Terça-feira, 12 de outubro de 2021 - 06h05
Bagé, 12.10.2021
Os Rios são
caminhos que andam e que nos levam aonde queremos chegar. (Blaise Pascal)
Na água que avançava devagarzinho, via seu rosto como num espelho e nessa imagem havia algo que lhe despertava recordações, algo de que se esquecera e que lhe voltava à memória, quando refletia um pouco: esse rosto parecia-se com o de outra pessoa que ele, Sidarta, em tempos remotos, conhecera, adorara e temera.
(Hermann Hesse ‒ Sidarta)
Nestas
infindas jornadas, pelos caminhos que andam, tenho conhecido amigos de “outras
eras” que nos cativam imediatamente com seu carinho, fidalguia e
hospitalidade. Ouvimos encantados as histórias de vida – exemplos de
determinação, disciplina e força – destes formidáveis bandeirantes hodiernos
que abandonando sua terra natal partiram em busca de novos desafios e
construíram com seu suor e energia invulgar um futuro promissor em outras
plagas. Homenageando neste capítulo o amigo Luiz Carlos prestamos um tributo a
todos aqueles que participaram desta verdadeira “Marcha para o Oeste”
brasileiro.
Olá! Coronel
Venho nessas breves linhas
encaminhar para vós, um breve relato buscado em minhas memórias, sobre minha
chegada a esta rica terra de Rondônia, e, por conseguinte de algumas pessoas,
que estiveram e se fizeram presentes nessa jornada vivida até aqui, pessoas
estas que como eu, vieram da região sul do nosso país. Em meados de 1978, na
cidade de Francisco Beltrão, um pequeno grupo de amigos conterrâneos, se
reuniram e resolveram, sair do Paraná e conhecer o Norte do Brasil. Esses
quatro amigos moradores da cidade de Francisco Beltrão, PR, tomaram rumo em uma
viagem de camionete para ver de perto a região Centro Oeste e Norte do pais,
com o intuito de localizar nessa jornada uma cidade, um município onde pudessem
trabalhar e investir na exploração de madeira.
Um dos componentes desse grupo
de amigos era meu valente pai, um gaúcho nascido em Serafina Correia, RS,
cidade natal também deste narrador. Vagaram viajando e conhecendo boa parte do
Norte mato-grossense e grande parte do estado de Rondônia, e nessas andanças
acabaram achando melhor se estabelecerem na cidade de Pimenta Bueno-RO, isso no
ano de 1979. Em 1980, mais precisamente em 10 de janeiro deste ano,
desembarquei em Pimenta Bueno, RO, em um voo da TABA [Transporte Aéreo da Bacia
Amazônica], empresa de aviação da época, nesta época, estava eu com tenros 17
anos.
A partir de então, dei uma
guinada na minha vida, tudo mudou completamente, os costumes, as pessoas, era
tudo muito diferente do que eu tinha vivenciado até aquele momento, digo o
conhecimento da minha infância e vivência com os parentes todos esses, do Sul
do pais, ficaram para trás, deparei-me com pessoas e hábitos bastante
diferentes daqueles que eu já estava acostumado. Mas foi uma experiência
gloriosa, e, apesar de sofrer cedo demais, com a doença que acometeu meu pai,
ele sofreu um AVC, no ano de 1981, com apenas 49 anos, e com isso a minha vida
teve tomar uma nova direção, retornando ao Paraná.
Os projetos o que planejávamos
tudo ficou em segundo plano, era esquecer todo o planejado, e a prioridade
passou ser tentar salvar a vida dele, e a partir daí, “recomeçou tudo sem
projeto algum”. Fiquei cinco anos ao lado dele, e somente então, no ano de
1987, retornei para Rondônia. A partir daí sim, a vida teve um enorme
crescimento, comecei a trabalhar com madeira, tal qual meu pai fizera e assim
eu também dei prosseguimento à sua profissão e com isso, obtive os contatos, e
muitos desses tenho até o dia de hoje, pessoas oriundas de todas as regiões do
país.
A exploração de madeira aquela
época era intensa e imensa, cito como exemplo, Pimenta Bueno, que chegou a ter
35 madeireiras, Rolim de Moura aproximadamente 40 e assim, em quase todos os
municípios de Rondônia, a economia predominante era exploração e venda de
madeiras. A exportação de madeira era o que gerava toda a movimentação
econômica, no mercado interno, restava a madeira de segunda qualidade, isso se
dava pelo preço que o mercado interno não podia competir. A intensidade desse
comércio era tão forte que, a madeira de mogno, uma essência muito valorizada,
começou a rarear, e então se buscou por este tipo de madeira em outras regiões
e começou-se a negociar esse produto, oriundo das regiões de terras indígenas e
de proteção ambiental.
Eu, meu irmão e uns tios, que na
mesma época estávamos trabalhando com esse tipo de madeira, tivemos notícia de
uma área no município de Aripuanã, MT, que podia ser acessada pelo município de
Espigão do Oeste, onde poderíamos trabalhar, sem nos envolver com áreas
indígenas ou de preservação. Na época, as prisões e multas, eram de pouca
expressão, porém já causavam estrago e traziam medo aos madeireiros.
Começamos a trabalhar em 1989
nesta área decidi e assim ficamos durante dois anos. Quando passávamos por uma
estrada aberta pelos proprietários daquelas terras que, esses chamavam de “Gleba
Lunardelli”, e passava por uma área de conflito entre posseiros e índios
onde hoje é atualmente uma reserva indígena demarcada, víamos com muita
frequência a exploração das reservas indígenas.
Conhecemos alguns caciques e muitos
madeireiros, colegas que trabalharam nesse sistema ilícito de exploração. Os
acordos entre os caciques e madeireiros se tornavam frequentes, e com isso
surgiam também os atritos e alguns com desfechos acalorados e em muitos com
riscos e perdas de vidas.
Riscos como: perda de
maquinários e apetrechos para indígenas, que os queimavam e, de outro lado os
madeireiros prometendo revidar assim que pudessem. Mesmo assim, as explorações
continuavam em todas as áreas indígenas sem exceção.
Nós, eu e meus familiares
tínhamos receio e nunca nos arriscamos em terras indígenas.
Neste período conheci alguns
valentes que trabalhavam comigo, numa área distante cerca de 270 km de Pimenta
Bueno, mata adentro, passando então dentro das reservas indígenas dos Zoró e ao
lado da reserva indígena Cinta-Larga.
Lembro com saudades de alguns
desses valentes, que o tempo deu por conta, e com isso o destino nos separou.
Eram homens de muita coragem, citarei alguns deles. O Tião Mineiro, um valente
que me acompanhava e estava sempre por perto, já tinha passado por vários
estados brasileiros inclusive tinha estado na África com a empreiteira “Mendes
Júnior”, Antônio, conhecido como “Fiinho”, paulista de nascimento,
mas sul mato-grossense de coração e com muito conhecimento na exploração de
madeira, Osório, um excelente caminhoneiro e mecânico, José Telles, um gaúcho
de André da Rocha, tratorista perfeito para aquelas dificuldades. E também
outros que no momento não cito nomes, mas que foram também muito importantes
nessa empreitada.
Empreitada, que fomos a cada dia
tendo dificuldades e mais dificuldades, a madeira passava por um período de
valores baixos, mercado retraído, e na exploração o custo era muito alto, não
suportamos as dificuldades pois estávamos, distantes da cidade e a madeira que
explorávamos era de valor mais baixo do que as outras madeireiras extraiam de
áreas indígenas, que era o mogno, Ipê e outras de lei de 1° qualidade.
Encerramos as atividades no ano de 1992, onde passei a me dedicar a criação de
gado, uma atividades que já estava dando bons resultados.
Na nossa região, essa atividade
na época era pouca fiscalizada e não se tinha dificuldades para fazer
derrubadas para plantar pasto, café ou outra atividade que expandia. Hoje em
dia, estou totalmente ligado à pecuária, e tentando melhorar a produtividade
com novas técnicas de produção.
Atualmente as áreas de
preservação e áreas indígenas continuam a ser exploradas, tanto na madeira
quanto na exploração mineral, como ouro, diamantes, cassiterita, manganês e
outros minérios.
As áreas de propriedades
particulares estão em constante monitoramento, tanto é que, possuo uma área de
terras que faz divisa com reservas indígenas, e como é documentada, tenho
endereço, e-mail, telefone e outros dados meus, onde recebo informações, para
não fazer qualquer tipo de exploração ou abertura florestal sem autorização dos
órgãos competentes, mas a maioria das propriedades não tem documentos oficiais,
informações e nem a possibilidade de serem intimadas, isso deve ter sérias
consequências no futuro, penso eu.
Coronel, eu presenciei muitos
conterrâneos perderem a vida, a maioria na exploração da madeira, origem da
grande expansão desse Estado, correta ou incorreta, esta ocorreu!!!
Aqui em Pimenta Bueno, em 1980
meu pai e uns colegas gaúchos, e outros tradicionalistas, criaram o “CTG
Porteira Aberta” que manteve suas atividades até os idos de 1993. Quem o
manteve em funcionamento foi um dos seus fundadores e alguns funcionários da
madeireira que vieram do Rio Grande do Sul, grande parte de André da Rocha e
Nova Prata, RS. A partir daí, foi perdendo força e parou de entreter a cidade
com bailes, jogo de bocha, churrascadas etc...
Coronel, eu e outros amigos
madeireiros fomos testemunhas, na época que o município de Pimenta Bueno era o
maior explorador de mogno da reserva indígena Cinta-Larga, uma madeireira
voltada para a exportação que trabalhava com um cacique que coincidentemente,
esteve aqui um dia após sua passagem pela reserva.
Era o cacique Roberto Carlos, na
época, hoje não tenho ideia do que seja. O Roberto raramente se afastava da
madeireira, pois eu ia lá frequentemente visitar meus amigos porque dependia
deles para me ajudarem na reposição de peças de caminhão que eram de difícil
aquisição. Como eles tinham vários veículos do mesmo modelo e compravam muitas
peças de reposição para sua frota e para a própria serraria, dependíamos,
então, muito deles.
Morávamos todos no mesmo
condomínio, onde presenciei muitos fatos sobre essas negociações e que até hoje
não são diferentes.
Coronel Hiram, espero que alguma
parte deste breve relato, possa ser lhe útil em seu documentário, e que se
houver necessidade de mais informação, e que possa colaborar, estarei à
disposição.
Luiz Carlos Bordignon;
Nascimento: 01 de agosto de
1963;
Local: Serafina Corrêa/RS;
Filiação: Odílio Luiz Bordignon
e Joyce Maria Moroni Bordignon.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
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