Quinta-feira, 18 de novembro de 2021 - 06h00
Bagé, 18.11.2021
Correio da Manhã n° 10.412
Rio de janeiro, RJ – Sexta-feira, 14.12.1928
Dissolveu-se a Missão Científica ao Vale do
Amazonas; o Sr. Tozzi Calvão é Energicamente Acusado Pelos seus Antigos
Companheiros
Recebemos, ontem, a seguinte carta dos membros da, missão científica
brasileira ao vale do Amazonas:
Os abaixo assinados, membros da Missão Científica
Brasileira–Americana ao Vale do Amazonas, têm a honra de pedir a V. Exª
reproduzir, em sua conceituada folha, a seguinte declaração:
A Expedição chefiada pelo Sr. José Tozzi
Calvão dissolveu-se, hoje, em circunstâncias, que explicam as causas da
terminação do empreendimento. A Expedição que chegou à Capital Federal no dia
12 de dezembro até hoje não pode iniciar a viagem, e isto por falta do fundos.
A circunstância de que não há fundos
necessários chegou ao nosso conhecimento há poucos dias e foi uma verdadeira
surpresa para os membros da Expedição, porque o Sr. Calvão, antes da sua
partida de Nova Iorque, declarou possuir todo o capital que exige a realização
de tal empreendimento.
Durante semanas os expedicionários
esperavam no Rio o restabelecimento financeiro da Expedição, quando, ontem, o
Sr. Calvão declarou aos membros a falência da empresa e informou da
impossibilidade de conseguir os fundos necessários. Em presença desta situação,
conforme a iniciativa do Dr. Roman Poznanski, apoiada por todos os membros da
missão, o Sr. Calvão pediu ao Dr. Norman Taylor assumir a chefia da Expedição,
que devia ser reorganizada e financiada com fundos a serem conseguidos pelo
próprio Dr. Taylor.
Hoje o Dr. Taylor, na presença do Dr.
Poznanski e Sr. Carr, comunicando a aceitação da proposta pediu ao Sr. Calvão
entregar-lhe o material da Expedição necessário. Contrariamente ao entendimento
de ontem o Sr. Calvão recusou-se categoricamente a dar satisfação ao pedido,
declarando ao mesmo tempo, que não fará mais despesas com a estadia dos membros
americanos e inglês no Rio, nem com as passagens de volta para os Estados
Unidos e à Inglaterra, em violação dos contratos por ele, Calvão, assinados.
Desta maneira os membros da Expedição
encontram-se na impossibilidade de realizar os estudos científicos projetados.
Como se vê, o obstáculo do iniciar os trabalhos é devido não somente ao fato da
falência financeira da Expedição, mas ao impedimento criado pelo Sr. Calvão na
reorganização possível da Expedição em sólidas bases financeiras. – Norman
Taylor, G. W. Carr, Roman Poznanski e Eric Palmer. Queira receber, V. Exª, os
protestos da nossa elevada estima e alta consideração. – Pelos acima assinados.
Norman Taylor. (CORREIO DA MANHÃ N° 10.412)
Muitos exploradores, ao
longo da história, procuram atrelar ao nome de suas expedições o “codinome”
de “científicas” procurando com isso conseguir subsídios de organizações
públicas e privadas.
A famigerada Expedição
Dyott-Roosevelt que propalava aos quatro ventos que um de seus propósitos
seria o de realizar estudos antropológicos dos nativos que encontrasse na sua
jornada já mostrava, de antemão, uma pretensão impossível de ser atingida a
curto prazo. O estudo antropológico de um povo envolve o estudo de seus
costumes, crenças, hábitos, universo psíquico, mitos, rituais, processo
histórico, linguagem, leis, relações de parentesco, aspectos extremamente
subjetivos que para serem analisados demandam de muito tempo pois é preciso
ganhar a confiança dos nativos e desfrutar de uma convivência íntima e ininterrupta.
A propalada “técnica” tantas vezes citada pelo Sr. Dyott baseava-se no
exemplo de Rondon mas não levava em conta que estes silvícolas tinham por ele
um respeito e confianças que foram sendo conquistados progressivamente
alicerçados em um exemplo de conduta ímpar que serve de modelo até os dias de
hoje. Vejamos uma reportagem que reproduz um desses contatos da Expedição
Original:
Dom Casmurro n° 223
Rio de janeiro, RJ – Sábado, 25.10.1941
Os Nhambiquaras Dançam para
Theodore Roosevelt
Em Demanda do Rio da Dúvida – O Homem mais
Primitivo do Mundo – A Serra do Norte – Uma Árvore de Natal em Plena Selva – “Tanganii,
Tangrê”; e os Índios Rodam, Rodam em Torno de um Ponto Invisível – Os Cães
de Roosevelt são Devorados Pelos Índios
[Clóvis de Gusmão]
20 |
de fevereiro de 1914. A Expedição
Roosevelt-Rondon prossegue a sua marcha através da grande selva mato-grossense
em demanda do Rio da Dúvida. Aquela noite a Expedição irá acampar bem próxima
ao Homem da Idade da Pedra. As duas tendas lá estão armadas e no alto as duas
bandeiras. Na de Rondon, a brasileira, a estrelada bandeira americana, na de
Roosevelt. Como a noite não tarda, já os homens começam a improvisar a fogueira
que vai servir de luz para o acampamento e afugentará a surpresa sombria das
serpentes. Em cada canto do quadrilátero estará uma sentinela. Sim, uma
sentinela como em dias de guerra porque ali bem perto está o Homem da Idade da
Pedra. Esta noite o Coronel Rondon vai oferecer ao estadista “Yankee”
uma pitoresca homenagem. O índio da Serra do Norte, o homem mais primitivo do
mundo dançará para ele. Faz algumas horas apenas alguns Nhambiquaras visitaram
o acampamento da Expedição que vai descobrir o Rio da Dúvida.
E com espanto, aquele homem habituado ao sertão,
que havia estado nas brenhas africanas, teve diante de si o mais rude exemplar
humano. O selvagem africano era um civilizado diante daqueles homens! Agora o
jantar é servido nos pratos de folha e, à roda da fogueira todos estão sentados
à maneira oriental sobre peles de animais. Cherrie, o naturalista, Kermit, o
filho de Roosevelt, o Capitão Fiala, os Tenentes Lyra e Amílcar de Magalhães, o
Dr. Cajazeira, médico da Expedição, o Cel Rondon, chefe da construção das
linhas estratégicas do Noroeste brasileiro e indicado pelo Ministério do
Exterior para acompanhar através da floresta o hóspede Ilustre. Não tardará o
momento em que os índios da Serra do Norte, que durante séculos a fio se
mantiveram imunes do menor contato com a civilização e a cultura mesmo por
intermédio de tribos vizinhas, virão dançar para Theodore Roosevelt.
Enamorado das aventuras, o grande homem está
encantado com a ideia de Rondon. Sua espera não foi mais inquieta quando um
sábio o convidou para aquela luta de serpentes em São Paulo. A Serra do Norte
durante séculos fez parte daquela estranha geografia utópica que colocava o
Eldorado além das montanhas de Tumuk Humak ou figurava o Mar Tenebroso dos
velhos marinheiros jogando-se para o infinito naquele ignoto recanto onde a
terra era sustentada no espaço por quatro elefantes.
Muitos anos depois de David Livingstone haver
devassado os segredos africanos ainda continuavam as suas abas de vegetação
medíocre completamente virgens para o olhar civilizado. Quando os primeiros
povoadores do Rio Amazonas conquistaram ao índio a margem direita do grande Rio
e, pelos afluentes do Madeira, atingiram o coração daquela rude selva uma
cachoeira os deteve.
E a impressão de pavor foi tão grande que eles a
chamaram de “Infernão” aquela montanha líquida. Do lado Sul, nas
cachoeiras do Rio Paraguai o obstáculo foi outro; a Leste aquelas fabulosas
florestas anãs feitas de mato ralo mas tão densamente entrelaçadas pelo capim
navalha e pelo gravatá de gancho que a própria anta não as consegue romper; a
Oeste, do lado boliviano, os areais periódicos, um pequeno Saara ainda não
romantizado.
E assim defendida por todos os lados e ainda pelo
índio, pela fera e pelas doenças tropicais, a Serra do Norte trouxe até este
século o seu mistério. O Rio Juruena, muito além do último pouso de
civilizados, além de “Arroz Sem Sal”, a última feitoria de seringueiros
que existia para aquelas bandas, já não era mais que uma simples lenda. A Serra
do Norte não chegava a ser uma lenda, era o mistério. Os mapas não a
consignavam sequer.
E os estudos da região feitos através da preciosa
informação dos viajantes apenas vagamente a figuravam do outro lado do Juruena.
1907 |
O explorador brasileiro Cândido Rondon inicia o
estudo sistemático de toda a enorme área do Noroeste brasileiro. Marchando
inicialmente da banda Leste do Rio Paraguai atinge as águas do Juruena e
prosseguindo, no ano seguinte a sua marcha já então com a sua base de operações
a Oeste vai com seus homens acampar nas proximidades da Serra do Norte.
Tudo isso porém não acontece assim sem drama.
Prisioneiro primeiro daquelas florestas anãs de que falamos, batido quase pelo
pequeno deserto ardente,
Rondou teve a ventura de encontrar diante de si a
população selvagem mais interessante do mundo, o Homem da Idade da Pedra
lascada em toda a sua rudeza, desconhecendo a casa, o anzol, a banana, o
cachimbo, criando ratos e comendo cobras. A primeira Expedição de Rondon, em
1907 Já trouxe notícias do Homem da Serra do Norte. Eram antropófagos, diziam
dele os índios que os conheciam. O fato que receberam hostilmente a Expedição e
por pouco o próprio Coronel Rondon não perdeu a vida nesse primeiro contato.
Teve porém a oportunidade para examinar as flechas e o modo como eram feitas.
E hábil sertanista deparou surpreso com uma
realidade estranha, aqueles homens estavam em plena idade da pedra lascada. A
ponta das flechas cortadas a machado de pedra o denunciava perfeitamente. Na
segunda jornada o sertanista pode estudar uma aldeia abandonada. Concluiu então
pela não antropofagia dos Nhambiquaras.
Mas os índios continuavam a resistir a flechadas contra a invasão das suas terras. Rondon devia levar a linha telegráfica de Cuiabá, próximo às nascentes do Rio Paraguai à
Santa Antônio do Madeira, quase sobre o Rio Amazonas. Era urna tarefa para
vários anos a fio.
E durante aqueles anos, na medida que fundava
aldeias no curso da linha telegráfica e criava destacamentos militares em
lugares estratégicos, ia ele tratando de pacificar os Nhambiquara para poder
estudá-lo. De noite, os Nhambiquaras derrubavam postes que ele havia erguido
durante o dia. O zumbido dos sinais Morse parecia ao bugre primitivo uma invisível
abelha e era para colher aquele mel maravilhoso que ele derrubava os postes.
Num ponto da serra, nas frondes de uma árvore,
preparavam os Nhambiquaras uma armadilha. Os homens de Rondon responderam
substituindo as flechas que os deviam matar por presentes, contas, machados,
pentes, espelhos e colares. Os Nhambiquaras insistiram no gesto hostil, os
homens de Rondon prosseguiram nos presentes.
E assim
meses e meses. Até que pouco
a pouco aquela árvore se foi tornando como uma árvore de Natal. Um dia porém
quando os seus homens aprenderam o uso do ferro e as mulheres, como as de todo
o mundo civilizado se enamoraram pelas contas e espelhos, os Nhambiquaras não
botaram mais flechas na árvore da montanha. Colocaram também as suas dádivas
mais preciosas.
O seu vinho de ananás silvestre, os insetos
fritos que o seu paladar apreciava tanto, os seus machados de pedra, as suas
flautas nasais, as pulseiras feitas de rabo de tatú. E assim se fez a paz com
os Nhambiquaras.
1911 |
Foi isso em fins de 1911. O contato
com o Homem da Serra do Norte foi um motivo de espanto para o civilizado, eles
desconheciam a própria cor humana a que todas as populações do mundo estavam
afeitas. Tomando um pobre negro, João da Cruz, quiseram verificar se aquele
negro que ele ostentava nas faces não seria pintado e o levaram a força até um
ribeiro e o lavaram e esfregaram com pedras até que a sua carne ficou em
sangue. Mas não foi uma surpresa menor para eles a ignorância daqueles homens
que vinham de longe. O nome disso, perguntavam, “Ananás”, dizia o
civilizado. E eles riam gargalhadas gostosas. E prosseguiam. O nome disso?
“Rato”, respondia
alguém. E novas gargalhadas enchiam o espaço. Mas tudo isso pertence ao
passado. Hoje os. Nhambiquaras já não precisam socar no pilão a carne que comem
e as suas crianças já não choram, como noutro tempo, quando os pais raspavam os
seus cabelos com a casca do coco. Apenas uma vez ou outra matam os burros dos
acampamentos de Rondon para comer. O próprio Coronel Rondon lhes ensinou o uso
e o modo de fabricar canoas e eles não precisam mais atravessar os rios em
jangadas elementares feitas com o talo das palmeiras. Já não dormem no chão
como dantes.
1914 |
Só não perderam as lembranças da sua antiga
astrolatria ([1]) e um sinal evidente dela está nessa dança da estrela que eles vão
dançar para Theodoro Roosevelt. Também não creem que a carne da serpente, que
eles tanto apreciam, possa ser repulsiva. Pouco a pouco vem chegando. Os
expedicionários já estão sentados em semicírculo para assistir a dança.
E eles dançam. Os homens sopram com o nariz as
flautas. As mulheres sacodem para o alto os braços com as pulseiras. Elas estão
completamente nuas e os homens ostentam apenas um adorno simbólico. E dançam. A
dança na realidade consiste num círculo repetido em sobre o lugar já pisado. A
música é uma melodia monótona com duas palavras apenas, repetidas durante toda
uma noite de festa. “Tanganii”, canta um grupo, “tangrê”, outro
responde. E a dança prossegue até que a assistência cansa e o Coronel Rondon,
falando em Nhambiquara manda parar.
E essa noite, de 20.02.1914, o ex-presidente “Yankee”
dormiu sob uma encantada impressão. O Homem da Idade da Pedra, o homem mais
atrasado do mundo naqueles dias dançara para ele. E sob aquela impressão acordou
ele na madrugada de 21. Pouco mais tarde, haveria de constatar o roubo de dois
dos seus mais preciosos cães. Dois velhos companheiros das suas aventuras pela
selva. Àquela hora estariam sendo devorados, comentou alguém. E Theodore
Roosevelt sorriu amargamente. Mas quem poderá impedir um homem da Idade da
Pedra de achar saborosa a carne de cachorro? (DOM CASMURRO N° 223)
Bibliografia
CORREIO DA MANHÃ N° 10.412. Dissolveu-se a Missão
Científica ao Vale do Amazonas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Correio da
Manhã n° 10.412, 14.12.1928.
DOM CASMURRO N° 223. Os Nhambiquaras Dançam para
Theodore Roosevelt – Brasil – Rio de janeiro, RJ – Dom Casmurro n° 223,
25.10.1941.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H