Segunda-feira, 24 de janeiro de 2022 - 06h00
Bagé, 24.01.2022
Entretanto, esse Exército não tinha serviço de
observação e reconhecimento. O seu acampamento era o atestado da inépcia dos
seus chefes. As bocas de fogo estavam voltadas para o Rio, que era navegado por
embarcações nacionais, e com as culatras para o varadouro que conduzia à
Bolívia, distante apenas 50 metros.
Segui, pois, para “Xapuri”,
a fim de prosseguir na campanha. Ao chegar à “Empresa” fui falar ao General Olympio, visto me haver ele
comunicado que o General Pando atravessara o Abunã. Não tinham fundamento as
informações que lhe haviam dado. Perguntou-me por que eu não esperava qualquer
solução por parte do Governo brasileiro, ao que lhe respondi que, não tendo
certeza dessa solução, eu ia invadir a Bolívia novamente pelo “Tauamano”, para levar ao inimigo a
perturbação que ele nos traria se invadisse o Acre Meridional.
Estávamos em abril; nessa mesma noite segui viagem a
bordo de um navio de Martins Ribas & C., que trazia carga para a Revolução.
Em “Benfica” fi-lo descarregar no dia
seguinte [Sexta-Feira da Paixão], seguindo viagem em lancha da Revolução. Ao
chegar a “Iracema” tive comunicações
de “Caramano”, onde tinha força em
observação sob o comando do Major Salinas.
Fiz seguir o piquete que estava em “Iracema”, conjuntamente com outro
postado ali perto e preparei-me para fazer a invasão por “Porto Rico”, onde eu previa deviam subir as forças do General
Pando. Parti a todo o vapor para o “Xapuri”,
fazendo baixar por “Boa Fé”, próximo
de “Iracema”, toda a guarnição de “Xapuri” bem como o batalhão que se
achava próximo ao Igarapé da Bahia [batalhão acreano, sob o comando do
Tenente-Coronel Xavier].
Com esta força, que foi paga de víveres para cinco
dias, acondicionados em jamachis ([2])
e em alguns cargueiros, segui para “Gironda”,
tendo feito seguir na frente o Major Daniel Ferreira com 50 homens, com ordem
de assumir o comando da vanguarda. Chegando eu à “Gironda” rompia a vanguarda fogo contra “Porto Rico”, que logo é sitiado com forças que enviei.
Fiz seguir também o piquete de descoberta para “Lisboa”. Dispus tudo e baixei com o
resto das forças no dia seguinte, a fim de dar o assalto a “Porto Rico”. Já estávamos com quatro
dias de fogo e o inimigo começava a enfraquecer. Pela manhã, quando fazia o
Coronel José Brandão seguir para “Porto
Rico” com as forças, recebi comunicação do General Olymplo da Silveira, em
ofício que me entregou o Major Gomes de Castro, de que fora assinado o “modus vivendi” entre o Brasil e a
Bolívia, de cujo conteúdo fui inteirado.
Durante todo esse dia a luta fora encarniçada em “Porto Rico”, prolongando-se pela noite a
dentro. Em presença do Maj Gomes de Castro imediatamente dei contraordem às
forças do Cel Brandão e mandei este descer a toda a pressa em canoa até “Porto Rico”, com ordem de suspender as
hostilidades.
O Cel Brandão chegou à noite a “Porto Rico”, e quando pela manhã do dia seguinte se dispunha a
comunicar ao inimigo o “modus vivendi”,
este levantou bandeira branca para o mesmo fim. O Gen Pando fazia a mesma
comunicação em ofício assim endereçado: “Al
Comandante de las tropas que atacan Puerto Rico”. O Maj Gomes de Castro, no
dia seguinte, levou a minha resposta ao Gen Olympio.
Chegou ao meu acampamento também o Alferes Azevedo
Costa, do 36°, que trazia um ofício do Gen Olympio para o Gen Pando, ofício em
que, segundo informou o referido Alferes, aquele propunha a este uma
conferência. O dito Alferes adiantou-se logo em comunicar aos bolivianos que
dentro de três dias o Gen brasileiro ali estaria.
Regressando do acampamento inimigo o tal Alferes se
mostrou muito penhorado com o tratamento que recebera. Dizia que não pensava
que o Gen Pando o tratasse tão bem, pois até
“lhe tinha dado barraca”. Seria
possível que este oficial, portador do ofício do Gen brasileiro, pensasse em
ser recebido a cacete?
Não duvido. Os bolivianos diariamente, desde então, me
perguntavam pelo Gen brasileiro, que não vinha. Para furtar-me a vergonha
daquelas perguntas, motivadas pelas informações do Alferes, resolvi ir ao Acre
falar ao General Olympio, o que fiz em menos de três dias. Em caminho encontrei
um oficial boliviano que, passando pelos nossos acampamentos, se dirigia a “Porto Rico”. Perguntei-lhe com que
licença ia ele atravessando um caminho estratégico que acabávamos de abrir, ao
que um oficial acreano, que o acompanhava, respondeu-me que com ordem do
General Olympio [Grande perfídia!].
Ao chegar ao Acre, em “Boa Fé”, não encontrei o General Olympio, que havia baixado para “Empresa”. Estavam sofrendo fome as
nossas forças no Tauamano, onde nos alimentávamos de milho seco e aipim, pelo
que dei ordem ao ajudante General do Exército acreano, que fizesse reunir todos
os muares existentes na vizinhança e os enviasse com víveres para “Gironda”. Um proprietário recusou-se a
cumprir estas ordens, já estimulado pelos oficiais do 2° Batalhão, que o Gen
Olympio fizera acampar em “Boa Fé”,
minha base de operações. Esses oficiais estimularam os meus soldados à
desobediência. Por minha ordem foi preso o tal proprietário, que era um João
Costa, pelo ajudante-General e recolhido à guarda da força.
O General Olympio estava na “Empresa” e eu já no “Tauamano”,
de regresso. Os oficiais do 27° Batalhão do Exército, sob o comando do Major
Carneiro, foram tirar o preso, que na confusão se evadiu. Os poucos soldados
acreanos, feridos pela indisciplina que lhes sugeriam os oficiais do Exército,
dividiram-se. Uma parte deles continuou a acatar as ordens dos oficiais
acreanos e a outra parte passou para o acampamento do 27° Batalhão.
O Comandante do 27° imediatamente oficiou ao General
Olympio, relatando os acontecimentos da forma que lhe convinha. O General
Olympio chega e, sem se entender com o Ajudante-General do Exército Acreano,
manda formar incontinenti o 27° batalhão, e, com a brutalidade que lhe é
peculiar, cercou a casa em que se achava, o meu Ajudante-General e o
Quartel-Mestre-General e os prendeu, injuriando-os com o epíteto de assassinos.
Em seguida mandou tomar conta da flotilha acreana, cujas bandeiras foram
arriadas. Vários oficiais meus foram presos e metidos em barraquinhas de
campanha, sob a guarda de um sargento. O meu ajudante de ordens que estava
licenciado, foi também conduzido a uma dessas barraquinhas e todos postos de
sentinela à vista. A covardia desses Alferes de infantaria espalhou logo o
boato disparatado de que eu ia atacar o acampamento do 27° e, ao que diziam,
era preciso tomar os varadouros. Infelizes! Um dos meus oficiais, Clynio
Brandão, que assistiu ao início de todas essas cenas, caminhando noite e dia a
pé, chega a “Tauamano” e me avisa de
tudo.
Recebi este oficial às 12 horas da noite e à uma hora
em ponto estava em marcha com trezentos homens, para o Acre, deixando o Coronel
Brandão à frente das forças de “Porto
Rico”.
No dia 11 de Maio cheguei ao “Ina”, onde encontrei um comboio. Vi logo que o comboeiro sabia de
muita coisa. Fi-lo prender e o interroguei, confessando-me tudo que lá fora se
dizia. Acampei para a refeição e seguimos à noite. Às 6 horas, mais ou menos, o
meu piquete da vanguarda assinalou a presença de força. Feito o reconhecimento,
verificou-se ser uma força de infantaria comandada pelo Tenente Veríssimo.
Parte dessa força era de linha e parte de acreanos que para ela se haviam
passado. O General Olympio, na suposição de que eu não viesse com força,
mandou-o para me prender. O Tenente não soube explicar-se e, em lhe dizendo eu
qual a sua verdadeira comissão, negou peremptoriamente, sob a sua “palavra de oficial do Exército”.
À noite continuei a marcha, este oficial regressou
também com os seus soldados. Em chegando pela manhã a um ponto em que o
varadouro se bifurca para “Boa Fé” e
“Iracema”, fiz a minha força seguir
para este lugar e disse ao Tenente que podia seguir para o seu acampamento,
levando, porém, uma carta que nesse momento escrevi ao General Olympio, na qual
lhe disse que, não compreendendo as razões do seu procedimento, havia resolvido
não sair em “Boa Fé”, minha base de
operações, mas em “Iracema”, onde
tomaria, com os meus companheiros, o destino que a situação excepcional, que
ele havia criado, me aconselhasse, ficando, porém, ele certo de que quem se
tinha assim sacrificado pela Pátria, dificilmente se deixaria enxovalhar.
Os soldados acreanos que acompanhavam o Tenente
quiseram acompanhar-me; eu, porém, os fiz voltar com ele ao 27° batalhão, onde
deveriam ficar por se haverem tornado indignos de nós. À tarde chegamos a “Iracema” e momentos depois ali aportava
uma lancha trazendo um Capitão do Exército com este recado do General Olympio:
– O Sr. General manda
dizer que está de posse da sua carta e lhe envia esta lancha para que vá ter
uma conferência com ele, garantindo-lhe que não será desfeiteado.
Respondi-lhe:
– Diga ao Sr. General
que estou de posse do seu recado, que não aceito a conferência e que também não
me deixarei desfeitear.
O Capitão regressou.
No dia seguinte publiquei uma ordem do dia, dissolvendo
o Exército Acreano, visto o General brasileiro ter invadido o Acre Meridional e
assumido clandestinamente o seu Governo, que aliás não estava acéfalo. Todos
seguiram armados para as suas casas, e eu baixei com os meus oficiais que
desejaram descer. Em caminho vimos, desolados, os armazéns da Revolução
entregues ao saque, por ordem do General Olympio. Descemos para Manaus,
encerrando desta forma a parte mais profícua da Revolução.
Plácido de Castro (CASTRO)
Bibliografia
CASTRO, Genesco de Oliveira. O Estado
Independente do Acre e J. Plácido de Castro: Excertos Históricos – Brasil – Rio
de Janeiro, RJ – Tipografia São Benedicto, 1930.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H