Segunda-feira, 4 de outubro de 2021 - 10h12
Bagé, 04.10.2021
04.04.1914
- Relata Roosevelt -
04.04.1914 – Neste dia, Lyra,
Kermit e Cherrie concluíram sua tarefa, trazendo as quatro canoas que nos
restavam ao acampamento, uma delas rachada pelos esbarros nas pedras. Descemos
então o Rio por algumas centenas de metros, acampando na margem oposta; não era
ótimo local para o caso, porém muito melhor que o precedente. Os homens se
tornavam progressivamente mais fracos, com o incessante esforço em trabalho
exaustivo. Kermit estava com febre e Lyra e Cherrie tinham sintomas de
disenteria, mas todos os três continuavam a trabalhar.
Certo momento, metido n’água, procurando ajudar no salvamento de uma
canoa virada, eu tinha, por minha falta de jeito, contundido a perna contra uma
pedra, e a inflamação que sobreveio era de certo modo incômoda. Tive um acesso agudo
de febre, porém, graças ao excelente tratamento do Médico, fiquei livre dela em
quarenta e oito horas; mas a febre de Kermit piorou e o impediu de trabalhar
por uns dois dias. [...]
Um bom Médico é de absoluta necessidade numa Expedição exploradora em
zona como a que percorríamos, sob pena de pavorosa mortandade em seus
componentes; os riscos e acasos inevitáveis são tão numerosos, e as
possibilidades de desastres tão frequentes, que não há justificação em
aumentá-los, pela omissão de quaisquer possíveis precauções. (ROOSEVELT)
- Relata Rondon -
04.04.1914 – Na manhã
seguinte, 4 de abril, recomeçamos os exaustivos trabalhos da véspera, para
terminar o transporte das cargas e a passagem das canoas. Pelas 16h00, já esses
trabalhos se achavam bastante adiantados, e era possível irmos instalar,
finalmente, o nosso 24° acampamento. No momento em que saíamos do bivaque, o
Sr. Roosevelt sentiu-se subitamente atacado de forte acesso febril, cuja
temperatura subiu logo a mais de 39°C. No caminho, fomos colhidos por pesado
aguaceiro que nos alagou e muito aumentou os sofrimentos do nosso doente. O Dr.
Cajazeira deu-lhe uma injeção de meio gramo de quinino e à noite fizemos-lhe
quarto: o Sr. Kermit e o Dr. Cajazeira revezaram-se até as 02h00 e dessa hora
em diante eu os substitui. (RONDON)
- Relata Cherrie -
04.04.1914 – Graças ao
trabalho diligente e cuidadoso que tivemos, as 2 últimas canoas foram transportadas
para baixo sem acidentes e, em seguida, concluímos todo o transporte para baixo
desde o Bivaque. Eu alternava, montando guarda armado, ajudando com as cordas
ou empurrando e puxando os barcos através da trilha. Os homens levaram toda a
carga para baixo. No final da tarde, estávamos prontos para descer o Rio por
cerca de um quilômetro até a cabeça de outra série de Rápidos. Pouco antes de
deixar o Bivaque, veio um aguaceiro encharcando a maioria de nós. O Coronel
Roosevelt, Rondon e o Médico desceram na maior das nossas canoas.
Com exceção dos remadores, o restante de nós desceu à pé até o
Acampamento. O Coronel Roosevelt estava doente e febril durante todo o dia. Na
curta viagem até o Acampamento, ele ficou muito doente. Eu senti alguns
calafrios durante curtos períodos. Nosso Acampamento está situado na margem
direita. Tomamos as precauções necessárias, caso o criminoso Júlio ainda esteja
à espreita querendo aprontar alguma surpresa. (CHERRIE)
05.04.1914
- Relata Rondon -
05.04.1914 – Conquanto ao
amanhecer do dia 5, o Sr. Roosevelt acusasse melhoras, resolvi transferir o
acampamento para outro lugar que não tivesse o inconveniente da grande umidade
deste em que passáramos a noite. Para isso conseguir, transportei-me para a
margem direita que percorri, explorando-a, numa distância de 1.600 m, até o
ponto em que se nos deparou grande enseada, a qual demos o nome de ‘‘Boa Esperança” por vermos o Rio daí para
baixo correr com o aspecto de não ter outros embaraços a opor à nossa marcha.
Não levei, porém, o acampamento para aí, em atenção ao mau estado de saúde do
Sr. Roosevelt; limitei-me a instalá-lo a 950 m do ponto de onde queríamos sair.
Nesse dia terminaram os trabalhos de varar as cachoeiras, nos quais os nossos
canoeiros, dirigidos pelo Ten Lyra e pelo Sr. Kermit, e animados pelo exemplo
de tenacidade que estes lhes davam, desenvolveram esforços que pareciam exceder
a capacidade de resistência do organismo humano. O Sr. Roosevelt ficou
maravilhado diante daquela prova inequívoca da excepcional energia física e
moral dos nossos oficiais e dos nossos homens e, falando comigo, fez esta
consideração:
Dizem que os brasileiros são indolentes! Pois, meu caro Coronel, um País
que possui filhos como estes, tem assegurado um grande futuro e certamente
realizará as maiores empresas do inundo.
Passamos a noite com relativo sossego; a febre não se manifestou no Sr.
Roosevelt, mas atacou o Sr. Kermit. (RONDON)
- Relata Roosevelt -
05.04.1914 – Neste dia,
tivemos uma longa baldeação para desviar-nos de algumas corredeiras, e
acampamos à noite ainda na úmida e quente atmosfera do grotão sombrio.
(ROOSEVELT)
- Relata Cherrie -
05.04.1914 – Ontem à noite,
Kermit e o Dr. Cajazeira passaram toda a noite com o Cel Roosevelt. Ele passou
uma noite muito ruim e sua temperatura chegou aos 39,8° C. Hoje, no entanto,
ele se sente muito melhor e esta tarde foi capaz de caminhar pelas trilhas mais
fáceis ao longo dos Rápidos até o nosso Acampamento. Kermit teve febre esta
noite. Meu estômago ainda está muito desarranjado. Antônio e Luís foram capazes
de trazer as canoas para baixo, vazias, sem grandes dificuldades. No final da
tarde, Antônio Pareci apressou-se em pegar sua arma, avisando que os macacos
estavam próximos. [...] Havia um grande bando de macacos-barrigudos. Mas eles
moviam-se com uma velocidade extraordinária através das copas mais altas das
árvores. Eu, no entanto, cacei dois e Kermit, um. Vínhamos sonhando com carne
fresca e ela recompôs nossas forças e energias. O fato de o Rio parecer estar
se afastando das montanhas, que por tanto tempo tinham nos cercado, trouxe-nos
um novo alento.
Eu não posso afirmar que todos nós, americanos, chegaremos a Manaus e em
casa. [...] (CHERRIE)
06.04.1914
- Relata Rondon -
06.04.1914 – Na manhã do dia
6, partimos do 25° acampamento, levando as canoas ainda aliviadas de cargas
para a enseada da Boa Esperança, onde retomamos a navegação, que prossegui
levemente por longos estirões do Rio, até se completarem 28.325 m. Na descida
da cachoeira do Paixão havíamos perdido uma canoa. Com a flotilha reduzida a
quatro embarcações, não podíamos continuar a empregar no levantamento
tomográfico, os processos anteriores, e foi forçoso contentarmo-nos com os
elementos fornecidos pelas medidas do tempo e da velocidade média, deduzida das
avaliações feitas nos trechos retilíneos do Rio com o auxílio do telêmetro. O
lugar a que chegamos e onde instalamos o nosso 26° acampamento, a 201.950 m do
passo da Linha Telegráfica, era a Foz de um novo tributário que entra no
Roosevelt pela margem direita, com o azimute de 263 graus ESE, vindo quase de
Leste. A sua largura era de 95 m e as suas águas corriam com grande velocidade,
sobre rocha de pórfiro quartzoso. Na barra existem duas ilhas; e o Roosevelt,
depois de o receber, toma a largura de 120 metros e continua com o azimute de
13° NO, que já trazia. A floresta, cuja constituição começara a modificar-se um
pouco antes desse ponto, pelo aparecimento de palmeiras uáuássú ([1]),
torna-se aqui muito abundante dessa ataléa, associada com a hevea brasilienses.
Desde a cachoeira da Pedra de Cal, porém, não mais avistamos a
Bertholletia excelsa ([2]);
talvez exista para o interior das terras. Ao novo Rio assim descoberto na lat.
Austral de 10°59’00,3’’ e na long. O do Rio de 17°05’54”, dei o nome de Capitão
Cardoso, modesta homenagem da gratidão e da saudade que devo a um antigo e
constante companheiro dos meus trabalhos de Sertão, desde os temidos da
construção da Linha Telegráfica de Goiás a Cuiabá até o dia 8 de janeiro de
1914, em que ele tombou morto na estação de Barão de Melgaço, onde viera
reorganizar e prosseguir os serviços que os tenentes Nicolau Bueno Horta
Barboza e Paulo Vasconcellos tinham sido, meses antes, forçados a suspender,
para salvarem as suas vidas ameaçadas pelo impaludismo.
Infelizmente o meu velho e dedicado companheiro de lutas não teve tempo
de se defender contra o violentíssimo ataque de um acesso pernicioso dessas
febres; e ao fim de dois dias de doença, pela primeira vez o seu braço
descansou da longa faina de servir à causa pública e o seu grande coração
deixou de amar a terra que lhe fora berço e os amigos conquistados pela
formosura do seu caráter varonil e bondoso. A possibilidade que as expedições
de descobrimento de terras incultas nos dá de perpetuarmos nos novos acidentes
geográficos a memória de esforçados servidores da nação, verdadeiros heróis,
não de uma façanha brilhante executada num instante de exaltação, na presença
de milhares de espectadores, mas sim de uma série ininterrupta de sacrifícios e
de privações inauditas e obscuras, não chega a ser um consolo para quem a
encontra e realiza; é uma simples mitigação da dor, que nos ficou, de sabermos
estar perdido para a Pátria um dos seus filhos, que a soube honrar e servir, e
para a nossa amizade o objeto de uma afeição que se vê frustrada na esperança
de acrescentar novos dons aos dons já recebidos, e se tem de resignar à
fatalidade de só se alimentar da rememoração do passado e das emoções da
saudade.
Quantas vezes desejaríamos que o destino nos poupasse esse doloroso dever
de pedirmos a um canto do solo grandioso de nossa Pátria, que recolha e
conserve a memória dos nossos companheiros de lutas, para a transmitir às
gerações futuras, nas quais depositamos a fé serena e inabalável de que saberão
retribuir com muito amor a devoção daqueles que antecipadamente tanto a amaram
e serviram?!
Diante do Rio “Capitão Cardoso”,
naquela tarde de 6 de abril de 1914, estávamos bem longe de imaginar que,
passado pouco mais de um ano, um dos seus afluentes, cuja existência então nem
suspeitávamos nos daria ocasião de renovarmos estas melancólicas reflexões.
Havíamos deixado no Chapadão as cabeceiras do Ananás, a que já nos
referimos, dizendo que o Sr. Roosevelt por participar das dúvidas relativas ao
curso do Rio que acabou recebendo o seu nome, o escolhera para explorar, no
caso de se verificar a hipótese deste ser um simples tributário do Ji-Paraná.
O reconhecimento que estávamos fazendo, desvaneceu todas as opiniões
contrarias à de ser o antigo Dúvida a parte superior do maior de todos os
contribuintes da margem direita do Madeira; e disso resultou continuar o Ananás
envolvido no seu manto de mistério, dando lugar a novas suposições a respeito
do sistema potamográfico a que pertenceriam as suas águas. Parecia-nos muito
provável que elas fossem para o galho oriental do Aripuanã; mas também não se
podia em absoluta rejeitar a suposição de que corressem para o Tapajós ou
entrassem diretamente no Amazonas pela Foz já conhecida sob o nome de Canumã.
Para resolver de uma vez todas estas dificuldades, organizou-se, no presente
ano, nova expedição que, descendo o Ananás, reconheceu ser ele um dos dois
formadores de outro Rio, cuja identidade os expedicionários só puderam
descobrir quando lhe atingiram a Foz, porque aí encontraram o marco de 1914 com
a indicação por nós deixada: “Rio Capitão
Cardoso”. Infelizmente, porém, o intrépido Chefe dessa Expedição, o Ten
Marques de Souza, e um de seus canoeiros dias antes haviam perdido a vida, num
assalto que sofreram dos índios habitantes daqueles Sertões. (RONDON)
- Relata Roosevelt -
06.04.1914 – Neste dia,
baldeamos ainda, passando corredeiras que eram as últimas do grotão. Por espaço
de alguns quilômetros, continuamos a passar junto a morros, e temíamos que a
qualquer momento nos defrontássemos, outra vez, com um novo desfiladeiro entre
serras. Nesse caso, teríamos dias mais de penoso labor e mais perigos pela
frente, com os homens desanimados, fracos e doentes. Muitos já começavam a ter
febre. Esse seu estado era inevitável, após um mês de trabalho ininterrupto, da
pior espécie, para vencer longa série de encachoeirados que acabávamos de
passar.
Uma grande demora a mais, acompanhada de esforço estafante, teria quase
pela certa significado que os mais fracos da comitiva começariam a perecer. Já
tínhamos dois Camaradas por demais enfraquecidos para auxiliarem os outros,
sendo tal seu estado que nos causava sérias apreensões. No entanto, os morros
gradativamente se foram transformando em planície nivelada e o Rio nos conduziu
através dela com uma velocidade que nos permitiu registrar 36 km no resto do
dia. Por duas vezes, antas atravessaram o Rio à nossa passagem, porém longe da
minha canoa. Além disso, na tarde antecedente, Cherrie matara dois macacos e
Kermit, outro, de modo que tivemos todos um bocado de carne fresca; e já
tivéramos uma boa sopa de tartaruga, de uma que Kermit tinha apanhado.
Tivemos que baldear em uma curta série de corredeiras, descendo as canoas
descarregadas sem dificuldade. Afinal, às 16h00, chegamos à Foz de um grande
Rio que entrava pela direita. Pensávamos que fosse o Ananás, porém não tínhamos
certeza, é claro. Era menos volumoso que o nosso, porém quase da mesma largura;
a sua era de 82 m naquele lugar, e de 110 m, a do Rio maior. Havia corredeiras
logo abaixo da junção, que ficava a 10°58’ S ([3]).
Tínhamos percorrido 216 km quilômetros ao todo, e nos encontrávamos em situação
quase ao Norte do ponto de partida. Acampamos na ponta de terras entre os dois
Rios.
Era extraordinário verificar que, na Latitude de 11°, corria um grande
Rio inteiramente desconhecido dos cartógrafos, que não vinha indicado nem por
sombra em qualquer mapa. Chamamos a esse grande afluente Rio Cardoso, em
homenagem a um bravo oficial da Comissão que falecera exatamente ao iniciarmos
a Expedição. Ficamos um dia nesse local, determinando a posição certa pelo Sol
e depois pelas estrelas; dois homens foram mandados examinar as corredeiras à
frente. Voltaram dizendo que havia entre elas grandes quedas d’água, que
criavam sério obstáculo ao nosso avanço.
Tinham apanhado um grande peixe siluroide ([4]),
que forneceu uma excelente refeição a toda a turma. Naquela tarde, ao pôr do
Sol, a vista do grande caudal, de nosso acampamento onde se juntavam os Rios,
era de grande beleza. Pela primeira vez, tínhamos espaço aberto à nossa frente
e por sobre nossas cabeças, de modo que cairia a noite, as estrelas e a lua
crescente se ostentavam soberbas nas alturas, ao mesmo passo que a claridade
lunar lançava um rastilho de prata no meio da corrente arrepiada pelos
rochedos. O enorme silurídeo que os homens tinham apanhado media metro e tanto
de comprido, com a enorme cabeça característica fora de toda a proporção com o
corpo e com a boca enorme, não proporcionada à cabeça. Esses peixes, embora
tenham pequenos dentes, devoram presas muito grandes.
Aquele peixe continha os restos meio digeridos de um macaco.
Provavelmente, o macaco fora apanhado quando bebia água da ponta de um galho e,
uma vez abocanhado por aquela caverna hiante, não havia salvação. Nós,
americanos, ficamos assombrados à ideia do tal silurídeo matar um macaco, mas
nossos amigos brasileiros nos informaram que, no Baixo Madeira e no trecho do
Amazonas, adjacente à sua Foz, existe um silurídeo ainda mais gigantesco que,
de modo semelhante, faz vítimas humanas. É um peixe de cor cinzenta
esbranquiçada, medindo cerca de três metros, com a cabeça enorme, usualmente
desproporcionada e uma boca rasgada, rodeada de dentes miúdos. Seu nome é
piraíba ([5])
‒ pronunciado com quatro sílabas. Quando estacionava em Itacoatiara, pequena
cidade à beira do Amazonas, na Foz do Madeira, nosso médico vira um daqueles
monstros, que fora morto por dois homens que havia atacado.
Estavam eles a pescar numa canoa quando o animal surgiu do fundo – pois é
um peixe da lama e, erguendo-se meio fora d’água, se atirou contra eles de
goela escancarada, por sobre a borda da canoa. Mataram-no a facão. Foi levado
em triunfo pela cidade num carro de bois, tendo-o visto o Doutor que afirmou
que media 03 m de comprido. Segundo nos disse, os nadadores temem-no mais do
que ao jacaré, pois a este podem ver, e não à piraíba, que fica oculta nas
profundezas das águas. O Coronel Rondon nos contou que, nas cidades do Baixo
Madeira, o povo construiu estacadas nas águas em que se banhavam, não se
aventurando a nadar nas águas livres, de medo à piraíba e ao jacaré.
(ROOSEVELT)
07.04.1914
- Relata Rondon -
07.04.1914 – Dois
acontecimentos igualmente inesperados, nos obrigaram a passar aí o dia 7 de
abril: foi, um deles, o aparecimento do assassino do Sgt Paixão, e o outro, a
descoberta de nova cachoeira, surgindo em terreno tão baixo (o aneroide acusava
a pressão correspondente a 754,9 mm), que nos causou admiração encontrá-la. A
canoa em que eu e o Ten Lyra viajávamos, vinha na vanguarda da esquadrilha,
correndo com bastante velocidade. Estávamos ainda a 2 léguas de distância do
ponto em que depois descobrimos a Foz do “Capitão
Cardoso”, quando de repente ouvimos a voz de alguém, que de terra exclamava:
Tenente! Surpreendidos, não atinamos logo com a pessoa que nos chamava; nem
pensávamos no criminoso, porque todos aceitávamos a hipótese de que ele tivesse
tomado a resolução de voltar Rio acima, caminhando pela margem até encontrar os
trilhos dos Navaité, pelos quais facilmente sairia na estação telegráfica de
José Bonifácio.
No entanto, era ele que ali estava, trepado nos galhos de uma árvore
pendente sobre a correnteza do Rio, implorando misericórdia e pedindo que o
recebêssemos a bordo. Não lhe atendemos imediatamente; precisávamos antes
comunicar ao Sr. Roosevelt ser de nosso dever tomar nas canoas aquele homem,
para entregá-lo aos tribunais do País. E foi o que fizemos, apenas nos achamos
todos reunidos no lugar do novo acampamento. O Sr. Roosevelt disse-nos que
também ele e os seus companheiros de canoa tinham passado por surpresa igual à
nossa.
Quanto a conduzirmos o criminoso, respondeu que nada mais lhe restava
senão conformar-se com ver-me cumprir o que eu dizia ser de meu dever de
oficial brasileiro e de homem; mas que, a não ser esta consideração, nenhuma
outra o decidiria, caso estivesse em seu poder, a reincorporar na Expedição um
indivíduo que se havia dela excluído pelos seus maus instintos, acrescendo a
isso a clamorosa injustiça que seria expor os demais expedicionários a terem
aumento de trabalho e de riscos de virem a sofrer fome, por intenção de salvar
a existência de alguém que se revelara tão antipático e insociável.
Esperamos o resto da tarde e a noite de 7, que o desgraçado foragido
viesse ao nosso encontro, no acampamento. Mas, não tendo isto acontecido, na
manhã seguinte mandei o canoeiro Luiz Correia e Antônio Pareci irem por terra,
Rio acima, procurá-lo. Nessa diligência os dois homens gastaram o dia inteiro,
regressando à noite com a notícia de o não terem encontrado. No entanto, os
gritos de chamado, os disparos das armas de fogo e a fumaça do acampamento eram
indícios mais do que suficientes para orientar os passos de qualquer pessoa que
estivesse perdida na mata, dentro de um círculo de muitos quilômetros de raio.
Para tirarmos o maior proveito possível da parada a que éramos forçados,
eu e o Ten Lyra ocupamo-nos nas medições dos Rios e nas observações
astronômicas necessárias ao cálculo das coordenadas geográficas da nossa
posição, enquanto o Antônio Correia e outro canoeiro iam explorar a cachoeira,
com o intuito de descobrirem os Canais por onde pudessem descer as canoas no
dia seguinte. Este último serviço fez-se, primeiro, pela margem direita, com
resultado negativo, porque o Rio, depois de se subdividir por múltiplos Canais
de rocha, acaba dando um salto maior do que os até agora encontrados,
Transportaram-se, pois, os dois canoeiros para a margem esquerda, onde foram
mais felizes; um Canal permitia a passagem das canoas vazias, mas o trecho
encachoeirado prolongava-se por grande extensão, toda ela semeada de ilhas, que
forçaram o Rio a alargar o seu leito, e ao mesmo tempo a tomar o rumo de Poente
e de Sudoeste, desviando-o de um morro existente do lado Norte. (RONDON)
- Relata Cherrie -
07.04.1914 – Nós, americanos,
acreditávamos que estaríamos partindo, logo cedo, seguindo nossa jornada Rio
abaixo. Qual foi o nosso espanto ao ouvir o Cel Rondon anunciar que pretendia
permanecer neste Acampamento por mais um dia e que tinha a intenção de enviar dois
Camaradas à retaguarda, para tentar achar o assassino Júlio, capturá-lo e
levá-lo conosco para entregá-lo às autoridades militares!
A decisão do Cel Rondon é quase inexplicável, tendo em vista nossa
situação. Nosso estoque de suprimentos está diminuindo de forma alarmante e só
temos, a partir de agora, consumindo meias rações, o suficiente para duas ou
três semanas; além disso, as nossas quatro canoas já estão abarrotadas.
O Cel Roosevelt tem tido febre constante, Kermit agora mesmo apresenta
febre muito alta e eu continuo muito doente, padecendo com a diarreia. Não
temos ideia das dificuldades que nos aguardam ou quanto tempo levaremos antes
de chegar a um ponto em que possamos conseguir ajuda. Do nosso ponto de vista,
este atraso e a tentativa de levar um prisioneiro conosco colocaria em risco a
vida de todos os membros da Expedição, o transporte de um preso é um
compromisso muito arriscado.
O Cel Rondon nem sequer aventara ser necessário realizar um
reconhecimento à frente para verificar as Rápidos cujo ruído ouvíamos! Só
depois de Kermit e o Cel Roosevelt terem protestado, Antônio Correia foi
enviado a jusante para analisar o que estava à nossa frente. Antônio Correia
voltou e relatou a existência de fortes Rápidos e Quedas! Vamos ter, novamente,
um trabalho duro pela frente. Antônio Correia e Henrique trouxeram um enorme
peixe conhecido como pirarara ([6]) com
pouco de mais de metro de comprimento e com uma aparência do nosso peixe gato,
mas com umas placas que lhe cobrem o terço anterior do corpo. Na limpeza da
Pirarara, os homens descobriram a cabeça e um braço de alguma espécie de
macaco! Infelizmente essas relíquias foram atiradas fora sem que eu pudesse
vê-las, e só por acaso tomei conhecimento do fato. A Pirarara é um peixe muito
saboroso. (CHERRIE)
Bibliografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist
‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9
de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro
Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da
Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal
do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São
Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São
Paulo, 1976.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=40
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Uáuássú (manicaria saccifera): Ubuçu ou Buçu, o cacho é protegido
por um invólucro semelhante a um saco fibroso e resistente chamado de tururi.
[2] Bertholletia excelsa: castanha da Amazônia.
[3] 10°58’ S:
10°59’20” S.
[4] Silurídeo:
bagre.
[5] Piraíba,
Piratinga (Brachyplathystoma filamentosum): é o maior peixe de couro da Bacia
Amazônica, podendo atingir 03 m de comprimento e 150 Kg de peso.
[6] Pirarara (Phractocephalus hemioliopterus): peixe liso, encontrado
nas Bacias dos Rio Araguaia, Tocantins e Amazonas, que pode chegar a pesar 60
kg e alcançar 1,5 m de comprimento.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H