Quinta-feira, 21 de outubro de 2021 - 06h00
Bagé, 21.10.2021
Jornal do Brasil, n° 138 – Rio, RJ
Quarta-feira, 16.06.1965
Rondon, 75 Anos Depois
No Caminho Dos Semivivos (VI)
[Reportagem - Juvenal
Portella /
Fotos - Rubens Barbosa]
Reunidos os dados que
turmas coligiram nos seus estudos, foi escolhido o traçado que, partindo da
linha telegráfica de Oeste, um quilômetro antes desta atravessar o Rio Manso,
procurasse a Colônia de São Lourenço, desta para Coxim, fraldejando a serra de
São Jerônimo e de Coxim pela margem direita do Taquari até o Juca Gomes, de
onde procuraria Corumbá através dos pantanais do Paraguai-Mirim.
Esta foi uma das rotas seguidas
por Cândido Mariano da Silva Rondon, em 1900. Na maior parte deste trecho
existem índios, que ele conheceu ainda hostis, que pacificou e ajudou a
civilizar. Nos mesmos locais, em 1965, ainda há hostilidade, da parte dos
muitos brancos que querem acabar com o que resta das terras. Por este caminho
passamos e nele, agora, poucos têm esperança de que um novo Rondon surja para
salvar o que resta da raça indígena.
IGUALDADE
A mentalidade alcançada pelos
responsáveis pelo problema indígena nos Estados Unidos permitiu, segundo o “The National Indian Institute”, que se
alcançasse condições de vida tão humanas como a de qualquer branco civilizado
evidentemente dentro de outro padrão.
Na verdade, respeita-se o índio e
a ele se concedem vantagens comuns aos demais cidadãos, inclusive determinado
empréstimo visando ao melhor aproveitamento de suas terras, claro que uma
adaptação ao problema brasileiro seria, no momento, quase impossível, pois
muitas dificuldades precisam ainda ser superadas, inclusive a da incompreensão
humana.
Se, por exemplo, a Secretaria de
agricultura de Mato Grosso nem ao menos oferece condições para conhecer as
terras do seu território, como poderia ditar normas que beneficiassem as terras
dos indígenas?
Essa é uma mostra em diversas,
pois ao tempo que os organismos norte-americanos, no momento em que se levou a
sério o problema, trataram de encaminhar soluções concretas, entre nós a
situação ainda está como há 10 anos ou pior, levando-se em conta medidas que
não foram tomadas e que, por, isso, agravaram o drama.
No livro “Os Índios dos Estados Unidos” a que já nos reportamos, existe um
trecho explicando uma lei aprovada pelo Congresso ‒ a “Indian Reorganization Act. [18.06.1934]” ‒, a terceira das grandes
leis que influíram na história dos assuntos indígenas. Essa lei, na realidade,
ocupava-se do problema da terra. O artigo comentou o assunto assim:
De
acordo com os métodos democráticos, a vigência da lei sobre uma tribo ou um
grupo depende de um referendo, e os índios têm direito a votar se a aceitam ou
não. Alguns aspectos da lei estavam em completa contradição com a política
indígena anterior, outros a desenvolveram. A lei:
1. Proibiu
o parcelamento das terras que as tribos tivessem ou comprassem no futuro;
2. Devolveu
as terras que haviam tirado das tribos e que estavam sem colonizar;
3. Autorizou o Governo a comprar mais terras para
as tribos todos os ano, com fundos federais;
4. Tornou
obrigatória a conservação dos recursos naturais das terras indígenas;
5. Estabeleceu restrições
sobre herança para o arrendamento, a troca ou para evitar a sua alienação;
6. Estabeleceu um fundo
rotativo de créditos para fazer empréstimos às tribos ou a indivíduos para
empresas agrícolas ou industriais.
Ao proibir o parcelamento de mais
terras, a Lei de Reorganização índia pôs fim à política que havia dominado e
controlado a vida indígena desde 1887.
Ao estabelecer que se adquirissem
novas terras, reconheceu as necessidades dos índios que não tinham terras, que
haviam sido deserdados pela lei e pela História. Aceitou o princípio básico de
que o futuro da maioria dos índios estava ligado à terra. As disposições sobre
a conservação das riquezas naturais se baseavam na ideia de que se devia
proteger as riquezas naturais das propriedades índias, tanto como as da Nação.
O Fundo Rotativo veio a ser o
primeiro fundo de crédito importante dos índios. Havia se comprovado que sem um
fundo como esse nenhum esforço econômico dos índios podia dar frutos.
A Lei de Reorganização Índia pós
fim à força destrutiva da posse privativa da terra. As condições das
propriedades índias têm sido trocadas. Em 1934, as terras índias, como temos
dito, chegavam a pouco mais de 52 milhões de acres. Em 1941, o total havia
subido para 55 milhões e mais alguma coisa, devido em parte à Lei de
Reorganização. O fundo rotativo agora ascende a US$ 5.299.600 e com sua ajuda
tribos e indivíduos tem estabelecido um número de empresas econômicas.
E OS
ESFORÇOS?
No plano brasileiro, desconhece-se um mínimo de tentativas
de caráter oficial visando o benefício indígena, principalmente com relação ao
problema das terras. Pode-se alegar que o Governador de Mato Grosso baixou
decreto desimpedindo uma área de terra para os indígenas, mas isso não tem
grande significado quando se lembra o fato de que ele próprio expediu títulos
para que outros explorassem áreas reservadas aos índios. Não se pode, também,
deixar de mencionar o esforço de alguns funcionários responsáveis, que tentaram
de muitos modos e maneiras conseguir situações melhores.
Um exemplo disso foi José Bezerra Cavalcanti,
que já, em 1924, se preocupava com os índios do Paraná. Nesse ano, enviou um
extenso relatório sobre a povoação de São Jerônimo, relatando o drama das
terras dos indígenas dessa região. Nessa ocasião, advertira Bezerra Cavalcanti:
O caso da Povoação Indígena de São Jerônimo é
característico e muito próprio para se prever qual será a sorte dos nossos
indígenas se lhes vier a faltar a assistência que lhes presta este Ministério,
por intermédio desta repartição.
E esta assistência, realmente, tem faltado,
principalmente dos órgãos oficiais. Não se votam leis procurando melhorar as
condições de vida do índio.
Ao contrário, parlamentares de quando em quando
espalham notícias inteiramente falsas e alarmistas, como aquela, há meses, que
dizia estar um grupo da tribo Cinta-Larga prestes
a conter os habitantes da aldeia de Vilhena,
quando na verdade os índios foram à procura de recursos médicos, que não possuem
ainda hoje.
Não se concede, por leis especiais, créditos
para construção de estradas ligando os aldeamentos indígenas ao resto da
civilização, o que poderia ajudar muito no escoamento de uma produção que
passaria a existir, se medidas paralelas fossem também tomadas. Onde estão os
esforços no sentido de transformar uma situação realmente triste? O caso dos
índios de Mato Grosso não é isolado. Índios do Pará, do Amazonas, de outros
Estados, por fim, sofrem dramas iguais ou mais intensos.
No quadro das comparações, o Brasil sofre uma
terrível desvantagem com os Estados Unidos, mesmo respeitadas as circunstâncias
e as condições entre um e outro país. De qualquer forma, o mínimo deveria ter
sido tentado, numa ação conjunta e não isolada. Os índios do Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, segundo o SPI, sofrem menos, porque
possuem condições melhores. Então, não é válido esquecer os outros, como tem
acontecido.
Enquanto em 1934 se votava uma lei concedendo
crédito para agricultura dos índios norte-americanos, aqui, hoje, alguns lutam
para evitar que terras de índios brasileiros sejam tomadas, com a cumplicidade
[ou omissão] de certos organismos estaduais.
Processos semelhantes aos adotados aqui ‒
exploração do trabalho indígenas em troca de bebida etc. ‒, doenças que vitimam
os daqui ‒ tuberculose, sarampo etc. ‒ ocorreram com os índios dos Estados
Unidos também e tudo isso foi sendo superado. As mesmas esperanças dominam uns
poucos homens que, deve-se dizer, ainda tentam fazer alguma coisa em favor da
raça índia. Mas, esperanças só pouco representam. Pelo que vi, depois de uma
longa jornada sertão adentro, somente com uma grande reforma e um esforço comum
é que será possível, como que começando tudo de novo, encontra-se o caminho da
salvação. Caso contrário, continuaremos no caminho dos semivivos, que são os
índios brasileiros. (JB, n° 138)
Bibliografia
JB, N° 132 a 138. Rondon, 75 Anos Depois ‒ No Caminho Dos Semivivos (I a VI) ‒
Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, n° 132 a 138, 09 a 16.06.1965.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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