Terça-feira, 26 de outubro de 2021 - 09h39
Bagé, 26.10.2021
01.11.2014 (sábado) – KM 388 –
KM 422
O
dia transcorreu célere e de águas calmas. Lá pelas 10h00 avistamos uma anta que
saboreava, despreocupada, um barreiro ([1])
numa barranca à margem direita do Rio. O dócil animal permitiu que eu me
aproximasse para fotografá-la, o tapir aguardou, pacientemente, a chegada de
todo o grupo e, depois de algum tempo, retirou-se sem pressa barranco acima.
Cheguei
à Fazenda Buriti que eu referenciara no mapa. Lá encontrei dois homens que,
segundo eles, tinham sido contratados para desmontar algumas benfeitorias da
mesma.
Eles
informaram que a fazenda era de propriedade de um grupo alemão que queria
deixar a floresta intacta, removendo inclusive as benfeitorias da sede da
fazenda, com o objetivo de negociar créditos de carbono. Consegui algumas
frutas com eles, aguardei meus parceiros chegarem e como tínhamos parado a
pouco continuei logo a navegação enquanto meus parceiros resolveram, não sei
por que, fotografar a fazenda. Ato temerário considerando o lugar ermo e a
possibilidade daqueles homens estarem cometendo algum ato ilícito.
A
Foz do Rio Branco (KM 427 – 09°38’15,9”S / 60°38’51,9”O) ficava a apenas 1.200
metros da última parada, aguardei meus amigos e como não aparecessem continuei
remando até uma pequena Ilha (KM 430 – 09°37’07,2”S / 60°39’44,3”O) à frente do
Porto de uma grande fazenda. Permaneci na Ilha que estava tomada por
quero-queros ([2])
por mais de meia hora e, estranhando a demora do grupo, remei Rio acima para
ver o que se passava. Depois de remar uns 500 metros avistei os três. Pensei,
comigo mesmo, que era preciso, em qualquer missão, manter o foco e não consumir
tempo ou energia em eventos que não sejam estritamente condizentes com os
objetivos propostos.
Minha
sugestão de que acampássemos por ali já que a apenas uns 10 km teríamos de
enfrentar uma nova Cachoeira e que seria preferível fazê-lo descansados e não
no final de uma jornada, não foi acatada. Fui com os “Camaradas” fazer contato com o Gerente da fazenda que nos
presenteou com algumas frutas e água fresca, para minha surpresa, ao voltar,
meus parceiros resolveram continuar a descida.
Cheguei
à Cachoeira (KM 422 – 09°33’37,5” S / 60°36’12,1” O) por volta das 17h00 e fui,
imediatamente, analisar os locais de passagem. Estava reconhecendo a margem
esquerda quando os “Camaradas”
chegaram e pedi ao Angonese que verificasse a existência de alguma trilha
naquela margem. Naveguei até o meio do Rio tentando visualizar alguma outra
passagem já que a trilha na margem esquerda era inviável. Escolhi minha rota e
chamei os parceiros para observarem minha passagem.
Executei
a passagem com o caiaque sem dificuldade mas consideramos que seria temerário
tentar fazer o mesmo com a pesada canoa. Achei uma passagem à sirga a cavaleiro
da margem direita e auxiliado pelos “Camaradas”
realizamos a difícil e dorida transposição. Solicitei autorização do Dr. Marc
para transpor seu caiaque, não consegui regular o pedal do leme que tinha sido
apertado com alguma ferramenta e, além disso, o remo era muito diferente do
meu.
O
resultado é que senti dificuldade em manobrá-lo na veloz torrente e bati o
casco em uma das pedras, a mesma que eu conseguira desviar, sem problemas,
pilotando meu caiaque, felizmente a embarcação não sofreu nenhum dano e
poupamos assim de ter de conduzir o caiaque à sirga ferindo-nos como acontecera
na descida da canoa.
Tínhamos
navegado 34 km e transposto uma Cachoeira média. O local de acampamento a
jusante da corredeira era aprazível e o fragor das águas embalou nossos sonhos.
02.11.2014 (domingo) – KM 440 –
KM 477
A
navegação foi quase toda por rápidos, as rochas emergiam das águas e pareciam
observar curiosas nossa progressão. Depois de navegar uns 10 km chegamos à
outra Cachoeira (KM 450 – 09°29’38,6” S / 60°35’21,8” O), perguntei a alguns
pescadores que estavam na margem esquerda se ela tinha alguma passagem e eles
me informaram que os práticos cruzavam pelo lado direito sem grandes problemas
– se eles passavam nos também o faríamos.
Enquanto
eu realizava o reconhecimento meus parceiros ficaram conversando com os
pescadores. Verifiquei as duas opções possíveis, chamei meus companheiros, e
lhes indiquei a mais viável. Passei primeiro mostrando que devíamos passar bem
à direita e não seguir a torrente principal pois esta jogaria a embarcação
sobre uma grande pedra. Desci sem mesmo colocar a saia, atirei o corpo para
trás para o caiaque não mergulhar a proa, tangenciei a margem direita
exatamente como pretendia e o leme deu um leve toque em uma pequena rocha, como
eu previra, deixando a perigosa pedra bem à minha esquerda.
Os
Camaradas e o Dr. Marc passaram igualmente com tranquilidade. O Dr. Marc que no
primeiro dia naufragara por duas vezes enroscando-se nas galhadas meio
submersas agora saia-se airosamente passando nas quedas como um legítimo
veterano. Como só teríamos pela frente alguns rápidos informei aos companheiros
que iria à frente para contatar o Sr. Jair Schiavi, Gerente da Fazenda
Buritizal, para que ele nos auxiliasse na travessia da Cachoeira do Chuvisco.
Do
contrário, teríamos de realizar uma “portagem”
de mais de 1.000 m. O Jair Schiavi tinha sido indicado pelo Lourival, Gerente
da Fazenda Perautas. Seguindo a orientação do Lourival desembarquei, na margem
direita, próximo à segunda casa e segui a trilha que me conduziria rumo Norte
até encontrar uma estrada. Estava quase chegando quando ouvi vozes de dois
homens que ali estavam colhendo mangas. Eram amigos do Jair Schiavi e as frutas
eram para os porcos dele, eles me levaram de barco até a margem oposta e me
apresentaram ao Jair Schiavi.
Muito
falante e prestativo o Gerente da Buritizal disse que eu chegara em boa hora
pois no dia seguinte ele sairia cedo para resolver alguns problemas
particulares. Perguntei se ele tinha condições de nos abrigar e alimentar
informando que estávamos prontos a pagar-lhe pelos serviços. Ele apenas sorriu,
chamou a esposa que aquiesceu em preparar-nos o jantar. Embarquei na lancha que
ele pilotou habilmente pelas estreitas passagens da Cachoeira Chuvisco. Quando
chegamos ao local, aonde eu deixara o meu caiaque, meus companheiros tinham
acabado de desembarcar. Carregamos na lancha do Jair Schiavi a carga da canoa e
partimos céleres atrás dele.
Nosso
anfitrião pilotava com rara habilidade. Ele foi um guia extraordinário
mostrando os locais exatos por onde deveríamos passar e nos aguardando quando
nos atrasávamos um pouco. Aportamos, depois de navegar por 37 km, e levamos a
bagagem estritamente necessária para dormirmos já que o Jair nos disponibilizou
uma casa para o pernoite. Tomamos um bom banho com água translúcida e fomos
jantar na casa do Gerente da Buritizal. Sua esposa Sr.ª Edna Maria de Lima
Schiavi tinha preparado um verdadeiro banquete, eles nos contaram que tinham
abrigado, também, os canoístas americanos Paul Schurke e Dave Freeman, além de
cinco canoístas brasileiros, que realizaram uma descida de 438 km pelo Rio
Roosevelt em homenagem à Expedição Original. Schurke e Freeman também
interromperam, como nós, sua jornada na Ponte Tenente Marques mas reiniciaram,
segundo o Dr. Marc, a descida na Foz do Rio Branco (KM 409), bem abaixo do KM
269 de onde partimos para executar a 2ª Fase até o Aripuanã.
O
Jeffrey aproveitou para usar a internet e enviar algumas notícias. Tive de
chamar a atenção dele de que já eram 23h00 e que devíamos deixar os donos da
casa descansar. A dona da casa e o filho Jackson Schiavi já tinham dado
visíveis sinais do adiantado da hora retirando-se da mesa e nosso anfitrião
fazia força para manter os olhos abertos. Meu amigo não tinha se dado conta de
que o relógio dele ainda estava com o fuso horário de Rondônia (22h00) e que
não devíamos abusar das gentilezas de nossos anfitriões. No Rio Grande do Sul,
permanecer na casa de alguém após as 23h00 é considerado uma indelicadeza
imperdoável, não sei se nos EUA é diferente.
Na
hora da partida fui com o Jackson Schiavi colher algumas laranjas e mangas.
Enchemos um dos sacos com laranjas sempre tomando cuidado para que os porcos
que ficavam à espreita não as roubassem. Depois fomos pegar algumas mangas,
sempre seguidos pelos esfaimados suínos, descuidei-me, por um instante, e uma
das porcas abocanhou um dos sacos pelo fundo e saiu arrastando-o e espalhando
as laranjas campo afora. Corremos atrás dela tentando recuperar o fruto do seu
furto quando, de repente, o animal pisou numa das bordas do saco dando uma
incrível pirueta estabacando-se espetacularmente. A porca, contrariada, e amuada
afastou-se grunhindo e nós conseguimos reaver a maioria das laranjas furtadas.
O Angonese comentou que no Sul do país esta não era época de colher laranjas.
Fazenda Buritizal (Informações)
Localizada à margem esquerda do Rio Roosevelt, município de Colniza/MT, a
apenas 70 km do vilarejo Guariba, que em breve se tornará Município.
Uma estrada de 16 km liga a Fazenda à BR 230, onde é possível chegar ao
vilarejo Guariba (70 km) ou ainda a Colniza (180 km no lado de Mato Grosso) ou
Machadinho (180 km do lado de Rondônia). O acesso à fazenda se dá por terra (BR
230), por ar (a fazenda possui campo de pouso) através de diversas empresa
aéreas conhecidas na região ou ainda, dependendo do trajeto, pelo Rio
Roosevelt.
Área Total: 20.000
hectares
Área de Pasto: 07.500
hectares
Área de Reserva: 12.500
hectares
Relatos Pretéritos
15.04.1914
‒ Relata Rondon ‒
15.04.1914 – No dia 15, por se
terem agravado os padecimentos do Sr. Roosevelt, que estava ameaçado de uma
manifestação erisipelatosa na perna direita, só pudemos retomar os nossos
serviços às 08h00. Passamos por um sistema de morros existentes na margem
esquerda, a que demos o nome de Serra da Cigana, avistando em seguida, do mesmo
lado, um marco de madeira com as iniciais J. A., gravadas a fogo. Examinando o
lugar, descobrimos outro marco igual a esse, na margem oposta. Tal foi o
primeiro sinal da nossa civilização encontrado neste Rio pelos expedicionários
que haviam partido da Ponte da Linha Telegráfica no dia 27 de fevereiro, e
percorrido, desde aquela data, 270.200 m através de regiões inteiramente
incultas e abandonadas. No entanto, aquele sinal era ainda bem pouco expressivo
a respeito da importância dos conhecimentos que ele revelava existir desta
paragem entre os civilizados porque restava saber se as terras assim demarcadas
pertenciam a algum proprietário, que as tivesse feito medir regularmente, ou se
eram simples ocupações desses enérgicos seringueiros que se embrenham pelos
Sertões e aí se estabelecem por iniciativa própria, sem nenhuma espécie de
dependência ou de relação com as autoridades públicas, e praticamente isolados
do resto do mundo.
Prosseguindo a viagem, fomos descobrir, a 2.600 m de distância dos
marcos, um rancho grande, bem construído, tendo ao lado outro menor, destinado
ao serviço de defumação do látex seringueira. O proprietário, Joaquim Antônio,
cujo nome corresponde às iniciais dos marcos, achava-se ausente, provavelmente
por pouco tempo, visto existirem no interior do rancho muitos utensílios
domésticos e grande quantidade de gêneros alimentícios. Deixamos ali inscrições
com os nossos nomes e indicação do lugar da nossa procedência, e continuamos a
descer o Rio. Andados mais 3.600 m, encontramos pequena canoa, tripulada por um
preto velho, que, apenas avistou a flotilha, manobrou a sua embarcação, de modo
a procurar refúgio em terra, vendo isso, levantei-me na minha canoa e agitando
o capacete na mão, dirigi a palavra àquele homem. Só então ele reconheceu não
haver motivo para fugir e sem receio, aproximou-se de nós. Explicou-nos que se
havia amedrontado por não lhe ser possível esperar a chegada de pessoas
civilizadas, descendo o Rio desde as suas nascentes. Igual surpresa sentiriam
os outros moradores que íamos encontrar abaixo da sua casa; para poupar-lhes o
susto de suporem que éramos índios devíamos avisá-los da nossa aproximação por
três tiros de carabina, combinados com os sons de uma buzina de taquara, que
nos deu. Convidando-nos para visitarmos a sua casa, o velho disse-nos chamar-se
Raymundo José Marques e ser natural do Estado do Maranhão.
Apresentei-o ao Sr. Roosevelt, que não tinha saltado da canoa, por motivo
dos seus padecimentos. Nessa ocasião, tendo eu feito alusão ao título de
Ex-presidente do nosso hóspede, o velho Raymundo perguntou-me, meio admirado: “Mas ele é Presidente mesmo?”, “Agora não é, expliquei lhe, mas foi
Presidente”. “Ah!”, comentou o
velho, “mas quem foi Rei sempre tem
Majestade”. O Sr. Roosevelt, ouvindo este comentário, manifestou-se muito
admirado de existir tanto espírito e cortesia num homem que vivia internado no
Sertão, longe da cultura dos grandes centros populosos, e assegurou-nos que um
matuto dos Estados Unidos, em igualdade de condições, seria incapaz de se
manifestar com a graça e a inteligência do nosso sertanejo. Despedimo-nos do
velho maranhense e continuamos a navegação rio abaixo. Passamos por outra
barraca de seringueiro, cujo proprietário estava ausente, e fomos aportar na de
um chamado Honorato, situada a 11.450 metros de distância da do Raymundo. Ao
todo, fizéramos nesse dia um percurso de 24.800 metros. Seguindo o conselho do
velho Raymundo, demos os tiros de carabina e os toques de buzina, logo que
percebemos estar nas proximidades de nova barraca.
Infelizmente essa precaução não surtiu o desejado efeito. A mulher do
Honorato, mal avistou as canoas, deitou a correr espavorida pela margem do Rio,
carregando nos braços uma criancinha. O caminho por onde ela fugia, era
cortado, a certa distância, por um Igarapé; no afã de se salvar do perigo
imaginário, a pobre senhora atirou-se ali, caiu; conseguiu levantar-se com as
roupas encharcadas, e continuou a desvairada corrida até atingir a casa de um
vizinho, onde chegou, desmaiada. O pânico comunicou-se à outra família.
Felizmente, ali estava o Honorato e com ele mais 3 homens. Armaram-se todos,
tomaram uma canoa e vieram Rio acima [...]
Nós estávamos no terreiro da casa abandonada, onde tínhamos feito acender
fogo para a nossa cozinha. A certa distância, o Honorato e os seus companheiros
puderam avistar-nos, reconhecendo então que não tinham de lutar com os índios.
Vieram ao nosso encontro, agora admirados de que ali tivéssemos chegado, percorrendo
caminho inteiramente novo e desconhecido de todos os moradores daquele Rio.
Entramos a conversar amistosamente. Soubemos ser este Rio o galho Ocidental do
Aripuanã. Os seus moradores davam-lhe o nome de Castanha e nele se estabeleciam
por acordo mútuo, trabalhando cada qual por sua própria conta, e proveito. No
caso de algum precisar de auxílio os outros reúnem-se para lho prestar. Na
distribuição das terras, seguem a regra do novo ocupante subir em canoa o
espaço correspondente a duas horas de navegação, a partir da última barraca já
instalada. No ponto atingido, plantam marcos idênticos aos que encontramos e
descrevemos, e desse momento em diante as terras assim assinaladas são
consideradas e respeitadas como propriedade legítima da pessoa cujo nome corresponde
às iniciais neles gravadas.
Todos reconhecem que os terrenos pertencem ao Governo; mas não julgam que
isso possa, de qualquer forma invalidar o direito de posse resultante do fato
da ocupação. Quanto a moradores indígenas, de que não havíamos encontrado
nenhum vestígio depois de passada a cachoeira do Paixão, disseram-nos os
seringueiros que, de longe em longe, tinham notícias do aparecimento de alguns,
ora num lugar, ora noutro muito diferente. Há tempos, eles apareceram e foram
recebidos a tiro, numa barraca acima da propriedade do Honorato. A represália
não se fez esperar, e a consequência dela foi o dono daquela barraca, um
caboclo chamado Manoel Vieira cair ferido por golpes de flechas.
Depois desse fato, nenhum outro tão grave se havia dado; mas os
seringueiros não alimentavam grandes ilusões a respeito da tranquilidade que
estavam desfrutando, pois sabiam ser fatal terem de entrar em conflito com os
primitivos donos daquelas terras, das quais não se podiam apossar sem lutas. O
pânico causado pela nossa chegada mostra claramente o grau de tensão nervosa em
que vive aduela gente, constantemente atormentada pela expectativa de ver
surgir do interior do Sertão os guerreiros indígenas. A mulher do Honorato
contou-nos depois, que não só viu, distintamente, as canoas em que vínhamos,
cheias de índios, como também ouvia os seus gritos terríveis e se sentia
perseguida por eles enquanto corria. E essa alucinação fê-la sofrer tanto, que
à noite apareceu-lhe um acesso febril, que foi combatido pelo Dr. Cajazeira. Da
barraca do Honorato para baixo, fomos encontrando Seguidamente outros
estabelecimentos de seringueiros e mesmo um barracão, ou casa de negócio, onde
compramos alguns gêneros [...] (RONDON)
‒ Relata Roosevelt ‒
15.04.1914 – [...] Antônio
Correia, dirigindo-se a Kermit, disse:
– Parece um sonho a gente estar dentro de uma casa outra
vez, ouvindo a voz de mulheres e crianças, em vez de estar no meio daquelas
serranias e cachoeiras! [...]
Pelo que informaram, nos achávamos a 15 dias da Confluência dos dois
Rios; mas havia numerosos seringueiros nas suas margens, onde muitos deles se
tornaram moradores permanentes. [...] Os próprios seringueiros não tinham a
menor ideia das cabeceiras, que ficavam em região até então jamais pisada por
gente civilizada.
O Rio da Castanha era, evidentemente, pelo menos em extensão,
materialmente igual, senão superior ao Alto Aripuanã e, parecia agora ainda
mais provável que o Rio Ananás ficasse nas cabeceiras da corrente principal, do
que nas do Rio Cardoso.
Espero que este ano o Rio Ananás também seja posto no mapa. Um dos
auxiliares do Coronel Rondon vai tentar descê-lo. Atravessamos suas cabeceiras
no altiplano e muito possivelmente passamos por sua Foz, embora seja também
possível que entre no Rio Canumã ou no Rio Tapajós. Mas não figurará nos mapas
antes de descoberta sua Foz por alguém. [...]
Não mais precisávamos sofrer uma contínua ansiedade, criada pela
necessidade de poupar víveres, pelo dever de lutar sem saber aonde nos levaria
a luta, pela incerteza amarga dos dias futuros. Era tempo de acabarmos com
aquilo. O esforço exaustivo em um ambiente insalubre estava começando a se
fazer sentir sobre cada um de nós. [...] Eu me encontrava em piores condições.
As consequências da febre ainda perduravam, e a perna, que machucara no serviço
de passar canoas nas corredeiras, havia piorado, aparecendo um abscesso. O bom
Médico, a quem muito devo pelo seu incansável cuidado e bondade, abrira-o,
colocando um dreno; o entusiasmo com que os borrachudos e os piuns participaram
da operação e os curativos emprestaram-lhe um “encanto” especial.
Eu mal podia manquejar e estava quase entregue, mas “não se pode parar, Comandante, quando as baterias estão em ação”.
Ninguém deve empreender Expedição como a nossa, a menos que resolva não
prejudicar seus companheiros com qualquer atraso causado por seus próprios
sofrimentos ou enfermidades. Seu dever é seguir para diante e, se necessário,
ir se arrastando, até cair sem forças!
Por felicidade, não fui submetido à semelhante provação. Conservei-me em
estado favorável até a passagem nas últimas corredeiras dos grotões. Quando o
sério transtorno me sobreveio, só tínhamos pela frente a viagem de canoas.
(ROOSEVELT)
‒ Relata Cherrie –
15.04.1914 ‒ [...] Compramos
mandioca e inhame e, o melhor de tudo é que, todos nós, saboreamos uma refeição
completa, a primeira em muitos dias e, embora não tenhamos desfrutado de uma
dieta exclusiva de peixe por muitos dias, foi um período longo o suficiente
para me enjoar dela! Kermit e eu tínhamos planejado saborear uma garrafa de “scotch” logo que avistássemos os
primeiros sinais de seringueiros e resolvemos abrir a garrafa esta noite! Uma
hora antes de chegarmos a este Acampamento, choveu torrencialmente e eu estava
encharcado como sempre. As roupas molhadas coladas ao corpo não contribuem para
melhorar da minha dor de garganta. [...] Ia esquecendo de falar de outra
fantástica visão que surgiu nesta noite ‒ a Ursa Maior pendurada acima do
horizonte Norte à vista! De cabeça para baixo, é claro, mas como ela nos
pareceu linda, é como se um velho amigo tivesse vindo nos visitar. (CHERRIE)
16.04.1914
‒ Relata Cherrie ‒
16.04.1914 – Fizemos uma longa
marcha, mais de oito horas, mas a corrente do Rio é tão lenta que só avançamos
39 km. Como havíamos colhido informações sobre o que nos aguardava pela frente,
não tivemos surpresas nem ficamos apavorados imaginando o que estaria nos aguardando
a cada curva do Rio.
Sofremos com uma borrasca que durou um par de horas até ao meio-dia. Eu
estava encharcado e, como até o fim do dia o tempo continuou nublado e fresco
com chuviscos ocasionais, eu senti frio e permaneci molhado durante toda a tarde.
Acantonamos em uma Barraca abandonada e, como chegamos quase ao anoitecer, isso
veio a calhar. Encontramos, também, um campo com inhames em abundância. O Dr.
aplicou um dreno na perna do Coronel Roosevelt esta manhã e como resultado o
Coronel começou a melhorar. (CHERRIE)
17.04.1914
‒ Relata Cherrie ‒
17.04.1914 – Tivemos uma
navegação relativamente curta – 30 km. Pouco depois do meio-dia, a chuva
começou a cair torrencialmente e continuou assim por cerca de quatro horas e às
15:00 nós ocupamos uma Barraca desocupada, na margem esquerda. Estávamos
encharcados assim como a maioria da nossa bagagem incluindo os meus cobertores
e rede. A partir de um ribeirinho na margem oposta do Rio, conseguimos um
frango, limões, bananas e um abacaxi. Preparei algumas peles de andorinha
Peitoril. Não usei meu cobertor molhado e dormi vestindo minha camisola de lã.
A perna do Coronel está muito melhor hoje. (CHERRIE)
18.04.1914
‒ Relata Cherrie ‒
18.04.1914 – 47 km hoje! Nosso
melhor desempenho desde que a Expedição começou! [...] O dia inteiro foi
agradável e sem chuva, mas tão logo acampamos, choveu torrencialmente.
Avistamos um grande número de castanheiras ao longo das margens carregadas de
ouriços que, dizem, caem em novembro. (CHERRIE)
19.04.1914
‒ Relata Viveiros ‒
19.04.1914 – A 09°38’ S ([3])
recebia o Rio Roosevelt o Rio Branco. (VIVEIROS)
‒ Relata Roosevelt ‒
19.04.1914 – Durante quatro
dias não apareceram corredeiras que exigissem descarga e baldeação. E, neste
dia, obtivemos uma canoa com o Sr. Barbosa. Era um homem gentil e hospitaleiro,
que também nos deu um pato, uma galinha, alguma mandioca e três quilos de
arroz, recusando qualquer paga; residia numa casa espaçosa, com sua esposa
trigueira, que fumava cigarros, e sua numerosa prole. A nova canoa era leve e
ampla, de sorte que foi possível armar sobre ela um toldo baixo, sob o qual eu
podia repousar, pois ainda estava doente. Pela tarde, passamos junto à Foz de
um Rio volumoso que entrava pela esquerda, o Rio Branco, na Latitude 09°38’ S. Logo depois chegamos à primeira corredeira séria – a Panela. Baldeamos as cargas, descemos as
canoas descarregadas e pousamos na base dela em uma casa espaçosa. O Médico
comprou um bonito jacamim, manso e confiante, que daí por diante foi meu
companheiro de canoa. Já tínhamos passado bom número de casas habitadas e ainda
maior de casas vazias. Os moradores eram seringueiros, mas geralmente eram
habitantes permanentes também, tendo seus lares com esposa e filhos.
Alguns, tanto homens como mulheres, mostravam ser de puro sangue negro,
ou puro sangue indígena, ou Sul-europeu, mas na grande maioria todas as três
raças andavam mescladas em graus diferentes. Eram muito corteses, serviçais e
hospitaleiros. Muitas vezes recusavam o pagamento pelo que lhes era possível
dispor, do pouco que tinham, para nos obsequiar. Quando cobravam, os preços
eram muito altos, como era justo, pois viviam num ermo longínquo e tudo lhes
custava preços fabulosos, salvo os produtos de suas lavouras. As casas frescas,
de pau-a-pique, cobertas de folhas de coqueiros, eram desguarnecidas, só
contendo redes e alguns utensílios de cozinha muito simples; e muitas vezes, um
relógio, a máquina de costura ou uma carabina de proveniência de nossa Pátria.
Geralmente plantavam flores, inclusive perfumadas rosas. Sua criação doméstica
se limitava, além dos cães, a algumas galinhas e patos.
Plantavam mandioca, milho, cana-de-açúcar, abóboras, abacaxis, bananas,
limões, laranjas, melões e pimenta; e também vários frutos e vegetais nativos,
tais como o quiabo, um fruto foliáceo que dá nos galhos de um arbusto elevado e
que é cozido com a carne. Eles obtêm alguma caça nas matas, e peixe em maior
quantidade no Rio. Não há, entre aquela gente, representante do governo; em
verdade, ainda agora, até sua própria existência é quase ignorada pelas
autoridades governamentais; e a igreja os tem ignorado tanto quanto a Nação.
Quando querem casar-se, têm de passar vários meses para irem a Manaus e
voltarem, ou a qualquer cidade menos importante; e é comum que o batismo do 1°
filho e o casamento se realizem ao mesmo tempo. Só têm o direito de posse sobre
as terras, e estão sempre arriscados a ser expulsos por magnatas sem
escrúpulos, que vieram mais tarde, mas trazendo documentos legalmente
perfeitos.
As leis sobre as terras deveriam conceder a cada um daqueles pioneiros do
povoamento as terras que na ocasião ocuparem e cultivarem e nas quais tenham
criado seu lar. O pequeno lavrador, dono da terra que cultiva com o suor de seu
rosto, constitui, em todos os países, o maior elemento de força nacional. São
esses os autênticos pioneiros do povoamento, os que realmente dominam o Sertão.
País algum jamais foi conquistado de um modo eficaz, ou explorado a fundo, por
uns poucos chefes, homens de exceção, embora tais homens possam prestar grandes
serviços. A conquista, de fato, a exploração completa e o povoamento são
levados a cabo por uma multidão anônima, composta de homens modestos, entre os
quais os de maior valia são evidentemente os fundadores de lares. Todos seguem,
pela maior parte do tempo, as pegadas de seus antecessores, mas, às vezes, se
afastam da trilha batida na extensão de alguns quilômetros, devassando novos
tratos de terra, e erguem suas moradas em lugares onde nunca existiram outras
casas.
Para se proceder assim, como um verdadeiro pioneiro, é preciso que não se
sinta forte atração pela vida social, e que não se tenha necessidade disso,
talvez por ignorá-los do luxo e também do conforto, a não ser o da espécie mais
rudimentar. Aqueles povoadores que vínhamos encontrando estavam satisfeitos de
morar no ermo. Tinham encontrado um bom clima e terras férteis, sendo a ida a
alguma cidade caso raro, nem tendo grande empenho em fazer tal viagem. Em
resumo, aqueles homens, e, como eles, todos os que andavam pelo Brasil na linha
fronteiriça da civilização com a vida selvagem, estavam então procedendo da
mesma forma que há 150 anos procederam os nossos desbravadores de florestas ao
empreenderem a conquista do vale do Mississipi; como os fazendeiros boers, há mais de um século na África; e
como os canadenses, quando, há menos de meio século, começaram a tomar posse do
seu Noroeste. Uma vez por outra, alguém repete que a “última fronteira” só pode ser encontrada no Canadá ou na África e
que está quase desaparecida.
Em escala muito mais vasta, tal fronteira poderá ser encontrada no Brasil
– um país tão extenso quanto toda a Europa, ou como os Estados Unidos – e,
antes que ela desapareça, muitos decênios se escoarão. Os primeiros povoadores
foram para o Brasil um século antes de que nos Estados Unidos e no Canadá
aportassem os primeiros colonos. Por espaço de 300 anos, o progresso foi muito
lento, pois o governo colonial português daquela época era quase tão inepto
quanto o espanhol. No último meio século, o progresso se acelerou rapidamente,
e esse crescimento promete ainda aumentar de contínuo no futuro. Os paulistas,
na caça das minas, dos escravos e de terras, foram os primeiros brasileiros
natos que, há um século, representaram um grande papel, abrindo ao povoamento
grandes extensões de Sertões. Os caçadores da borracha repetiram-lhes o feito
nos últimos decênios. A borracha deslumbrou-os, assim como o ouro e os
diamantes deslumbraram outros homens, e os impeliram a um errático vagabundear
pelas vastas extensões do orbe. Na procura de seringais, converteram em
estradas batidas Rios cuja própria existência era ignorada dos governos e dos
cartógrafos. Qualquer que fosse seu êxito, deixavam para trás, por toda parte,
povoadores que labutavam, casavam-se e criavam filhos. A colonização estava
iniciada, entrando a conquista do Sertão na sua fase inicial. (ROOSEVELT)
Bibliografia
CHERRIE, George Kruck. Dark trails: Adventures of a Naturalist
‒ USA ‒ New York ‒ G. P. Putnam’s Sons, 1930.
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9
de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro
Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt‒Rondon e da
Comissão Telegráfica ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal
do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil ‒ Brasil ‒ São
Paulo, SP ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São
Paulo, 1976.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de
Janeiro, RJ ‒ Livraria São José, 1958.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=OQcTRq9sYnY&list=UU49F5L3_hKG3sQKok5SYEeA&index=31
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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