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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCCLXXVIII - Manifesto dos Revolucionários Acreanos - I


Manuel Francisco Pacheco - Gente de Opinião
Manuel Francisco Pacheco

Bagé, 07.01.2022

 

A Questão do Acre

 

Nesse contexto, de grandes expectativas, foi que surgiu a figura exótica do espanhol Luiz Galvez R. de Arias, acompanhado de vinte e quatro subalternos, “provavelmente” apoiados pelo Governador do Estado do Amazonas Coronel José Ramalho Júnior. No dia 14.07.1889, na sede do Seringal “Empresa”, a montante de “Puerto Alonso”, Galvez proclamou o “Estado Independente do Acre”, e assumiu a liderança do novo governo. A aventura ousada de Galvez, foi breve, o próprio governo brasileiro, atendendo aos pedidos bolivianos, enviou um contingente do Exército ao Acre, com o objetivo de prendê-lo e conduzi-lo a Manaus.

 

Em 15.03.1900, a frustrada aventura findou, mas teve, porém, um grande mérito que foi despertar a atenção nacional para Questão Acreana. Dando continuidade ao movimento os chefes acreanos, encabeçados pelo Coronel da Guarda Nacional e proprietário do Seringal “Bom destino” Joaquim Victor da Silva, divulgaram um manifesto, redigido por “Fran Paxeco” ([1]), que foi lido em março de 1900, em Belém, por Rodrigo de Carvalho, funcionário do estado do Amazonas e um dos mais prestigiados líderes do movimento.

 

No auditório repleto da “Associação Comercial”, foi lido o “Manifesto dos Revolucionários Acreanos”, e cujo teor foi repercutido pela imprensa em todo o território nacional.

 

Luiz Galvez, no Acre, de onde saiu quase morto, com beribéri, provou que era honrado como os mais honrados, sacrificando-se com alma por uma causa nobilíssima. Os serviços que prestou ao Brasil com esta ousadia resgataram triunfantemente quaisquer outros atos censuráveis, por ele praticados no desespero da labuta pela vida.
(Fran Paxeco ‒ OCS, n°10)

 

O Cruzeiro do Sul, n° 007

Cruzeiro do Sul, AC ‒ Domingo, 24.06.1906

Manifesto dos Revolucionários Acreanos ([2])

 

Devo informar-vos de que a Amazônia irá perder a melhor zona do seu território, a mais rica e a mais produtiva; porque, dirigindo-se a linha geodésica de 10°20’ a 07°01’17,5”, ela será muito inclinada para o Norte, fazendo-nos perder o Alto Rio Acre, quase todo o Iaco e o Alto Purus, os principias afluentes do Juruá, e talvez os do Jutaí e do próprio Javari, Rios que nos dão a maior porção de borracha extraída por brasileiros. A área dessa zona é maior de 5.870 léguas quadradas. (Thaumaturgo de Azevedo)

 

I ‒ A História da Revolução

 

Manifesto recentemente publicado por Luiz Galvez Rodrigues de Arias, no “Diário de Notícias”, de Manaus, explica com precisão a origem do levantamento patriótico do povo acreano contra o domínio ilegal o despótico da Bolívia e dos seus diversos delegados naquelas regiões. Nele constata aquele incansável cidadão as diligências a que procedeu no Pará ([3]) e em Manaus, como representante dos Revolucionários do Acre. A sua convivência em Belém com o Sr. Dr. José Paravicini, plenipotenciário da Bolívia no Brasil, levou-o ao conhecimento do ofício do Sr. General Dionísio Cerqueira, Ministro do Presidente Prudente de Moraes. Em semelhante comunicação é que o Sr. Paravicini se apoiou para levar a cabo os seus intentos de ocupação, absolutamente ilegítima, não só por se ter estabelecido em território incontestavelmente brasileiro, como por não estar autorizada pelo beneplácito do Congresso Federal. E tanto assim é que o Sr. Paravicini, cônscio de que rasgava as negociações diplomáticas, ao instalar a Alfândega do Puerto Alonso, insinuou ao “Jornal do Comércio”, do Rio, que a sua viajem àquelas paragens era uma simples vilegiatura ([4]). O ardiloso ministro boliviano mostrava, com esta argúcia, que os seus propósitos eram criminosos e iam de encontro ao que se acordara entre as chancelarias do Brasil o da Bolívia.

 

O ofício do Sr. Dionísio Cerqueira, que pela primeira vez foi publicado na “Província do Pará”, em 7 de maio de 1899, na entrevista havida entre o Sr. Paravicini e o repórter daquela Folha, que não era outro senão Luiz Galvez, é do teor seguinte:

 

2ª Seção, n° 6. Rio de Janeiro. Ministério das Relações Exteriores, 22.10.1898.

 

O Ministro de Estado das Relações Exteriores faz os seus atenciosos cumprimentos ao Sr. Dr. Paravicini, enviado extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Bolívia, e, como resposta provisória ao “memorandum”, anexo à sua nota de 15, do corrente, tem a honra de participar-lhe que hoje declara pelo telégrafo ao Governador do Estado do Amazonas que pode concordar no estabelecimento do Posto Aduaneiro margem do Acre ou Aquiri, em território incontestavelmente boliviano, isto é, acima da linha tirada do Madeira à nascente do Javari, na verdadeira Latitude determinada pelo Capitão-Tenente Cunha Gomes.

 

Também participa que hoje se entende com o Sr. Ministro da Fazenda, para que dê pelo telégrafo as ordens necessárias, a fim de serem nas Alfândegas de Manaus e Pará recebidos os documentos expedidos pelo Posto Aduaneiro do Rio Acre, como justificativos das mercadorias em trânsito. O Ministro das Relações Exteriores assim procede, confiado na declaração feita pelo Dr. Paravicini no seu “memorandum”, se­gundo o qual o dito Posto Aduaneiro será estabelecido em trânsito incontestavelmente boliviano, isto é, na forma declarada ao Governador do Amazonas.

 

Observa-se por este ofício que ele encerra apenas uma resposta provisória sobre a questão e salienta as restrições da permissão. Nem diferente poderia ser a conduta do Sr. General Dionísio Cerqueira, que, em 25.04.1898, afirmava ao mesmo Sr. Paravicini este princípio básico das negociações:

 

Provada, como fica, a necessidade de retificação, não pode o Governo Brasileiro continuar pela sua parte a demarcação; suspende-a, para se entender com o Governo Boliviano, e não poderia continuá-la agora sem obter do Congresso Nacional o crédito necessário.

 

Estas palavras são por demais concludentes. Mas o Sr. Paravicini olvidou tudo quanto a boa-fé dos Tratados lhe impunha e, abreviando o convênio por seu livre arbítrio, foi em “vilegiatura” ao Acre e lá estabeleceu a repartição alfandegária, dizendo ali o seu agente Benigno Gamarra, em ofício de 12.09.1898, que a Bolívia, de “acordo com o Brasil”, resolvera tomar pos­se da parte que lhe corresponde, “segundo disposição” do Congresso Brasileiro. Estas deslealdades do Ministro da Bolívia e dos seus delegados, cujo procedimento resumimos em rápidas indicações, pois no magnífico livro “O Rio Acre”, de Serzedello Corrêa, acha-se tudo exposto com a máxima clareza, seriam o suficiente para cortar combinações diplomáticas. Mas o Governo Boliviano, reconhecendo talvez estas flagrantes inadvertências ([5]) de seu Ministro, demitiu-o após a indevida ocupação, com todo o seu cortejo de iniquidades praticadas contra brasileiros, nomean­do um novo Ministro, o Sr. Salinas Vega, e uma nova Comissão Aduaneira. Julgou então o Sr. Olintho Magalhães, Secretário das Relações Exteriores, assisado ([6]) reentabular ([7]) as negociações, assinando um Protocolo tão incongruente como o de 1895, dos Srs. Carvalho e Medina, que é nulo de pleno direito. Todas estas resoluções foram tomadas levianamente, sem se atender aos interesses dos brasileiros residentes no Acre e mirando-se exclusivamente a servir à cobiça da Bolívia, que títulos alguns possui para dominar naquela zona, que pertence ao Brasil somente, conforme a doutrina do “uti possidetis”, já apontada no tratado de 1867, e a história das lutas coloniais de limites, que em breve se desenterrará do pó dos arquivos, ressuscitando-a em toda a sua esplendente clarividência.

 

Os Rebeldes Acreanos, ao enfrentarem os prós e os contras do seu patriótico movimento, conheciam minudentemente ([8]) os convênios realizados e os fatos pretéritos, contemporâneos do Brasil Colonial e do Brasil Imperial. O seu patriotismo não podia admitir, portanto, que o Brasil Republicano abandonasse sem-cerimoniosamente a área mais produtiva da Federação na atualidade. Preferiram os Revolucionários acreditar que o Governo Federal desconhecia a questão, como consignou a “Província do Pará”, ignorando tudo quanto respeitava ao imenso pedaço requestado ([9]), superior em extensão a numerosos Estados da União. Creram nesta hipótese e aguardaram o ensejo de esclarecer os Poderes Públicos da República. E esse momento chegou, finalmente. É agora ocasião de declarar que os insurretos, a cujos esforços se deve o desbravamento das plagas acreanas, prepararam aberta e francamente a Revolução contra as prepotências da Bolívia, afim de reintegrarem à mãe Pátria a pérola que ela queria soterrar, por insciência ([10]) da riqueza que perdia.

 

Não os demoveu do seu fito ([11]) proposta alguma, embora o Sr. Adolpho Ballivian, Cônsul da Bolívia em Londres, que se achava em Manaus com a Comissão Boliviana, chefiada pelo finado Sr. Pedro Kramer, pro­palasse em várias rodas que o seu país se apoderaria do Contestado por dinheiro. Os revolucionados não pediram, nem pedirão, um ceitil ([12]) ou um Soldado ao Brasil, para defender a integridade da Pátria.

 

Apenas lhe rogaram e rogam que se mantenha neutral, porque eles, arrostando com todos os sacrifícios, saberão couraçar os seus domicílios e as suas fortunas contra a incursão boliviana. Nada carecem os rebelados da mãe Pátria, senão justiça às suas honradas aspirações. Operaram de moto próprio, munindo-se com o armamento e víveres necessários e convocando para a peleja uma legião de 5 a 6.000 homens. Tudo se fez por amor do Brasil, examinando os Tratados executados pelo Governo Central e a linha de proceder incorretíssimo dos emissários bolivianos, cujas tropelias e desrespeitos à propriedade brasileira eram desconhecidos na Capital Federal. Insurgimo-nos espontaneamente, convencidíssimos de que o venerando Presidente da República consideraria o nosso ato de patriotismo e de que só por este modo poderíamos salvar a Amazônia duma crise comercial pavorosa, de consequências incalculáveis. Eis o que nos diz a consciência.

 

II ‒ Organização do Estado

 

É sabido por quem acompanha as coisas do Amazonas que a jurisdição deste Estudo jamais se preocupou com a vida acreana. O Acre, que ainda há poucos anos se incluía na Comarca da Lábrea, foi pelo Capitão Fileto Pires Ferreira, Governador do Amazonas, desligado para o município do Antimarí, hoje chamado Floriano Peixoto. Releva notar que os territórios em litígio abrangem a extensão de 5.870 léguas quadradas. Por aqui se poderá avaliar que Ordem e Progresso poderia haver numa zona deste quilate, habitada por mais de 30.000 brasileiros. (OCS, n° 007)

 

Bibliografia

 

OCS, n° 007. A Questão do Acre ‒ Brasil ‒ Cruzeiro do Sul, AC ‒ Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 007, 24.06.1906.

 

OCS, n° 010. Manifesto dos Revolucionários Acreanos – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 010, 15.07.1906.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·       Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·       Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·       Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·       Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·       Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·       Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·       Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·       Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·       Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·       Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·       Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·       Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·       Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·       E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

A Terceira Margem – Parte CCCLXXIX

 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 10.01.2022

 

 

Manifesto dos Revolucionários Acreanos - II

 

O Cruzeiro do Sul, n° 008

Cruzeiro do Sul, AC ‒ Sábado, 30.06.1906

Manifesto dos Revolucionários Acreanos

(Continuação)

 

Os bolivianos, quando se apossaram da cidade do Acre, limitaram-se a construir umas três ou quatro barracas, cuidando mais de cobrar impostos de exportação do que de promover o desenvolvimento da região que tinham conquistado perfidamente. A justiça cifrava-se ([13]) no absolutismo do corregedor Antônio Leite Barbosa que aproveitava o prestígio das suas funções para tratar dos seus lucros particulares, como se verifica de um mandado que expediu a um seu devedor, ordenando-lhe sumariamente que fosse pagar à sua mulher umas contas atrasadas. Esta ocorrência publicada na imprensa de Manaus e do Pará, dá a medida exata do caminho seguido, pela Bolívia na sua curta administração. Mais: o Sr. Dr. José Paravicini, com o fim de fomentar o concubinato entre os brasileiros, decretara que os antigos juízes continuassem a fazer casamentos civis, os quais eram nulificados, pela constituição católica da Bolívia. Que moralidade – a deste ministro! Luiz Galvez, assim que se proclamou o advento do Estado Independente do Acre, lançou os alicerces duma capital garrida, edificando barracões elegantíssimos, visto escassearem naquelas paragens os materiais de construção. Quem quer que passou pela capital do novo Estado Brasileiro atestará a salubridade que ali se goza e a regularidade agradável das ruas que formam a novíssima população, erguida com o desinteressado concurso de brasileiros.

 

O Presidente do novo Estado, probo nas suas tentativas, decretou imediatamente a organização administrativa. Constituíram-se logo o poder judiciário e os distritos militares. A polícia estabeleceu-se em todo o território e as repartições privativas começaram a funcionar, desde a Secretaria do Governo à junta de Higiene e Capitania do Porto. Quem assim trabalha revela intuitos sãos e nunca o fim de anarquizar. No Acre não existiam autoridades brasileiras e o Estado Independente outorgou-lhas, revestidas do todo o acatamento. Esta organização, de resto, era, há muito reclamada por aqueles laboriosos povos. Por esta maneira ficou garantidíssima a paz em todo o território, sendo respeitados com generosidade os seringueiros bolivianos e prosseguindo as fainas quotidianas em completo repouso, sem aparecer o menor motivo para queixas dos dirigentes da revolução, que estavam empenhados, unissonamente ([14]), em demonstrar ao público as suas intenções liberais e humanitárias. O zelo do governo provisório atingiu o ponto de adquirir uma sortidíssima farmácia, que mais tarde foi destruída pelo vandalismo da Comissão Boliviana! Este espírito de concórdia acabava por uma vez com o “regimen” do caciquismo ([15]) no Acre, onde até à data legislava impunemente o rifle, manejado por Leites, Felícios e outros, cujos nomes é desnecessário gravar. Os dísticos da bandeira sacrossanta – “Ordem e Progresso” – passaram a ser uma realidade esplendorosa em toda a região do Acre e Xapuri, voltando aos ânimos à confiança que os carrascos bolivianos não conseguiram insuflar-lhes. Esta é a verdade inegável, digam o que disserem os caluniadores.

 

III ‒ Os Primeiros Incidentes

 

Era natural que, prevenidos como estavam todos, se dessem alguns incidentes nos primeiros tempos. A imprensa, mal informada sobre a lisura dos promotores da Revolução Acreana, desencadeara sobre o chefe aclamado uma tempestade assombrosa de epítetos ([16]) crus, pretendendo levar para o grotesco uma rebelião sagrada, que só visava a defesa da Pátria Brasileira. Não se lembravam esses cavalheiros, que tão irrefletidamente falavam dos sucessos do Acre, de que os chefes do movimento enviavam para as praças do Pará o Manaus, anualmente, o melhor de dois milhões de quilos de borracha ([17]), o que equivale a 26.000 contos de réis, cotando o quilo da goma elástica ao preço mínimo de 13.000 réis. Esqueciam esses indignados que os trabalhadores do Acre, que se ufanam de ser a pedra angular da grandeza amazônica, poderiam tomar uma represália violenta, gerando uma crise intensíssima na Amazônia.

 

Não se recordavam os incendidos ([18]) censores de que quem tinha a velar por 26.000 contos de réis nunca se transformaria em bandoleiro desceria a sacrificar o seu bem estar e a sua autonomia particular; adquirida à custa de tanto suor, tantas doenças e tantas vítimas, combatendo por uma causa ruim e censurável, que afetasse os interesses da Amazônia em especial e os do Brasil em geral. Assim foi que aconteceram os incidentes do vapor “Cidade do Porto de Moz”, plausivelmente elucidados pelo Sr. Gentil Pereira, da casa Marques Braga & Ciª, e da lancha “Garantia da Amazônia”, suficientemente aclarados também.

 

O Estado Independente praticou uma transação lícita, ficando o finado Sr. Victor Bezerra com um documento em seu poder. O que executou este malogrado cidadão não passou de um negócio bastante favorável à sua empresa, prestando-se até a subir o Xapuri, na qualidade de inspetor do tesouro acreano. A responsabilidade contraída será respeitada pelo Estado, assim que o embolso dos impostos seja feito. E, caso queiram os herdeiros apelar para os tribunais, em Santa Cruz, na Bolívia, é que a ação se proporá. O acordo amigável é, por consequência, a mais imediata das soluções. Nós não encampamos leviandades, doa a quem doer. Ambos estes incidentes, cujo desarrolar ([19]) é o mais legítimo possível, provocaram à imprensa duros comentários.

 

A luz fez-se, no entanto, e todos se capacitaram de que não havia pretexto para tamanho alarma. Mas as inverdades, como ordinariamente sucede, divulgaram-se e ganharam raízes na opinião pública. Lá diz o saber popular: ‒ Das injustiças sempre fica alguma coisa. E destas clamorosas inveracidades restou, pelo menos, a confusão nos espíritos, que este nosso manifesto deve arredar por completo, se acaso as praças de Manaus e do Pará dispensam à Comissão signatária, como até aqui hão generosamente dispensado, o crédito que há vinte anos lhe fornecem em transações múltiplas, onde por grande parte figura a nossa palavra ilibada, livre de qualquer contrato ou escritura. Um superior conceito as tem orientado. Os signatários, que na sua maioria usufruem um feliz viver, não precisam de recorrer a artimanhas políticas. A nossa política é a da honra e dignidade brasileiras e com este lema é que iniciamos e sustentaremos o Movimento Revolucionado do Acre, esclarecendo com toda a lealdade os episódios que têm esmaltado os nossos constantes esforços.

 

Da Revolução pretendemos unicamente a glória de trabalhar pela reivindicação dos seculares direitos brasileiros à região por nós arroteada e engrandecida. Nada mais, nada menos.

 

IV – O Caso do Riozinho

 

Constara no Riozinho ao Coronel Antônio do Sousa Braga, por intermédio de diferentes amigos, que Luiz Galvez havia proibido o embarque da borracha para o Pará e Manaus. O Cel Braga, lesado no seu comércio e antevendo sombrios desastres, determinou usar da força de que dispunha e prender o Presidente Galvez, a fim de revogar o decreto aludido. Assim se fez, embarcando-se imediatamente a goma elástica em depósito. Mais tarde, excetuando-se uma conferência entre Cel Braga e Galvez, este participou ao novo Presidente; os motivos, da sua deliberação e que consistiam no receio que tinha de que os bolivianos, que estavam já de posse de Puerto Alonso, se apropriassem da borracha armazenada, causando um enorme prejuízo aos comerciantes acreanos.

 

Braga, então, vendo a hombridade cívica de Galvez, reconheceu a sua correção e não hesitou em confiar-lhe do novo a Presidência, visto estar convicto da sua honestidade no movimento, apesar das difamações que injustissimamente se tem propalado. Renunciou o elevado cargo, visto a sua saúde encontrar-se bastante alterada e ter que dar cumprimento a uma espinhosa comissão dos revolucionários e tratar de urgentes negócios nas praças do Pará e de Manaus, sob a condição expressa de se indultarem todos os presos políticos, o que realmente se cumpriu. As cartas do Cel Braga e comandante Álvaro pormenorizam o deturpadíssimo caso do Riozinho. Estas missivas, como outras publicações, farão parte do corpo do documentos que a Comissão brevemente publicará em livro; para ser distribuído em toda a Federação Brasileira e no estrangeiro.

 

Adrede ([20]) vem o desfazer a inventiva de que os acreanos têm por Luiz Galvez um fanatismo. Não! Os insurretos admiram e seguem este benemérito da revolução, como enalteceram o Coronel Antônio de Souza Braga, porque ambos puseram os seus valiosos e leais serviços ao dispor dos batalhões.

 

Ali não há pessoas a guindar ([21]), mas sim princípios invulneráveis a barricar ([22]). Ali não se atende a caprichos momentâneos, nem a cálculos interesseiros, mas sim à soberana vontade popular, que é unânime em advogar a causa do Brasil, qualquer que seja o dirigente das suas hostes, uma vez que o seu caráter se comprove em surtos de abnegação.

 

Fanático é o religioso, que caminha para o abismo, se lhe acenarem com a cruz e a fé, inda que fementidamente ([23])! Fanático é o politiqueiro, que muitas vezes se deixa embair ([24]) por cantos de sereia e arremessa à perdição a família e a vida! Fanático é o militar, quando obedece cegamente à estrela dos generais e lhes entrega os peitos, no mais temerário dos recessos, no mais hiante ([25]) dos perigos! (OCS, n° 008)

 

O Cruzeiro do Sul, n° 009

Cruzeiro do Sul, AC ‒ Sábado, 07.07.1906

Manifesto dos Revolucionários Acreanos

(Continuação)

 

Esses, alucinados pelo erro ou pela idolatria, cognominam-se fanáticos. Mas os Revolucionários do Acre, cujos intuitos se abroquelam ([26]) na razão da História e nas convenções do Direito, não venderam ainda as suas retinas e claras, nem tão pouco se deixaram obcecar por falazes aparências. Os Rebeldes Acreanos, se insistem no termo, entremostrarão o fanatismo da Pátria! E esse é belo como as auroras, puro como as vestais, inatingível por ditérios ([27]), inatacável por desconchavos ([28]).

 

V – A Comissão Boliviana

 

O fato da ida da Comissão boliviana a Puerto Alonso merece uma narração circunstanciada. A Comissão foi chefiada pelo falecido Sr. Ladislau Ibarra, em razão de se haver dado em Manaus o passamento do Delegado Pedro Kramer. Esta Comissão pacífica, que seguiu no Manaus, principiou por armar em guerra este vapor. No Acre, onde se achava já praticando as maiores arbitrariedades o detestado Capitão Antônio Leite Barbosa, comandante geral das armas bolivianas, este renegado fardou quatro brasileiros com o uniforme da Bolívia. Foram presos, ao mesmo tempo, cinco portugueses, sendo forçados a vestir a farda boliviana. O navio Rio Acre foi preso nesta ocasião, por se ter avisado de Manaus que ele ia fretar-se à gente da Bolívia. O comandante deste vapor, Sr. Neutel Maia, enchera o Acre de boatos aterradores.

 

Em 12 do janeiro, tendo à sua frente o Coronel Antônio de Souza Braga, as forças acreanas travaram combate com “Manaus”, hasteando neste vapor e na cidade a bandeira do Acre.

 

Os primeiros pelotões militares foram comandados pelos Coronéis João Passos de Oliveira e Hipólito Moreira. É bom frisar, antes de prosseguir, que o Coronel Braga tinha mandado a bordo um parlamentário, que se viu obrigado a recuar, sendo morto pela Comissão boliviana um dos tripulantes da montaria. Esta barbaridade inaudita é que decidiu o definitivo rompimento. A Comissão tinha transportado para bordo do “Manaus” tudo quanto havia encontrado na cidade do Acre, no momento desabitada ‒ mercadorias, artigos de farmácia, armamento, etc. ‒ arrombando as malas das poucas pessoas que estavam na capital. O Coronel Braga ordenou que revertessem esses furtos aos seus primitivos lugares e legítimos proprietários. Os guerrilheiros do Capitão Leite, brasileiros, aderiram aos acreanos, sendo preso e sentenciado e vendido, ‒ que declarou estar ao serviço da Bolívia, por lhe ter prometido esta comprar o seu Seringal “Humaitá”, por dois mil contos. Este simples traço caracteriza a Bolívia e os seus defensores.

 

O boliviano Romualdo de la Peña, membro da Comissão, oficiou ao Presidente Braga que não mais hostilizaria a independência do Acre e o comandante Vinhas, do “Manaus”, escreveu que todos os abusos e vexames se deviam ao Capitão Leite. No Seringal deste, que foi tomado, apreenderam-se oitenta rifles e trinta e dois cunhetes de bala, além de sacos com munições, fardas e bonnets ([29]) bolivianos. Estes sucessos, juntos ao ameaçador decreto do estado de sítio, no qual se anunciava o fuzilamento dos patrióticos chefes do movimento acreano, demonstravam à evidência que a Comissão “pacífica”, calcando as regalias dos cidadãos brasileiros, desejava impor-lhes a ferro e fogo o seu domínio sanguinário.

 

Os insurretos tinham bem patente aos seus olhos o pelourinho que o Sr. José Paravicini fizera levantar em Puerto Alonso, quando a desídia ([30]) diplomática o levou a inaugurar naquele local uma Alfândega ilegalíssima e atentatória da soberania da República Brasileira. Essas e outras saudosas recordações é que induziram a receber à bala os intrusos, que pretendiam decepar o tronco aos nacionais, depredar os haveres alcançados com tantos sacrifícios e povoar de bolivianos a riquíssima zona.

 

O patriotismo segredava-nos que expulsássemos esses algozes. Assim o fizemos, com coragem e nobreza!

 

VI – A Visita do Jutaí

 

De há muito tempo se noticiava a partida para o Acre do aviso de guerra “Jutaí”, sob o cominando do Sr. Capitão-Tenente Raimundo Valle, Vice-Cônsul brasileiro em Puerto Alonso. Chegaram, finalmente, ordens positivas do Governo Federal e o barco seguiu ao seu destino, sem talvez saber a missão que ia desempenhar.

 

O “Amazonas Comercial”, de Manaus, inspirado pelo Cônsul da Bolívia naquela cidade, e que desde a missão Paravicini tem defendido a ocupação boliviana, infamando os homens que se acham na vanguarda revolucionária do Acre, os quais todos têm muitíssimo que perder, aventou a emergência de ser aprisionado pelos revoltosos o “Jutaí”, visto conduzir uma diminuta guarnição. Os irmãos do comandante Vale quiseram mesmo responsabilizar o ilustre Capitão do porto pelos desastres que pudesse haver.

 

Mas todas estas conjecturas não passavam de graciosas, não obstante a publicação de uma carta imprudentíssima do 1° Tenente Pina Júnior. O temor dos Srs. Dr. Domingos Vale e Enéas Vale afigura-se-nos muito justo. Outro tanto não sucedia, contudo, no jornal aludido, que só tinha em vista alvoroçar o Brasil com o lançamento desairoso daquela atoarda ([31]) comprometedora. Esta gazeta, cujas simpatias inconfessáveis pela Bolívia foram registradas no volume “O Rio Acre”, de Serzedello Corrêa, tem malsinado os intuitos bons da Revolução Acreana, desconceituando-se na sociedade manauense, porque todas as suas fantasias de órgão boliviano hão sido desmentidas, desde os crimes irrogados ([32]) a Luiz Galvez à descrição mentirosa dos sucessos de Riozinho.

 

A mais recente e solene refutação às caluniosas afirmações do “Comercial”, que alguns jornais do Pará impensadamente reproduziram, reside nas festas estrondosas com que o aviso “Jutaí” foi recebido. O Coronel Hipólito Moreira, que a elas assistiu, certifica-nos de que o Navio de Guerra brasileiro foi aclamado entre delirantes vivas à armada brasileira, tendo o aviso saudado o Governo do Estado Independente do Acre com um tiro de canhão, que foi galhardamente correspondido pelas descargas do Exército Acreano, enfileirado em terra. Em seguida, visitando a cidade, no meio do frenético entusiasmo dos habitantes, o comandante Vale retirou-se para Antimarí ou Floriano Peixoto, onde tem cobrado os emolumentos ([33]) do seu vice-consulado, aliás arbitrariamente, porque a ninguém apresentou as suas credenciais.

 

Este é o documento caloroso de que os acreanos estão prontos para submeter-se a qualquer autoridade brasileira. O Brasil que mande para o Acre um único representante, um só, seja ele qual for, e os rebeldes sujeitar-se-ão sem objeções às suas ordens. Consente, por outro lado, que subam pelo Amazonas os usurpadores bolivianos, ainda que vão aos milhares, acompanhe-os com a sua força, retire-se depois, porque não é tutor de nação alguma, e verá que nas pinturescas ([34]) ribeiras do Acre, como o Sr. Ibarra disse poeticamente, no Decreto do Estado de Sítio, não ficará à sombra de um fantasma do berço do negregado ([35]) Melgarejo ([36]), ‒ porque os acreanos querem ser brasileiros e não tolerarão que o Brasil os obrigue a reconhecer outra Pátria!

 

VII – Os Interesses da Amazônia

 

Concordamos em que são sensíveis as complicações sobrevindas ao comércio amazônico, mas não tantas como os alvissareiros alugados à Bolívia supõem. A pendência resolver-se-á nos gabinetes diplomáticos ‒ e melhor será assim, porque os insurretos não estão dispostos a ceder um palmo do seu território, nem um ápice das suas prerrogativas. As verdadeiras consequências mas, as únicas para temer, efetivamente estupendas, adviriam da paralisação dos negócios comerciais. Essa lamentável interrupção, que a força das circunstâncias impôs, embora não se prolongasse e fosse mais originada pela dificuldade dos transportes do que pelas determinações da Junta Governativa, germinou em toda a Amazônia um começo de crise. A falta de borracha, que é em grande parte colhida naquela fértil região, cobiçadíssima pelos abutres norte-americanos e bolivianos, alastrou um transtorno deveras notável. Sentimos, por todos os motivos, este obstáculo passageiro das duas importantes praças do Norte, que estão sofrendo o que há pouco magoou a Bahia [Motim de Canudos] e não há muito molestou o Rio Grande do Sul [Revolta dos Federalistas]. Estes contratempos mínimos são naturais, todavia, apoiamos os que se lamentam desta quebra nos seus interesses, da qual participamos por igual. Mas acaso o ideal desta Revolução comparar-se-á aos fins inclassificáveis dos promotores daquelas sedições condenáveis? Porventura o proceder patriótico dos acreanos pode semelhar-se aos distúrbios fomentados pelos jagunços o pelos maragatos? Não valerá a pena, em verdade, suportar um abalo econômico financeiro transitório, a bem do pundonor pátrio, manchado pela ousadia boliviana. Pertencemos ao número dos que entendem que a Pátria é credora de todas as imolações no seu altar augusto. Quem se não sacrifica pela sua Pátria é incapacíssimo de possuir um sentimento bom. E o comércio tem proporcionado cabais provas de que sabe aguardar com calma e prudência os acontecimentos, certo de que os seus pequenos prejuízos de hoje, se existem, terão amanhã uma rasgada compensação. (OCS, n° 009)

 

O Cruzeiro do Sul, n° 010

Cruzeiro do Sul, AC ‒ Domingo, 15.07.1906

Manifesto dos Revolucionários Acreanos

(Continuação)

 

Asseguram os Revolucionários do Acre que toda a goma elástica baixará, logo que o Brasil dissimule as negociações diplomáticas incabíveis e afirme à sua; neutralidade no terreno litigioso, liquidando a questão perante os relatórios dos Srs. Barão de Teffé, Thaumaturgo do Azevedo e Cunha Gomes.

 

Este procedimento altamente patriótico é ditado ao Dr. Campos Salles pela resistência dos acreanos; que persistem em considerar-se brasileiros e não admitem a menor dúvida, sobre este ponto, ao Governo Federal. Tudo serenará, desde que o venerando Presidente da República Brasileira não trepide em seguir esta conduta. O comércio da Amazônia não perderá um real e a tranquilidade voltará a todos os ânimos, sem ser necessário desenrolar o tristíssimo espetáculo do massacre de brasileiros, que se batem pela Pátria, pelos próprios irmãos.

 

A fraqueza do governo da União perante as exigências inqualificáveis da Bolívia, a manter-se, acarretará um rombo de 26.000 contos de réis anuais nas praças de Belém e de Manaus, o que significa o aniquilamento completo destes importantes centros mercantis. Esses 26 mil contos resultam da produção acreana de dois milhões de quilos de borracha, ao preço de 13.000 réis o quilo. A União que escolha entre os dois polos – a morte da Amazônia e a vitória da Bolívia. Os acreanos somente lhe pedem que se abstenha de intervir na contenda motivada pela posse. É uma reclamação patriótica e assaz razoável. Eles se encarregam de escorraçar os bolivianos dos seus lares e das suas propriedades, por todos os meios ao seu alcance, que são inúmeros.

 

E o comércio da Amazônia, por seu lado, que tem fundas estacas em toda a República e no estrangeiro, observando com critério os fins da Revolução, há de confirmar que todas as suas práticas hão sido honestíssimas. Escutem a nossa voz, que é sincera e verdadeira, e evitem a todo o transe o prosseguimento dos ruinosos protocolos e convênios do Governo Central, que se têm multiplicado com uma admirável rapidez e desmoronamento. O Norte é atualmente a única paragem próspera desta imensa República. [...] Aqui vos garantimos a segurança do comércio e a satisfação dos compromissos dos acreanos. Ninguém desmereceu ali dos créditos até ao momento auferidos. E de ora avante menos razões tereis para a mais insignificante queixa, porque os signatários, que nada têm com Uhthoffs ([37]) e quejandos ([38]), hipotecam às praças do comércio do Pará e de Manaus a sua honra no desempenho desta formal declaração. Auxiliem os negociantes do Acre, porque eles representam a guarda indestrutível do comércio amazônico e da integridade territorial do Brasil.

 

VIII ‒ Os Fins da Revolução

 

O único homem que no Brasil tem estudado a Questão do Acre, havendo mesmo publicado um minucioso livro sobre ela, é o distinto engenheiro e probidíssimo Deputado Federal, ex-Ministro da República, o Sr. Dr. Serzedello Corrêa ([39]).

 

Foi o seu brado altivo e honrado o único a levantar-se, no meio do coro de ápodos ([40]) chãos que só endereçavam aos revolucionados acreanos, esses “bandidos honestos”, na frase do eminente o imaculado homem público, uma das mais puras glorias brasileiras. Pois esse vulto aureolado, na sua obra “O Rio Acre”, páginas 206-207, tira as seguintes conclusões evidentíssimas de toda a questão, na qual a diplomacia brasileira, por infelicidade, tem andado completamente às apalpadelas:

 

o protocolo de 1867 ([41]), a que se reporta. Em consequência, esse protocolo equivale a um novo ajuste pelo qual perde o Brasil uma área avaliada em 5.870 léguas quadradas. E, portanto, tal protocolo não pode subsistir sem aprovação do Congresso Nacional e, sem ela, é nulo do pleno direito;

 

ainda quando se queira negar essa afirmativa, que é evidente desse protocolo não resulta direito algum à Bolívia porquanto a demarcação que por ele se ajustou não está concluída e a parte efetuada, longe de ter sido aprovada, foi impugnada pelo Brasil;

 

o tratado Carvalho-Medina não consulta os interesses do Brasil e, não tendo sido aprovado até agora pelo Congresso Nacional, não está em vigor e portanto dele não resulta direito algum à Bolívia;

 

conseguintemente; o território em que está situada a alfândega de “Puerto Alonsonão é, a título algum, boliviano;

 

a Bolívia invadiu e está ocupando território brasileiro, no qual exerce jurisdição e arrecada impostos;

 

que finalmente, esse ato representa insuportável ofensa à soberania nacional.

 

Temos ao lado dos acreanos um estadista inconsútil ([42]) do patriotismo e competência da qual por certo ninguém ousará duvidar ([43]). Essas razões ponderosas ([44]) foram, lidas no Acre, de Seringal em Seringal, e foram elas que incrementaram o movimento e deram maior alento aos combatentes. Lá em cima havia o sentimento patriótico, mas não se viam mapas, em que se pudesse estudar o assunto. E o sentimento, que é o primeiro poder nos transes que melindram a Pátria, irmanou-se agora, como quase sempre, com a justiça da causa que se apostolava. Ainda bem.

 

Os “bandidos acreanos”, cujo balsão ([45]) nunca foi maculado por torpezas, cuja revolução há animado lidimamente ([46]), sem recorrer as infâmias de que os informantes gratuitos os cobriram, viram em Serzedello Corrêa, como amanhã hão de ver em todos brasileiros amantes do seu torrão, o porta-voz dos seus perigosos prélios, inteiramente desajudados, afrontando os inimigos de fora e os malsins de dentro.

 

O triunfo material era uma realidade e o triunfo moral não tardará a evidenciar-se. Os revolucionários acreditavam e acreditam na justiça da sua terra mãe, que dará ao mundo o mais negro dos exemplos, se os abandonar e consentir que a imbele ([47]) Bolívia os vá acorrentar a um jugo humilhante, que eles repudiam com todas as veras da sua alma.

 

Não há sentimentalismos diplomáticos que nos dobrem. O Acre foi explorado por nós, nós fomos quem fez brotar daquelas selvas a riqueza, e os terrenos são nossos, absolutamente nossos. Somos brasileiros e não nos curvaremos a nação alguma que não seja o Brasil. Possuímos o Acre pelo nosso trabalho e havemos de possuí-lo politicamente, estribados na fé dos convênios e na história do passado.

 

Nada pretendemos, proventos alguns desejamos, posições de natureza alguma almejamos. Os impostos serão arrecadados no Amazonas e no Pará e as despesas da revolução, sem embargo, hão de saldar-se. O Acre é dos acreanos.

 

O Governo Federal tem livre o campo das suas negociações. Entregue a zona à Bolívia, já que não pode retroceder no caminho encetado, e de, por findos os seus trabalhos diplomáticos e de mediador. As suas responsabilidades cessarão. É esta a única maneira prática de acabar o litígio. Porque, de duas hipóteses, uma vencerá – ou tudo ou nada. As linhas divisórias são impossíveis de gizar-se ([48]) pelas comissões burocráticas. Resolva o governo a questão nos mapas e permita que os acreanos coloquem os marcos no solo!

 

Olvidados pela União, desprezados pelo Estado do Amazonas, que deixava 6:000 léguas quadradas ao arbítrio de um município desordenado, querem administrar-se por si próprios os acreanos. Não precisamos de sábios. Basta que saibamos arrecadar os impostos, os quais serão diminuídos, ponhamos sentinelas no tesouro e que as próximas eleições escolham brasileiros dignos de nos guiar.

 

As dimensões do Acre são superiores às de alguns Estados Brasileiros ‒ e rende mais do que o requerido pelas suas necessidades. Queremos a independência estadual, porque os nossos créditos fazem aos maiores gastos! Quem fala à presidência da República, ao povo brasileiro e às praças do comércio do Pará e Manaus com tanta lealdade e franqueza não faz jus a invectivas ([49]). A razão do patriótico pleito está conosco e por ele trabalharemos com energia e convicção, através do todos os óbices que se nos anteponham. Os acreanos mandam no Acre e o Acre pertence ao Brasil. Desta divisa não nos afastaremos, haja o que houver!

 

Pará, 1 de março de 1900.

 

A Comissão Acreana:

 

Antônio de Souza Braga, Rodrigo de Carvalho, Gastão de Oliveira.

 

Concordamos e secundamos todo o manifesto:

 

Hypólito Moreira, Pedro da Cunha Braga, Joaquim Alves Maia, Manuel Odorico de Carvalho, Antônio Alencar Araripe, Joaquim Domingues Carneiro, Luiz Barroso de Souza, Francisco Manuel de Ávila, sobrinho, Raymundo Joaquim da Silva Vianna. (OCS, n° 010)

 

 

Bibliografia

 

OCS, n° 007. A Questão do Acre ‒ Brasil ‒ Cruzeiro do Sul, AC ‒ Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 007, 24.06.1906.

 

OCS, n° 008. A Questão do Acre – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 008, 30.06.1906.

 

OCS, n° 009. A Questão do Acre – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 009, 07.07.1906.

 

OCS, n° 010. Manifesto dos Revolucionários Acreanos – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 010, 15.07.1906.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·       Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·       Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·       Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·       Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·       Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·       Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·       Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·       Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·       Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·       Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·       Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·       Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·       Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·       E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Manuel Francisco Pacheco: jornalista, escritor, diplomata e professor português.

[2]   Começamos hoje a reproduzir este documento, que é importantíssimo para a história da Revolução do Acre. Foi escrito por Fran Paxeco e lido na Praça do Comércio do Pará, em aula Magna, pelo Sr. Coronel Rodrigo de Carvalho, em 1900. (Editor)

[3]   Pará: Belém.

[4]   Vilegiatura: viagem de lazer.

[5]   Inadvertências: desacertos.

[6]   Assisado: aconselhado.

[7]   Reentabular: restabelecer.

[8]   Minudentemente: minuciosamente.

[9]   Requestado: pleiteado.

[10]  Insciência: ignorância.

[11]  Fito: objetivo.

[12]  Ceitil: quantia insignificante.

[13]  Cifrava-se: resumia-se.

[14]  Unissonamente: unanimemente.

[15]  Caciquismo: arbitrariedade.

[16]  Epítetos: adjetivos, apelidos, qualidades.

[17]  Só do Rio Acre. A sua produção, no entanto, é hoje superior a 4 milhões de quilos. [Este escrito é de 1.900] (Fran Paxeco)

[18]  Incendidos: inflamados.

[19]  Desarrolar: desdobramento.

[20]  Adrede: a propósito.

[21]  Guindar: exaltar.

[22]  Barricar: defender.

[23] Fementidamente: enganosamente.

[24]  Embair: enganar.

[25]  Hiante: ávido.

[26]  Abroquelam: fortalecem.

[27]  Ditérios: zombarias.

[28]  Desconchavos: tolices.

[29]  Bonnets: casquetes, bonés.

[30]  Desídia: desleixo.

[31]  Atoarda: boataria.

[32]  Irrogados: infames.

[33]  Emolumentos: impostos.

[34]  Pinturescas: pitorescas.

[35]  Negregado: amaldiçoado.

[36]  Manuel Mariano Melgarejo Valencia: militar e político boliviano. Foi presidente da Bolívia de 28.12.1864 a 15.01.1871. Como Ditador perseguiu tenazmente seus opositores e despojou os indígenas de suas terras. Passou grande parte de sua gestão reprimindo rebeliões intestinas.

[37]  O Fenômeno de Uhthoff, também conhecido como Síndrome de Uhthoff, é o agravamento dos sintomas neurológicos.

[38]  Quejandos: coisas semelhantes.

[39]  Inocêncio Serzedelo Corrêa: concluiu o Curso de Estado-Maior de Primeira Classe na Escola Militar. Foi Governador do Paraná, ocupou as pastas das Relações Exteriores e da Indústria Viação e Obras Públicas e, em 1892, assumiu a pasta da Fazenda e Ministro Interino da Justiça e da Agricultura. Foi Prefeito do Rio de Janeiro por dois mandatos. Reformou-se no posto de General-de-Brigada (1910).

[40]  Ápodos: manifestações depreciativas.

[41]  O Tratado de Ayacucho de 1867 (Tratado da Amizade ou Muñoz Netto) assinado em pleno contexto da Guerra contra o Paraguai (1864-1870).

[42] Inconsútil: íntegro.

[43]  Serzedello Corrêa foi movido a este brado pelo altivo relatório do Coronel Thaumaturgo do Azevedo, a benemérito reivindicador da região, em 1895, de encontro às parvoíces do General Dionísio Cerqueira, então Ministro do Exterior.

[44]  Ponderosas: convincentes.

[45]  Balsão: estandarte.

[46]  Lidimamente: legitimamente.

[47]  Imbele: covarde.

[48]  Gizar-se: traçar-se.

[49]  Invectivas: injúrias.

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