Terça-feira, 9 de novembro de 2021 - 10h09
Bagé, 09.11.2021
Para
não perder o costume tomei café às 05h00 (14.12.2014) e estava com todo o material
em condições de ser embarcado na lancha antes das 06h00. Evidentemente só
partimos por volta das 08h00 com destino à Vila do Carmo onde o “Pelado” já nos aguardava ansiosamente. O
carregamento das embarcações e do material foi feito com muita competência. O “Pelado” tinha preparado um suporte de
madeira na caçamba da camionete que funcionou perfeitamente. Estávamos bem mais
aliviados, o Dr. Marc deixara de presente sua velha e surrada barraca de 20
anos de idade, eu abandonara meu colchão de ar que furara na Pousada Rio
Roosevelt, deixamos para trás, enfim, uma série de itens que não nos fariam
falta doravante.
O
“Pelado” é um dinâmico empreendedor,
possui comércio, bar, faz carretos com a sua camionete, comercializa óleo de
copaíba que adquire dos ribeirinhos, enfim é um empresário multitarefa. Nosso
motorista despediu-se da família e rumamos, pela BR-230 (Rodovia
Transamazônica), para Humaitá. A estrada de chão batido está em ótimas
condições de trafegabilidade e mantivemos uma média de 90 km/h. Muito falante,
nosso amigo “Pelado” contou como foi
o entrevero dos entre os habitantes locais e os índios Tenharim que há muitos
anos vinham cobrando irregularmente pedágio dos motoristas que trafegavam na
BR-230.
Vamos
contextualizar a questão para melhor entender a questão.
Questão Tenharim
A
posição de todos os moradores, madeireiros e fazendeiros é expressa
taxativamente pelo Presidente da Associação dos Madeireiros de Matupi:
Nós não queremos mais os pedágios na área indígena, porque quando chega
um carro e para, nós ficamos a mercê da vontade dos índios. Se eles tiveram
qualquer situação para apresentar contra a gente, a hora oportuna é quando a
gente está no carro. Aí, eles podem sequestrar, nos assassinar, nos torturar.
(Samuel Martins)
Posição
essa, rebatida, sem qualquer amparo legal, como soe acontecer com as questões
indígenas em geral pelo Vice-presidente da Articulação dos Povos Indígenas de
Rondônia:
Para nós indígenas, isso é legal, apesar de que não existir na Lei. A rodovia levou à degradação do meio
ambiente, introdução do álcool nas aldeias, entre outros problemas. Esses danos
não foram reparados e nós entendemos que deveríamos fazer a cobrança como forma
de compensação. Cabe ao governo regularizar, caso contrário vai continuar
morrendo índios e não-indígenas. E nós queremos a harmonia. (Marcos Apurinã)
O
mesmo discurso das massas oprimidas como sempre. Mudam-se os cenários, as
etnias, as controvérsias mas ouve-se o mesmo surrado chavão. O agravamento da
questão deu-se após o atropelamento e morte do cacique Ivan Tenharim, no dia
02.12.2013.
“Pelado” contou-nos que, segundo os
índios, um dos Pajés teria tido uma “visão”
de que os responsáveis pela tragédia teriam sido três homens a bordo de um
carro preto e que isso bastou para que os índios parassem o primeiro veículo
com estas características, no dia 16.12.2013, dirigido pelo professor Stef
Pinheiro de Souza, acompanhado pelos Sr. Luciano da Conceição Ferreira Freire e
Sr. Aldeney Ribeiro Salvador no quilômetro 137, nas proximidades da Aldeia
Taboca e chacinassem a todos.
No
dia 24.12.2013, véspera de Natal, os familiares e amigos dos desaparecidos
interditaram a balsa que faz a travessia do Rio Madeira, em Humaitá ao mesmo
tempo em que os moradores da cidade de Apuí e do Distrito de Santo Antônio de
Matupi invadiram a Área Indígena e depredaram as barreiras de pedágio e
incendiaram a Aldeia. Neste mesmo dia os moradores de Apuí e Humaitá queimaram
três carros da Fundação Nacional do índio (FUNAI) e Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA).
No
dia 27.12.2013, um grupo que cobrava agilidade nas buscas, pelos homens
desaparecidos, ateou fogo em um posto de pedágio e casas de apoio localizadas
no Município de Manicoré. Interessante é que as forças federais só foram
acionadas depois que os direitos indígenas foram ameaçados, o que não acontecia
quando trabalhadores eram ameaçados ou tinham de se sujeitar aos preços
abusivos cobrados nas barreiras. Muni Lourenço Silva Júnior, Presidente da
Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Amazonas (FAEA) criticou o
pedágio cobrado por indígenas e apresentou uma proposta coerente que a muito
tempo deveria ter sido implantada:
Os valores cobrados se diferenciam de acordo com o tamanho do veículo. O
que nós defendemos em relação ao pedágio, é que isso seja paralisado. Nós
defendemos que seja instalado um posto da Polícia Rodoviária Federal na
rodovia, para que se evite uma série de situações, inclusive de acidentes de
veículos usados também pelos indígenas. Nós não temos, fique isso muito claro,
absolutamente nada contra os indígenas. Defendemos é que efetivamente sejam
cumpridas as leis, principalmente a garantia do ir e vir. De forma segura sem
riscos com relação à integridade física. Houve dificuldade para o escoamento da
produção e do trânsito de veículos e caminhões.
O
Vice-governador do Amazonas, José Melo, afirmou no dia 12.01.2014 que os
índios Tenharim não voltariam a cobrar pedágio na BR-230, mas como nesse país tudo
acaba em “pizza” os índios seriam
compensados com a criação de um programa de assistência financeira no modelo
do Bolsa Família. Imediatamente foram enviadas 860 cestas básicas e 360 quilos
de medicamentos às aldeias. Os cinco indígenas Tenharim acusados do crime foram
presos encaminhados à Penitenciária Pandinha de em Porto Velho. Interessante
ressaltar que essa cobrança de pedágio indevida está deixando de ser exceção
para se tornar ordinária na “terra
brasilis” onde nem todos brasileiros são tratados igualmente ou ainda uns
são mais “iguais” que os outros.
Percorremos
os 300 km da Balsa da Vila do Carmo, no Rio Aripuanã até a Balsa de Humaitá, no
Rio Madeira, sem qualquer alteração e chegamos à Margem direita do Madeira por
volta da 12h00, onde paramos para almoçar tendo em vista que era horário da
refeição dos balseiros também.
Chegamos
à Humaitá, AM, no início da tarde onde estava nos esperando o Sgt BM Douglas
que a partir dali nos conduziria, por asfalto, passando por Porto Velho, RO,
até Vilhena. A viagem foi confortável, embora cansativa considerando as enormes
distâncias percorridas. Dormimos em Rondônia e no dia seguinte (15.11.2014)
seguimos para Vilhena. Eu que conhecera de Rondônia somente sua Capital Porto
Velho quando realizei, com meu filho João Paulo Reis e Silva, a descida do Rio
Madeira, em homenagem ao Centenário do Colégio Militar de Porto Alegre,
admirava, deslumbrado, o pujante desenvolvimento do belo Estado. As cidades
planejadas e muito limpas, as fazendas bem cuidadas mostravam a determinação de
um povo empreendedor que transformou aqueles ermos sem fim em um grande polo de
desenvolvimento.
Gerd
Kohlhepp e Markus Blumenschein, na Revista Território, fazem importantes
considerações à respeito da migração dos sulistas para a região Centro Oeste e
Rondônia:
A migração interna, vinda do Sul do Brasil para o Norte, passou
primeiramente pelos cerrados do Planalto Central e concentrou-se, a partir da
década de 70 – após iniciativas pontuais no Norte de Mato Grosso nos anos 60 –
nas florestas tropicais amazônicas no eixo da Transamazônica, em Mato Grosso e
em Rondônia. Somente após certo tempo, com o fracasso da colonização agrária na
Amazônia, os campos cerrados no Centro do Brasil tornaram-se o novo “Eldorado” da migração interna a partir
do Sul do Brasil. Entretanto, a modernização da agricultura nos estados
sulistas e o fim da economia cafeeira no Norte do Paraná, por razão de
prejuízos causados pelas geadas, levaram a um processo crescente de expulsão e
pressão emigratória.
O geógrafo alemão Leo Waibel, ex-consultor no Conselho Nacional de
Geografia, estava convencido, já na segunda metade dos anos 40, de que os
campos cerrados poderiam ser explorados pela agricultura:
A agricultura em terras de cerrado; caso seja bem sucedida, mudará por
completo a situação social e econômica do Planalto Central. Tomar-se-ia,
entretanto, necessária uma mudança total dos métodos agrícolas, uma mudança da
agricultura nômade para a permanente...
Os executores da agricultura em grande escala, desenvolvida nos campos
cerrados do Planalto Central brasileiro, são sulistas que emigraram dos estados
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, principalmente a partir de 1975.
Os dados estatísticos mais recentes indicam para o período de 1975 a 1996 um
saldo de migração de aproximadamente um milhão de famílias. Através da migração
desses sulistas, implantou-se uma economia tradicional agropecuária voltada à
exportação e com um elevado emprego de capital.
Isso foi indispensável justamente no momento em que, em função da crise
mundial da dívida externa [deflagrada em 1982], a agricultura de soja voltada à
exportação revelou-se um importante gerador de divisas e o Centro-Oeste
brasileiro foi visto como principal espaço econômico de um desenvolvimento agrário
tomado, por isso, mais necessário que nunca. [...]
A formação de uma “diáspora sulista”
no Centro-Oeste destacou-se também em diferenças socioculturais em relação à
população tradicional, as quais podem ser observadas até mesmo nos chapadões
além dos limites do Centro-Oeste.
Essas diferenças manifestam-se em conflitos culturais com uma respectiva
“exibição” da própria identidade
regional [população tradicional versus “gaúcha”,
ou seja, “sulista”] e, sob o ângulo
político, na emancipação de municípios recém-criados, que possuem uma população
predominantemente originária do Sul do Brasil.
Hoje sua influência política se estende, muitas vezes, para além da
Câmara Municipal e da Prefeitura, atingindo, também, a Assembleia Legislativa,
as secretarias de Estado e até mesmo o Senado Federal (um senador). Os sulistas
também trouxeram, com sua migração para o Centro-Oeste, a difusão de CTGs
(Centros de Tradições Gaúchas), de igrejas luteranas e de emissoras de rádio
com música gaúcha. (GERD & MARKUS)
Bibliografia
GERD & MARKUS, Gerd Kohlhepp
e Markus Blumenschein. Brasileiros
Sulistas Como Atores da Transformação Rural no Centro‒Oeste Brasileiro: O Caso
de Mato Grosso ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista Território, ano V,
n° 8 (jan/jun), 2000.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia
de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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