Sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022 - 10h47
Bagé, 18.02.2022
Jornal Comércio
do Amazonas, n° 063
Manaus,
AM – Domingo, 13.03.1904
Contra um Farsante
O Dr. Gentil Norberto pede-nos a publicação do seguinte em resposta ao
artigo do Sr. Alípio Bandeira:
De novo voltou o farsante Alípio Bandeira pelas colunas da “Folha do Norte” com um artigo onde, a
par de muitas asneiras, reeditou a série de calúnias que tornaram o seu nome
[dele Alípio] conhecido e decantado em toda a Amazônia. Não se defendeu o
pretensioso Tenente das graves acusações que lhe fiz. Não citou, sequer, um “documento em seu favor”, uma só “testemunha” que viesse confirmar os seus
infames dizeres. Caíram por terra todas as suas mentiras, e aqueles que
compraram as descomposturas do Alípio devem estar amargamente arrependidos. Alípio
– o fujão, Alípio – o covarde, com poucos dias estarás na Capital Federal,
rindo gozando o dinheiro dos tolos que tiveram a ingenuidade de comprá-lo para
descompor os chefes acreanos e suas famílias, como se a palavra de um tipo sem
caráter, como Alípio, pudesse influir na opinião pública. É admirável a
fatuidade ([1]) deste tolo
pretensioso, positivista manqué ([2]).
Querendo fazer espírito e dar noções de erudição barata, Alípio atira
contra os “coronéis acreanos” algumas
palavras desairosas, filhas do despeito e da inveja que nutre deles. Os “coronéis acreanos”, saiba o Ten Alípio,
tinham sob suas ordens mil e tantos soldados, dispunham, na ocasião, de mais
elementos que as Forças Federais, e foram tacitamente reconhecidos pelos
governos do Brasil e da Bolívia em virtude do convênio assinado em La Paz, e
mais de que tudo isso, foram eles, exclusivamente eles, com os seus bravos
companheiros, que integraram a Pátria brasileira, que restituíram aos vinte
mil brasileiros que residem no Território do Acre as leis e a bandeira que
tinham perdido com a anuência criminosa dos poderes públicos.
E o que representa Alípio Bandeira? Nada na ordem das coisas! Daí o feroz
despeito do detrator das famílias acreanas. Alípio é um covarde, disse. Com
efeito, aproveitando a nossa ausência de Manaus, escreveu uma série de artigos,
que o público desta cidade conhece, contra as famílias acreanas, de quem tinha
recebido carinhoso agasalho no Acre, e contra os acreanos, a quem pedia
instantemente as demarcações dos seringais, pois as “ilusões douradas” de que fala em sua primeira carta, nunca o
abandonaram.
Ao termos conhecimento, “três meses
depois”, das infâmias de que éramos vítimas, descemos imediatamente para
Manaus e começamos a provar pela imprensa desta cidade, a falsidade das
alegações do biltre ([3])
Alípio Bandeira, que ainda ali se achava. Em uma ocasião azada para sustentar
as suas acusações. Pois bem, não fugiu nem mugiu, apesar de alguns artigos
atacarem com provas a sua honra de militar.
Já nas vésperas de partir para o Rio, Alípio embarcou no vapor “Maranhão” que por aqui passou para o Sul
em 20 deste mês, escreveu o artigo que foi publicado na imprensa de Manaus,
quando eu ali já não estava, e reproduzido na Folha do Norte. Entretanto, o meu
artigo, atacando Alípio, foi publicado em Manaus no dia 28 do mês passado.
Esperei “doze dias” pela
resposta e como ele não aparecesse vim ter ao Pará: onde me chamavam negócios
particulares. Alípio, como está provado, fugia de ter uma discussão direta
comigo. Diz Alípio que se quisesse ir ao Acre obteria, como nós, assinaturas em
seu favor. Por que não experimentou? Continuo, como tenho feito até agora, a
opor às palavras de um biltre, documentos firmados por pessoas conceituadas.
Belém, 29 de fevereiro de 1904 ‒ Jornal do Comércio.
Eis os documentos:
Acampamento da Força Federal de ocupação da região Setentrional do Acre
na “Empresa”, 14.09.1903
Ilustre am°. Sr. Coronel Dr. Gentil Norberto
Antes de tudo, tenho como sempre a satisfação de cumprimentá-lo.
De posse de vosso precioso favor ([4]),
expedido do Xapuri em data de 7 do corrente e em que o amigo me felicita pela
solução a que chegou o grande patriota Rio Branco, com relação ao Acre, eu,
possuído de grande: contentamento, por tão monumental, quanto desejado
acontecimento, retribuo ao amigo as felicitações que me enviou: e, valendo-me
da oportunidade, peço ao amigo aceitar e também ao Sr. Coronel Plácido e demais
chefes acreanos, a quem o Brasil deve a reivindicação do seu direito à posse da
região do Acre, as minhas sincera congratulações, pelo referido acontecimento e
com elas um abraço como selo aos protestos de confraternização, amizade e muita
consideração dispensados reciprocamente por pessoas dos nossos sentimentos que
colocam o engrandecimento e glória da Pátria acima de tudo quanto é dado
imaginar-se.
Agora que o caminho necessário ao progresso da região acreana está
desbravado, nas condições de ser a referida zona administrada colam felicidade
para o administrador e seus auxiliares e, conseguintemente, para bem da União,
que imenso necessita da mais vigorosa fiscalização na arrecadação das rendas
públicas, resta-me a mim que sou um descrente, fazer votos para o que o Governo
se inspire exemplarmente, dando “a César
o que é de César” pertencer aproveitando nos altos cargos da administração
os amigos Sres. Plácido e Gentil que tudo fizeram pela integridade da Pátria,
que afinal venceu devido ao não pouco sangue derramado pelos amigos e seus
comandados, que, além disso, são credores de toda estima, admiração e
consideração pelo muito que sofreram sob os rigores da peste, da fome e, até,
de indébitas humilhações, filhas da mais hedionda ingratidão, sem que,
entretanto, houvessem articulado um queixume sequer, dado a conhecer o muito
desalento que decididamente lhes invadiu a alma de verdadeiros patriotas.
Já tendo amolado por demais, fazendo ponto, abraçando ao amigo e pedindo-lhe
para transmitir meus cumprimentos e um abraço aos Sres. Coronéis Plácido e
Alexandrino Alencar.
Do amigo, amigo certo e afetuoso criado Cypriano Alcides. [...]
Ilm° Sr. Dr. Gentil Norberto.
Respondo o seu prezado favor de hoje.
O juízo que o sr. Coronel Cunha Mattos expendeu com relação aos dois
relatórios do Tenente Alípio Bandeira, de que fala a sua carta foi o mais
desfavorável ao dito oficial, por isso que ali estava bem caracterizada a sua
desorientação, documentos inteiramente contraditorios entre si, e que
portanto, a contradita que fez o Dr. às asserções, dos ditos documentos
oficiais foi a pura expressão da verdade. Desta minha resposta podereis fazer o
uso que vos convier.
Amg. e crd. obrg. Ananias Reis.
Belém, 29.02.1904 [...] (JCA, n° 063)
Encerramos
este capítulo com um texto, do autor José Francisco de Araújo Lima, na sua obra
“Amazônia – a Terra e o Homem”, que
resume fielmente a aurora e o ocaso desta estrela fulgurante da nacionalidade
que foi Plácido de Castro:
A ação militar dos Batalhões de Voluntários patriotas, que combateram os
bolivianos no Acre e os peruanos no Alto Purus, caldeou uma alma heroica, brava
e audaz, que galvanizou na história Pátria uma das mais inequívocas expressões
de coragem cívica e de capacidade para a luta.
E esse estado de espírito expurgou, defecou a alma daquela gente de todos
os intuitos malsãos, de todos os instintos ferozes, de todos os estigmas
aviltantes, que uma ancestralidade criminosa lhes houvesse por ventura infiltrado
no ser moral.
Os hábitos guerreiros, incrementados pela reação contra a ocupação e as
invasões estrangeiras, poderiam ter deixado o fermento do caudilhismo ou,
pior, do cangaceirismo, nos costumes das populações do Alto Amazonas. Nada mais
propício do que o meio físico para cumpliciar-se nos assaltos e nas correrias;
a mata é um intrincado labirinto em cujas malhas estreitas se ocultam e
disfarçam as feras e os homens; os rios correm aceleradas milhas a favorecerem
a fuga precípite ([5]); os furos, os
sacados, os atalhos, são pousos e esconderijos estratégicos para as tocaias e
as emboscadas. Ali não há as estradas nem as encruzilhadas forçadas; há sim o
emaranhado protetor da floresta, em cujo tecido o homem se refugia e se
segrega, escapando à caça e à batida. Planta exótica, estiolou-se no seu novo
habitat aquela bravura selvagem, incidentemente criminosa, que faz o chamado
heroísmo dos bandidos. E daquele tronco, por fenômeno de transmutação
psicológica, brotou uma floração sadia e opulenta de patriotismo reivindicador.
A valentia, adormecida na latência de um atavismo recalcado, exercitou-se em sã
bravura e despertou sob a forma de heroísmo autêntico, patriótico e
restaurador da soberania nacional.
A tendência ao cangaceirismo foi contrariada, regenerada pelo salutar
ambiente de labor indefesso, na luta e na paz. Também não vingou ali a semente
do caudilhismo. Veiculado na energia dominadora de Plácido de Castro, o levedo
do caudilhismo transporta-se das planícies enxutas dos Pampas para as planícies
encharcadas da Bacia Amazônica; mas só fermenta no ardor bélico de Plácido de
Castro, que tinha dentro em si a chama ardente a iluminar a alma coletiva, a
inflamar aqueles corações túmidos de brio rubro e nacionalista, de patriotas
que, desde 1899 com Luiz Galvez, aspiravam à liberdade da região, conclamavam
os brasileiros contra o descaso da nossa chancelaria e repeliam a ocupação
estrangeira e a afronta à soberania pátria, sonhando com a fantasia da
República do Acre.
Guião ([6]) sereno, arguto e
estrategista, Plácido de Castro dominou aqueles falangiários ardorosos, no
sentido de uma melhor tática de guerra, e denodadamente levou-os à vitória.
Coroada a sua obra por um feito que dilatou a glória diplomática do nome
de Rio Branco, o herói-guerreiro sentiu o ambiente muito mais propício ao
trabalho do que à luta, trocou o fuzil pelo teodolito e aventurou-se à
conquista pacífica das terras, onde avaramente se escondiam os mananciais, os
filões de ouro líquido. E dentro em pouco era possuidor do maior seringal do
Acre.
Foi quando o despeito e a cobiça, gerados por interesses mal satisfeitos,
aliançaram-se para derrubar o General dos exércitos acreanos. Vitimou-o o
egoísmo desenfreado, no entrechoque de ambições exaltadas, já então pacificada
a região; aplacado o furor guerreiro do herói, é despertado em seu espírito o
sentido utilitário da vida em face da riqueza amazônica. (ARAÚJO LIMA)
(D. Plabo)
Dos inóspitos climas acreanos,
Depois de porfiar meses inteiros
Em luta contra febres e guerreiros,
Praticando prodígios sobre-humanos;
Apôs trabalhos ásperos e insanos,
Voltas de novo aos lares prazenteiros
Ó tu, Plácido ‒ para os brasileiros ‒
Ó tu, Terrível ‒ para os bolivianos ‒
És recebido agora entre banquetes,
Ao concerto de vivas e foguetes,
Enchendo, de alegria a nossa terra:
‒ Bem mereces por tuas aventuras
Tantos banquetes, festas e doçuras
Tu que chegas do Acre duma guerra!
Bibliografia
ARAÚJO
LIMA, José Francisco de. Amazônia - a Terra e o Homem ‒ Brasil – São
Paulo, SP ‒ Companhia editora Nacional, 1937.
JCA,
N° 063. Contra um Farsante – Brasil – Manaus, AM – Jornal do Comércio do
Amazonas – n° 063, 13.03.1904.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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