Terça-feira, 27 de abril de 2021 - 06h02
Bagé, 27.04.2021
Navegando o
Tapajós ‒ Parte XVII
Cerâmica Santarena IV
Márcio
Amaral o “Arqueólogo” Santareno
Ele sabe mais sobre
Cerâmica Santarena do que qualquer pessoa. Poucos dos meus estudantes de pós
têm o treinamento que ele tem. (Anna Roosevelt)
Márcio Amaral trabalha como jardineiro
e como vigia de um depósito mantido em Santarém pela arqueóloga Anna Roosevelt.
Amaral foi treinado por Roosevelt e chegou a ser coautor em um dos trabalhos
científicos da americana.
A equipe de Roosevelt é a única a
realizar escavações sistemáticas na Cidade, embora seus membros não residam em
Santarém.
Você vai perguntar:
Poxa, mas isso não é ilegal? Mas, já que o Estado não tem capacidade, eu, como
cidadão, tenho o dever de zelar pelo patrimônio.
(Márcio Amaral)
Amaral possui uma coleção particular
de fazer inveja ao pequeno Museu da Prefeitura de Santarém: fragmentos de
Cerâmica colorida e decorada, ídolos de barro e até mesmo Muiraquitãs. A
ausência de extensões do IPHAN ou do Museu Paraense Emílio Goeldi, na Cidade,
permitem que estas irregularidades se perpetuem.
Relatos
Pretéritos
Henry
Walter Bates (1851)
Bates chegou a Santarém, pela segunda
vez, em novembro de 1851 onde permaneceu por quase um ano. Em junho de 1852,
subiu o Rio Tapajós e penetrou, em 03.08.1852, no Rio Cupari, nosso velho
conhecido. O naturalista dedicou pouco de seu tempo aos artefatos de Cerâmica
e, mesmo assim, apenas aos relacionados à Cerâmica produzida pelos nativos
atuais.
Nas terras
baixas da mata, à beira do Rio, o solo é coberto por uma argila branca e dura,
que fornece ao povo de Santarém a matéria-prima para a feitura de potes de
barro e toscos utensílios de cozinha. Todo o vasilhame usado pelas classes mais
pobres da região, tais como chaleiras, frigideiras, cafeteiras, tachos, etc.,
bem como os fornos para torrar mandioca, são feitos dessa mesma argila, que é
encontrada regularmente em todo o Vale do Amazonas, desde os arredores do
Pará até as fronteiras do Peru, formando parte dos vastos lençóis de tabatinga.
Para os potes suportarem o calor do fogo, é misturada à argila a casca de uma
árvore chamada caripé, depois de queimada, o que dá resistência à Cerâmica. A
casca dessa árvore é encontrada à venda nas lojas da maioria das cidades,
acondicionada em cestos. (BATES)
Charles
Frederick Hartt (1870)
O material
arqueológico tem sido tão rico que tem sido difícil de analisar. Novas coleções
têm chegado constantemente, e o que eu pretendia que fosse um breve relato das
antiguidades do Baixo Amazonas, evoluiu para um grande volume sobre as
antiguidades de todo o Império.
Nesse
trabalho, agora bem avançado em direção à finalização, eu proponho não só
retratar e descrever os objetos que chegaram às minhas mãos, como artefatos de
pedra, Cerâmica, vestígios humanos, etc., mas dar descrições dos sambaquis,
cemitérios, inscrições rupestres, etc. (HARTT).
O geólogo Frederick Hartt, nos anos de
1870 e 1871, escavou o sambaqui de Taperinha a 40km de Santarém. A profundidade
da escavação foi de seis metros, e além de conchas, foram encontrados ossos
humanos, de peixes e Cerâmica. A Cerâmica, segundo Hartt, era:
Fabricada
de argila, contendo proporção considerável de areia muito grossa, sem caripé e
tendo a superfície relativamente lisa. Os fragmentos indicam que as vasilhas
tiveram pela maior parte a forma de taça com fundo bem arredondado. A margem é
muito simples, chanfrada do lado interno e um pouco virada para fora. Não são
lustrados nem pintados, e pela maior parte mostram-se inteiramente despidos de
ornamentações. Alguns pedaços, porém, apresentam riscos toscos do lado
exterior, logo abaixo da margem e indicando aparentemente tentativas de
decoração. (HARTT)
Hartt considerou que enorme quantidade
de conchas encontradas sugeria que a alimentação básica dos nativos de
Taperinha era feita de moluscos que, naquela época, eram abundantes e de fácil aquisição,
o que não ocorria no ano de sua viagem. Segundo ele:
Parece,
portanto provável que, depois de formado o sambaqui, tenha havido uma
importante mudança física na Bacia do Amazonas. A própria posição do depósito
torna mais provável esta hipótese.
Em vez de
estar situado em terrenos de aluvião nas margens do Paraná-mirim, este depósito
acha-se colocado a uma distância considerável do Rio, atrás de uma zona
pantanosa de travessia difícil e numa altura considerável acima do maior nível
das enchentes. (HARTT)
Hartt encontrou, também, a presença de
vestígios em Itaituba, Diamantina e em Pá-Pixuna, onde encontrou fragmentos de
Cerâmica em até 2 metros de profundidade. Considerou que a grande fertilidade
do solo nestas áreas motivou a vinda de grupos humanos para estes locais.
Em Pá-Pixuna, suas escavações
encontraram fragmentos de estatuetas e instrumentos de pedra. Hartt compara o
material encontrado nestes sítios com a Arte Marajoara, afirmando que são muito
diferentes e que a pintura:
[...] é
frequentemente lustrada com barro branco e pintada, mas não vi ornatos em
linhas pintadas ou gravadas como as de Marajó. (HARTT)
Hartt atribuiu a autoria dos objetos
encontrados aos Tapajó:
[...]
tribo foi encontrada pelos brancos na posse desta região, na época da primeira
descoberta, e que deu nome ao Rio. (HARTT)
João
Barbosa Rodrigues (1872)
A arqueologia é
hoje uma ciência, por isso nela tudo deve ser exato e preciso; os nomes criados
para seus monumentos devem perfeitamente caracterizá-los.
(Barbosa Rodrigues)
Barbosa Rodrigues foi designado pelo
Império para explorar as Bacias dos Rios Tapajós, Trombetas e Nhamundá onde
recolheu amostras e catalogou dados etnográficos. Em 1872, percorreu o Rio
Tapajós, elaborando o mais completo histórico até então, no qual mesclava suas
próprias pesquisas e observações com a de outros cronistas. Barbosa Rodrigues
encontrou machados, estatuetas, fragmentos de Cerâmica, trilhas escavadas nas
Serras e sambaquis.
Barbosa Rodrigues afirmava que os
artefatos líticos formavam um conjunto de “instrumentos
e armas de pedra”, e que ele era “o
primeiro que os estuda e descreve no Brasil”. Considerava-os como
verdadeiros “guias arqueológicos, que só
dão luz à etnografia” e classificou-os em “armas de guerra, utensílios de uso agrícola e doméstico e enfeites. Os
primeiros compõem-se de massas, de pontas de flecha e de uma espécie folha de
alabardes, e os outros, de machados, enxós, cunhas, mãos de pilão, mós, etc, e
os últimos, de Muiraquitãs”.
Ainda hoje, para
muitos, o Muiraquitã é uma pedra sagrada, tanto que o indivíduo que o traz no
pescoço, entrando em casa de algum tapuio, se disser: muyrakitan katu, é logo
muito bem recebido, respeitado e consegue tudo o que quer.
(Barbosa Rodrigues)
No Rio Tapajós, próximo à Cachoeira do
Buburé, encontrou um sítio que teria servido de oficina lítica; comparando os
sulcos nas pedras ao formato do corte dos machados, deduziu como eram
manufaturados estes objetos. Em relação aos artefatos “votivos” e enfeites como os Muiraquitãs, ele afirma que tinham a
finalidade de proteger os indígenas nos seus afazeres diários e nos combates.
Maurício
de Heriarte (1874)
[...]
pedras verdes, que os Índios chamam de Muiraquitãs e os estrangeiros do norte
estimam muito; e comumente se diz que estas pedras se lavram, neste Rio dos
Tapajós, de um barro verde, que se cria debaixo da água, e debaixo dela fazem
contas redondas e compridas, vasos para beber, assentos, pássaros, rãs e outras
figuras; e, tirando-o feito debaixo da água, ao ar, se endurece tal barro de
tal maneira que fica convertido em mui duríssima pedra verde; e é o melhor
contrato destes Índios e deles estimado. (HERIARTE)
O historiador Heriarte menciona a
adoração de corpos mumificados e destaca o apreço que os indígenas devotavam
aos Muiraquitãs, que era usado como elemento de troca e de dote matrimonial.
Curt
Nimuendaju (1923)
Curt Nimuendaju nasceu em Jena,
Alemanha, no dia 17.04.1883 e morreu brasileiro em 1945 em uma Aldeia Tikuna do
Alto Solimões. Naturalizou-se brasileiro em 1922. Conviveu com um grande número
de culturas nativas de todas as regiões do Brasil e, a respeito de sua formação
ele afirmava:
[...] não
tive instrução universitária de espécie alguma, vim ao Brasil em 1903, tinha
como residência permanente, até 1913, São Paulo, e depois Belém do Pará, e em
todo o resto foi, até hoje [1939], uma série ininterrupta de explorações
(NIMUENDAJU).
Foi batizado pelos Guaranis em 1906, e
com este nome, ganhava uma causa à qual dedicou-se intensamente como
indigenista e pesquisador privilegiado.
No seu artigo “Nimongaraí”, registrou a cerimônia de seu batismo indígena,
realizada em uma fria madrugada de dezembro e firmava um compromisso:
Avacauju,
que aliás também é médico-feiticeiro, levantou-se lentamente da rede, trocando
algumas palavras em voz baixa com Poñochi e a mulher deste. Em seguida, Poñochi
trouxe um banquinho com altura de apenas uma mão, encostou-o na parede e então
disse, apontando para mim: Eju eguapy! [Venha e sente-se]. Saí do poncho e fiz
como mandou. Poñochi tirou a canoa do seu esteio, pondo-se com isto ele do meu
lado direito e sua mulher do meu lado esquerdo. Avacauju ficou com o chocalho
na mão, calado por um momento na minha frente, como se tentasse lembrar em vão
do início, depois começou subitamente com seu canto, e imediatamente os demais
presentes entraram. Tremendo de frio, tive que aguentar o mesmo cantarejo. Avacauju,
infelizmente, era muito meticuloso. Ele me chocalhou deslocando-se por todos os
lados, cuidadosamente de um pé ao outro, parecendo querer me magnetizar com as
pontas de seus dedos esticados. Manteve seus olhos fixos em mim e o feitio do
seu rosto assumiu aquela expressão atormentada, estranhamente medrosa tão
própria dos médicos-feiticeiros indígenas, e que dá a impressão de que ele age
meio contra sua vontade, sob uma força sobrenatural. De repente, meteu as mãos
dentro da canoa e me umedeceu com água no peito e na testa, do mesmo modo como
fizera pouco antes com meu pequeno irmão. Avacauju também disse, nesse momento,
algumas palavras incompreensíveis, na maneira de falar, tanto no aspirar quanto
no expirar, que os médicos-feiticeiros usam nos seus procedimentos. Gravei
daquilo apenas a palavra carairamo ([1]).
Depois ele
recomeçou com outra melodia e devagar andamos em fila indiana em volta da
choupana: em frente Avacauju com o chocalho, depois Poñochi com a canoa, em
seguida eu e, por fim, a mulher de Poñochi que me segurava pelo pulso. Chegando
novamente ao nosso antigo lugar, assumimos a mesma posição, com a cena toda se
repetindo mais uma vez. Impacientemente, espiei através da parede de estacas,
reparando no Leste já os primeiros sinais do novo dia. Passada uma segunda
volta, Avacauju se pôs bem diante de mim e exclamou, hesitante e excitado, mas
em voz bem alta e clara: Muendaju ma nderey! Nandereyigua nde! Nandéva nderenoi
Nimuendaju! [Muendaju é teu nome! Tu fazes parte da nossa tribo! Os Guarani te
chamam Nimuendaju!]. E então, apontando para Poñochi e sua mulher: Cova-ma
ndeangá! [Eis teus parentes, quer dizer padrinhos de batizado]. Depois
recomeçou, para meu pavor, a cantar de cabeça erguida diante de mim, mantendo
as mãos sobre a minha cabeça, abençoando-me. Ainda demorou um bom tempo até que
ele, deixando os braços caírem, desse um passo atrás, ao que o canto cessou e a
cerimônia foi encerrada. (NIMUENDAJU)
Ele relata, fascinado, o achado de um
ídolo esculpido em uma pedra verde (nefrite):
A terra preta
em Cariacá produziu bons achados. Cariacá é uma pequena vila às margens de um
estreito Lago que conecta o Rio Amazonas e o Rio Tapajós. Durante minha curta
permanência nesta vila, eu coletei alguns artefatos arqueológicos da superfície
e, quando eu estava deixando a vila, Joaquim Motta, o homem que me hospedou,
saiu e foi para próximo do engenho perto de sua casa. Lá ele remexeu em uma
pilha de lixo e trouxe um vil e sujo pedaço de pedra [...].
Era um
ídolo extrema bonito, mas lamentavelmente fragmentado feito em uma pedra verde.
Ele tinha a forma de uma figura humana agachada, tendo as mãos sobre as
orelhas, com um pássaro apresando-o por trás e por cima. A cabeça do pássaro
foi quebrada e em toda a peça há arranhões feitos por alguma ferramenta. Se minhas
informações estiverem corretas, esse é o décimo ídolo já encontrado. Barbosa
Rodrigues ([2])
em seu trabalho “O Muyrakytã”,
desenhou e descreveu seis deles. Mais três foram descritos pelo Goeldi no “Congress of Americanists em Stuttgart”,
fotografando-os, juntamente com um mencionado por Barbosa Rodrigues, para as
suas não publicadas pranchas arqueológicas [Goeldi]. Todos esses ídolos
conhecidos até hoje foram feitos em steatite e serpentina; o que eu encontrei é
o primeiro e único feito de nephrite. (NIMUENDAJU)
Bibliografia
BATES,
Henry Walter Bates. Um Naturalista no
Rio Amazonas – Brasil – São Paulo, SP – Livraria Itatiaia Editora Ltda –
Editora da Universidade de São Paulo, 1979.
HARTT, Carlos
Frederico. A Origem da Arte ou a
Evolução da Ornamentação – Brasil – Rio de Janeiro, RJ
– Arquivos do Museu Nacional – Volume VI, 1885.
HERIARTE, Maurício
de. Descrição do Estado do Maranhão,
Pará, Corupá e Rio das Amazonas (1662–1667) – Brasil
‒ São Paulo, SP ‒ Editora Melhoramentos, 1946.
NIMUENDAJÚ, Curt. Nimongaraí: o Batismo Ritual de Nimuendajú – Brasil – Brasília, DF – Revista
Brasileira de Linguística Antropológica ‒ Volume 2, julho de 2010.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da Sociedade
de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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