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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCCXLVIII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – LIV George Miller Dyott - VI


Expedição Dyott Roosevelt - Gente de Opinião
Expedição Dyott Roosevelt

Bagé, 18.11.2021

 

Correio da Manhã n° 10.412

Rio de janeiro, RJ – Sexta-feira, 14.12.1928

 

Dissolveu-se a Missão Científica ao Vale do Amazonas; o Sr. Tozzi Calvão é Energicamente Acusado Pelos seus Antigos Companheiros

 

 

Recebemos, ontem, a seguinte carta dos membros da, missão científica brasileira ao vale do Amazonas:

 

Os abaixo assinados, membros da Missão Científica Brasileira–Americana ao Vale do Amazonas, têm a honra de pedir a V. Exª reproduzir, em sua conceituada folha, a seguinte declaração:

 

A Expedição chefiada pelo Sr. José Tozzi Calvão dissolveu-se, hoje, em circunstâncias, que explicam as causas da terminação do empreendimento. A Expedição que chegou à Capital Federal no dia 12 de dezembro até hoje não pode iniciar a viagem, e isto por falta do fundos.

 

A circunstância de que não há fundos necessários chegou ao nosso conhecimento há poucos dias e foi uma verdadeira surpresa para os membros da Expedição, porque o Sr. Calvão, antes da sua partida de Nova Iorque, declarou possuir todo o capital que exige a realização de tal empreendimento.

 

Durante semanas os expedicionários esperavam no Rio o restabelecimento financeiro da Expedição, quando, ontem, o Sr. Calvão declarou aos membros a falência da empresa e informou da impossibilidade de conseguir os fundos necessários. Em presença desta situação, conforme a iniciativa do Dr. Roman Poznanski, apoiada por todos os membros da missão, o Sr. Calvão pediu ao Dr. Norman Taylor assumir a chefia da Expedição, que devia ser reorganizada e financiada com fundos a serem conseguidos pelo próprio Dr. Taylor.

 

Hoje o Dr. Taylor, na presença do Dr. Poznanski e Sr. Carr, comunicando a aceitação da proposta pediu ao Sr. Calvão entregar-lhe o material da Expedição necessário. Contrariamente ao entendimento de ontem o Sr. Calvão recusou-se categoricamente a dar satisfação ao pedido, declarando ao mesmo tempo, que não fará mais despesas com a estadia dos membros americanos e inglês no Rio, nem com as passagens de volta para os Estados Unidos e à Inglaterra, em violação dos contratos por ele, Calvão, assinados.

 

Desta maneira os membros da Expedição encontram-se na impossibilidade de realizar os estudos científicos projetados. Como se vê, o obstáculo do iniciar os trabalhos é devido não somente ao fato da falência financeira da Expedição, mas ao impedimento criado pelo Sr. Calvão na reorganização possível da Expedição em sólidas bases financeiras. – Norman Taylor, G. W. Carr, Roman Poznanski e Eric Palmer. Queira receber, V. Exª, os protestos da nossa elevada estima e alta consideração. – Pelos acima assinados. Norman Taylor. (CORREIO DA MANHÃ N° 10.412)

 

Muitos exploradores, ao longo da história, procuram atrelar ao nome de suas expedições o “codinome” de “científicas” procurando com isso conseguir subsídios de organizações públicas e privadas.

 

A famigerada Expedição Dyott-Roosevelt que pro­palava aos quatro ventos que um de seus propósitos seria o de realizar estudos antropológicos dos nativos que encontrasse na sua jornada já mostrava, de antemão, uma pretensão impossível de ser atingida a curto prazo. O estudo antropológico de um povo envolve o estudo de seus costumes, crenças, hábitos, universo psíquico, mitos, rituais, processo histórico, linguagem, leis, relações de parentesco, aspectos extremamente subjetivos que para serem analisados demandam de muito tempo pois é preciso ganhar a confiança dos nativos e desfrutar de uma convivência íntima e inin­terrupta. A propalada “técnica” tantas vezes citada pelo Sr. Dyott baseava-se no exemplo de Rondon mas não levava em conta que estes silvícolas tinham por ele um respeito e confianças que foram sendo conquistados pro­gressivamente alicerçados em um exemplo de conduta ímpar que serve de modelo até os dias de hoje. Vejamos uma reportagem que reproduz um desses contatos da Expedição Original:

 

 

Dom Casmurro n° 223

Rio de janeiro, RJ – Sábado, 25.10.1941

 

Os Nhambiquaras Dançam para
Theodore Roosevelt

 

Em Demanda do Rio da Dúvida – O Homem mais Primitivo do Mundo – A Serra do Norte – Uma Árvore de Natal em Plena Selva – “Tanganii, Tangrê”; e os Índios Rodam, Rodam em Torno de um Ponto Invisível – Os Cães de Roosevelt são Devorados Pelos Índios

[Clóvis de Gusmão]

 

 

 

20

de fevereiro de 1914. A Expedição Roosevelt-Rondon prossegue a sua marcha através da grande selva mato-grossense em demanda do Rio da Dúvida. Aquela noite a Expedição irá acampar bem próxima ao Homem da Idade da Pedra. As duas tendas lá estão armadas e no alto as duas bandeiras. Na de Rondon, a brasileira, a estrelada bandeira americana, na de Roosevelt. Como a noite não tarda, já os homens começam a improvisar a fogueira que vai servir de luz para o acampamento e afugentará a surpresa sombria das serpentes. Em cada canto do quadrilátero estará uma sentinela. Sim, uma sentinela como em dias de guerra porque ali bem perto está o Homem da Idade da Pedra. Esta noite o Coronel Rondon vai oferecer ao estadista “Yankee” uma pitoresca homenagem. O índio da Serra do Norte, o homem mais primitivo do mundo dançará para ele. Faz algumas horas apenas alguns Nhambiquaras visitaram o acampamento da Expedição que vai descobrir o Rio da Dúvida.

 

E com espanto, aquele homem habituado ao sertão, que havia estado nas brenhas africanas, teve diante de si o mais rude exemplar humano. O selvagem africano era um civilizado diante daqueles homens! Agora o jantar é servido nos pratos de folha e, à roda da fogueira todos estão sentados à maneira oriental sobre peles de animais. Cherrie, o naturalista, Kermit, o filho de Roosevelt, o Capitão Fiala, os Tenentes Lyra e Amílcar de Magalhães, o Dr. Cajazeira, médico da Expedição, o Cel Rondon, chefe da construção das linhas estratégicas do Noroeste brasileiro e indicado pelo Ministério do Exterior para acompanhar através da floresta o hóspede Ilustre. Não tardará o momento em que os índios da Serra do Norte, que durante séculos a fio se mantiveram imunes do menor contato com a civilização e a cultura mesmo por intermédio de tribos vizinhas, virão dançar para Theodore Roosevelt.

 

Enamorado das aventuras, o grande homem está encantado com a ideia de Rondon. Sua espera não foi mais inquieta quando um sábio o convidou para aquela luta de serpentes em São Paulo. A Serra do Norte durante séculos fez parte daquela estranha geografia utópica que colocava o Eldorado além das montanhas de Tumuk Humak ou figurava o Mar Tenebroso dos velhos marinheiros jogando-se para o infinito naquele ignoto recanto onde a terra era sustentada no espaço por quatro elefantes.

 

Muitos anos depois de David Livingstone haver devassado os segredos africanos ainda continuavam as suas abas de vegetação medíocre completamente virgens para o olhar civilizado. Quando os primeiros povoadores do Rio Amazonas conquistaram ao índio a margem direita do grande Rio e, pelos afluentes do Madeira, atingiram o coração daquela rude selva uma cachoeira os deteve.

 

E a impressão de pavor foi tão grande que eles a chamaram de “Infernão” aquela montanha líquida. Do lado Sul, nas cachoeiras do Rio Paraguai o obstáculo foi outro; a Leste aquelas fabulosas florestas anãs feitas de mato ralo mas tão densamente entrelaçadas pelo capim navalha e pelo gravatá de gancho que a própria anta não as consegue romper; a Oeste, do lado boliviano, os areais periódicos, um pequeno Saara ainda não romantizado.

 

E assim defendida por todos os lados e ainda pelo índio, pela fera e pelas doenças tropicais, a Serra do Norte trouxe até este século o seu mistério. O Rio Juruena, muito além do último pouso de civilizados, além de “Arroz Sem Sal”, a última feitoria de seringueiros que existia para aquelas bandas, já não era mais que uma simples lenda. A Serra do Norte não chegava a ser uma lenda, era o mistério. Os mapas não a consignavam sequer.

 

E os estudos da região feitos através da preciosa informação dos viajantes apenas vagamente a figuravam do outro lado do Juruena.

 

1907

O explorador brasileiro Cândido Rondon inicia o estudo sistemático de toda a enorme área do Noroeste brasileiro. Marchando inicialmente da banda Leste do Rio Paraguai atinge as águas do Juruena e prosseguindo, no ano seguinte a sua marcha já então com a sua base de operações a Oeste vai com seus homens acampar nas proximidades da Serra do Norte.

 

Tudo isso porém não acontece assim sem drama. Prisioneiro primeiro daquelas florestas anãs de que falamos, batido quase pelo pequeno deserto ardente,

 

Rondou teve a ventura de encontrar diante de si a população selvagem mais interessante do mundo, o Homem da Idade da Pedra lascada em toda a sua rudeza, desconhecendo a casa, o anzol, a banana, o cachimbo, criando ratos e comendo cobras. A primeira Expedição de Rondon, em 1907 Já trouxe notícias do Homem da Serra do Norte. Eram antropófagos, diziam dele os índios que os conheciam. O fato que receberam hostilmente a Expedição e por pouco o próprio Coronel Rondon não perdeu a vida nesse primeiro contato. Teve porém a oportunidade para examinar as flechas e o modo como eram feitas.

 

E hábil sertanista deparou surpreso com uma realidade estranha, aqueles homens estavam em plena idade da pedra lascada. A ponta das flechas cortadas a machado de pedra o denunciava perfeitamente. Na segunda jornada o sertanista pode estudar uma aldeia abandonada. Concluiu então pela não antropofagia dos Nhambiquaras.

 

Mas os índios continuavam a resistir a flechadas contra a invasão das suas terras. Rondon devia levar a linha telegráfica de Cuiabá, próximo às nascentes do Rio Paraguai à Santa Antônio do Madeira, quase sobre o Rio Amazonas. Era urna tarefa para vários anos a fio.

 

E durante aqueles anos, na medida que fundava aldeias no curso da linha telegráfica e criava destacamentos militares em lugares estratégicos, ia ele tratando de pacificar os Nhambiquara para poder estudá-lo. De noite, os Nhambiquaras derrubavam postes que ele havia erguido durante o dia. O zumbido dos sinais Morse parecia ao bugre primitivo uma invisível abelha e era para colher aquele mel maravilhoso que ele derrubava os postes.

 

Num ponto da serra, nas frondes de uma árvore, preparavam os Nhambiquaras uma armadilha. Os homens de Rondon responderam substituindo as flechas que os deviam matar por presentes, contas, machados, pentes, espelhos e colares. Os Nhambiquaras insistiram no gesto hostil, os homens de Rondon prosseguiram nos presentes.

 

E assim meses e meses. Até que pouco a pouco aquela árvore se foi tornando como uma árvore de Natal. Um dia porém quando os seus homens aprenderam o uso do ferro e as mulheres, como as de todo o mundo civilizado se enamoraram pelas contas e espelhos, os Nhambiquaras não botaram mais flechas na árvore da montanha. Colocaram também as suas dádivas mais preciosas.

 

O seu vinho de ananás silvestre, os insetos fritos que o seu paladar apreciava tanto, os seus machados de pedra, as suas flautas nasais, as pulseiras feitas de rabo de tatú. E assim se fez a paz com os Nhambiquaras.

 

 

1911

Foi isso em fins de 1911. O contato com o Homem da Serra do Norte foi um motivo de espanto para o civilizado, eles desconheciam a própria cor humana a que todas as populações do mundo estavam afeitas. Tomando um pobre negro, João da Cruz, quiseram verificar se aquele negro que ele ostentava nas faces não seria pintado e o levaram a força até um ribeiro e o lavaram e esfregaram com pedras até que a sua carne ficou em sangue. Mas não foi uma surpresa menor para eles a ignorância daqueles homens que vinham de longe. O nome disso, perguntavam, “Ananás”, dizia o civilizado. E eles riam gargalhadas gostosas. E prosseguiam. O nome disso?

 

Rato”, respondia alguém. E novas gargalhadas enchiam o espaço. Mas tudo isso pertence ao passado. Hoje os. Nhambiquaras já não precisam socar no pilão a carne que comem e as suas crianças já não choram, como noutro tempo, quando os pais raspavam os seus cabelos com a casca do coco. Apenas uma vez ou outra matam os burros dos acampamentos de Rondon para comer. O próprio Coronel Rondon lhes ensinou o uso e o modo de fabricar canoas e eles não precisam mais atravessar os rios em jangadas elementares feitas com o talo das palmeiras. Já não dormem no chão como dantes.

 

1914

Só não perderam as lembranças da sua antiga astrolatria ([1]) e um sinal evidente dela está nessa dança da estrela que eles vão dançar para Theodoro Roosevelt. Também não creem que a carne da serpente, que eles tanto apreciam, possa ser repulsiva. Pouco a pouco vem chegando. Os expedicionários já estão sentados em semicírculo para assistir a dança.

 

E eles dançam. Os homens sopram com o nariz as flautas. As mulheres sacodem para o alto os braços com as pulseiras. Elas estão completamente nuas e os homens ostentam apenas um adorno simbólico. E dançam. A dança na realidade consiste num círculo repetido em sobre o lugar já pisado. A música é uma melodia monótona com duas palavras apenas, repetidas durante toda uma noite de festa. “Tanganii”, canta um grupo, “tangrê”, outro responde. E a dança prossegue até que a assistência cansa e o Coronel Rondon, falando em Nhambiquara manda parar.

 

E essa noite, de 20.02.1914, o ex-presidente “Yankee” dormiu sob uma encantada impressão. O Homem da Idade da Pedra, o homem mais atrasado do mundo naqueles dias dançara para ele. E sob aquela impressão acordou ele na madrugada de 21. Pouco mais tarde, haveria de constatar o roubo de dois dos seus mais preciosos cães. Dois velhos companheiros das suas aventuras pela selva. Àquela hora estariam sendo devorados, comentou alguém. E Theodore Roosevelt sorriu amargamente. Mas quem poderá impedir um homem da Idade da Pedra de achar saborosa a carne de cachorro? (DOM CASMURRO N° 223)

 

 

 

Bibliografia

 

CORREIO DA MANHÃ N° 10.412. Dissolveu-se a Missão Científica ao Vale do Amazonas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Correio da Manhã n° 10.412, 14.12.1928.

 

DOM CASMURRO N° 223. Os Nhambiquaras Dançam para Theodore Roosevelt – Brasil – Rio de janeiro, RJ – Dom Casmurro n° 223, 25.10.1941.

 

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    Adoração prestada aos astros.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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