Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022 - 06h03
Bagé, 28.01.2022
A meio caminho de “Xapuri”,
recebe o caudilho importantes notícias procedentes do Rio Caramanu, onde
mantinha, permanentemente, um destacamento para observação e vigilância. Pelas
informações e por seus cálculos, as forças do Presidente General Pando deviam
subir pela zona de “Porto Rico”.
Dias de grande atividade para Plácido de Castro, a qual se denuncia até
no estilo nervoso em que assinalou suas ocorrências no diário de guerra:
Parti a todo vapor para o “Xapuri”,
fazendo baixar por “Boa Fé”, próximo
de “Iracema”, toda a guarnição de “Xapuri”, bem como o Batalhão que se
achava próximo ao “Igarapé da Bahia”
[Batalhão Acreano, sob o comando do Ten-Cel Xavier]. Com esta força, que foi
paga de víveres para cinco dias, acondicionados em jamachis ([1])
e em alguns cargueiros, segui para “Gironda”,
tendo feito seguir na frente o Major Daniel Ferreira com cinquenta homens, com
ordens de assumir o comando da vanguarda. Chegando eu a “Gironda”, rompia a vanguarda fogo contra “Porto Rico”, que logo é sitiado com forças que enviei. Fiz seguir
também o piquete de descoberta para “Lisboa”.
Dispus tudo e baixei com o resto das forças no dia seguinte a fim de dar o
assalto a “Porto Rico”.
Está para findar o mês de abril. Com quatro dias de contínuo e intenso
combate, as forças bolivianas começam a dar mostras de debilitação.
Ainda bem. Porque a situação dos revolucionários ameaça tornar-se
inquietante. Em carta ao comandante do piquete estacionário em “Boa Fé”, datada de 25, Plácido fizera “sentir a necessidade de uma medida
extraordinária, no sentido de melhorar os meios de transporte”, pois “a fome é nossa inseparável companheira nesta
região”. O problema é vencer a fome, que a vitória já se delineou de modo
claro. O Exército do Gen Pando se encontra inapelavelmente sitiado. Pela frente
e pelos flancos, envolvem-no os mil e duzentos acreanos sob o comando de
Plácido de Castro. Na retaguarda, um grande Lago cujo limite extremo se
continua por um pantanal intransponível ([2]).
Plácido considera iminente a hora da rendição do poderoso inimigo.
Questão de mais um golpe de habilidade, que ele chega a esquematizar mas não
pode levar a termo, porque um acontecimento de todo inesperado modifica
integralmente a situação. Chega o Major Gomes de Castro, do Quartel General das
forças de ocupação, que traz um ofício do Gen Olympio da Silveira para Plácido
de Castro:
Governo Militar e Comando em Chefe das Forças de ocupação do Território
Setentrional do Acre.
Quartel-General na Empresa, 19 de abril de 1908.
Sr. Cel. Dr. José Plácido de Castro,
Saudações.
Pelo jornal Amazonas, de 26 de março findo, que vos remeti, tereis tido conhecimento
do convênio diplomático de 21 do dito mês, entre o nosso Governo e o da
Bolívia.
Tive confirmação oficial do mesmo e de acordo com ele tenho de tomar
várias medidas que vos serão comunicadas verbalmente em “Capatará” pelo Coronel Torres Homem, Chefe do Estado-Maior junto a
este Governo, esperando que ali comparecereis para o aludido fim.
Renovo meus sentimentos de alto apreço e consideração.
Saúde e fraternidade.
General Olympio da Silveira.
Sem perder um minuto, Plácido de Castro despacha o Coronel José Brandão
para “Porto Rico” ‒ agora com
incumbência diversa daquela com que imaginava completar o sítio ‒ sob a
recomendação de dar à sua viagem a maior rapidez possível.
Brandão parte em canoa tripulada por vários remadores ágeis. Leva ordem
de fazer cessarem incontinenti as hostilidades contra o invasor. Mas não o
chega a fazer. Porque, ao aproximar-se do reduto das forças revolucionárias, já
era alta noite, tornando-se impossível a comunicação imediata com o adversário.
E no dia seguinte, Pela manhã, quando se preparava para cumprir a missão,
defrontou a bandeira branca, que o General José Manuel Pando mandara hastear, a
fim de fazer ciente o inimigo de que também fora inteirado do “modus vivendi” estabelecido entre o
Brasil e a Bolívia, por instrumento de 21 de março de 1903.
No dia imediato ao de sua chegada, 27 de abril, regressa o Major Gomes de
Castro, levando ao General Olympio da Silveira a resposta de Plácido:
ESTADO INDEPENDENTE DO ACRE
N° 8. “Gironda”, 26 de abril de
1903.
Ao Cidadão General de Divisão Olympio da Silveira.
Rio Acre.
Com prazer acuso o recebimento das vossas cartas de 16 e 19 do corrente,
de “Empresa”, que respondo:
Tomei conhecimento do convênio a que vos referis, entre o Brasil e a
Bolívia, e estou firmemente disposto a respeitá-lo integralmente, como todas as
deliberações do Governo da minha Pátria.
Atualmente o Exército Acreano ocupa toda a região compreendida de “Porto Rico” para Oeste, pelo Rio
Tauamanu acima, compreendendo “Costa Rica”,
“Porvenir”, etc, sendo que me achava
disposto a ocupar toda a fronteira do Estado Independente do Acre, sem,
contudo, ultrapassá-la um palmo.
Em vista, porém, das comunicações que me fizestes do acordo, não irei
além do ponto em que me acho, tendo ontem mesmo escrito um cartão ao comandante
da guarnição de “Porto Rico” [pois já
estava com essa praça quase em sítio], pedindo-lhe suspensão de armas até a
chegada do vosso ofício.
Não me posso furtar ao dever de declarar-vos a agradável impressão que me
causou a extraordinária pontualidade do Sr. Major Gomes de Castro, que com a
mais nítida compreensão da sua delicada missão, atravessou a distância que nos
separa do Acre em menos de três dias, vindo chegar no momento mais propício,
pois com dez horas de tardança não teria evitado o assalto a “Porto Rico”, e, por conseguinte, sério
derramamento de sangue.
No momento em que esse oficial chegou, acabava de ser dividida a força
para seguir a tomar posições. Ao Sr. Major Gomes de Castro instruí sobre as
nossas posições e terrenos por nós ocupados.
Queirais, pois, deliberar se é conveniente ou não minha ida agora a “Boa Fé”, antes da retirada do grosso das
tropas acreanas para “Xapuri”, ponto
de aquartelamento.
Saúde e fraternidade.
J. Plácido de Castro.
Logo após a partida do Major Gomes de Castro, regressa o Coronel José
Brandão, que fora mandado como emissário a “Porto
Rico”. Traz para ser lida pelo seu verdadeiro destinatário – o Comandante
em Chefe das Forças Revolucionárias – o documento escrito pelo comandante da
guarnição sitiada:
Ejército Nacional.
Jefatura del
Batallón 5° de línea, Barraca Puerto-Rico, abril 26 de 1903.
Al Señor Jefe de las
Fuerzas que atacan Puerto-Rico.
Banda del Río.
Señor,
Comunico á Ud. que
el Señor Capitán General del Ejército boliviano me encarga de decir a Ud. que
por acuerdo de 27 de marzo de 1903, suscrito en La Paz, entre el Exmo. Señor
Eliodoro Villazon, Ministro de Relaciones Exteriores de Bolivia y el Exm° Señor
Eduardo Lisbôa, Enviado Extraordinario del Brasil ante el Gobierno de Bolivia,
ha quedado totalmente definida la situación internacional creada entre ambos
países.
Tengo el honor de
incluir a Ud. copia del mencionado acuerdo, impresa en La Paz e recibida hoy.
Las tropas bolivianas no han avanzado del Orton, conforme el inciso b de la
cláusula 3° del acuerdo.
Corresponde a Ud. retirar las suyas, a no ser
un “móvel” ([3])
distinto y por mi ignorado, el que guíe sus procedimientos, de cuja ejecución
Ud. será responsable.
Puede efectuarse con
plena seguridad la retirada de sus fuerzas a Gironda y Chapury. Hemos
permanecido a la defensiva y en ella nos mantendremos, siguiendo instrucciones
del General Pando, Capitán General del Ejército.
Sin más objeto,
tengo el honor de suscribirme a atento servidor.
German Cortes, Jefe
del Batallón 5°.
Plácido de Castro agasta-se vivamente com a alusão pérfida ‒ “a no ser un ‘móvel’ distinto” ‒ e
responde com azedume e energia:
ESTADO INDEPENDENTE DO ACRE
Gironda, 27 de abril de 1903.
A Germán Cortés, Chefe do 5° Batalhão e Comandante da Guarnição de Porto
Rico.
Às 11 e meia horas da noite de ontem, recebi o vosso ofício, datado
também de ontem, comunicando-me o acordo havido entre os governos do Brasil e
Bolívia e do qual tivestes a gentileza de enviar-me uma cópia. Ontem mesmo vos
escrevi um cartão neste sentido, pois, tendo na tarde do dia anterior
conhecimento do acordo, por comunicação que me fez o Sr. General Olympio,
Comandante das tropas brasileiras no Acre, mandei incontinenti, à Força Acreana
que ocupa posições em frente de Porto Rico, ordem para suspender as
hostilidades, pedindo-vos no mesmo cartão idêntico procedimento.
Isso fiz assim que chegou à minha presença o emissário do General
Olympio, que segue agora para aí.
Dizeis competir-me retirar as forças acreanas de frente de Porto Rico, a
menos que “um móvel por vós ignorado” guie a minha conduta e que neste caso serei
eu o responsável. Sinto que assim vos tenhais exprimido em um documento de
paz...
O móvel que guia meus passos nesta luta não deve ser por vós ignorado,
mas se o é, vos declaro que luto pela autonomia do Acre.
E, quanto à minha conduta, tem sido julgada pelos vossos patrícios
vencidos como cavalheirosa.
Quanto ao tornar-me responsável pelos meus atos, sempre o fui, mormente
na luta que sustentamos.
Sobre a retirada das tropas acreanas das posições que ocupam em frente de
“Porto Rico”, só depois que me
entender com o General brasileiro poderei resolver, apesar de agirmos
independentemente, como é natural supor. Suspendendo as hostilidades, passamos
como vós à defensiva e vós e as vossas forças poderão confiar em nossa
fidelidade.
Saúde e fraternidade.
J. Plácido de Castro, Comte. em chefe do E. Acreano.
E ainda não satisfeito, decide entender-se pessoalmente com o Capitão
Germán Cortés, como se lê em cartão escrito por Plácido a 28 de abril.
Um cartão eloquentíssimo, aliás, para caracterizar o feitio simplório do
caudilho, e por onde se vê que, só nessa altura dos acontecimentos, o comandante
de uma tropa sitiante de forças chefiadas pelo Presidente de uma República,
resolve lembrar-se de pedir que lhe remetam a espada e o fardamento!
Coronel Hipólito: Acho-me a caminho para o nosso acampamento em “Porto Rico” onde vou entender-me com o
Comandante da guarnição boliviana. Comigo também segue o representante do
General Olympio. Mande-me com urgência um portador trazendo minha espada e meu
fardamento, bem como as últimas notícias.
Mande para cá o Tenente Dantas, ainda que esteja com parte de doente.
Organize o serviço de comboios, pois a fome aqui já não vai muito fácil de
suportar-se.
J. Plácido de Castro.
Quer a espada. O fardamento. As botas também, como pede na carta de dias
após, em que volta a referir as torturas da fome:
Coronel Hipólito:
Estamos em suspensão de armas.
Peço-lhe o obséquio de regularizar a vinda dos comboios a fim de não
passarmos mais fome. Com o meu fardamento, mande-me as botas e espada. Mande-me
também no comboio tabaco, sabão, sal e açúcar, além das demais mercadorias.
Diga ao Gentil que não entre com gente, que siga para “Xapuri”, e mande a lancha estacionar em “Boa Fé”.
Plácido.
[Margem esq. do Orton, em frente a “Porto
Rico”] (LIMA)
Bibliografia
LIMA, Cláudio de Araújo. Plácido de Castro, um Caudilho Contra o Imperialismo – Brasil – Rio
de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional, 1952.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Jamachis: ou
jamaxis. Espécie de cesto, feito de timbó, e em que os nativos transportam gêneros
e mercadorias nas costas.
[2] Esse fato,
negado por alguns críticos militares da campanha de Plácido de Castro, é
comprovado por uma carta do próprio General Pando, reproduzida no livro de
Nicolau Suarez. (LIMA)
[3] Móvel: termo escrito
propositadamente em português. Poderia o missivista ter redigido a palavra “motivo” que possui igual grafia e
significado em ambas as línguas.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H