Segunda-feira, 8 de novembro de 2021 - 06h00
Bagé, 08.11.2021
Capitão CÂNDIDO CARDOSO
Quando, em 1914, alcancei a margem direita do Rio “Comemoração de Floriano” (descoberto e assim batizado pelo General
Rondon em sua terceira grande Expedição de 1909) no ponto em que fora
localizada a estação Barão de Melgaço; antes de descer o terreno abrupto que a
linha telegráfica aí percorreu; na parte mais alta, como que buscando aproximar
do céu a área da terra que acolheu os despojos humanos; numa unção espontânea
do mais profundo pesar, parei de cabeça descoberta diante de uma grande cruz de
madeira de lei, lavrada, em cujos braços se lia uma inscrição mais ou menos nos
seguintes termos:
Aqui jaz o Capitão Cândido Cardoso que morreu cumprindo o seu dever em
08.01.1914.
Era um cemitério em miniatura, atestado indiscutível do sacrifício que
demandou a construção naquela zona palúdica, espécie de sala de espera ‒ para
os que vinham do Sul – da imensa mataria da Amazônia.
Em torno à cruz mais alta, a da inscrição, agrupavam-se outras modestas e
toscas, sobre túmulos de soldados, a despertarem-me, sempre, a meditação,
quanto à diversidade dos destinos humanos: aqueles túmulos, na sua muda e
indiscutível eloquência dos fatos, atestavam que nem mesmo a morte nivela os
homens, e que é uma ilusão a igualdade!
Encontrava-me ali em serviço da Expedição Roosevelt e conduzia comigo um norte-americano,
o Sr. Leo Müller, taxidermista que acompanhava o grande estadista no seu
arrojado “raid” pelo Sertão Noroeste
do Brasil.O estrangeiro sentiu também uma forte impressão em presença daqueles
túmulos e pediu informações minuciosas sobre os trabalhos da Comissão
Telegráfica.
Cândido Cardoso era o Oficial Comandante do contingente e, pela sua
prática em serviços congêneres, estava à frente da construção, dirigindo os
trabalhos da Seção do sul.
Os engenheiros abriam o pique de locação e locavam os postes: a ele
competia propriamente a construção da linha, desde a abertura das covas, para a
posteação, até o esticamento do fio. Quando assumiu esse encargo, o acampamento
atravessava uma grande crise e era evidente o desânimo dos praças. Com a sua energia
máscula e a sua habilidade na direção delas, o espírito geral reanimou-se e o
serviço prosseguiu, embora com sacrifícios inauditos.
Pode-se dizer, sem medo de errar, que o trabalho aí foi executado por
enfermos; os que pioravam eram substituídos pelos que melhoravam, para que
aqueles baixassem à enfermaria do acampamento e aí readquirissem as novas e
fraquíssimas forças que lhes permitiriam render os companheiros naquele insano
labor cotidiano.
Não obstante, o gigantesco esforço que deles exigia, Cândido Cardoso
despertava nos soldados o desejo de bem servir e, muitas vezes, com
demonstrações de alegria, prestavam-se eles a prolongar o penoso expediente
além das doze (!) horas habituais de serviço!
Era um forte, um corajoso soldado, que nunca temera perigos e jamais
recuara diante das perspectivas mais assombrosas da fome e da epidemia. O seu
vulto enérgico e decidido inspirava confiança. Vitimou-o a sua dedicação pelo
serviço e o estoicismo a que se habituara de prosseguir nas tarefas que lhe
eram cometidas, embora com a saúde comprometida. [...]
Velho combatente das campanhas do Sertão, nas quais Rondon tomou parte
como General em Chefe durante trinta anos (!) há traços formidáveis do seu
esforço em obras que o tempo custará por certo a apagar. Das grandes pontes
que ele construiu, na estrada de automóveis, entre Aldeia Queimada e a estação
de Juruena, como a do Rio Papagaio e outras, mesmo abandonadas, será tarefa
secular do tempo deslocar a última pedra dos seus bem montados encontros.
São obras colossais para os recursos de que dispúnhamos naquelas
longínquas paragens, com bate-estacas improvisados e acionados exclusivamente
pelo braço humano, comparáveis, guardadas as proporções, a essas maravilhas da
antiguidade, pirâmides do Egito e outras, diante das quais o homem moderno para
extasiado, sem compreender como fora possível executá-las antes dos progressos
da civilização atual.
Notável exemplo de atividade e de proveitoso labor, a sua memória há de
perdurar na veneração que tanto soube merecer, de seus companheiros de Comissão
e de seu ilustre Chefe, como de quantos meditem na colaboração importante que
prestou aos penosos trabalhos de Sertão. Seus restos mortais foram conduzidos
de Barão de Melgaço para Cuiabá, em dezembro de 1916, pelo Tenente Boanerges
Lopes de Sousa, por ordem do General Rondon e a pedido da Ex.ma
viúva do Capitão Cardoso.
2° Ten JOAQUIM GOMES DE OLIVEIRA
É o mesmo oficial a que se refere a Ordem-do-Dia transcrita no capítulo “O estilo é o homem”. Faleceu a
19.03.1908, durante a campanha memorável que representa a construção do ramal
telegráfico de Cáceres à cidade de Mato Grosso. Para melhor avaliar a
importância de sua colaboração e ter-se uma ideia de sua individualidade, vou
aqui reproduzir as palavras que Rondon pronunciou, por ocasião de baixar à
sepultura o corpo deste inditoso oficial:
Prezado companheiro,
“Não há nada irrevogável na vida
senão a morte!”
(Augusto Comte)
Acabas de deixar a vida objetiva em pleno vigor da existência e cheio de
esperanças ainda à família e à Pátria. Cruel fatalidade!
Lutaste com coragem e esforço no serviço da Pátria, e pela Pátria;
caíste, entretanto, no fim da luta, quando o teu organismo exausto pelo
envenenamento rápido de infecção adquirida no serviço, já não podia sustentar o
teu espírito cheio de entusiasmo, enquanto que, intemerato, persistias ainda na
jornada pelo dever.
Estimado companheiro, os teus irmãos no trabalho e nas privações, que de
perto conheceram o teu valor, revelado na construção do ramal, que te roubou a
vida, acham-se à beira do teu túmulo, para render-te as homenagens que as tuas
belas qualidades de caráter, e os teus relevantes serviços prestados à nação,
neste longínquo recanto do Brasil, bem merecem. A tua dedicada família, que
será a guarda sagrada do teu nome honrado, perdeu na tua transformação objetiva
o amparo moral e material, que constituía, daquele grupo social, que tanto
estremecias.
A tua velha mãe, que a esta hora chorará juntamente com a tua nobre
esposa, a desgraça irremediável que arrebatou o filho bem amado, perdeu com o
teu desaparecimento objetivo o arrimo precioso que a sua venerável velhice não
podia dispensar. Perderam todos – mãe, esposa, filhos e irmã – o carinho, a
ternura, de que eras capaz por eles, acostumados a ver em ti o ente querido que
constituía o objeto mais ardente das suas santas inspirações afetivas.
A Pátria perde com a tua morte, tão prematura e tão infeliz, um servidor
dedicado, austero e cheio de vigor, depois de relevantes serviços prestados a
sua defesa nestas ingratas bandas Ocidentais.
Cruel ingratidão da sorte!
Os teus amigos, estes que neste momento supremo dobram-se diante da tua
última e eterna morada, vêm regar com sentidas lágrimas o teu último repouso,
como a demonstração mais ardente do reconhecimento e da gratidão pelas grandes
emoções que lhes despertaste, durante a feliz convivência que contraíram
contigo, nestes ingratos e cruéis trabalhos, que afinal consumiram-te a
existência, roubando à família o seu precioso e insubstituível apoio moral e
material; à Pátria o servidor intemerato, e à classe a que todos pertencemos, o
cooperador, modesto, é verdade, mas ardoroso e enérgico. Prezado amigo, para
nós e para a tua família, não morreste: a tua bondosa memória persistirá
eternamente em nossas almas, como a expressão mais intensa da nossa simpatia,
respeito e homenagens que as nossas relações determinaram.
Resignemo-nos, pois, diante de tão triste e irrevogável fatalidade!
Nada há indiferente perante o sentimento; e segundo os ensinamentos
morais do mais sábio e do mais nobre dos mestres, Augusto Comte, nunca devemos
deixar de ter o coração sempre cheio, mesmo de dor, sim, de dor, da mais amarga
dor. (MAGALHÃES, 1942)
Bibliografia
MAGALHÃES, Amílcar Armando
Botelho de. Impressões da Comissão
Rondon (1942) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional,
1942.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVIII
Bagé, 29.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.281, Rio, RJQuinta-feira, 21.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernande
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVII
Bagé, 27.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.279, Rio, RJQuarta-feira, 19.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernande
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVI
Bagé, 24.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.272, Rio, RJ Sábado e Domingo, 08 e 09.02.1964 Jango Atinge sua Maior M
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXV
Bagé, 22.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.268, Rio, RJ Terça-feira, 04.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernandes)