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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCCLXXXI - Manifesto dos Revolucionários Acreanos - IV


A Terceira Margem – Parte CCCLXXXI - Manifesto dos Revolucionários Acreanos - IV - Gente de Opinião

Bagé, 14.01.2022

 


O Cruzeiro do Sul, n° 010

Cruzeiro do Sul, AC ‒ Domingo, 15.07.1906

Manifesto dos Revolucionários Acreanos

(Continuação)

 

Asseguram os Revolucionários do Acre que toda a goma elástica baixará, logo que o Brasil dissimule as negociações diplomáticas incabíveis e afirme à sua; neutralidade no terreno litigioso, liquidando a questão perante os relatórios dos Srs. Barão de Teffé, Thaumaturgo do Azevedo e Cunha Gomes.

 

Este procedimento altamente patriótico é ditado ao Dr. Campos Salles pela resistência dos acreanos; que persistem em considerar-se brasileiros e não admitem a menor dúvida, sobre este ponto, ao Governo Federal. Tudo serenará, desde que o venerando Presidente da República Brasileira não trepide em seguir esta conduta. O comércio da Amazônia não perderá um real e a tranquilidade voltará a todos os ânimos, sem ser necessário desenrolar o tristíssimo espetáculo do massacre de brasileiros, que se batem pela Pátria, pelos próprios irmãos.

A fraqueza do governo da União perante as exigências inqualificáveis da Bolívia, a manter-se, acarretará um rombo de 26.000 contos de réis anuais nas praças de Belém e de Manaus, o que significa o aniquilamento completo destes importantes centros mercantis.

 

Esses 26 mil contos resultam da produção acreana de dois milhões de quilos de borracha, ao preço de 13.000 réis o quilo. A União que escolha entre os dois polos – a morte da Amazônia e a vitória da Bolívia. Os acreanos somente lhe pedem que se abstenha de intervir na contenda motivada pela posse. É uma reclamação patriótica e assaz razoável. Eles se encarregam de escorraçar os bolivianos dos seus lares e das suas propriedades, por todos os meios ao seu alcance, que são inúmeros.

 

E o comércio da Amazônia, por seu lado, que tem fundas estacas em toda a República e no estrangeiro, observando com critério os fins da Revolução, há de confirmar que todas as suas práticas hão sido honestíssimas. Escutem a nossa voz, que é sincera e verdadeira, e evitem a todo o transe o prosseguimento dos ruinosos protocolos e convênios do Governo Central, que se têm multiplicado com uma admirável rapidez e desmoronamento. O Norte é atualmente a única paragem próspera desta imensa República. [...]

 

Aqui vos garantimos a segurança do comércio e a satisfação dos compromissos dos acreanos. Ninguém desmereceu ali dos créditos até ao momento auferidos. E de ora avante menos razões tereis para a mais insignificante queixa, porque os signatários, que nada têm com Uhthoffs ([1]) e quejandos ([2]), hipotecam às praças do comércio do Pará e de Manaus a sua honra no desempenho desta formal declaração. Auxi­liem os negociantes do Acre, porque eles representam a guarda indestrutível do comércio amazônico e da integridade territorial do Brasil.

 

VIII ‒ Os Fins da Revolução

 

O único homem que no Brasil tem estudado a Questão do Acre, havendo mesmo publicado um minucioso livro sobre ela, é o distinto engenheiro e probidíssimo Deputado Federal, ex-Ministro da República, o Sr. Dr. Serzedello Corrêa ([3]). Foi o seu brado altivo e honrado o único a levantar-se, no meio do coro de ápodos ([4]) chãos que só endereçavam aos revolucionados acrea­nos, esses “bandidos honestos”, na frase do eminente o imaculado homem público, uma das mais puras glorias brasileiras. Pois esse vulto aureolado, na sua obra “O Rio Acre”, páginas 206-207, tira as seguintes conclusões evidentíssimas de toda a questão, na qual a diplomacia brasileira, por infelicidade, tem andado completamente às apalpadelas:

 

o protocolo de 1867 ([5]), a que se reporta. Em consequência, esse protocolo equivale a um novo ajuste pelo qual perde o Brasil uma área avaliada em 5.870 léguas quadradas. E, portanto, tal protocolo não pode subsistir sem aprovação do Congresso Nacional e, sem ela, é nulo do pleno direito;

 

ainda quando se queira negar essa afirmativa, que é evidente desse protocolo não resulta direito algum à Bolívia porquanto a demarcação que por ele se ajustou não está concluída e a parte efetuada, longe de ter sido aprovada, foi impugnada pelo Brasil;

 

o tratado Carvalho-Medina não consulta os interesses do Brasil e, não tendo sido aprovado até agora pelo Congresso Nacional, não está em vigor e portanto dele não resulta direito algum à Bolívia;

 

conseguintemente; o território em que está situada a alfândega de “Puerto Alonsonão é, a título algum, boliviano;

 

a Bolívia invadiu e está ocupando território brasileiro, no qual exerce jurisdição e arrecada impostos;

 

que finalmente, esse ato representa insuportável ofensa à soberania nacional.

 

Temos ao lado dos acreanos um estadista inconsútil ([6]) do patriotismo e competência da qual por certo ninguém ousará duvidar ([7]). Essas razões ponderosas ([8]) foram, lidas no Acre, de Seringal em Seringal, e foram elas que incrementaram o movimento e deram maior alento aos combatentes. Lá em cima havia o sentimento patriótico, mas não se viam mapas, em que se pudesse estudar o assunto. E o sentimento, que é o primeiro poder nos transes que melindram a Pátria, irmanou-se agora, como quase sempre, com a justiça da causa que se apostolava. Ainda bem.

 

Os “bandidos acreanos”, cujo balsão ([9]) nunca foi maculado por torpezas, cuja revolução há animado lidimamente ([10]), sem recorrer as infâmias de que os informantes gratuitos os cobriram, viram em Serzedello Corrêa, como amanhã hão de ver em todos brasileiros amantes do seu torrão, o porta-voz dos seus perigosos prélios, inteiramente desajudados, afrontando os inimigos de fora e os malsins de dentro.

O triunfo material era uma realidade e o triunfo moral não tardará a evidenciar-se. Os revolucionários acreditavam e acreditam na justiça da sua terra mãe, que dará ao mundo o mais negro dos exemplos, se os abandonar e consentir que a imbele ([11]) Bolívia os vá acorrentar a um jugo humilhante, que eles repudiam com todas as veras da sua alma.

 

Não há sentimentalismos diplomáticos que nos dobrem. O Acre foi explorado por nós, nós fomos quem fez brotar daquelas selvas a riqueza, e os terrenos são nossos, absolutamente nossos. Somos brasileiros e não nos curvaremos a nação alguma que não seja o Brasil. Possuímos o Acre pelo nosso trabalho e havemos de possuí-lo politicamente, estribados na fé dos convênios e na história do passado.

 

Nada pretendemos, proventos alguns desejamos, posições de natureza alguma almejamos. Os impostos serão arrecadados no Amazonas e no Pará e as despesas da revolução, sem embargo, hão de saldar-se. O Acre é dos acreanos.

 

O Governo Federal tem livre o campo das suas negociações. Entregue a zona à Bolívia, já que não pode retroceder no caminho encetado, e de, por findos os seus trabalhos diplomáticos e de mediador. As suas responsabilidades cessarão. É esta a única maneira prática de acabar o litígio. Porque, de duas hipóteses, uma vencerá – ou tudo ou nada.

 

As linhas divisórias são impossíveis de gizar-se ([12]) pelas comissões burocráticas. Resolva o governo a questão nos mapas e permita que os acreanos coloquem os marcos no solo! Olvidados pela União, desprezados pelo Estado do Amazonas, que deixava 6:000 léguas quadradas ao arbítrio de um município desordenado, querem administrar-se por si próprios os acreanos. Não precisamos de sábios. Basta que saibamos arrecadar os impostos, os quais serão diminuídos, ponhamos sentinelas no tesouro e que as próximas eleições escolham brasileiros dignos de nos guiar.

 

As dimensões do Acre são superiores às de alguns Estados Brasileiros ‒ e rende mais do que o requerido pelas suas necessidades. Queremos a independência estadual, porque os nossos créditos fazem aos maiores gastos! Quem fala à presidência da República, ao povo brasileiro e às praças do comércio do Pará e Manaus com tanta lealdade e franqueza não faz jus a invectivas ([13]). A razão do patriótico pleito está conosco e por ele trabalharemos com energia e convicção, através do todos os óbices que se nos anteponham. Os acreanos mandam no Acre e o Acre pertence ao Brasil. Desta divisa não nos afastaremos, haja o que houver!

 

Pará, 1 de março de 1900.

 

A Comissão Acreana:

 

Antônio de Souza Braga, Rodrigo de Carvalho, Gastão de Oliveira.

 

Concordamos e secundamos todo o manifesto:

 

Hypólito Moreira, Pedro da Cunha Braga, Joaquim Alves Maia, Manuel Odorico de Carvalho, Antônio Alencar Araripe, Joaquim Domingues Carneiro, Luiz Barroso de Souza, Francisco Manuel de Ávila, sobrinho, Raymundo Joaquim da Silva Vianna. (OCS, n° 010)

 

 

Bibliografia

 

OCS, n° 010. Manifesto dos Revolucionários Acreanos – Brasil – Cruzeiro do Sul, AC – Jornal O Cruzeiro do Sul, n° 010, 15.07.1906.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·       Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·       Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·       Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·       Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·       Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·       Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·       Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·       Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·       Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·       Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·       Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·       Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·       Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·       E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   O Fenômeno de Uhthoff, também conhecido como Síndrome de Uhthoff, é o agravamento dos sintomas neurológicos.

[2]   Quejandos: coisas semelhantes.

[3]   Inocêncio Serzedelo Corrêa: concluiu o Curso de Estado-Maior de Primeira Classe na Escola Militar. Foi Governador do Paraná, ocupou as pastas das Relações Exteriores e da Indústria Viação e Obras Públicas e, em 1892, assumiu a pasta da Fazenda e Ministro Interino da Justiça e da Agricultura. Foi Prefeito do Rio de Janeiro por dois mandatos. Reformou-se no posto de General-de-Brigada (1910).

[4]   Ápodos: manifestações depreciativas.

[5]   O Tratado de Ayacucho de 1867 (Tratado da Amizade ou Muñoz Netto) assinado em pleno contexto da Guerra contra o Paraguai (1864-1870).

[6] Inconsútil: íntegro.

[7]   Serzedello Corrêa foi movido a este brado pelo altivo relatório do Coronel Thaumaturgo do Azevedo, a benemérito reivindicador da região, em 1895, de encontro às parvoíces do General Dionísio Cerqueira, então Ministro do Exterior.

[8]   Ponderosas: convincentes.

[9]   Balsão: estandarte.

[10]  Lidimamente: legitimamente.

[11]  Imbele: covarde.

[12]  Gizar-se: traçar-se.

[13]  Invectivas: injúrias.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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