Segunda-feira, 26 de abril de 2021 - 08h19
Bagé, 26.04.2021
Navegando o
Tapajós ‒ Parte XVI
Cerâmica Santarena III
A Cerâmica de
Santarém, notável pelo bom gosto e difícil estilização, caracteriza-se também
pela abundância e variedade dos motivos plásticos supostamente filiados às
civilizações do continente centro-americano. (CAPUCCI)
A arqueologia evita chamar de “Tapajônicos” ou “Tapajoaras” os vestígios culturais encontrados nas proximidades da
Bacia do Rio Tapajós, preferindo considerá-los parte de um complexo cultural
maior, denominado “Santarém” ou “Santareno”. Apesar de não desfrutar do
mesmo interesse dedicado à cultura Marajoara é, certamente, a Cerâmica mais
antiga da Amazônia e uma das mais belas do mundo, apresentando detalhes
refinados e ornamentos análogos à chinesa. A Cerâmica de Santarém ainda se
recente de pesquisas baseadas em escavações estratigráficas ([1]).
Datação
Carbono-14
A quantidade de 14C dos tecidos orgânicos mortos diminui num ritmo constante
com o passar do tempo.
A medição do carbono-14 de um fóssil
fornece elementos que permitem mensurar quantos anos decorreram desde sua
morte.
Esta técnica é aplicável somente a
material que conteve carbono em alguma de suas formas ou o absorveu e só pode
ser usada para datar amostras que tenham, no máximo, 70 mil anos de idade.
Embora este tipo de datação seja a mais conhecida e utilizada existem, na
atualidade, métodos mais modernos de datação absoluta.
Termoluminescência
A termoluminescência avalia a
luminescência provocada pelo aquecimento de sedimentos e objetos arqueológicos.
É especialmente utilizada para datar objetos que contêm minerais, como o
quartzo (SiO2) e a calcita (CaCO3). Podem ser datados fragmentos de cerâmicas,
materiais líticos queimados e cinzas de fogueira de até duzentos mil anos,
sendo que a imprecisão deste método gira em torno de 7% a 10%.
Arqueomagnetismo
Outro método moderno é o do
arqueomagnetismo que analisa as variações seculares ou alterações do campo
magnético terrestre. O estudo da magnetização remanescente de uma rocha
sedimentar permite que se determine o campo magnético terrestre no momento de
sua formação. O método é especialmente indicado para a datação de fornos e de
algumas cerâmicas que guardem certa magnetização.
Terras
Pretas
Conta-nos
Bates que, quando pela segunda vez chegou a Santarém, em novembro de 1851, o
Bairro da cidade hoje conhecido como “Aldeia”
era ainda habitado pelos Índios que, uma vez por ano, desciam ao quarteirão dos
brancos para executar suas danças, espontaneamente e com o fito exclusivo de
divertir o povo da localidade. Coincide a informação com a de Ferreira Penna
que, descrevendo Santarém, divide a povoação em duas partes distintas: “a cidade própria que fica muito aconchegada
ao Morro da Fortaleza e a Aldeia, que se estende para Oeste”, acrescentando
que esta, há 15 anos [escrevia em 1869 e, portanto, se referia a 1854[ ainda
exclusivamente habitada por descendentes dos Índios, começava a ser invadida
pela cidade, “já aparecendo aí algumas
casas bem construídas que contrastavam com as cabanas dos velhos indígenas”.
Esses
Índios, todavia, não eram mais os Tapajó, cujos últimos representantes tinham
sido exterminados pelos portugueses, em aliança com os Mundurucu, após o ataque
a Santarém de 1835-1836, onde tão poucos escaparam da carnificina que, em 1852,
Bates proclamava não se encontrar um velho ou homem de meia idade no lugar
[segundo Bates]. Hoje, cem anos decorridos, a cidade de Santarém estendeu suas
ruas por toda a antiga Aldeia e entre os habitantes desapareceu por completo a
recordação dos moradores Índios. Pessoas idosas, por mim interpeladas, apenas
se referem ao tempo deles como coisa de um passado muito remoto e quase
olvidado. E menos do que a tradição oral, o que ocorre para manter viva a
lembrança de terem Índios outrora vivido na Aldeia, é o constante aparecimento
à superfície de diminutos cacos da velha Cerâmica indígena, no próspero Bairro
santareno dos nossos dias, que o povo conhece pela designação de “caretas” ou como “panelas de Índio”, se são vasos de forma definida ou menos
fragmentados.
Já
Nimuendaju, ocupando-se das terras pretas como moradas antigas dos Tapajó e
estranhando que Hart [1870-1871] e Smith [1874], ao fazerem o levantamento
geológico do Rio Tapajós, tenham citado tantas e desconhecido a maior de todas
que é a de Santarém-Aldeia, aponta a Rua da Alegria e suas travessas como as
mais ricas do que chama “restos de
Cerâmica velha”. Robert e Rose Brown, muito mais tarde, em 1944,
demoraram-se meses em trabalho na Aldeia, onde lograram reunir a grande coleção
museológica hoje pertencente à Fundação Brasil Central, no Rio de Janeiro.
Informaram-me, posteriormente, que o principal achadouro [“the best source of caretas”] era o quintal de uma gorda mulher,
cega de um olho e com cerca de seis filhos, na parte alta e bem junto da casa
em que viviam duas velhas fabricantes das características bonecas tão
apreciadas pelos turistas. Com esses dados, identifiquei a casa, na rua
Benjamim Constant, e foram as duas referências de Nimuendaju e Robert Brown que
orientaram as minhas primeiras pesquisas em Santarém-Aldeia. Resultaram elas
completamente infrutíferas, porém, e em 11 quintais de terras-pretas, escavados
nas travessas da Alegria e na Benjamim Constant, inclusive o terreno assinalado
por Brown, não encontrei senão fragmentos esparsos e minúsculos da Cerâmica dos
Tapajó.
O primeiro
local em que obtive êxito foi num quintal à Rua Galdino Veloso, da casa de D.
Olívia, já em 1951. Posteriormente, consegui magnífico material de dois outros
quintais, fundos das casas de um barbeiro, à Rua 24 de Outubro e de um
ferreiro, à Av. Rui Barbosa, 1.408. Em todos os três – e aí está talvez a razão
de terem Nimuendaju e Brown dado como cheios de Cerâmica terrenos onde nada
mais se pôde encontrar – verifiquei que a maioria dos vasos estava depositada
numa espécie de bolsão, espaço diminuto que, em geral, não excedia de 2,5 a 4
metros quadrados, amontoados os fragmentos até o nível da terra amarela que se
segue à preta, numa profundidade variável de 30 a 80 centímetros. A explicação
da existência desses bolsões, reunindo em um só ponto toda a Cerâmica, está em
que, ao se estender a cidade para a velha Aldeia, deparavam-se os novos
moradores com o terreno coberto de vasos e fragmentos, abandonados outrora
pelos Índios. Para limparem os seus quintais, fosse por uma questão
simplesmente de asseio, fosse por um certo temor supersticioso em relação aos
objetos indígenas, que sabiam sempre ligados ao culto dos mortos, cavavam um
grande buraco e varriam para ele a Cerâmica espalhada na superfície. Por isso,
não raro se encontra assim concentrado, num mesmo ponto, o material
arqueológico; e por isso, em geral, já são os vasos achados completamente
fragmentados, embora se possam selecionar os pedaços capazes de permitir a
reconstituição de muitos deles.
Fora
desses bolsões, é sempre difícil se encontrar alguma coisa. Tive a atenção
primeiro despertada para isso quando, achando-me em Santarém, chegou-me a
notícia de que, no terreno ao fundo da barbearia, na rua 24 de Outubro, haviam
sido retirados alguns bonitos vasos de gargalo e cariátides. Fui imediatamente
até lá em companhia do meu amigo Paulo Rodrigues dos Santos, que conhecia o
barbeiro mas, infelizmente a dona da casa e as crianças, sem cuidado algum, já
tinham revolvido o bolsão e reduzido a cacos minúsculos e inúteis uma boa
dezena de peças, preocupadas que se achavam em retirar inteiras apenas as de
dois tipos – de gargalo e de cariátides – para as quais, pela sua beleza e
popularidade, sempre há compradores a bons preços.
Adquiri os
fragmentos e vasos encontrados e consegui licença para escavar o resto do
terreno. Fora do espaço limitado do bolsão que se situava num pequeno quadrado
entre a casa e o cercado do vizinho, não havia, entretanto, mais nada.
Um filão
desses é que Robert Brown deve ter explorado no terreno a que se refere, na Rua
Benjamin Constant. Se tivesse tido de inspecionar a área total, verificaria não
haver nem mais uma careta sequer.
Deduz-se
do exposto que, em Santarém-Aldeia, se torna impossível ou, pelo menos inútil
qualquer estratigrafia. O material, assim arrastado para os bolsões, acha-se
arbitrariamente misturado e comumente reúne, num mesmo nível, Cerâmica típica
dos Tapajó e outras também antigas mas dela bem diferenciadas pelo estilo, a
fragmentos de alguidares e bilhas de moderna olaria e até a cacos de pratos e xícaras
de porcelanas ou de garrafas de cerveja.
Da mesma
maneira, o que se encontra fora dos bolsões é sempre em terras pretas
secularmente revolvidas por serem consideradas preferenciais para a lavoura.
Pesquisas estratigráficas terão de ser orientadas com êxito, possivelmente,
para regiões adjacentes de Santarém, onde a vida civilizada ainda não se
desenvolveu tanto e onde as terras pretas, cobertas de árvores antigas, como,
no planalto, constatou Nimuendaju, talvez tenham sido menos trabalhadas para as
roças e conservem a Cerâmica nas camadas em que foi deixada pelos Índios.
É
inegável, contudo, que o abundante material recolhido em Santarém-Aldeia
oferece inestimável interesse para a tipologia e para melhor apreciação do
estilo tapajônico.
E foi por
assim pensar que resolvi destacar o conjunto de peças extraídas dos bolsões
referidos algumas que, pelo seu ineditismo, podem contribuir para aumentar os
elementos tipológicos, até aqui disponíveis, para o estudo de uma Cerâmica
ainda tão pouco divulgada e conhecida como é a de Santarém. (BARATA, 1954)
A maioria das peças e fragmentos de
Cerâmica santarena encontrados nos museus e coleções particulares têm sua
origem nas zonas de “terra preta”, ou
nos “bolsões”. A população, ainda
hoje, encontra e retira, sem qualquer cuidado, estes artefatos para vendê-los.
É a história e a cultura maravilhosa de um povo que, aos poucos, vai se
perdendo.
Comércio
Irregular de Relíquias Históricas
As relíquias arqueológicas de Santarém
correm perigo real e imediato. Comerciantes desonestos, donos das maiores lojas
de artesanato da Cidade e arredores, vendem, sem qualquer tipo de controle,
antiguidades aos turistas interessados. O comprador é conduzido até os fundos
das lojas onde tem acesso a um sem número de peças e fragmentos de Cerâmica da
cultura tapajônica. O comércio ilegal é abastecido sobretudo por achados
fortuitos em comunidades rurais ao redor de Santarém, na sua maioria pequenos
fragmentos, embora exista um tipo de tráfico, mais sofisticado, envolvendo
peças inteiras, como vasos, estatuetas de Cerâmica e os raríssimos Muiraquitãs.
Em reportagem, de 17.10.2005, a Folha de São Paulo flagrou venda de material
arqueológico nas lojas: “Muiraquitã”
e “Atmosphera Amazonica”. Os
comerciantes ofereceram ao repórter, na oportunidade, machados de pedra
pré-históricos de origem não-especificada.
Essas peças
passaram muito tempo na minha casa, sendo restauradas. Acabei vendo-as anos
depois na televisão.
(Laurimar Leal)
Em 2002, um casal identificado apenas
como Glória e Kiko, comprou em Santarém e revendeu duas estatuetas para a Cid
Collection, coleção arqueológica de Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos.
A Cid Collection chegou a contar com 1.200 peças pré-históricas, incluindo
diversos Muiraquitãs. O material foi confiscado após a quebra do Banco Santos e
está armazenado no galpão que ele mantém no Jaguaré, na Zona Oeste de SP.
A diferença entre o estado atual da
coleção e a época em que ela pertencia ao banqueiro é que agora parte das peças
correm risco de deterioração. Edemar deixou de pagar as contas de luz do
depósito e o ar condicionado parou de funcionar, colocando em risco a arte
plumária e os documentos que necessitam de climatização adequada. Por decisão
judicial, as obras deveriam estar no MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia) da
Universidade de SP. O galpão abriga cerca de 2.000 peças; uma outra parte da
coleção está guardada na casa do banqueiro.
A Cid Collection foi legalizada pelo
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2002, após
um acordo com Cid Ferreira. O IPHAN, que deveria zelar pelo patrimônio
arqueológico, tornou-se um aliado de Edemar, permitindo que as obras corressem
risco. O comércio ilegal e a destruição de sítios arqueológicos na região são
fortalecidos pela pobreza e ignorância da população e pelo descaso do poder
público.
Bibliografia
BARATA, Frederico. A Arte Oleira dos Tapajó III – Brasil – São Paulo,
SP – Revista do Museu Paulista, 1954.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Estratigrafia: trata da disposição física de
estratos num depósito geológico ou arqueológico e de seu estudo no que diz
respeito à sua formação, composição e distribuição. O estudo da estratigrafia
baseia-se nos princípios de sobreposição e que, numa sequência de deposição de
sedimentos, as camadas mais profundas são as mais antigas e as superficiais
mais novas.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
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