Terça-feira, 28 de setembro de 2021 - 06h00
Bagé, 28.09.2021
16.03.1914
-
Relata Rondon -
16.03.1914 – A amargura e as
preocupações que nos deixara tal acontecimento, não conseguiram, todavia,
esmorecer os nossos ânimos. Os trabalhos de varação das canoas, contornando a
cachoeira por um caminho de 520 metros de extensão, terminaram a tempo de
podermos reencetar a viagem às 07h00 dia seguinte, 16 de março, e perseguir o
levanta mento topográfico pelo processo das visadas móveis, pois já não
dispúnhamos de canoa suficientemente leve para poder manobrar com a mira. Desta
maneira, pudemos percorrer apenas 1.612 metros; nova cachoeira nos fez parar e
nos obrigou a reconhecer e abrir mais um varadouro, do comprimento de 910
metros. Preparado este serviço e enquanto os canoeiros transportavam as cargas
da parte superior para a inferior da cachoeira, onde estabelecemos o nosso 12°
acampamento, tomei a minha espingarda e internei-me na mata, à procura de caça
e de castanhas tocari ([1]).
Como de costume, fiz-me acompanhar de um dos meus cães. Segui, a
princípio, na direção do poente, subindo um morro existente por detrás do
acampamento; volvi depois para o Norte, atingi de novo a margem do Rio e fui
acompanhando o curso deste, para baixo. Andados, assim, 1.500 m, cheguei ao
ponto em que as águas se repartem entre o leito principal e um pequeno Canal,
dando lugar à formação de uma ilha de tamanho regular. Estava eu do lado do
Canal e o ia perlongando, quando ouvi, pouco adiante de mim, os sons
característicos da voz do coatá, o maior dos macacos das florestas de Mato
Grosso e da Amazônia. Era uma boa caça; convinha abatê-la. Com mil cuidados
para a não espantar, agachado entre as moitas de verdura, eu avançava na
direção dos sons, perscrutando ([2])
a ramaria do arvoredo. De repente, o meu cão, o Lobo, que me havia tomado a
dianteira, enche a solidão de estridentes ganidos de dor.
Era evidente que acabava de ser atacado e ferido; com certeza por alguma
onça ou queixada, pensei. Mas, logo em seguida, levantaram-se outras vozes,
muito minhas conhecidas: eram as exclamações curtas, enérgicas e repetidas em
coro, com certa cadência, dos silvícolas, quando, iniciada a luta, começam a
carregar contra o inimigo. O Lobo já vinha correndo para o meu lado; os índios
perseguiam-no e, pela segunda vez, flecharam-no. O meu primeiro movimento foi
socorrer o cão; descarreguei um dos canos da minha espingarda. Esperei alguns
instantes e, como me parecesse que a perseguição continuava, pois só ouvia as
vozes, sem ver índios, fiz o outro disparo. Depois, refleti que seria
imprudência teimar em acudir ao animal; não o poderia fazer sem me expor a ser
visto pelos silvícolas, e isso talvez desse lugar a alguma luta entre mim e
eles. Resolvi, pois, voltar para o acampamento; mas, antes de lá chegar já
estava arrependido de ter abandonado o meu pobre Lobo e também de não haver
tentado aproximar-me dos índios.
No acampamento, esperava-me uma notícia má: ao proceder-se à varação, por
água, da “Aripuanã”, nome da canoa que
havíamos lançado ao Rio dois dias antes, o cabo, que servia para a sustentar e
dirigir na correnteza, arrebentara e ela havia desaparecido no torvelinho das
águas. O que mais me preocupava, porém eram os índios e o meu pobre cão, ferido
e abandonado. Narrei ao Sr. Roosevelt e aos demais companheiros o que se havia
passado, e convidei o Ten Lyra e o Sr. Kermit para voltarmos àquele lugar,
levando machados e contas; se não encontrássemos os silvícolas deixaríamos
esses brindes em lugar fácil de serem descobertos, revelando a intenção de quem
os havia deixado.
Seguimos, pois, e conosco foi o Paresí Antônio que fazia parte da coluna
expedicionária. Chegamos sem dificuldade ao lugar em que os índios tinham
estado; era à beira do Canal a que já me referi. Ali encontramos uma vara, em
cuja ponta estava amarrado um “baquité”,
ou pequeno balaio, cheio de intestinos de caça. Isso era, evidentemente um
instrumento de pesca e o modo de servir-se dele devia consistir em mergulhar na
água o “baquité”, para atrair e ajuntar
os peixes; estes viriam acompanhando a isca, quando o operador erguesse com
movimento brando, a vara, até poderem ser vistos por outro pescador, armado de
arco e flechas; com estas eles seriam feridos e depois facilmente apanhados.
Procuramos outros vestígios, mas só vimos os rastros dos fugitivos, que
seguiam na direção de um Igapó existente pouco adiante; nós, porém, não o
transpusemos e voltamos ao lugar da pescaria, onde deixamos os nossos brindes,
ao lado daquela vara. Guiados pelas manchas de sangue do Lobo, fomos
encontrá-lo sem vida, caído no caminho do acampamento, a uns 300 metros de
distância do ponto em que foi atacado.
Duas flechas o haviam atingido; uma atravessara-lhe o estômago, abaixo do
coração; a outra rasgara-lhe os músculos da perna direita. Da primeira,
encontramos a ponta, um pedaço de taquara em forma de lança, farpada, e por ela
verificamos não pertencerem estes índios à nação Nhambiquara. Assim vimos
confirmada a suposição sugerida pela árvore cortada a machado de pedra, de ser
o Rio da Dúvida, a partir de certa altura, habitada por nova tribo de índios, a
respeito dos quais não possuíamos nenhuma informação. Regressamos ao acampamento.
O naufrágio da Aripuanã deixava-nos em sérios embaraços. No lugar não havia
madeira que se prestasse para construção de nova canoa, e as quatro que ainda
restavam eram insuficientes para o transporte do pessoal e cargas da Expedição.
O alvitre de se fazer uma jangada foi lembrado e rejeitado.
Por fim, adotamos o de carregar o material na flotilha, na qual
embarcariam, além dos homens estritamente necessários para o serviço da
navegação, o Sr. Roosevelt e o Dr. Cajazeira. Nós outros, em número de 13
pessoas, seguiríamos por terra, margeando o Rio, e durante a viagem tomaríamos
as precauções necessárias para evitar que as duas partes da Expedição se
afastassem muito uma da outra. Assim avançaríamos até encontrar madeira que
servisse para nos dar as canoas de que precisávamos. (RONDON)
-
Relata Roosevelt -
16.03.1914 – Enquanto isso,
Cherrie ficou postado acima, e eu embaixo das corredeiras, como sentinelas.
Luiz e Antônio Correia desceram com uma canoa sem acidente. A que viria a
seguir era a canoa nova, muito pesada e grande, feita de uma madeira mais
pesada que a água.
A corda que a sustentava arrebentou e a canoa perdeu-se, quase morrendo,
Antônio, afogado. Perder a canoa foi prejuízo grande, porém maior ainda foi a
perda do cadernal e das cordas. Significava isso que seria materialmente
impossível guindar canoas grandes sobre elevações mesmo baixas, morrotes ou
pedras, tais como os que com frequência ladeavam as corredeiras que
encontráramos. Não era prudente passarmos os quatro dias necessários à
construção de novas canoas no lugar em que estávamos, devido ao perigo de
ataque pelos índios. Além disso, as corredeiras seguintes podiam estar muito
próximas, e nesse caso, as novas canoas seriam um embaraço. No entanto, as
quatro canoas restantes não poderiam levar toda a carga e o pessoal completo,
por mais que reduzíssemos as bagagens, pois estávamos resolvidos a tudo reduzir
imediatamente.
Tínhamos viajado 18 dias e consumíramos cerca de um terço dos víveres e
só havíamos percorrido 125 km, sendo de esperar que tivéssemos ainda de
percorrer pelo menos cinco vezes, ou talvez seis ou sete vezes mais, aquela
distância. Em 15 dias, descêramos corredeiras que no total representavam menos
de 70 metros de diferença de nível; poucos metros em rampa geram uma corredeira
perigosa quando o Rio está cheio. Só possuíamos um barômetro aneroide para
determinar nossa altitude e, desse modo, só podíamos ter dela uma aproximação
grosseira, mas era provável que tivéssemos de descer mais dois ou três tantos
àquela altura, nas séries de quedas à nossa frente. Até então, a região pouco
rendera em matéria de alimentos, com exceção dos palmitos. Tínhamos já perdido
quatro canoas e um homem, e nos achávamos em domínios de índios bravios que
atiravam bem com o arco. Precisávamos, portanto, seguir com cautela, porém o
mais depressa possível, a fim de evitarmos acidentes sérios.
O melhor plano parecia ser descerem 13 homens pela margem, seguindo pelo
Rio as 04 canoas restantes, amarradas duas a duas, ao lado deles. Se dentro de
três ou quatro dias não encontrássemos corredeiras muito feias, de modo a
termos oportunidade razoável de viajar um bom trecho com velocidade razoável,
poderíamos em tal caso construir novas canoas – de preferência duas pequenas e
uma grande. Abandonamos toda a bagagem que pudemos dispensar. Já era muito
precário nosso conforto, mas, mesmo assim, desistimos da maior parte deste.
Cherrie, Kermit e eu vínhamos dormindo numa pequena barraca e havia outra muito
leve, para uma pessoa, para caso de emergência. Ficou esta para abrigar minha
cama de campo e os outros cinco penduraram suas redes sob a barraca maior. Isto
significava que deixávamos para trás duas grandes e pesadas barracas.
Também abandonamos uma caixa com instrumentos topográficos. Cada um
arrumou seus objetos pessoais em sacos de viagem ou caixas, embora fosse muito
pouca a redução de carga assim conseguida, pois tão pouca coisa tínhamos, que o
único meio de conseguir apreciável redução era ficarmos somente com as roupas
do corpo. (ROOSEVELT)
- Relata Cherrie -
16.03.1914 – O Infortúnio
persiste! Nestas duas últimas jornadas, conseguimos progredir apenas alguns
quilômetros, passando por outra série de Rápidos. As canoas foram conduzidas
pela água à sirga. Os Camaradas conseguiram passar quatro delas, mas a quinta e
maior, a canoa construída no Acampamento 9 (“Rápidos Canoa Quebrada”), perdeu-se. O cabo que a sustinha quando
era baixada através dos Rápidos, arrebentou e ela afundou. [...]
Nossa situação é realmente preocupante. As Provisões diminuem
diariamente. É impossível voltar e o caminho pela frente é, sem dúvida, muito
longo. As dificuldades a superar só podem ser avaliadas pelo que já passamos. No
final da noite, após uma longa discussão sobre os procedimentos a serem
adotados doravante, resolvemos transformar quatro de nossas maiores canoas em
duas balsas. Elas foram carregadas com a nossa bagagem e suprimentos e
equipadas cada uma com três remadores e com o Coronel Roosevelt e o médico
responsável. Os treze restantes de nós vão caminhar ao longo das margens. É
difícil acreditar que todos os expedicionários consigam, um dia, chegar a Manaus.
(CHERRIE)
17.03.1914
- Relata Rondon -
17.03.1914 – Conquanto o Sr.
Roosevelt não concordasse inteiramente com este plano, que lhe parecia
arriscado enquanto estivéssemos na zona dos índios desconhecidos, foi assim que
marchamos no dia 17, tendo antes jungido ([3])
as duas canoas que ainda navegavam isoladas [a do levantamento e a do Sr.
Roosevelt], de modo a formarem uma balsa, análoga à que as outras duas já
formavam. Na viagem, encontramos uma primeira cachoeira, extensa, de 312 m, que
mereceu o nome de ‘‘Boa Passagem” e
em seguida outra, a das “Sete Ilhas”,
que exigiu um varadouro de 408 m. Logo abaixo desta, encontramos, pela margem
esquerda, um Rio, com a largura de 21 m, correndo com a velocidade média de
sessenta centímetros por segundo e descarregando suas águas por uma Foz, cuja
secção transversal deu a área de 339.760 centímetros quadrados; o volume
fornecido, por segundo, correspondia a 20.385 litros.
Dei a este Rio o nome de “Kermit”,
em consideração à pessoa do Sr. Roosevelt. O levantamento acusou 6.460 metros,
em relação ao acampamento anterior e, portanto, 123.230 a contar da estaca
zero, na Ponte da Linha Telegráfica. Até este ponto, era ainda possível
transigir-se com as dúvidas existentes no espírito do Sr. Roosevelt e de alguns
outros expedicionários, a respeito da importância do Rio que vínhamos
explorando desde o dia 27 de fevereiro.
Mas agora, já não havia motivo nenhum para subsistirem as hesitações, que
por tanto tempo haviam trazido suspensos os julgamentos e divididas as opiniões
‒ visto como todas elas nasciam da hipótese, que estávamos vendo não se poder
verificar, de ser o Dúvida um simples afluente do Ji-Paraná. E o que, de modo
peremptório, excluía essa hipótese, era o fato do Rio não possuir tributário
tão considerável como esse que acabávamos de descobrir; o Ji era bem conhecido,
e todos nós da Comissão das Linhas Telegráficas sabíamos que ele não tinha,
pela margem direita, nenhum contribuinte comparável em grandeza e volume d’água
ao que íamos sulcando.
Estava assim reconhecido que o Dúvida era o coletor principal de uma
grande Bacia hidrográfica; para mim, desde algum tempo era certo que ele corria
diretamente para o Madeira; mas, ainda que fosse para o Tapajós ou para o
Amazonas, em nada isso poderia afetar a sua importância, rebaixando-o ao nível
da de qualquer tributário de segunda ordem. Achava-se, pois, satisfeita a
condição de que dependia o cumprimento da resolução de nosso governo, a mim
comunicada pelo Sr. Ministro do Exterior, de perpetuar na Carta do Brasil a
memória da viagem.de descobrimentos geográficos do Sr. Roosevelt mediante a
adoção do seu nome para designar o Rio explorado. (RONDON)
- Relata Roosevelt -
17.03.1914 – De manhã o
Coronel Rondon, Lyra, Kermit, Cherrie e nove Camaradas partiram, em fila
indiana, descendo pela margem, enquanto o Médico e eu íamos nas canoas
geminadas, com seis remeiros, três deles inválidos, por causa dos pés
inflamados. Parávamos com frequência, pois descíamos três vezes mais depressa
que os pedestres, e desenhávamos o curso do Rio. Após 40 min de percurso nas
canoas, chegamos a algumas corredeiras; as embarcações, descarregadas,
venceram-nas sem dificuldade, enquanto as cargas eram baldeadas. Dentro de hora
e meia, estávamos a caminho outra vez, porém, dez minutos depois chegávamos à
nova série de corredeiras, onde o Rio corria por entre ilhas, dando grandes
voltas.
As canoas grosseiras, sobrecarregadas, amarradas aos pares, se tornavam
de manobra difícil, custando a obedecer ao leme. A corredeira surgira exatamente
ao dobrar de uma curva viva, e fomos apanhados pela parte superior da corrente
acelerada, sendo assim forçados a transpor a primeira corredeira da série. No
par de canoas da frente, estivemos por um triz ([4])
de nos espatifar de encontro a grandes rochas contra as quais fomos atirados
por outra corrente que interferia com a primeira.
Todos nós remando com toda a força – entre esbarros e pulos das canoas –
nos safamos das dificuldades por um fio de cabelo, conseguindo alcançar a
margem e amarrar as canoas. Por pouco que não houve grave desastre. O segundo
par de canoas ligadas, aproveitando nossa experiência, desceu com risco, porém menor,
e foi ficar junto a nós.
Retiraram-se então as cargas, e as embarcações vazias passaram pelos
canais menos perigosos entre as ilhas. Foi uma baldeação demorada e acampamos
na base das corredeiras, tendo percorrido quase 07 km. (ROOSEVELT)
- Relata Cherrie -
17.03.1914 – Partimos de nosso
Acampamento, preocupados ‒ 13 de nós caminhando pela margem. Depois de uma
caminhada de 05 km, chegamos a mais uma série de Rápidos (“Cachoeira da Boa Passagem”),
onde tivemos de transportar as cargas por cerca de 200 metros. As canoas vazias
passaram facilmente pelos Rápidos. Depois de algumas horas, chegamos a uma
segunda série de Rápidos que foram batizadas “Cachoeiras das Sete ilhas”. Esses Rápidos obrigaram-nos a carregar
as cargas por um longo trecho. Ao pé destes Rápidos, na margem esquerda, existe
a Foz de um Rio estreito e profundo que o Cel Rondon batizou de “Rio Kermit”. Montamos nosso Acampamento
a jusante da Boca deste Rio. Ficamos muito alegres esta noite, depois de pescar
dois excelentes peixes de uma espécie conhecida como pacu. A partir de agora,
acho que poderemos esperar ter nosso suprimento de alimentos suplementados por
peixes. Também ficamos muito gratos por ter encontrado duas caixas de gêneros
dados como perdidos na “Cachoeira do
Simplício” Finalmente, parecia que nossa sorte estava mudando. (CHERRIE)
No seu livro “Dark
trails: adventures of a naturalist”, Cherrie faz um comentário a respeito
das dificuldades enfrentadas pelos expedicionários:
Um efeito curioso do fato de termos rações tão reduzidas por um tempo tão
longo se revelava nas nossas conversas noturnas. Falávamos muito sobre o Rio e
seus Rápidos, que estavam sempre presentes em nosso pensamento; mas também
falávamos sem parar sobre comida. O Cel Roosevelt sempre queria uma costela de
carneiro com rabicho! Quando a comida ficou mais escassa e as coisas começaram
a parecer mais sombrias, o Cel e eu tivemos uma porção de conversas sobre o que
iríamos comer quando saíssemos dali. Mas acho que nenhum de nós esperava
realmente sair dali. (CHERRIE)
18.03.1914
- Relata Rondon -
18.03.1914 – [...] na manhã do
dia 18, antes de partirmos do nosso 13° acampamento, publiquei uma Ordem do
Dia, cientificando à Comissão Brasileira e comunicando à Americana que, daquela
data em diante, se chamaria “Roosevelt”
o Rio que até então, e desde 1909, denominávamos “Dúvida”. Esse ato, com que demos execução à vontade do Governo da
nossa Pátria, de prestar mais uma homenagem aos Estados Unidos da América do Norte,
na pessoa do seu Ex-presidente, realizou-se com toda a solenidade convinhável ([5])
ao lugar e às condições em que nos encontrávamos. Na mesma ocasião, inauguramos
na Foz do tributário recém descoberto um marco de madeira com a inscrição “Rio Kermit”, além das relativas à
quilometragem, número de ordem do acampamento, iniciais da Expedição, e os
valores das coordenadas geográficas, que achamos ser, para lat. Austral
11°27’20” e para long. a O do Rio 17°17’02”. Depois desta cerimônia,
reencetamos a nossa marcha, divididos ainda em duas turmas, uma pelo Rio com as
duas balsas, e a outra por terra. O solo, que desde a cachoeira da “Boa Passagem” se nos vinha apresentando
formado sobre rocha diábase, passou a ser de granito, a partir da Foz do “Kermit”.
A princípio, foi esse o assunto que mais prendeu a nossa atenção;
vínhamos, como de costume, apanhando amostras de pedras, destinadas a serem
posteriormente examinadas e classificadas pelo Dr. Euzébio Paulo de Oliveira,
geólogo da Comissão Brasileira. Mas, pouco depois, começamos a encontrar
vestígios recentes dos índios. Primeiro, foi um tapiri, feito segundo o tipo
usado pelos Urumi e Pauatê, tribos do Ji-Paraná; depois, foi um conjunto de
três ranchos, pequenos e baixos, de forma abaulada, inteiramente cobertos e
fechados por folhas de palmeira. Cada um deles possuía uma só abertura, ou
porta muito pequena, que se disfarçava por baixo das folhas da coberta,
deixadas propositalmente pendentes sobre ela. Como era de esperar de tal modo
de construção, no interior das palhoças reinava densa obscuridade.
O mais interessante, porém, era dispositivo do conjunto: dos três
ranchos, dois estavam colocados paralelamente entre si e escalonados; o
terceiro corria perpendicularmente a esses, apoiando-se lateralmente na
extremidade de um e abicando o outro, quase no começo da sua parede interna.
Desta maneira, se eles fossem atacados por certos lados, um, pelo menos,
ficaria coberto pelos outros dois, e, assim, invisível aos assaltantes, poderia
servir para refúgio das mulheres e crianças.
Do exame de todas estas coisas, porém, o que mais me interessava, era a
indicação de se acharem os índios do Rio Roosevelt relacionados com as tribos
do Ji-Paraná, porque isso me facilitaria, de futuro, o trabalho de os atingir,
pacificar e proteger. Continuamos a marcha e, depois de percorridos 5.280 m, a
contar da Foz do Kermit, encontramos segundo Rio, que entra no Roosevelt, do
lado direito, por uma cachoeira de 2 m de altura e 30 de largura.
Não pudemos fazer, deste novo tributário, mais do que um pequeno
reconhecimento, ao longo da sua margem esquerda, por ser de toda a necessidade
atendermos ao desejo do Chefe da Comissão Americana, relativo à aceleração da
nossa viagem. No entanto, vendo-o descer de Sudeste, na direção de Noroeste,
presumimos que corresponda à cabeceira por nós designada no Chapadão, com o
nome de “Marciano Ávila”.
Descemos ainda ao longo do Rio Roosevelt mais 3.060 m, ao fim dos quais
nova cachoeira exigiu o transporte das cargas por um varadouro da extensão de
640 m. Resolvemos instalar nesse lugar o nosso 14° acampamento, que recebeu o
nome de “Duas Canoas”, por termos
descoberto duas araputangas de bom porte para nos fornecerem as embarcações de
que necessitávamos. (RONDON)
- Relata Cherrie -
18.03.1914 – Esta manhã, antes
de partirmos do “Acampamento Rio Kermit”,
o Coronel Rondon colocou todos os membros da Expedição em forma para a leitura
da “Ordem do dia”. O marco do
Acampamento foi adornado com uma placa oval de madeira de lei polida com a
legenda “Rio Kermit”. O Cel Rondon,
através da “Ordem do Dia”,
oficializava o nome do afluente do Rio da Dúvida, encontrado ontem, como Rio
Kermit.
Dando continuidade ao cerimonial, ele afirmou que, doravante, o curso
d’água, conhecido como Rio da Dúvida, seria denominado Rio Roosevelt. Três
vivas foram dados em homenagem a Roosevelt e aos EUA, a Rondon e à Comissão
Telegráfica. Após a cerimônia, que seguiu a mesma rotina de ontem, encontramos
uma trilha bem marcada ao longo do Rio, a qual facilitou muito o nosso
deslocamento. [...]
Concluímos o transporte das cargas tarde demais e, por isso, decidimos
montar um novo Acampamento. A busca na mata próxima ao Acampamento identificou
uma considerável quantidade de Araputangas ([6]),
árvores adequadas para a construção de canoas. Duas destas belas árvores foram
selecionadas e permaneceremos neste local o tempo suficiente para a construção
de duas canoas. (CHERRIE)
Bibliografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist
‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9
de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro
Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da
Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal
do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São
Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São
Paulo, 1976.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H