Quarta-feira, 5 de maio de 2021 - 06h01
Bagé, 05.05.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte XXIII
Cerâmica Santarena X
Em
1839, o Major Antônio L. Monteiro Baena, no seu Ensaio Corográfico Sobre a
Província do Pará, faz um pequeno relato sobre a preparação do curare:
O veneno vegetal, de que se servem para
peçonhentar as ponta das flechas dos Murucuas e dos Curabis, é extraído de um
cipó chamado “uirari”, grosso,
escabroso e guarnecido de folhas parecidas com as da maniva. A sua manipulação
consiste em mascotar a casca, borrifá-la com água fria, destilá-la e fervê-la
ao lume até ficar o sumo espessado em ponto de linimento. Para aumentar a
energia do tóxico, adicionam-lhe sucos espremidos de outros cipós e vegetais
que sejam de natureza venenosos. (BAENA, 2004)
Marcelo
Coutinho Vargas (Professor adjunto do Departamento e do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFSCar) e Marcelo Fetz de Almeida
(Mestrando do PPGCSo/UFSCar) escreveram um interessante artigo a respeito do “curare” denominado “Biodiversidade, Conhecimento Tradicional e Direitos de Propriedade
Intelectual no Brasil: por uma abordagem transcultural compartilhada”. O
artigo, reproduzido abaixo, deixa claro que a ingestão oral do curare não gera
efeitos nocivos embora alguns pesquisadores defendam que pode ocorrer
intoxicação quando se ingere quantidades muito grandes e que a paralisia é sua
principal manifestação:
A presa envenenada por curare tem sua morte
causada por asfixia, uma vez que este provoca o relaxamento e a paralisia dos
músculos esqueléticos associados à respiração. Contudo, o veneno somente funciona se inoculado diretamente no sangue, não
gerando efeitos nocivos ao ser ingerido por via oral. Durante o envenenamento
por curare, conforme observado por Benjamin Brodie, em 1811, o coração da presa
continua a bater, mesmo quando a respiração cessa, o que significa que a função
cardíaca não é bloqueada pelo curare. O horror do envenenamento por curare
estaria no fato de a vítima permanecer consciente, sentindo a paralisia
tomar-lhe conta progressivamente de todo o corpo. Os principais elementos
químicos do curare são alcaloides que afetam a transmissão neuromuscular. Entre
estes alcaloides, o mais comum é a curarina e a tubocurarina. Isolada em 1897,
sua forma cristalina só foi obtida a partir de 1935, passando a ser
comercializada com os nomes de Tubarine, Metubine Iodine, Tubadil, Mecostrin,
Atracurium e Vecuronium, indicados como relaxante muscular.
Sua utilização como anestésico teria início
apenas em 1943, quatro anos depois que o princípio ativo da d-tubocurarine foi
isolado. As drogas derivadas desta substância são utilizadas como um poderoso
relaxante de músculos esqueléticos durante cirurgias “de peito aberto”, especialmente as cardíacas, para controlar
possíveis convulsões. (VARGAS & ALMEIDA)
Nimuendaju
afirmou categoricamente que o veneno usado nas flechas dos Tapajós não era o
curare, pois os efeitos registrados eram muito diversos dos provocados por ele.
O Padre Bettendorf confirmava esta teoria informando que os Tapajó adicionavam veneno aos alimentos para eliminar pessoas
indesejáveis.
Como
já citamos anteriormente, a ingestão oral de curare não gera nenhum efeito
nocivo, qual seria, portanto, o veneno usado pelos temidos Tapajó?
LIVRO
IV
Levantamento do povo do Maranhão e Pará
contra os padres da Companhia de Jesus, enquanto se instituiu a missão do Rio
das Amazonas com missionários e residência em os Tapajó
CAPÍTULO
III
Breve relação do que obrei pelos
Tapajó, antes do levantamento do Pará chegar até lá
Os vassalos do Principal foram se casando à
imitação do exemplo que lhes dera; um só Sargento-Mor havia por nome Tuxiapó, o
qual estando amancebado com uma gentia, a não queria largar e ia ameaçando
feramente a quem se atrevesse de lha querer tirar.
João Corrêa, ainda que esforçado português,
tinha medo dele, e já não queria comer as pacovas ([1]) que
vinham de sua casa pelo medo que tinha de ser
morto com peçonha, muito usada entre os Tapajó; zombei disso, e vindo me falar nisso
lhe disse que se não queria comer as pacovas as mandasse a mim e a meu rapaz: e
fiz tanto com o Sargento-Mor que finalmente tocado de uma especial graça do
Senhor se rendeu ao que se lhe pedia.
Com isso instruí a manceba em os artigos de
nossa Santa Fé e batizei-a, dando-lhe por nome Luzia o finalmente a casei com o
dito Sargento-Mor ([2])
Tuxiapó. (BETTENDORF)
Garcia
Soria, da equipe de Orellana, morreu quase um dia depois de ser atingido por
uma flecha Tapajó. Este veneno, utilizado por diversas tribos amazônicas,
advinha da secreção de pequenas rãs venenosas. Algumas delas, com o passar do
tempo e privadas de seus alimentos altamente tóxicos perdem, pouco a pouco, sua
letalidade e isto justificaria a longa agonia de Garcia de Soria. A preparação
do curare, por sua vez, obedecia a um processo secular, rígido e uniforme
perfeitamente dominado pelos Pajés e de eficácia comprovada quando em contato
com o sangue.
No final das contas, escapamos quase sem
problemas, ainda que tenha sido morto outro companheiro nosso chamado Garcia de
Soria, natural de Logronho. Na verdade não lhe entrou a flecha meio dedo, mas
como estava já com peçonha, não suportou nem vinte e quatro horas e rendeu a
alma a Nosso senhor. (CARVAJAL)
Muiraquitãs
Desde
a colonização, foram encontrados objetos manufaturados com pedras verdes no
Norte do Brasil. Estes pequenos pingentes imitando, na sua maioria, batráquios
fascinaram os pesquisadores nacionais e estrangeiros.
Osvaldo Orico (1937)
É uma das crendices mais interessantes da
planície este pequeno amuleto de jade, que Barbosa Rodrigues celebrou em uma de
suas obras, com um pouco de fantasia, talvez, mas com edificante e curiosa
contribuição. Em torno do maravilhoso artefato que a paciência de naturalistas
ilustres andou catando pelo Baixo Amazonas e localizou nas praias de Óbidos e
na embocadura do Nhamundá e Tapajós, correm as lendas mais desencontradas e as
revelações mais contraditórias. De todas elas, porém, a que mais caracteriza a
pedra verde da Amazônia é a que apresenta como lembrança das Icamiabas,
mulheres sem marido, aos homens que lhes fazia uma visita anual.
A tradição adornou esse ato de galas e de
festas, vestiu essa visitação de romantismo e de enlevo. Graças a isso,
convencionou-se que as tribos de mulheres, nas noites de luar, colhiam no fundo
do Lago as pedras ainda umedecidas e moles, lavrando-as sob diversas formas e
dando-lhe feitios de batráquios, serpentes, quelônios, bicos, chifres,
focinhos, conforme nos apresentam os estudos de Ladislau Neto e Barbosa
Rodrigues. Tempo houve em que era fácil o comércio desse amuleto. As pedras
foram, porém, escasseando, constituindo hoje uma raridade tanto mais desejada,
quanto se lhes atribui a virtude de favorecer ao seu possuidor a aquisição de
coisas imponderáveis como a felicidade, o bem-estar, o amor e outras prendas
furtivas. Ainda hoje, para muitos, o Muiraquitã é uma pedra sagrada – escreve
Barbosa Rodrigues, – tanto que o indivíduo que o traz no pescoço, entrando em
casa de algum tapuio, se disser: “muyrakitan
katu”, é logo muito bem recebido, respeitado e consegue tudo o que quer.
(ORICO)
Charles-Marie de La Condamine (1743)
É entre os Tapajó que se acham hoje, mais
facilmente, dessas pedras verdes, conhecidas pelo nome de pedras das Amazonas,
cuja origem se ignora, e que foram tão procuradas outrora, por causa da virtude
que se lhes atribuía para curar a “pedra”
a cólica nefrítica e a epilepsia. Houve um tratado impresso sob a denominação
de Pedra Divina.
A verdade é que elas não diferem, nem na
cor nem na dureza, do jade Oriental: resistem à lima, e ninguém imagina por
qual artifício os antigos americanos a talhavam, e lhes davam diversas
configurações de animais. Foi, sem dúvida, o que deu lugar a uma fábula digna
de refutar-se.
Acreditou-se muito a sério que tal pedra
não era mais que o limo do Rio, ao qual se dava a forma requerida,
petrificando-o quando era tirado ainda fresco, e que adquiria ao ar esta dureza
extrema. Quando se concordasse gratuitamente com semelhante maravilha, de que
alguns crédulos não se desenganaram senão depois de ter experimentado
inutilmente um processo tão simples, restaria outro problema da mesma espécie a
propor aos lapidários.
São as esmeraldas arredondadas, polidas e
furadas por dois buracos cônicos, diametralmente opostos num eixo comum, tais
como ainda hoje se encontram no Peru, nas margens do Rio de Santiago, na
Província das Esmeraldas, a quarenta léguas de Quito, com diversos outros
monumentos da indústria de seus antigos habitantes. Quanto às pedras verdes,
elas se tornam cada vez mais raras, já porque os Índios, que lhes dão grande
importância, delas se não desfazem de boa vontade, já porque grande número
delas foi enviado à Europa. (CONDAMINE)
Os
Muiraquitãs foram encontrados nas Bacias dos Rios Tapajós, Trombetas e
Nhamundá, mas a maior parte foi encontrada na Bacia do Rio Tapajós onde
habitavam os Tapajó. A maioria dos artefatos representava pequenos batráquios o
que nos leva a acreditar que os Tapajó ou outros povos antes deles estavam homenageando
o animal que garantia sua supremacia guerreira, a rã venenosa.
A
secreção era usada nas pontas das flechas e lanças e, provavelmente, como ainda
hoje o fazem algumas etnias em rituais místicos e de cura. A espécie
responsável pela hegemonia bélica dos Tapajó jamais será descoberta. Novas
espécies são descobertas e catalogadas enquanto outras são levadas à extinção
por diversos fatores.
Vacina do Sapo – Aplicação Medicinal
A
aplicação das secreções produzidas pela Phyllomedusa bicolor (rã Kambo) é
conhecida popularmente como Vacina do Sapo. O paciente é queimado com um cipó
nos braços ou nas pernas, sobre estes pontos se aplica o veneno que desta
maneira atinge a corrente sanguínea. Os indígenas acham que a “vacina” possa acabar com a má sorte na
caça ou na pesca e afastar os espíritos que causam doenças. As substâncias
contidas na secreção da rã Kambo não são venenosas, causando, porém, diarreia,
vômitos e taquicardia. A vacina fazia parte do conhecimento ancestral dos
katukinas, do Acre. O seringueiro Francisco Gomes Muniz que convivera muito
tempo com os katukinas aprendeu a aplicar a vacina e a identificar a rã. Ao
regressar para a Cidade, na década de sessenta (1960-1969), foi o precursor da
aplicação da vacina entre os não-Índios. Desde então o “remédio” ganhou os centros urbanos do país.
Terribilis Phyllobates
Nem
sempre estas secreções são inócuas ou benéficas como é o caso da mais mortífera
de todas as rãs. A rã-flecha amarela ou rã amarela venenosa (Terribilis
Phyllobates) é endêmica da costa do Pacífico da Colômbia e é considerada como
um dos animais mais venenosos do planeta. O veneno da rã-flecha,
batraquiotoxinas, bloqueia a transmissão dos impulsos nervosos podendo levar à
insuficiência cardíaca ou fibrilação. O veneno, alojado em glândulas sob a pele
dessa rã, pode ser armazenado durante anos, mesmo que ela seja privada do
alimento que seja fonte dessas toxinas. Alguns pesquisadores acham que a
criatura que transmite os alcaloides assassinos para a rã é um besouro da
família Melyridae.
Os
indígenas Emberá Choco, da Colômbia, usam seu veneno nas flechas para caçar. Os
Emberá prendem a rã pelas patas e aproximam, cuidadosamente, uma fonte de calor
até que ela exale seu líquido venenoso. As pontas das flechas embebidas no
líquido mantêm o seu efeito mortífero por mais de dois anos.
Bibliografia
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Ensaio Chorographico Sobre a Província do Pará (1839) – Brasil –
Brasília, DF – Editora do Senado Federal, 2004.
BETTENDORF, Padre João Filipe. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no
Estado do Maranhão – Brasil – Brasília, DF – Edições do Senado Federal,
2010.
CARVAJAL, Gaspar de. Relatório do Novo Descobrimento do Famoso
Rio Grande Descoberto pelo Capitão Francisco de Orellana – Brasil – São Paulo, SP –
Consejería de Educación – Embajada de España – Editorial Scritta, 1992.
CONDAMINE, Charles-Marie de La. Viagem na América Meridional Descendo o Rio
das Amazonas – Brasil – Brasília, DF – Editora do Senado Federal, 2000.
ORICO, Osvaldo. Vocabulário de crendices Amazônicas –
Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional, 1937
VARGAS & ALMEIDA - Marcelo Coutinho Vargas &
Marcelo Fetz de Almeida. Biodiversidade,
Conhecimento Tradicional E Direitos De Propriedade Intelectual No Brasil: Por
Uma Abordagem Transcultural Compartilhada – Brasil – São Carlos, SP –
Revista de Ciência Política (digital), 2006.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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