Segunda-feira, 13 de dezembro de 2021 - 10h00
Bagé, 13.12.2021
A força boliviana formou toda e a entrega das armas
começaria pelos oficiais superiores. Disse eu a D. Lino Romero que o nosso
ideal era a emancipação do Acre e que a cerimônia da entrega da espada do
vencido, conquanto fosse um ato muito apetecido pelos grandes exércitos, não
nos confortava o coração, porque era um ato que aumentava o infortúnio daqueles
já infortunados pela derrota.
(Plácido de Castro – MEIRA, 1961)
Luiz Galvez Rodrigues de Arias
Dr.
Galvez, advogado espanhol, poliglota, ex-diplomata, que havia servido nas
embaixadas da Espanha, Itália, Iugoslávia e Argentina foi recebido pelo
governador do Amazonas, Ramalho Júnior, e o seu secretário dos Negócios do Interior,
Pedro d’Alcântara Freire. Galvez relatou uma
falsa trama, urdida entre a Bolívia e os Estados Unidos da América do
Norte, com o objetivo de retirar do território amazonense as regiões banhadas
pelos Rios Acre, Purus e Iaco. O governador demonstrou certa incredulidade e
Galvez retirou do bolso uma folha de papel manuscrita. “Em Belém fui encarregado de traduzir um documento de alta importância
para o Consulado boliviano” e, passa a ler uma cópia que, prudentemente,
guardou consigo. O governador começa a se exaltar quando este leu os artigos 2°
e 6° do referido acordo.
Artigo 2° – Os Estados Unidos
da América do Norte se comprometem a facilitar à República da Bolívia o
numerário e apetrechos bélicos de que esta necessite em caso de guerra com o
Brasil.
Artigo 6° – No caso de ter que
apelar para a guerra, a Bolívia denunciará o Tratado de 1867, sendo então a
linha limítrofe da Bolívia a Boca do Acre, e entregará o território restante,
isto é, a zona compreendida entre a Boca do Acre e a atual ocupação aos Estados
Unidos da América do Norte em livre posse.
Após
o relato, Galvez solicitou apoio, em armas, munição e mantimentos para
organizar uma expedição de guerra com o intuito de constituir um Estado
soberano que, na época oportuna, voltaria a integrar o Brasil. Apoiado
financeiramente pelo governo do Amazonas, liderou uma rebelião no Acre no dia
14 de julho de 1899, aniversário da Queda da Bastilha. Fundou a República
Independente do Acre, justificando que:
não podendo ser brasileiros, os seringueiros acreanos não aceitavam
tornar-se boliviano.
Chamado
Imperador do Acre, assumiu o cargo provisório de Presidente, instituiu as Armas
da República, a atual bandeira, organizou ministérios, criou escolas,
hospitais, exército, corpo de bombeiros, exerceu funções de juiz, emitiu selos
postais e idealizou um país moderno para aquela época. Um golpe de estado em
seu governo, com seis meses de existência, o retirou do cargo, sendo
substituído pelo seringalista Antônio de Sousa Braga, que devolveu o poder a
Galvez, um mês depois. O governo brasileiro despachou uma expedição militar
composta por quatro navios de guerra e um outro conduzindo tropas de infantaria
para prender Galvez, e devolver a região aos bolivianos.
No
dia 11 de março de 1900, Luiz Galvez rendeu-se à força-tarefa da marinha de
guerra do Brasil, na sede do Seringal “Caquetá”,
às margens do Rio Acre, e partiu para a Europa.
Jornal do
Commercio, n° 248
Rio,
RJ – Quarta-feira, 06.09.1899
República
Independente do Acre
Quando aqui chegou a notícia da declaração da independência do Território
do Acre sob a inspiração do Sr. Luiz Galvez que, se dizia, habitara durante
algum tempo esta capital, encarregamos a um de nossos repórteres de tomar
informações sobre Galvez. Esse relatório, feito cuidadosamente e depois de
muitas pesquisas, é o que se segue.
Vem a molde publicarmos agora alguns e curiosos apontamentos sobre a
personalidade do Sr. Luiz Galvez o famoso proclamador da independência de uma
parte do Território boliviano no Acre e seu Presidente aclamado pelo consenso
geral da sua audácia de arrojado aventureiro e do não menos célebre seu
secretário ou coisa que o valha Guilhermo Hutoff. Luiz Galvez, nasceu em
Madrid, pertencendo à família Rodrigues de Arias, uma das principais da sociedade
madrilena. É sobrinho e foi grande protegido do Capitão General Rodrigues de
Arias, que ocupou elevadas posições civis e militares, entre outras a de
Governador Geral da Ilha de Cuba, onde fez uma administração brilhantíssima.
Luiz Galvez cursou as primeiras letras no Instituto de Madrid,
habilitando-se para entrar na Universidade. Moço ainda, porém, foi nomeado para
exercer o cargo de Delegado do Banco de Espanha em Sevilha e depois em San
Sebastian, pelo que abandonou os estudos. Dizia que tendo tido uma questão, que
deu lugar a um conflito, no Cassino de San Sebastian, com um sobrinho do Sr.
Romero Robledo, Ministro da Gobernación, foi demitido do cargo, embarcando logo
após para Buenos Aires. Sabemos, porém, que mais graves foram os motivos de sua
apressada viagem. Pouco tempo aí se demorou vindo para o Rio de Janeiro, em
1891, onde encontrou colocação como guarda-livros na oficina dos Srs.
arquitetos Morales de los Rios e Astoy. O seu procedimento deu em resultado a
ser dispensado desse lugar. Dado a conquistas amorosas, afável no trato e
dotado de um espírito atilado e perspicaz foi-lhe fácil contrair grande número
de simpatias e mesmo confiança no meio em que vivia. Quando nova empresa
particular adquirira propriedade do “Frontão
Fluminense” ([1]), na Praça da
República, Galvez foi admitido como guarda-livros permanecendo nesse cargo até
que se organizou o “Club Frontão
Brasileiro”, onde ocupou o cargo de caixa. Desse Club faziam parte, quer
como diretores ou sócios, pessoas que figuraram e figuram ainda na política e
na imprensa, tais como os Srs. ... ([2])
Galvez rodeava-se de pessoas de posição e de responsabilidade social e
preferia principalmente os mais fáceis na escolha de seus amigos e
companheiros.
Dando-se a organização da “Companhia
Frontões Nacionais”, pelos serviços prestados ao seu presidente Major
Carlos Nunes de Aguiar e pela grande simpatia que soube inspirar ao Dr. José
Luiz de Almeida Nogueira, também membro da diretoria, Galvez foi eleito
secretário. De como foram administradas essas sociedades podem falar os
interessados melhor do que nós. Durante o tempo que esteve à testa dessas
sociedades, Galvez fez-se de grande e poderosos amigos aos quais presenteava à
miúdo, gabando-se sempre de ser generoso em repartir o seu dinheiro com eles.
Por ocasião da revolta foi preso à ordem do Sr. Dr. Guido de Souza, então
Delegado de Polícia, de quem se considerava íntimo amigo.
Rompendo uma cisão na administração da “Companhia Frontões Nacionais”, o seu presidente fez acusações a
Galvez sobre o destino dos dinheiros sociais. Galvez procurou defender-se pelas
colunas da Gazeta de Notícias, isto em 1893.
Deixando o cargo que ocupava na Companhia, constituiu advogado o Sr. Dr.
Fernando Mendes de Almeida para defender-se de uma ação que lhe moveram os seus
colegas de Diretoria. Logo que deixou a Companhia iniciou uma greve de “pelotaris” ([3])
o que obrigou a paralisação dos espetáculos no Frontão por espaço de muitos
dias. Ao mesmo tempo apresentava à Câmara Municipal de S. Paulo, uma proposta
de empréstimo àquela cidade de soma avultadíssima, fazendo publicar na
impressa, principalmente em dois órgãos onde exercia influência real sobre
alguns redatores, telegramas apócrifos encomiando o seu prestígio financeiro
junto a banqueiros daqui em combinação com casas bancárias do estrangeiro.
De repente Galvez desapareceu. Souberam os que com ele tinham negócios
que embarcara para a Europa. Dois meses mais tarde escrevia dizendo que depois
de ter visitado o Cairo, Jerusalém e subido o Nilo, até chegar às Pirâmides do
Egito tinha ido a Monte Carlo, onde em uma cartada, perdera 6.000 francos. Ainda
pouco depois escrevia de Paris anunciando que após pequena demora naquela
capital voltaria a Espanha, onde ficaria de vez. Efetivamente há notícias de
que ele estivera em Bilbao onde visitou o Sr. Bernardino Sancifrian seu antigo
patrão e gerente do “Frontão Fluminense”
e em algumas outras aldeias vascongadas ([4])
em visita à famílias de pelotaris que jogavam aqui no Rio. Não se sabe, porém,
se ele voltou a Madrid, onde reside sua família.
Em 1894, regressou a esta Capital e procurando seus antigos amigos e
companheiros comunicara-lhes que trazia uma grande ideia da Europa pois tivera
ocasião de assistir aos torneios hípicos em Paris. Daí surgiu a criação do seu
“Prado Brasileiro” à praia de
Botafogo, que foi fechado por ordem da Polícia por considerar essa diversão um
foco de jogatina. Nessa empresa especulativa, como em todas em que se envolvia,
sacrificou, Galvez, capitais estranhos, de amigos a quem facilmente convencia
com a sua lábia extraordinária e com as promessas de lucros fantásticos
avultados e garantidos. Galvez que nada perdeu com esse novo insucesso, não se
conformou com o seu caiporismo ([5]).
Muito ativo e arrojado meteu ombros à empresa de reabrir os “Frontões” fechados por causa do elevado
imposto municipal e a obrigação de só poderem funcionar uma vez por semana.
Fez os seus habilíssimos cálculos e reunindo quatro capitalistas, reabriu
o “Frontão Brasileiro”, onde a sua
empresa navegou, então, sempre de vento em popa.
Ganhou somas avultadas, mas, ainda assim, reembolsou com grande
relutância os capitalistas e pagou a alguns fornecedores. Dando provas de um
atrevimento e de uma felicidade sem nome conseguiu que funcionassem os “Frontões” nos dias de semana a portas
fechadas por espaço de muitos meses, com ciência dos agentes da Prefeitura e da
própria Polícia. “Encheu-se”, na
expressão vulgar; mas a sua ambição não tendo limites levou-o a arrendar o “Frontão do Catete” e depois o “Jardim Zoológico” fazendo contratos
onerosíssimos e comprometendo grandes somas de dinheiro que ele merecia
facilmente dos amigos. Entre os mais sacrificado destes figura o Sr. Costa,
proprietário hoje do botequim do “Frontão
Velocipédico”, “Companhia Frontão
Paulista”, o Sr. Bernardino, proprietário da “Maison Moderne” e um sem número de negociantes e proprietários de
Hotéis ou Casas de Pensão.
Estes senhores e aquela Companhia viram evaporar-se nas mãos de Galvez
quantia superior a 70:000$000. Depois de explorar os dois “Frontões” nesta cidade e o “jogo
do bicho” na “Jardim Zoológico”
mandou construir ali o “Frontão” que
existia antes da atual transformação. Ainda a sorte favoreceu-o, mas cercado
pelos credores que não o abandonavam viu-se obrigado a pagar ou a sair do Rio
de Janeiro. Preferiu esta segunda hipótese e com grande surpresa embarcou para,
a Europa, sob o nome suposto de Luiz Gonçalves, quase que às barbas dos que o
perseguiam. Tendo ao partir iniciado ação contra a Municipalidade por haver restituição
de impostos indevidamente cobrados, teve em sua ausência ganho de causa, graças
à habilidade profissional de um advogado que hoje ocupa importante cargo
policial.
Sabendo desse triunfo, por intermédio de carta do seu procurador fez
constar aos seus inúmeros credores que viria ao Rio de Janeiro receber a
quantia devida pela Municipalidade e que por essa ocasião lhes pagaria. Os
credores diante da perspectiva de ver reembolsado o seu capital esperaram-no
com ansiedade e deixaram-no em completa liberdade de ação... mas a promessa
não foi realizada. Foi a esse tempo que conseguiu arrendar o “Bellodromo Nacional” ([6]),
fazendo anúncios espalhafatosos e ainda uma vez sacrificou o capital das
pessoas que nele confiavam. A coragem e a audácia não lhe faltavam nunca e
sempre se viu rodeado de pessoas que o honravam com a sua amizade e com os seus
recursos.
Perdulário e insaciável, não conseguindo viver com o resultado das “poules” ([7])
do Bellodromo foi para S. Paulo ver se se arranjava por lá, aproveitando a
próxima abertura de um novo Frontão, o “Boa
Vista”. E entrou com o pé direito na Paulicéia, pois foi contratado para o
cargo de Gerente e encarregado do organizar o quadro de pelotaris, serviço de
poules etc, trabalho este que a nova empresa pagou, dando-lhe dez contos de
réis de mãos beijadas. Desgostoso por qualquer razão deixou o “Boa Vista”, montou um escritório
luxuosamente mobiliado e passou 2 ou 3 meses entre S. Paulo, Santos, Guarujá,
Campinas, etc.
Quando após a sua vilegiatura ([8])
regressou à esta Capital, trazia o pensamento formado de embarcar para o Norte
da República, onde dizia ir tratar do estabelecimento de um “Frontão” no Estado do Pará. Não tendo
dinheiro, reunia os pelotaris do “Frontão
Lavradio”, “Velocipédico” e “Jardim Zoológico” e por meio de uma
subscrição conseguiu levantar 100 libras, que convertendo lhe deram o
necessário para a partida.
Chegando ao Pará, nada conseguindo fazer para o estabelecimento do “Frontão”, foi ao Amazonas e procurou o
Dr. Guido de Souza; que então exercia o cargo de Chefe de Polícia, e Rocha
Santos, proprietário do “Amazonas
Comercial” a quem solicitou emprego.
Consta que nesse jornal não se deu mal, principalmente por ocasião da
deposição do Sr. Pires Ferreira, e que o Sr. Eduardo Ribeiro, “O Pensador”, deu-lhe também auxílio de
modo que Galvez prosperou em vários negócios.
Irrequieto sempre e sempre ambicioso fundou um Club, onde se jogava tão
escandalosamente que houve máxima necessidade de fecha-lo. Naturalizou-se
brasileiro o há pouco tempo escrevendo para esta Capital dizia que estava
sofrendo de beribéri, mas que apesar disso estava disposto a ir até o fim do
mundo se souber que acharia ali, dinheiro, muito dinheiro!
Antes de contarmos a sua vida no Pará e no Amazonas até a sua atual
posição no Acre convém delinear aqui ligeiros traços do seu companheiro
inseparável Guilhermo Hutoff. Nasceu esse cavaleiro em Cádiz e é formado em
direito. Exercia um cargo na Legação Espanhola em um dos países da Europa
quando em um botequim se envolvera em um conflito do qual saiu ferido um
oficial do Exército Austríaco.
Demitido desse cargo e também pertencendo a família respeitável na cidade
do seu nascimento, para evitar escândalo ou por qualquer outro motivo
particular, resolveu procurar na América do Sul meios que garantissem a sua
subsistência com mais facilidade, menos trabalho com maiores e mais avultados
resultados.
Buenos Aires foi o ponto escolhido para aplicar a sua atividade e a sua
não menos atilada inteligência e esperteza. Aí conseguiu fazer conhecimento com
um espanhol casado na família B... muito considerada na Capital bonaerense e
possuidora de regular fortuna.
Cativante e insinuante no trato, afável sempre e ainda mais, homem
especialmente prático enamorou-se de uma cunhada desse seu compatriota e
passados alguns meses ligou a sua sorte à dessa moça que fácil foi em aceitá-lo
como homem sério, digno e capaz de torná-la feliz.
Perdulário, esbanjador começou a tornar a vida dessa senhora uma série de
contrariedades e de desgostos, e a tal ponto, que seu sogro propôs-lhe a
retirada para o Rio de Janeiro, o abandono de sua esposa e uma pensão para
manter-se. Aceitar tão cobiçado desejo, foi o seu pronto empenho e deixando
Buenos Aires veio para esta Capital.
Residindo em Petrópolis, aí fez conhecimento com o Sr. Dr. José
Paravicini, Ministro da Bolívia e fácil lhe foi inspirar a sua confiança e a
sua estima. Com esse Ministro convencionou levar ao Acre um grupo de espanhóis
para o estabelecimento do serviço na Alfândega de Puerto Alonso. Paravicini,
que tinha do seu Governo poderes ilimitados, nomeou-lhe desde logo “Tenente-Coronel do Exército Boliviano,
Comandante de Fronteira e Capitão do Puerto Alonso”.
Dizia Hutoff, que na República Argentina fora contratado para instruir o
exército, onde lhe fora dado o posto de Tenente-Coronel; que na revolução de
1890, teve ocasião de admirar a covardia dos oficiais argentinos, a quem por
vezes teve de aplicar “bastonadas” ([9])
enquanto só tinha motivos para elogiar a intrepidez e valor dos soldados e que
fora Professor de Filosofia no Liceu de Buenos Aires. O que porém parece mais
certo é que naquela capital só exercia um cargo, este na Polícia Secreta.
Na viagem para o Acre, Hutoff encontrou em Manaus o seu amigo Galvez e o
apresentou ao Sr. Paravicini fazendo-lhe os maiores elogios à sua inteligência,
atividade, etc., alegando que seriam de grande utilidade para a Bolívia os
serviços de tão preparado e atiladíssimo amigo.
Paravicini e Hutoff seguiram para o Acre e aí estabeleceram a Alfândega
com todo o pessoal da Intendência e da Delegação Boliviana. Hutoff em poucos
dias começou logo a malquistar-se ([10])
com os empregados e com os próprios comandantes de vapores. Atrozmente
insultado por um dos funcionários da Delegação na presença de grande parte do
pessoal, entendeu desafiá-lo para bater-se. Aceito o duelo à bala, marcado e
combinado o local, prontos os padrinhos, em vão apareceu Hutoff, que entendeu
que a sua vida precisava dilatar-se mais para gozar o mundo e enriquecer facilmente.
Hutoff conseguiu levar do Pará ou do Amazonas para o Acre cerca de 50 pessoas
de nacionalidade espanhola entre homens, mulheres e crianças. Montada a
Alfândega desceu Paravicini do Acre com Hutoff e alguns empregados da
Delegação. No Pará novamente Hutoff apresentou Galvez.
Em conversa com o Ministro propôs Galvez montar um jornal que defendesse
os interesses da Delegação Boliviana e que para isso já havia tratado uma
máquina “Marinoni”, etc. Paravicini
procurou então colher informações sobre a vida de Galvez e tais foram elas que
resolveu não fazer semelhante negócio. Galvez esbravejou, alegando prejuízos e
cumprimentos de palavra e tais e tantas foram as choradeiras, que o Sr.
Paravicini mandou dar-lhe pelo membro da Delegação, Sr. I., a quantia de dois
contos de réis. Contudo Galvez não se mostrou satisfeito com essa gorjeta que
lhe havia dado o Sr. Paravicini e contra ele começou a mover terrível campanha.
Há quem afirme que se oferecera ao Governador do Amazonas para desalojar a
Delegação de Puerto Alonso, de acordo com o seu amigo Hutoff, levando apenas
uma pequena Força Armada, que não agiria porque ele contava com os espanhóis
que para ali foram levados por Hutoff. Para realização de seu patriótico e
generoso cometimento apenas queria obra de 200:000$000! O Governo, porém, não o
atendeu e até repelia a proposta.
Por sua vez Paravicini desgostou-se com Hutoff e dispensou-o dos cargos
que exercia e do posto de Tenente-Coronel boliviano. Galvez e Hutoff uniram-se então e
recrudesceram a sua campanha contra o Ministro queixando-se da sua ingratidão e
da sua deslealdade e não sei que mais. Hutoff, quando se achava na Delegacia de
Alfândega de Puerto Alonso, retirou de um caixão em que estavam papeis e
objetos destinados ao expediente da Delegacia, caixão que estava guardado no
quarto do Engenheiro, uma ou duas folhas de papel que tinha do lado os
seguintes dizeres:
Comisión Boliviana Demarcadora de
Limites con el Brazil.
Este papel inspirou-lhe e à Galvez a ideia de um novo plano e então Hutoff com a sua própria letra e
ditado por Galvez redigira o tal acordo
que a Imprensa do Pará, do Amazonas e a ao Rio discutiram e de que o “Jornal do Commercio” muito justa e
acertadamente mostrou a fantástica veracidade e provou quanto infundados e
pueris eram as apreensões e os receios que alguns jornais desta Capital se
possuíram, estabelecendo desconfianças contra um País amigo, apesar dos
desmentidos formais de representantes das duas nações postas em jogo.
Cabe aqui ainda transcrever o que publicamos em uma das nossas “Várias” por ocasião em que se discutia o
assunto:
O ilustre Deputado pelo Pará, o Sr. Dr. Enéas Martins, que tem estado
enfermo nas Paineiras, teve a condescendência de nos remeter uma cópia
fotográfica, que recebeu, do célebre acordo, entre a Bolívia e os Estados
Unidos acerca dos Territórios do Acre. Este “documento” é escrito em duas páginas de papel de nota e traz a data
de 12 de maio, no Pará. O papel traz impresso ao lado ‒ “Comisión Boliviana Demarcadora de Limites con el Brazil”. As
cláusulas já são conhecidas aqui pelos nossos telegramas do Pará.
Segundo informações daí recebidas pelo referido Deputado, a letra do
rascunho de projeto é de um Sr. Hutoff que diz-se, como Secretário e intérprete
de Paravicini, tratou do assunto no Pará com o Cônsul Americano nessa Capital.
Este Hutoff foi nomeado por ‒ também diz-se, ‒ Comandante Geral da Fronteira,
com o posto Tenente-Coronel.
Até aí as nossas informações. Sobre o valor delas os leitores formarão o
seu juízo tendo em mente que a princípio afirmava-se que o tal acordo era feito
com o Sr. Ministro dos Estados Unidos, Bryan, que se dizia até haver mandado
telegramas a Paravicini, chamando-o a esta Capital.
Agora vê-se que o documento, apesar de achado
pelos correspondentes de um jornal em Puerto Alonso, na Bolívia, é assinado no Pará, e a pessoa que representa os grandes interesses
dos Estados Unidos na questão, é um mero
Cônsul, sem importância nenhuma. A “história” com
todas as suas fotografias e incoerências pode dar pasto de discussão aos amigos
de sensação e pescadores de águas turvas.
Ainda que o tal rascunho fosse da letra do
afamado Paravicini, que acaba de ser
vergonhosamente demitido, ele não mereceria
discussão, pois não estabeleceria o fato
inventado de um acordo entre os Estados Unidos e a Bolívia.
O fim desse “borderô” era
apanhar uns cobres do próprio Sr. Paravicini, dos Governadores interessados, ou
do próprio Governo Brasileiro. Que eles arranjaram algum dinheiro é certo,
pois, que organizaram uma expedição de 30 espanhóis em Manaus, de onde saíram
em junho deste ano com destino ao Acre.
E assim Galvez, tendo Hutoff como seu Secretário e talvez Ministro de
todas as pastas, é hoje Presidente de República, e enquanto ali não chegarem
forças bolivianas, vai arranjando dinheiro, de forma a poder construir um
palácio para viver com o seu amigo vida folgada e milagrosa.
As palavras que vamos registrar revelam o conceito em que Galvez tinha a
sociedade brasileira e como ele justificara os seus processos de aventura nesta
parte do Continente:
Achando-se diversos amigos à roda da sua mesa no Restaurante Petrópolis,
um deles observou a Galvez que pelo seu caráter aberto, franco, não tinha ainda
conseguido fortuna no Brasil e que era pena que
fosse tão leviano, porque, além de perder quanto dinheiro ganhava, perdia também
a consideração social, respondeu Galvez:
‒ Com isso pouco me importo. Quando um homem da minha posição social
deixa a Espanha e vem a América, não o preocupa o conceito em que virá a ser
tido pelos Americanos. Quanto a mim, logo que o vapor aproou ao Rio de Janeiro
despi a sobrecasaca do cavalheiro e pendurei-a ao Pão de Açúcar. Quando tornar
a sair hei de ir lá buscá-la.
Pitoresco e bem significativo! (JCR, N° 248)
Bibliografia
JCR, N° 248. República Independente do Acre – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Jornal do Commercio, n° 248, 06.09.1899.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com..
[1] Duas diversões
esportivas levavam multidões à rua: no Frontão Fluminense jogava-se “pelota basca”, onde se exibiam ágeis
encestadores vindos da Espanha e de Portugal; no Velódromo, era o ciclismo que
atraía os apreciadores de suas arriscadas evoluções. Nela estava também a sede
da Banda Luso-Brasileira, a mais popular dos fins do Oitocentismo, e a
tipografia de Domingos Magalhães, o primeiro a editar Coelho Neto. (www.ctac.gov.br)
[2] Suprimidos os nomes (Nota da redação).
[3] Pelotaris:
praticantes da pelota basca
[4] Aldeias Vascongadas:
Províncias espanholas de Álava, Biscaia e Guipúscoa, que formam o País Basco
[5] Caiporismo:
azar.
[6] O primeiro
velódromo do Rio de Janeiro foi o “Bellodromo
Nacional”, situado na Rua do Lavradio, próximo à Praça da República,
construído em 1892. Além de ser um espaço destinado a competições ciclísticas,
oferecia aluguel de bicicletas e aulas de pilotagem para iniciantes. Outros
velódromos foram construídos nessa época no Rio de Janeiro, e as competições de
ciclismo passaram a ser um evento social, com ênfase em grandes apostas. Devido
aos interesses financeiros alimentados pelo grande número de apostas, começam a
surgir fraudes e resultados manipulados, levando à insatisfação dos
espectadores e, mais tarde, ao fim definitivo das apostas dentro dos
velódromos. (Christiane Tilmann)
[7] Poule: apostas
nas corridas de cavalos.
[8] Vilegiatura:
temporada de descanso dos trabalhos habituais.
[9] Bastonadas:
pancadas com bastão.
[10] Malquistar-se:
indispor-se.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H