Sexta-feira, 14 de janeiro de 2022 - 10h30
Bagé, 14.01.2022
O Cruzeiro do Sul, n° 010
Cruzeiro do Sul, AC
‒ Domingo, 15.07.1906
Manifesto dos Revolucionários Acreanos
(Continuação)
Asseguram os Revolucionários do Acre que toda
a goma elástica baixará, logo que o Brasil dissimule as negociações
diplomáticas incabíveis e afirme à sua; neutralidade no terreno litigioso,
liquidando a questão perante os relatórios dos Srs. Barão de Teffé, Thaumaturgo
do Azevedo e Cunha Gomes.
Este procedimento altamente patriótico é
ditado ao Dr. Campos Salles pela resistência dos acreanos; que persistem em
considerar-se brasileiros e não admitem a menor dúvida, sobre este ponto, ao Governo
Federal. Tudo serenará, desde que o venerando Presidente da República
Brasileira não trepide em seguir esta conduta. O comércio da Amazônia não
perderá um real e a tranquilidade voltará a todos os ânimos, sem ser necessário
desenrolar o tristíssimo espetáculo do massacre de brasileiros, que se batem
pela Pátria, pelos próprios irmãos.
A fraqueza do governo da União perante as exigências inqualificáveis da Bolívia, a manter-se,
acarretará um rombo de 26.000 contos de réis anuais nas praças de Belém e de
Manaus, o que significa o aniquilamento completo destes importantes centros
mercantis.
Esses 26 mil contos resultam da produção
acreana de dois milhões de quilos de borracha, ao preço de 13.000 réis o quilo.
A União que escolha entre os dois polos – a morte da Amazônia e a vitória da
Bolívia. Os acreanos somente lhe pedem que se abstenha de intervir na contenda
motivada pela posse. É uma reclamação patriótica e assaz razoável. Eles se
encarregam de escorraçar os bolivianos dos seus lares e das suas propriedades,
por todos os meios ao seu alcance, que são inúmeros.
E o comércio da Amazônia, por seu lado, que
tem fundas estacas em toda a República e no estrangeiro, observando com
critério os fins da Revolução, há de confirmar que todas as suas práticas hão
sido honestíssimas. Escutem a nossa voz, que é sincera e verdadeira, e evitem a
todo o transe o prosseguimento dos ruinosos protocolos e convênios do Governo
Central, que se têm multiplicado com uma admirável rapidez e desmoronamento. O
Norte é atualmente a única paragem próspera desta imensa República. [...]
Aqui vos garantimos a segurança do comércio e
a satisfação dos compromissos dos acreanos. Ninguém desmereceu ali dos créditos
até ao momento auferidos. E de ora avante menos razões tereis para a mais
insignificante queixa, porque os signatários, que nada têm com Uhthoffs ([1]) e
quejandos ([2]),
hipotecam às praças do comércio do Pará e de Manaus a sua honra no desempenho
desta formal declaração. Auxiliem os negociantes do Acre, porque eles representam
a guarda indestrutível do comércio amazônico e da integridade territorial do
Brasil.
VIII ‒ Os Fins da Revolução
O único
homem que no Brasil tem estudado a Questão
do Acre, havendo mesmo publicado um minucioso livro sobre ela, é o distinto engenheiro
e probidíssimo Deputado Federal, ex-Ministro da República, o Sr. Dr. Serzedello Corrêa
([3]). Foi o
seu brado altivo e honrado o único a levantar-se, no meio do coro de ápodos ([4]) chãos
que só endereçavam aos revolucionados acreanos, esses “bandidos honestos”, na frase do eminente o imaculado homem público,
uma das mais puras glorias brasileiras. Pois esse vulto aureolado, na sua obra
“O Rio Acre”, páginas 206-207, tira as seguintes
conclusões evidentíssimas de toda a questão,
na qual a
diplomacia brasileira, por infelicidade, tem
andado completamente às apalpadelas:
1° o protocolo de 1867 ([5]),
a que se reporta. Em consequência, esse protocolo equivale a um novo ajuste
pelo qual perde o Brasil uma área avaliada em 5.870 léguas quadradas. E,
portanto, tal protocolo não pode subsistir sem aprovação do Congresso Nacional
e, sem ela, é nulo do pleno direito;
2° ainda quando se queira negar essa afirmativa,
que é evidente desse protocolo não resulta direito algum à Bolívia porquanto a demarcação
que por ele se ajustou não está concluída e a parte efetuada, longe de ter
sido aprovada, foi impugnada pelo Brasil;
3° o tratado Carvalho-Medina não consulta os
interesses do Brasil e, não tendo sido aprovado
até agora pelo Congresso Nacional, não está em vigor e portanto dele não
resulta direito algum à Bolívia;
4° conseguintemente; o território em que está
situada a alfândega de “Puerto Alonso”
não é, a
título algum,
boliviano;
5° a Bolívia
invadiu e está ocupando território brasileiro, no qual exerce jurisdição e
arrecada impostos;
6° que finalmente, esse ato representa insuportável ofensa
à soberania nacional.
Temos ao lado dos acreanos um estadista
inconsútil ([6])
do patriotismo e competência da qual por certo ninguém ousará duvidar ([7]). Essas
razões ponderosas ([8])
foram, lidas no Acre, de Seringal em Seringal, e foram elas que incrementaram o
movimento e deram maior alento aos combatentes. Lá em cima havia o sentimento
patriótico, mas não se viam mapas, em que se pudesse estudar o assunto. E o
sentimento, que é o primeiro poder nos transes que melindram a Pátria,
irmanou-se agora, como quase sempre, com a justiça da causa que se apostolava.
Ainda bem.
Os “bandidos
acreanos”, cujo balsão ([9]) nunca
foi maculado por torpezas, cuja revolução há animado lidimamente ([10]), sem
recorrer as infâmias de que os informantes gratuitos os cobriram, viram em
Serzedello Corrêa, como amanhã hão de ver em todos brasileiros amantes do seu
torrão, o porta-voz dos seus perigosos prélios, inteiramente desajudados, afrontando os inimigos de fora e os malsins de dentro.
O triunfo material era uma realidade e o
triunfo moral não tardará a evidenciar-se. Os revolucionários acreditavam e
acreditam na justiça da sua terra mãe, que dará ao mundo o mais negro dos
exemplos, se os abandonar e consentir que a imbele ([11])
Bolívia os vá acorrentar a um jugo humilhante, que eles repudiam com todas as
veras da sua alma.
Não há sentimentalismos diplomáticos que nos
dobrem. O Acre foi explorado por nós, nós fomos quem fez brotar daquelas selvas
a riqueza, e os terrenos são nossos, absolutamente nossos. Somos brasileiros e
não nos curvaremos a nação alguma que não seja o Brasil. Possuímos o Acre pelo
nosso trabalho e havemos de possuí-lo politicamente, estribados na fé dos
convênios e na história do passado.
Nada
pretendemos, proventos alguns desejamos, posições de natureza alguma almejamos.
Os impostos serão arrecadados no Amazonas e no Pará e as despesas da revolução,
sem embargo, hão de saldar-se. O Acre é dos acreanos.
O Governo Federal tem livre o campo das suas
negociações. Entregue a zona à Bolívia, já que não pode retroceder no caminho
encetado, e de, por findos os seus trabalhos diplomáticos e de mediador. As
suas responsabilidades cessarão. É esta a única maneira prática de acabar o
litígio. Porque, de duas hipóteses, uma vencerá – ou tudo ou nada.
As linhas divisórias são impossíveis de
gizar-se ([12])
pelas comissões burocráticas. Resolva o governo a questão nos mapas e permita
que os acreanos coloquem os marcos no solo! Olvidados
pela União, desprezados pelo Estado do Amazonas, que deixava 6:000 léguas
quadradas ao arbítrio de um município desordenado, querem administrar-se por si
próprios os acreanos. Não precisamos de sábios. Basta que saibamos arrecadar os
impostos, os quais serão diminuídos, ponhamos sentinelas no tesouro e que as
próximas eleições escolham brasileiros dignos de nos guiar.
As
dimensões do Acre são superiores às de alguns Estados Brasileiros ‒ e rende
mais do que o requerido pelas suas necessidades. Queremos a independência
estadual, porque os nossos créditos fazem aos maiores gastos! Quem fala à presidência da República, ao povo
brasileiro e às praças do comércio do Pará e Manaus com tanta lealdade e
franqueza não faz jus a invectivas ([13]). A
razão do patriótico pleito está conosco e por ele trabalharemos com energia e
convicção, através do todos os óbices que se nos anteponham. Os acreanos mandam
no Acre e o Acre pertence ao Brasil. Desta divisa não nos afastaremos, haja o
que houver!
Pará, 1 de março de 1900.
A Comissão Acreana:
Antônio de Souza Braga, Rodrigo de Carvalho,
Gastão de Oliveira.
Concordamos e secundamos todo o manifesto:
Hypólito Moreira, Pedro da Cunha Braga,
Joaquim Alves Maia, Manuel Odorico de Carvalho, Antônio Alencar Araripe,
Joaquim Domingues Carneiro, Luiz Barroso de Souza, Francisco Manuel de Ávila,
sobrinho, Raymundo Joaquim da Silva Vianna. (OCS, n° 010)
Bibliografia
OCS, n° 010. Manifesto dos Revolucionários Acreanos – Brasil – Cruzeiro do Sul,
AC – Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 010, 15.07.1906.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] O Fenômeno de
Uhthoff, também conhecido como Síndrome de Uhthoff, é o agravamento dos
sintomas neurológicos.
[2] Quejandos:
coisas semelhantes.
[3] Inocêncio Serzedelo
Corrêa: concluiu o Curso de Estado-Maior de Primeira Classe na Escola Militar.
Foi Governador do Paraná, ocupou as pastas das Relações Exteriores e da
Indústria Viação e Obras Públicas e, em 1892, assumiu a pasta da Fazenda e
Ministro Interino da Justiça e da Agricultura. Foi Prefeito do Rio de Janeiro
por dois mandatos. Reformou-se no posto de General-de-Brigada (1910).
[4] Ápodos:
manifestações depreciativas.
[5] O Tratado de
Ayacucho de 1867 (Tratado da Amizade ou Muñoz Netto) assinado em pleno contexto
da Guerra contra o Paraguai (1864-1870).
[6] Inconsútil: íntegro.
[7] Serzedello
Corrêa foi movido a este brado pelo altivo relatório do Coronel Thaumaturgo do
Azevedo, a benemérito reivindicador da região, em 1895, de encontro às
parvoíces do General Dionísio Cerqueira, então Ministro do Exterior.
[8] Ponderosas:
convincentes.
[9] Balsão:
estandarte.
[10] Lidimamente:
legitimamente.
[11] Imbele: covarde.
[12] Gizar-se:
traçar-se.
[13] Invectivas: injúrias.
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