaria a luta. A
tropa, a 21 de outubro, fora reunida diante do mastro do qual pendia a bandeira
acreana.
Conta, em carta, Francisco Mangabeira:
A meio dia, pouco mais ou menos, reunida a oficialidade, resolve-se
mandar imediatamente cem homens para o Gavião. Antes disso, porém, com uma
cerimônia tocante, foi lido o Hino do Acre.
Pela voz do próprio poeta pela primeira vez o Hino Acreano percorria as
matas e o coração daqueles caboclos titânicos, num misto de alegria e
esperança. (MELO)
MANGABEIRA, 1906: Em princípios de Novembro, Mangabeira veio a enfermar,
acometido por moléstias de pele. Achava-se ele, por este tempo, em Capatará.
Quando se levantou do leito onde permaneceu longos dias, o seu semblante pálido
e esquelético já refletia a pobreza de um organismo exausto. Aconselharam-no a
regressar para Manaus. Ele, porém, não quis. Sentia-se forte e plenamente capaz
de percorrer a rota planejada, indo ter aos extremos das águas do Xapuri. E
fez-se de viagem para cima. Pouco adiante, o impaludismo o assaltava.
O corpo depauperado não pode resistir a novo embate. Desde então, ele
começou a definhar. Um dia, um seu amigo, de passagem naquela terra mefítica ([4]),
encontrou-o doente no abandono. Ofereceu-se para levá-lo a Manaus. Ele aceitou.
A 31.12.1903 partiu do lugarejo. A 10.01.1904, chegava à Capital do
Amazonas, depois de uma viagem penosíssima, em que passara dez dias a bordo de
um calhambeque, em condições de higiene e de conforto, suficiente para levarem
ao leito os próprios vigorosos e sadios. Chegou à noite em Manaus. No outro
dia, pela manhã, corria toda a Cidade e a imprensa assinalava com palavras de
piedade e carinho, a notícia de sua volta do Acre em perigoso estado de saúde,
que ainda se agravara na travessia daqueles Rios infectos, fermentados pela
morte.
Hospedou-se num hotel. Os primeiros amigos que o foram visitar demoraram
estupefatos diante de sua fisionomia, onde boiava a imagem de um crepúsculo
nascente. Em todo o caso, seus lábios só tinham palavras de alegria e afeto, de
saudações e lembranças.
Sentia-se forte, aquele mal era insignificante, havia de passar como
outros que se foram... No dia imediato, um seu grande amigo e colega, Dr.
Vivaldo Lima, foi buscá-lo do hotel para a casa de sua família. Ali, recebeu
ele as homenagens do afeto, que conquistara no seio da sociedade amazonense,
onde estivera longos meses e em cuja imprensa colaborara de contínuo. Foi logo
planejada uma conferência, na qual tomaria parte grande número de clínicos. O
diagnóstico acusou polineurite palustre, que encontrando um organismo exausto,
o dominara de todo. Urgia o tratamento, que, infelizmente, parecia inútil...
Mangabeira, no entanto, julgava-se ainda forte. Era seu grande desejo partir
para a Bahia, onde, no conchego do lar, havia de tratar-se. Todos os dias, a
toda hora, a todo instante, quem quer que se lhe abeirasse do leito, havia de
receber-lhe dos lábios palavras comovedoras, que eram pedidos de informação
sobre os vapores que iam seguir para o Sul, sobre o motivo porque o não tinham
embarcado – a ele, que tinha tanta certeza de que ia ficar bem no seio de sua
família, aos ares de sua terra... Enfim, como falhassem todos os recursos,
deliberaram embarcá-lo para a Bahia, satisfazer a ilusão, que tanto o
acalentava.
A 22 de janeiro (1904), partiu
de Manaus o paquete S. Salvador. Anunciaram-lhe a viagem. Ele rejubilou-se,
começou a fazer as despedidas, oferecendo seus préstimos, prontificando-se a
conduzir objetos e correspondências. No dia aprazado, logo pela manhã, compareceu
o comandante da polícia, seu particular amigo, acompanhado por polícias,
trazendo uma grande maca para conduzi-lo até a bordo. Esse transporte foi
concorridíssimo. Médicos, bacharéis, engenheiros, farmacêuticos, jornalistas e
poetas; grande número de colegas, patrícios, amigos e admiradores do inditoso
poeta enfermo acompanharam-no tristemente até o seu beliche.
O Comandante do Distrito, que lhe conhecia de perto os inolvidáveis
serviços prestados às forças militares nos acampamentos do Acre, foi até lá
cumprimentá-lo. As despedidas foram feitas entre lágrimas, que se contrastavam
com os seus sorrisos de saudações, de oferecimentos e agrados. Do Amazonas para
o Pará, foi piorando pouco a pouco, malgrado a atividade do profissional de
bordo, Dr. Álvaro Rego, e do cuidadoso enfermeiro, Eugênio de Barros,
especialmente contratado para servi-lo durante a travessia. Conservava a
razão, por isso que correspondia aos passageiros que iam visitá-lo. De quando
em vez, no entanto, apresentava indícios de uma grande fraqueza cerebral.
Quando alguém o chamava doutor ‒ ele respondia:
‒ Eu não sou doutor. Eu
sou poeta.
Uma feita, indo umas crianças visitarem-no ao camarote, encontraram-no de
pé, ficaram estupefatos e foram chamar o enfermeiro que, chegando, lhe
perguntou para onde ia, recebendo, então, a resposta seguinte:
‒ Para o Acre.
Num dos acessos nervosos que teve, lançou mão do anel, colocou-o entre os
dentes e separou a garra do aro, machucando-o. À primeira pessoa que apareceu
ao camarote disse então:
‒ Olhe. Não sou doutor.
Até o anel me roubaram. Eu sou poeta.
E, de fato, não tinha no dedo o anel, sendo este depois encontrado em sua
própria boca.
Perguntava de instante a instante em que lugar se achava, si longe ou
perto da Bahia. Sempre lhe diziam que perto, o que o fazia sorrir, alegre e
satisfeito. Quando a morte estava próxima, ele conheceu-a.
No dia 27, amanheceu pensando
na aproximação do desastre, a lembrança de pai e irmãos começou a afligi-lo,
dizia que, em casa, as suas irmãs estariam rezando para que ele chegasse bom. E
já ia alto o dia, quando, fortalecendo-se a visão da morte, ele exclama:
‒ Como é que morre um
poeta com vinte e cinco anos!
Recebeu ainda algumas visitas. Quando a última delas se retirou do
beliche, ele agarrou-se a um ferro do leito e soluçou:
‒ Morro sem abraçar meu
pai!
Minutos decorridos, o enfermeiro percebeu-lhe nos olhos os primeiros
sinais da morte. Chamou o médico. Este veio, mandando logo deitar-lhe a vela na
mão. E, assim, às 2 horas da tarde de 27
de janeiro de 1904, na altura de Gapuri, entre Belém e São Luís, a 18 horas
deste último porto, ele morreu, no beliche n° 106 do camarote número 40 do
paquete nacional São Salvador. Dadas as participações, vestiram o cadáver com
uma roupa parda e levaram-no para o xadrez de ré onde permaneceu até as 15h15,
coberto pela Bandeira Nacional.
O seu enterramento foi feito no cemitério de S. Luís do Maranhão. Foram
extraordinárias as sagrações com que, em todo o país, se assinalou o trespasse
do poeta. Na Capital Maranhense, o povo soube prestar-lhe grandes homenagens.
Abriu-se logo na imprensa uma subscrição para ser erigido sobre seu túmulo um
rico mausoléu. Como, porém, a família do extinto tencionasse transportar-lhe os
restos para o Cemitério do Campo Santo, na Bahia, ficou sobre a sua sepultura,
em vez de mausoléu, uma grande pedra mármore, onde, além das insígnias de
médico e poeta, o nome de Francisco Mangabeira se destaca, em grandes letras
doiradas, reverenciado, na morte, pela ‒ “Homenagem
do Povo Maranhense”. (MANGABEIRA, 1906)
Bibliografia
MANGABEIRA, Francisco. Ultimas Poesias [Obra
Póstuma] – Brasil – Salvador, BA – Oficinas dos dois Mundos, 1906. (https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4021?locale=en)
MELO, Isaac. Francisco Mangabeira: Um Poeta Baiano na Revolução Acreana – Site
Alma Acreana (https://almaacreana.blogspot.com), 28.02.2011.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é
Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
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Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
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