Sexta-feira, 24 de dezembro de 2021 - 06h00
Bagé, 24.12.202I
Contrato Aramayo-Whitridge
– I
T Relatório Apresentado ao Presidente
da República dos Estados Unidos do Brazil T
Rio
de Janeiro, RJ – Terça-feira, 20.05.1902
Bolívia
Arrendamento
do Território Chamado do Acre.
Contrato com Sindicato estrangeiro
O Governo Boliviano fez com um Sindicato
estrangeiro um contrato pelo qual arrenda o Território do Acre à Companhia que
o mesmo Sindicato organizar. Disso tive a primeira notícia por telegrama da
Legação em Washington de 7 de março de 1901 e no mesmo dia telegrafei ao
Ministro em La Paz. O contrato, assinado em Londres em 11 de julho do ano
próximo passado, foi submetido ao Congresso, por ele aprovado com poucas modificações
de forma, das quais só uma tem alguma importância, e promulgado pelo Poder
Executivo. Acham-se anexos a este Relatório os dois textos, primitivo e
modificado. As suas cláusulas são em resumo as seguintes:
1ª Confia à Companhia a administração fiscal do
Território. Segundo o texto primitivo a Companhia era ‒ Governo local. Agora é
‒ administrador fiscal. Esta modificação é, como eu disse, a única que tem
alguma importância, mas é de simples forma, porque as concessões e privilégios
não foram alterados nem modificados. Nesta mesma cláusula se fixa o capital da
Companhia em 500.000 libras esterlinas e se dá ao Governo a faculdade de
subscrever 100.000 por si ou por pessoas que designe;
2ª Concede à Companhia durante cinco anos o
direito exclusivo de comprar em propriedade todas as terras ou qualquer parte
das terras compreendidas no Território com os seringais que não estejam
legalmente adjudicados a outros indivíduos ou Companhias;
3ª Durante as sessões do Congresso atual não
poderá o Governo, sem o consentimento do Sindicato, dispor ou comprometer-se a
dispor de seringais ou terras, etc. A este respeito resolveu o Congresso isto:
“En cuanto a la cláusula
3ª, que ha sido aprobada por el Congreso, el Ejecutivo queda facultado para
cancelaria al tiempo de firmarse la escritura definitiva”;
4ª Concede à Companhia o direito de navegar
livremente os rios e outras águas nos limites do Território. A Companhia não
impedirá o tráfico por esses rios e águas aos navios atualmente existentes,
sejam nacionais ou estrangeiros, mas terá o direito exclusivo de outorgar
concessões para a navegação dos ditos rios e águas. Respeitará os Tratados
Internacionais de Comércio e Navegação;
5ª Prevê o caso de empreender a Companhia a
exploração de seringais ou minas por si ou por meio do companhias subsidiárias
e dispõe a respeito das rendas;
6ª Isenta a Companhia de impostos e outros
encargos e reserva para o Governo 60% das rendas;
7ª Confere o direito de fazer várias construções
e de cobrar impostos, que menciona;
8ª Confere à Companhia, por 30 anos, o direito,
poder e autoridade, únicos, absolutos, exclusivos e independentes para cobrar e
exigir o pagamento das rendas... “e
geralmente para fazer administrar, exercer e executar, pôr em vigor, velar e
possuir, dentro dos limites do dito Território e com sujeição às leis do
Estado, todos as negócios, atos, funções, obrigações, direitos, poderes e
privilégios de qualquer espécie que ora competem ou venham a competir ao
Governo e que lhe pertençam ou sejam por eles possuídos... e o Governo
transferirá à Companhia, pelo tempo da concessão, todas as terras públicas ou
do Estado, edifícios, propriedades e direitos de todo gênero, dentro dos
limites a do dito Território, que hoje pertencem ao Estado e se achem por ele
possuídos, exceto os direitos que lhe pertencem como poder soberano”;
9ª Dispõe a respeito da contabilidade;
10ª “A condição da Companhia, em virtude da
concessão ultimamente mencionada será a de um administrador fiscal encarregado
da arrecadação de todas as rendas nacionais, com poderes amplos e suficientes
para isso, e com sujeição às leis da República e as prescrições deste
contrato”;
11ª A concessão a que se refere a cláusula 8ª
ficará, enquanto durar, sujeita às regras e estipulações estabelecidas no “Memorandum” anexo;
12ª A Companhia fica obrigada e prestar o seu apoio
à colocação de apólices que sejam emitidas pelo Governo;
13ª Arbitramento para as questões que sobrevierem;
14ª Aprovação pelo Congresso. Deposito de cinco mil
libras esterlinas.
T Memorandum T
A. Delegados do Governo e da Companhia por meio das quais serão feitas
todas as comunicações entre o Governo e a Companhia;
B. As concessões de seringais, terras baldias, arrendamento e
adjudicação de terras e outras concessões serão feitas em nome do Governo,
quando se referirem a terras do Estado e de conformidade com as leis
existentes;
C. Construção de edifícios. A Companhia
manterá suficiente força de polícia
para a proteção dos habitantes e observância das leis da República;
D. Por conta de quem correm as despesas;
E. A Companhia respeitará todos as contratos existentes entre o Governo
e os atuais legítimos possuidores de terras e exigirá que esses possuidores
registrem os seus títulos de conformidade com as leis do Estado;
F. Comunicação dos distritos dos rios Abunã, Orton e Madre de Dios com
o rio Acre;
G. A Companhia pagará os salários do Delegado Nacional e dos Juízes e
demais empregados nomeados pelo Governo, como também as despesas da Comissão de
Limites com o Brasil. Se em qualquer tempo e a
juízo do Governo, tiver a Companhia de equipar e manter Força Armada ou barcos de guerra, além da Força do
Polícia, serão as respectivas despesas pagas pelo modo que se indica, sendo a
Companhia imediatamente reembolsada pelo Governo;
H. Contabilidade;
I.
Trânsito
pelo Território da importação e exportação de outros pontos da República;
II.
J. Expiração do contrato e suas consequências.
Duvido que o contrato tenha o resultado que o
Governo Boliviano espera. A Companhia, que for organizada, há de encontrar as
mesmas dificuldades que produzem o arrendamento do Território.
Deixo de lado essa eventualidade e examino o
contrário que é o que atualmente ocupa a nossa atenção.
O contrato tem por fim a arrecadação dos
impostos, que o Governo Boliviano crê impraticável com os seus próprios
recursos; confia essa arrecadação a uma Companhia e para isso lhe entrega a
administração do Território, fazendo-lhe importantes concessões.
O Governo reserva os seus direitos soberanos e
expressamente diz que e administração lhe fica subordinada. Ele, portanto, e
não a Companhia, responde aos Governos estrangeiros pelos abusos que forem
cometidos.
Entre as concessões feitas à Companhia, noto
estas:
N Força Policial;
N Força Militar;
N Força Naval.
As duas últimas concessões,
embora dependentes de juízo do Governo da República, dão praticamente à
Companhia poder que quase a constitui em governo, perigoso para as Relações
Internacionais. A Força Armada, Militar ou Naval, deveria ser organizada com
elementos do próprio Governo da República, mas parece que assim não será. É
provável que o pessoal de ambas as Forças seja estrangeiro. A Bolívia não
possui Marinha de Guerra nem Mercante que lhe forneça as tripulações dos navios
que se armarem e, ai não me engano, uma das dificuldades que obrigam o Governo
Boliviano a arrendar o Território é a impossibilidade de nele manter Força
Militar.
Segundo o “memorandum”
[letra G] em caso de necessidade, e se o Governo o entender, poderá a Companhia
manter barcos de guerra para a defesa dos rios, conservação da Ordem Interna ou
outro objeto. Contra quem se fará a defesa dos rios? Parece que isso tem
relação coma clausula 4ª do contrato, que concede à Companhia a livre navegação
e implicitamente a autoriza a não permitir esta navegação a navios que não
sejam os atualmente existentes. Qual será o outro objeto a que se refere o “memorandum”? Essas palavras têm
significação tão vaga, que até podem abranger a ação de navios ou Barcos de
Guerra nas águas brasileiras. Nós possuímos grande parte do curso inferior dos
rios que atravessam o Território do Acre.
Os navios que se armarem deverão ter todas as
condições necessárias para serem reconhecidos como navios de guerra e é de crer
que essas condições sejam rigorosamente preenchidas pelo Governo Boliviano; mas
há uma circunstância que merece atenção e me parece grave: a Companhia terá o
uso dos navios que mantiver. Se esse uso não for regulado de modo que a
aplicação da Força Naval seja sempre feita pelo Governo da República dentro do
Território arrendado, poderão as relações dos dois países sofrer grave
perturbação por atos imprudentes da Companhia.
A cláusula 4ª, a que aludi, confere à Companhia o
direito de navegar livre e tranquilamente os rios e outras águas navegáveis
dentro do Território; impõe-lhe a obrigação de não impedir o tráfico pelos
ditos rios e águas aos navios atualmente existentes; dá-lhe o direito exclusivo
de outorgar concessões para a navegação e determina que respeite os Tratados
Internacionais de Comércio e Navegação. Assim, em poucas palavras, resolve o
contrato a importante questão de navegação fluvial. Dos termos da cláusula
resulta que a navegação não é livre, depende de permissão que, em virtude de
direito exclusivo, não será dado pelo Governo, mas pela Companhia, quando lhe
aprouver e em casos especiais. O trânsito fluvial tem sido concedido por
Decreto do poder Executivo ou por Tratados. O Governo Boliviano transfere à
Companhia o seu direito de soberania sobre as águas compreendidas no Território
arrendado.
Em consequência dessa cessão, o Brasil só por
favor da Companhia poderá navegar
nas águas Bolivianas. Nesse caso, o
Governo Brasileiro concederá ou recusará trânsito pelas suas águas quando, como e
a quem lhe convier. O contrato firmado
em Londres não é o único feito sobre o Território do Acre. Os Srs. Dr. Salinas
Vega, Ministro da Bolívia, e Joaquim Arsênio Cintra da Silva, negociante da
praça do Rio do Janeiro, consignaram em Petrópolis no dia 12 do março do 1900,
isto é, quase um ano antes do outro, que tem a data de 11 de julho de 1901.
Esse contrato de Petrópolis já foi publicado em um diário desta cidade.
Há entre as dois contratos notáveis diferenças. O
de Petrópolis arrendava somente a alfândega de Puerto Alonso por três anos; o
de Londres arrenda todo o Território pelo prazo prorrogável do sessenta anos. O
de Petrópolis tinha por fim a pacificação do Território; o de Londres a sua
administração fiscal. Não sei se o contrato de Petrópolis foi autorizado pelo
Governo da Bolívia. Parece que não: 1°, porque o Sr. Salinas Vega não alegou
autorização, disse somente ‒ em virtude dos poderes que como tal [Ministro]
exerce; 2°, por ser anterior ao de Londres; 3°, porque os cessionários do Sr. Cintra,
Rogerio & Comp., alegando que cumpriram o que ajustaram, e a Bolívia não,
exigem a indenização de 150 mil libras esterlinas. Cumpriram o contrato,
porque, segundo dizem, pacificaram o Território.
A obrigação de pacificar o Território foi estipulada
em duas cláusulas.
1ª “A pacificar [obliga-se] la región, manteniendo el
orden en la misma, y haciendo respetar la soberanía de Bolivia en el Acre y sus
afluentes”;
2ª “Es condición ‘sine qua non’ del presente contrato que el arrendatario o
sus causa habientes pacifiquen y restablezcan el orden en toda las región del
Acre, haciendo con que el dominio y las autoridades bolivianas sean allí
respetadas, y obedecidas antes del primer de mayo próximo. No se realizando esa
pacificación por el arrendatario Señor Cintra da Silva, o los que lo
representen, este contrato quedará nulo y sin efecto, así como caducará sin
responsabilidad para Bolivia siempre que el orden sea perturbada por individuos
de otra nacionalidad que no boliviana. En caso de revolución interna el
Gobierno hará respetar su autoridad protegiendo los derechos del arrendatario”.
O prazo do quarenta e nove dias, marcado para a
pacificação, parece mui curto, sendo tão grande a distância entre esta cidade
Puerto Alonso; mas em 25 de abril foi a ata da pacificação assinada na cidade
do Acre [Puerto Alonso] por Joaquim Victor da Silva, intitulado Vice-Presidente
do Estado do Acre em exercício, e por Egydio Jorge Simas, procurador do Alberto
Moreira Junior, encarregado de pacificar o Território.
Quarenta e quatro dias depois da assinatura do
contrato entre as Srs. Cintra da Silva e Salinas Vega estava satisfeito o seu
objeto. É' portanto evidente que eu não pus impedimento ao contrato. Ele aí
está assinado e executado por parte do Sr. Cintra da Silva, segundo a ata.
A cláusula seguinte mostra que os contratantes,
um das quais era Ministro da Bolívia, julgaram possível a alienação do
Território:
“En el caso en que por alguna razón o acuerdo, la Bolivia renuncie
espontánea y voluntariamente el Territorio del Acre, obligase a consignar como
cláusula forzosa la subsistencia del presente contrato o a pegar una
indemnización de ciento y cincuenta mil libras esterlinas [£ 150.000]”.
O Governo Boliviano tem, segundo a cláusula 1ª do
contrato de Londres, o direito do contribuir para o capital da companhia com a
quantia de cem mil libras esterlinas ou com parte dela. Usando desse direito,
ofereceu-nos, por meio de seu Ministro, participação no contrato por conta dos
capitalistas que a quisessem, sendo contemplados os industriais o capitalistas
do Beni e o comércio do Paru e do Amazonas. Declarei em reposta que não
aceitava esse oferecimento e me abstinha de comunicá-lo aos industriais e
capitalistas do Beni e ao comércio do Amazonas e do Pará.
Esta resposta foi dada em nota de 14 de abril,
que se acha anexa ao presente Relatório. Em nota da mesma data comuniquei à
Legação da Bolívia que considerava insubsistente o Tratado de Amizade, Comércio
e Navegação assinado em 31 de julho do 189e, e pendente de resolução do
Congresso Nacional, e que íeis pedir ao mesmo Congresso permissão para
retirá-lo. A nota a que me refiro está anexa a este relatório e dela constam as
razões do vosso procedimento. A mensagem foi expedida. (MAGALHÃES, 1902)
Gazeta
de Notícias, n°127
Rio de Janeiro, RJ – Quarta-feira, 07.05.1902
A
Questão Acreana
Consta-nos que a questão do Acre poderá
brevemente entrar num período de solução, e que há muitas probabilidades de que
essa solução seja pacífica e tal que possa conciliar ao mesmo tempo os
interesses dos moradores da região acreana e os deveres do Governo Federal
perante os seus compromissos internacionais, deveres que não podem ser postos
de lado porque o juízo deles está afeto ao tribunal das nações todas. Sabe-se
por informações de nossos representantes diplomáticos na Europa, que o contrato
do arrendamento do Acre ainda não foi assinado e que o Ministro Aramayo partiu
para Londres com o fim de completar essa operação. O Sr. Aramayo tencionava
desembarcar no Rio de Janeiro quando passou por aqui a bordo do “Thames”, tanto que havia mandado tomar
cômodos no Hotel dos Estrangeiros ou nas Paineiras; mas, operando o navio em
quarentena, teve que renunciar ao seu plano e continuar a viagem.
De posse de informações mais completas sobre as
negociações do arrendamento, o Dr. Olyntho de Magalhães pôs-se em
correspondência direta com o governo boliviano e tratou de induzir o General
Pando a recuar e não levar a cabo o arrendamento do Acre, em atenção às
relações de amizade e de cordialidade com o Brasil, que não poderiam deixar de
ficar estremecidas. O governo boliviano, surpreendido por ter visto os seus
planos desvendados, procurou esquivar-se, aduzindo pretextos fúteis, mas
sucessivos telegramas o convenceram de que era perigoso fugir à questão; e por
última resposta declarou que o contrato não estava assinado, não sendo aliás o
contrato que vincula o governo boliviano, mas o depósito de 5.000 libras feito
em Londres pelos arrendatários como garantia da própria idoneidade para o
cumprimento das obrigações que assumiram. A este telegrama outro e
irrespondível deve ter sido enviado ontem, e é do esperar que o General Pando
acabe por convencer-se que da amizade do Brasil podem depender a prosperidade,
a tranquilidade e talvez a subsistência da Bolívia. Por outro lado, há de ter o
Presidente da Bolívia recebida notícias pouco animadoras sobre as hipóteses de
proteção Yankee na Organização política do Acre; de maneira que deverá, no
interesse exclusivo do seu país, voltar às negociações interrompidas pelo Dr.
Salinas Vega sobre a cessão do Acre ao Brasil, única solução honrosa para o seu
governo e segura para os interesses da nação boliviana. A nomeação do Ministro
Villazon para a pasta das Relações Exteriores da Bolívia prende-se a estas
negociações brasileiras, que foram iniciadas no tempo da sua primeira
administração, em abril e maio de 1900. O Congresso, aliás, deverá tomar
resoluções que poderão abrir ao governo novos caminhos a trilhar, para a
liquidação completa da Questão. (GDN, N°127)
A
Federação, n°183
Porto Alegre, RS – Sexta-feira, 08.08.1902
A
Questão do Acre
O Pomo da Discórdia
Da “Gazeta de Notícias”, de 21
do mês passado:
“Todas as agências telegráficas encarregaram-se de fazer saber ao público
que o governo americano não intervirá de maneira alguma na Questão do Acre, e
que quando muito limitar-se-á a recomendar ao governo do Brasil os interesses
de súditos americanos que aspirem a explorar concessões comerciais e industriais
nas regiões mais férteis e menos acessíveis do Brasil. As mesmas declarações
fazia o ano passado o sr. John Hay na carta que ontem publicamos e temos razões
de sobra para acreditar que não terá sido diversa a linguagem do Cel Page
Bryan, digno Ministro dos Estados Unidos, na Conferência que anteontem teve com
o Dr. Olyntho de Magalhães. Diz um velho rifão ([1])
italiano que “acreditar é um dever de
cortesia” e sob essa sugestão tão artisticamente formulada numa língua que
enriqueceu a civilização com uma grande produção literária em que o tom da
lírica pura pode ser assumido até pela ironia mais penetrante e mais
significativa, estamos dispostos a aceitar como moeda de bom quilate os
protestos da amizade americana; mas um ato de cortesia não nos anula o exercido
do raciocínio e não nos tolhe a liberdade de analisar a atitude americana
perante a situação criada pela Bolívia no Acre.
Antes do tudo o governo americano parece ignorar a origem dessa situação.
Combatendo contra todos os argumentos que desde 1897 foram postos em campo para
sofismar a interpretação do art. 2° do Tratado de 1867, o governo do Brasil
fazia honra às tradições da nossa Secretaria do Exterior, e evitava ao país um
daqueles desastres morais que são piores que a perda de um Território; mas essa
conduta não queria significar que passasse despercebida aos governantes a nova
situação econômica e política da região acreana, devida em máxima parte ao
trabalho e ao sacrifício de cidadãos brasileiros. Honestamente não se podia
recorrer a uma nova hermenêutica ([2])
diplomática depois de quarenta anos de tradição nunca interrompida, mas era
obrigação do governo prestar ouvidos aos votos dos brasileiros que povoam o
Acre, e reconhecer neles o direito de se quererem agregar politicamente à
Pátria da qual julgaram sempre ser filhos e cidadãos. Enquanto respeitava o
Tratado, o Brasil chamava a atenção da Bolívia para a nova ordem do coisas que
havia surgido depois do Tratado, o sendo o critério inspirador de todos os
Tratados de Limites, o reconhecimento dos fatos existentes ou consumados,
pensou que a Bolívia podia com uma concessão anacrônica aceitar a nova condição
da região acreana como preexistente ao Tratado de 1867, e aceitar uma proposta
que diante de uma situação nova nos anais da diplomacia poderia estabelecer uma
nova praxe, contanto que não destoasse da lógica e da justiça. Nenhum
sacrifício o Brasil exigia da Bolívia; ofereceu-lhe até tudo que lhe ora
possível oferecer, outras terras, dinheiro, crédito, vantagens econômicas. Mas
a Bolívia quis abusar da honestidade e da preocupação do governo e do povo
brasileiro; certa de não poder manter por muitos motivos a sua soberania no
Acre certa de que logicamente o Brasil tinha todos os direitos e todos os meios
de podê-la exercer por um ato inexplicável de hostilidade ao Brasil tentou
ceder a região a estranhos, contanto que não pertencesse ao Brasil e com
propósito deliberado foi procurar estrangeiros e cidadãos de nações poderosas
para criar embaraços ao Brasil.
E a sua perversidade consciente chegou à sem cerimônia de fazer, no mesmo
tempo, dois contratos com diversos indivíduos, porque enquanto a 12 de agosto
de 1900 o Sr. Salinas Vega assinava um contrato com um sindicato brasileiro, em
Petrópolis, no dia 15, quer dizer, três dias depois o seu governo, em La Paz,
assinava as instruções e bases para a organização de uma companhia na
Inglaterra, Bélgica, França ou Alemanha, encarregando dessa tarefa o Sr.
Aramayo. Pouco tempo depois o jornal oficial de Cochabamba declarava abertamente
que era necessário recorrer aos norte-americanos para armar contra o Brasil
inimigos possantes. O governo americano podia ignorar tudo isto? Ignorava-o o
Ministro americano em La Paz quando recebia a carta do Sr. Hay e quando pedia
ao Ministro do Brasil que não embaraçasse a realização do negócio? É difícil
responder debaixo do ponto de vista em que nos colocamos nas primeiras linhas
deste artigo. O governo americano parece disposto a declarar que ignora até as
promessas formais feitas pelo General Pando ao nosso governo de provocar a
rescisão do contrato, ao mesmo tempo que telegrafava ao presidente Rooseevelt
que não tinha forças suficientes para fazer cumprir o contrato de arrendamento;
e nós, que somos obrigados a fazer declarações com o sorriso nos lábios,
havemos de responder com as palavras do rifão italiano: “il credere é cortesia”; e cortar as frases e as amabilidades com um
“ant, ant” cortês mas firme e que não
deixe lugar para a perpetuação de uma posição falsa.
Rooseevelt sabe agora positivamente que o Brasil não quis exercer no Acre
o direito do mais forte e que com razão queria ser preferido no caso de que a
Bolívia não pudesse exercer ali a sua soberania, e que essa preferência a
desejou e a deseja não por capricho ou por prepotência, mas por uma razão
superior que é o fato de ser toda a região povoada e explorada por brasileiros.
Sabe também o Sr. Rooseevelt que a Bolívia tentou todas as nações da Europa com
o oferecimento do Acre e que à Alemanha ofereceu mais que um contrato do
arrendamento, um protetorado ou uma ocupação militar em regra. Sabe hoje o
governo norte-americano que os interesses dos seus capitalistas são uma arma
com a qual a Bolívia quer perturbar as boas relações existentes entre os
Estados-Unidos e o Brasil e que a simples recomendação da sua chancelaria sobre
esse negócio não pode ser de maneira alguma considerada como um ato de amizade
e de cordialidade internacional.
Sabe também o presidente da grande nação americana que no estado em que
se acha atualmente a questão, o Brasil não pode considerá-la como um negócio
genuinamente comercial porque é uma questão política das mais graves. Ninguém
de boa-fé poderia afirmar que o contrato Aramayo com as suas cláusulas de
armamentos e regulamentos de navegação e com os precedentes que acabamos de
expor possa ser posto numa mesma balança com os da “Light and Power” de S. Paulo e tantos outros que estão dando
resultados esplêndidos para nós e para os empreendedores em todo o Brazil. Não,
o Sr. presidente Roosevelt deve estar convencido de que o negócio Aramayo é uma
péssima cópia da “Chartered Company”
([3]),
e que por isso havemos de considerá-lo como negócio ilícito.
Estamos dispostos a abrir os braços a quantos capitalistas americanos
queiram explorar indústrias e riquezas naturais do nosso solo, mas nessa
categoria não pode entrar o contrato Aramayo, porque a intenção com o qual foi
elaborado era um ato de hostilidade a legítimos interesses do Brasil. Mas...
temos dito quanto basta para que o governo americano conheça a opinião da nação
brasileira, concorde e firme diante de um perigo externo, apesar das suas
dissenções internas. Cabe agora ao governo dos Estados-Unidos avaliar a
gravidade da situação.
Se quer que surja um antagonismo funesto entre a América do Norte e a do
Sul, se quer que o ideal do monroísmo ([4])
passe a ser um símbolo do tartufismo ([5])
internacional, levante esse pomo da discórdia que lhe oferece a Bolívia e
atire-o nas bocas do Amazonas. E não se iluda sobre as consequências!” (A
FEDERAÇÃO, N° 183)
Bibliografia
A FEDERAÇÃO, N° 183. Questão do Acre – O Pomo da Discórdia – Brasil – Porto Alegre, RS –
A Federação, n° 183, 08.08.1902.
GDN, N° 127. A Questão Acreana – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Gazeta de
Notícias, n° 127, 07.05.1902.
MAGALHÃES, Dr. Olyntho de. Relatório Apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ,
20.05.1902.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Rifão: ditado
popular.
[2] Hermenêutica:
arte de interpretar leis.
[3] Chartered
Company: eram as companhias privadas portadoras de uma carta de concessão que
lhes conferia privilégios comerciais.
[4] Monroísmo:
doutrina dos que repelem a intervenção europeia nos assuntos internos da
América.
[5] Tartufismo: ato
ou comportamento de indivíduo dissimulado.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H