Segunda-feira, 3 de janeiro de 2022 - 11h13
Bagé, 03.01.2022
Se desses precedentes passarmos aos dos nossos dias, veremos a mesma
política de abstenção mantida durante a revolução cubana. Apesar da opinião
dominante nos Estados-Unidos em favor da libertação da ilha e dos planos de
expansão comercial, MacKinley só se empenhou no conflito depois da monstruosa
provocação feita pela destruição do Maine (???),
fundeado no porto de Havana, sob a garantia do pavilhão espanhol. Não é
possível contestar que Cuba, Porto Rico e as Filipinas eram ótimo despojo;
seriam legítima conquista, se o vencedor fora a Inglaterra. Entretanto, o
governo americano evitou fundar os seus títulos no direito da força (???); observou a respeito à mesma linha
de conduta seguida no caso do México, indenizando à Espanha da perda daquelas
colônias. A história não fornece iguais exemplos de generosidade, de fidelidade
e tradições honrosas e de respeito à justiça e ao direito: uma nação formidável,
laureada por feitos heroicos, dotada de meios de ação inéditos e maravilhosos e
apoiada na justiça de sua causa, tratar o vencido em condições de igualdade e
resolver, por um Tratado, aquilo que seria conquista legítima consequência
necessária da estupenda vitória. Ocorre relembrar a inconsistência sentimental
dos conceitos da opinião brasileira sobre a atitude dos Estados-Unidos no
conflito cubano.
‒ Plutocratas ([1])
sem alma ‒ bradavam pela imprensa as penas mais eloquentes e autorizadas ‒ assistem
impassíveis à luta dos heróis que pugnam pela liberdade contra a tirania
espanhola. Argentários ([2]),
frios, veem correr o sangue generoso, como se fora o de lutadores em um “match de box”!
‒ Plutocratas gananciosos ‒ exclamavam, em estos de indignação, as mesmas
penas, inspiradas na simpatia pelo infortúnio dos fracos, quando os
norte-americanos venceram a Espanha e ocuparam Cuba ‒ caíram sobre a presa e
lhe aniquilaram as esperanças de liberdade, o patriótico sonho de Maceo ([3])
e de outros mártires da independência! ...
Esse sentimentalismo contraditório e desvairado, nas suas generosas e
veementes manifestações, nunca se inspirou no estudo desapaixonado dos fatos,
desfigurados e deturpados à feição do secreto temor que o provocava ‒ o
espectro do “Perigo Americano”,
atuando, depois de uma síncope de 30 anos, não só na opinião da massa, senão na
das classes dirigentes. E tal é o poder do preconceito, tão profundamente se
infiltra, que a independência de Cuba e a sua entrada, como pessoa jurídica, no
convívio das nações, não conseguiu demove-lo.
Vem, então, a derradeira objecção da resistência: Libertou-se Cuba do
domínio espanhol, para ser devorada pelos “trusts”.
Com tal critério, não é para admirar que topemos no absurdo.
Do rápido exame dos precedentes da política internacional dos Estados
Unidos resulta a negação completa de tendências de absorção ou anexação de
Territórios por meios violentos, e é logico concluir que, não se infringiram as
suas tradições honrosas nas relações com os povos vizinhos, não há razão para
se suspeitar que cobicem Territórios da América do Sul, onde eles não puderam,
até hoje, expandir a influência comercial.
Depois da abertura do Amazonas, em 1867, esfriou, no Brazil, a agitação
contra os norte-americanos, que desapareceu com a visita do Imperador à
Exposição de Filadélfia, em 1876. Desde então, tendo conhecido de perto o
caráter dos norte-americanos e se assegurado de que deles não provinha ameaça
às instituições monárquicas, deixou de alimentar as carunchosas suspeitas e, em
consequência, o “Perigo Americano”
perdeu o apoio da coroa. Não será aventuroso acrescentar que no espírito lúcido
de Pedro II ficou funda impressão do regime de governo e dos maravilhosos
resultados da democracia, impressão que, não será difícil demonstrar, atuou de
modo benéfico recordar que ele se ufanava de ser um monarca democrata e chegou
a gabar-se, com aparente ironia, de ser o primeiro republicano do Brasil. O
Imperador promoveu com patriótico empenho o estreitamento dos laços de amizade
e as relações comerciais entre os dois povos, sendo o seu último esforço, nesse
sentido, o comparecimento do Brasil à Conferência Internacional em Washington.
Durante o longo período de repouso do germe de agitação, incidentes diplomáticos
da maior gravidade, como o caso da Flórida e Alabama e outros, foram resolvidos
satisfatoriamente, sem quebra das relações amistosas das duas potências, com
provas irrecusáveis da boa vontade dos EUA para com o Brasil. O imperialismo
norte-americano, as tendências de expansão comercial, vitoriosas com o plano
político de MacKinley e muito legítimas da parte de um povo que produz mais do
que consome, trouxeram à perspectiva de políticos de curtas vistas ou de
exploradores levianos de tudo quanto possa enfraquecer o prestígio da
República, o velho “Perigo Americano”,
como sinistra ameaça à integridade da Pátria. Palavras de um orador político,
opiniões esparsas na imprensa, foram, então, avidamente colhidas como elementos
de prova inconcussa das tendências de absorção. Assim, porque o Senador Morgan,
propagador das comunicações interoceânicas pela arrojada empresa do canal da
Nicarágua, referindo-se às contínuas perturbações políticas que ainda hoje
estão agitando a América Central, dominadora do Território onde o canal tem de
ser aberto, afirmou que os povos latinos daquela região necessitavam da tutela
enérgica e da vigilância permanente do governo norte-americano, para serem
removidos os obstáculos continuamente opostos à integração da humanitária obra
de Lesseps ([4]), houve logo
quem pretendesse impressionar a melindrosa fibra do patriotismo indígena,
entrevendo naquele discurso uma ameaça, apesar de ser evidente que o estadista
citado não se referira ao Brasil, que só remotamente é interessado no corte do
istmo do Panamá ou em outro qualquer meio de comunicação entre o Caribe ou o
golfo do México e o Pacífico.
Na desorientação de um pânico pueril, que não passa de lamentável sintoma
da nossa fraqueza ou afrouxamento das energias da nossa raça, chegamos à
revolta contra a hegemonia norte-americana no Novo Mundo, como se ela não fosse
fato sem contestação, posição de supremacia, nobremente conquistada sobre todas
as nações cultas, pela expansão estupenda daquele povo, nos últimos cinquenta
anos, com as armas incruentas
da civilização, da educação moral e cívica, o desenvolvimento industrial e
científico e, sobretudo, pelas instituições, democráticas, cimentando um
vitorioso regime de liberdade e civismo, que os povos da América latina tentam,
em vão, arremedar.
Entre os fatores dessa suspeita intermitente a largos intervalos e que,
agora, se avoluma, deve ser destacado o livro do pranteado polemista e erudito
homem de letras, Eduardo Prado, que, com a “Ilusão
Americana”, impugnou as instituições adotadas pelo Brasil, acentuando, com
admirável e encantadora ironia, defeitos de costumes, erros de política e
outros casos especiais, que não podem oferecer ao critério do filósofo e do
estadista, elementos seguros para o julgamento de um povo, e a afirmação dos
resultados negativos de suas instituições. Eduardo Prado pretendeu demonstrar
que aquilo que nos seduzira ao ponto de copiarmos a Constituição dos Estados
Unidos, o progresso sem precedentes na história da humanidade, as arrojadas empresas
de iniciativa industrial, produzindo prodigiosa riqueza pública e privada e as
conquistas científicas que assombram o mundo, não passam de ilusório aspecto de
um organismo corrompido, falsos ouropéis a enfeitarem um povo dissoluto e
desalmado, que lincha negros, tolera o mormonismo e outras seitas absurdas, e é
governado por banqueiros falsários, trustes de plutocratas imbecis e pela
politicagem imoral da Tammany Hall.
Esse livro, continuação da campanha de Frederico de S., encontrou franco
acolhimento entre os reacionários intransigentes, adversários da República
ainda não resignados, e a esmagadora maioria dos mal informados, porque os mais
esclarecidos apenas sabem dos Estados Unidos o que leram em Tocqueville, há 40
anos, em Bryce, para nós acatado expositor de direito constitucional, ou em
livros humorísticos de viajantes pouco criteriosos no comentário de fatos
colhidos na rápida passagem por uma terra que não tiveram tempo de estudar e
compreender.
A verdade, entretanto, é que essa “Ilusão”
se antolha às decrépitas nações do Velho Mundo como definitiva conquista da
civilização, realizando de um lance aquilo que elas obtiveram, mediante um
bárbaro processo muitas vezes secular, e atingindo ideias apenas entrevistas
por outros povos na tênue nebulosa da utopia. Essa “Ilusão”, que nos apavora, dita leis à indústria com as suas
invenções geniais; prima nas ciências pelos seus mestres, instituições de
educação e as maiores e mais ricas universidades; regula, enfim, a política
internacional com as suas honrosas praxes e humanitários princípios,
demonstrando sempre qualidades inestimáveis de iniciativa e energia no
incomparável regime de liberdade, em que florescem cerca de oitenta milhões de
habitantes. É forçoso concluir que, se tudo isto não passa de uma ilusão, é
preferível à realidade desoladora, ao triste aspecto de velhas nações
europeias, povos que, parece, terminaram a sua missão na história. Eduardo
Prado desempenhou, brilhantemente, o seu papel de adversário intransigente; mas
as suas deduções são tão falsas e obscuras, quanto seria paradoxal concluir do
assassinato de MacKinley que a República não presta, é uma forma de governa
incompatível com o desenvolvimento e a felicidade dos povos.
Quem estudar, imparcialmente, os fatos; reconhecerá, sem dificuldade, a
inconsistência do preconceito que os inimigos da República, assim como grande
parte dos seus mais veementes defensores, pretendem agora exumar. Ficou
demonstrado que é infundado.
Para provar que nos arrasta a contradições flagrantes, basta rememorar
que, nos últimos tempos, flutuamos entre a confiança e a suspeita. Ontem,
perpetuávamos o nosso reconhecimento aos Estados Unidos, por, sua intervenção
benéfica na revolta de 6 de setembro, estrangulada ao primeiro disparo dos
canhões Yankees sobre a “Guanabara”,
votando um monumento a Monroe. Hoje, nos arredores da sua malsinada doutrina,
julgando-a pelos conceitos humorísticos de Evarts, dos quais a política
europeia deduziu a fórmula ‒ “América
para os Americanos do Norte”. E no entanto, ela tem sido formidável
obstáculo ao imperialismo europeu, sempre cobiçoso em expandir-se nos ubertosos
([5])
Territórios da América do Sul, realizando os sonhos da Antártica e da França
Equinocial...
Surge, agora, o arrendamento do Acre, considerado indício veemente da
iminência do “Perigo”.
Não há dúvida que o Contrato Aramayo, suscita um incidente sério e
deprimente dos créditos e do prestígio da Bolívia. Resta, entretanto verificar
se o governo norte-americano aprova e apoia o procedimento de seus representantes,
na assistência velada que deram aos especuladores aventureiros organizadores do
sindicato.
Na pior hipótese haverá, quando o caso for entregue à diplomacia,
discussão de princípios de direito internacional, como sejam
1° Se um governo pode transigir
com a soberania nacional, transferindo-a por contrato ou investindo dela um
indivíduo ou corporação mercantil, estrangeiros com atribuições discricionárias
para administrar, lançar impostos e organizar forças de mar e terra, na
fronteira não delimitada de nação amiga;
2° Se esta é obrigada a
reconhecer como legítima a transação, e entreter relações com esse soberano
comercial exótico, sem delegação por voto expresso da nação;
3° Se é válida, em face
do direito internacional público e privado, a enfiteuse ([6])
de Território mantido em posse mansa, pacífica e legitimada de cidadãos de
nação amiga;
4° Se a navegação do Rio
Purus pertence de direito, exclusivamente, às nações riparias ([7]),
ou si ele e seus afluentes constituem vias de comunicações internacionais.
A exceção da dúvida relativa à navegação, é de esperar que o governo norte-americano esteja de acordo com o do Brasil, a não ser que, por uma aberração inqualificável e monstruosa, prefira à nossa amizade o interesse de aventureiros cobiçosos dos seringais dos igapós do Acre, ou renuncie às honestas normas de política e às tradições preciosas que constituem a sua glória. Domingos Olympio (OS ANNAES, N° 79)
Bibliografia
OS ANNAES, N° 79. Páginas
Esquecidas – O Perigo Americano ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Os Annaes,
n° 79, 03.05.1906.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Plutocratas: pessoa
influentes em razão da fortuna que possui.
[2] Argentários:
capitalistas.
[3] José Antonio de
la Caridad Maceo y Grajales (1845/1896), um dos líderes do Exército Libertador
de Cuba durante a Guerra da Independência, conhecido como o “Titã de Bronze”, em referência ao tom de
sua pele e estatura. Os espanhóis o apelidaram de “Leão Maior”.
[4] Ferdinand de
Lesseps: diplomata e empresário francês que ficou conhecido por promover a
construção dos canais de Suez e do Panamá.
[5] Ubertosos:
fecundos.
[6] Enfiteuse: é
instituto do Direito Civil e o mais amplo de todos os direitos reais, pois
consiste na permissão dada ao proprietário de entregar a outrem todos os direitos
sobre a coisa de tal forma que o terceiro que recebeu [enfiteuta] passe a ter o
domínio útil da coisa mediante pagamento de uma pensão ou foro ao senhorio. (lfg.jusbrasil.com.br)
[7] Riparias:
biomas que se distinguem pela interação entre vegetação, solo e um curso
d'água.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H