Sexta-feira, 2 de julho de 2021 - 06h00
Bagé, 02.07.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXI
Fazenda S. João ‒ Descalvados – I
O meu intuito não foi apenas o de dar
uma demonstração de afeto ao General Rondon, de quem me honro de ser amigo.
Quis chamar a atenção do grande público francês para a importância da sua obra,
quer sob o ponto de vista brasileiro, quer sob o que diz respeita ao
conhecimento científico do Universo. Ao mesmo tempo, transmiti à Sociedade
Geográfica de França o relatório completo das diversas obras por ele
publicadas, com documentos complementares que permitirão apreciar a extensão
dos serviços que prestou à causa geral da Humanidade.
(General Maurice Gustave Gamelin)
17.08.2017:
Partimos, às 05h30, de Porto Jofre, rumo à Foz do Rio Cuiabá. A viagem
transcorreu sem grandes alterações a não ser um ligeiro encalhe em um banco de
areia facilmente transposto pela tripulação.
Acampamos na Boca do Cuiabá, por volta
das 18h00, (17°52’27,5” S / 57°28’51” O) tendo como pano de fundo a majestosa
Serra do Amolar.
Única pelo seu tamanho porque está no
interior do continente e pela diversidade de domínios da natureza.
(Aziz Ab’Saber)
A Serra do
Amolar, além de moldar o Rio Paraguai a seu bel prazer, bloqueia, sufoca a
enorme massa líquida da “planície
inundável” ([1]),
dando origem às Baías do Burro e Infinita e a três colossais Lagoas Mandioré,
Gaíva e Lagoa Uberaba.
É difícil descrever o que sentimos ao
percorrer estes fluídos caminhos, este imenso mosaico aquático que se tinge,
que se metamorfoseia a cada dia como se o Patrão Maior do Universo estivesse a
ensinar jovens querubins a aperfeiçoar a arte da aquarela.
Pinçando uma das Facetas Aprazíveis do
Pantanal
(Ramão Garcia)
O Pantanal é a própria poesia do grande Universo da
perplexidade, onde o singular surge e o inalterável acontece. É como se a garça
cantasse a delirante sinfonia do bando. Quando elas se aconchegam
pantaneiramente e o pantaneiro se extasia diante do brilho da pintura especial
do quadro de grandeza e todo enlevo com que a natureza presenteia o colibri, no
delírio invulgar de sua estática posição junto às flores nos jardins. É como se
o cisne fizesse ouvi-lo na corte, empenhado com sua bela fêmea, no emoldurado
postal no passeio do Lago. No garboso desfile com a amada, um grande elo das
próprias origens, numa demonstração viva e cristalina da nobreza. A arrogância
lhe dá ares incontestes de imperialismo. Natural! Inclinado mais nesse namoro
para ver-se cortejado, do que tentar fazê-lo, esse rolar de amores, aguardando
nessa postura real a linda jovem acompanhante a conquistá-lo.
É a nossa dedução da divina tela, no balé dos cisnes nas
águas dos Lagos ou das garças no pantanal, ou ainda do colibri, na horizontal,
beijando as flores, em instantes indescritíveis, que, pacificamente, é
alto-relevo. Como aprimorá-lo? Como aprimorá-lo?
Para mim e o pantaneiro, é a poesia, patente na nudez
cristalina desses inadiáveis instantes, aos olhos da alma e das frases que se
coadunam, pela fantasia natural da inspiração, retratando a sensibilidade e a harmonia
na condução de uma aquarela, na pintura desse cenário, que a natureza nos deu e
orquestração sinfônica que surge nesse inusitado estado, como que adorno
primoroso para o quadro que tentamos pintar, ou, ainda, que seja a própria
moldura. Mas o quadro, tentamos proclamá-lo – mas o quadro, tentamos
proclamá-lo.
Durante a viagem o Dr. Marc Meyers
comentou que Esther de Viveiros, no livro “Rondon
Conta sua Vida”, afirmara que a Expedição, da Foz do Cuiabá, teria descido
o Rio Paraguai até Corumbá e, depois, trocado de embarcação rumo à S. Luiz de
Cáceres.
Como estava envolvido no planejamento
para a “Descida do Rio Acre”, em
setembro, eu não tivera tempo de me preparar adequadamente para esta etapa da
Expedição Centenária, consultando os relatos pretéritos dos participantes da
Expedição Científica, e prometi ao amigo que me debruçaria sobre o problema tão
logo concluísse minhas missões ‒ o que só aconteceria no mês de novembro.
Relata Esther de Viveiros:
Atingimos no dia
seguinte ([2])
a confluência do São Lourenço ([3])
com o Paraguai, retomando o rumo que fora abandonado pela visita às duas
fazendas. [...] Um dia mais e chegávamos a
Corumbá ([4]). Seguimos, então,
em um dos pequenos vapores que faziam as linhas
Corumbá-São Luís de Cáceres e Corumbá-Cuiabá.
(VIVEIROS)
Os capítulos denominados “Expedição Científica Roosevelt-Rondon – A, B
e C” do livro de Viveiros foram baseados, também, no original, em inglês, “Through the Brazilian Wilderness” de
Theodore Roosevelt, que foi editado pela primeira vez em dezembro de 1914.
Parece que o equivocado parágrafo em que a autora advoga que a Expedição
Científica da Foz do Cuiabá retornou à Corumbá levou em conta apenas um
parágrafo, fora de contexto, da obra de Roosevelt sem que a autora tivesse a preocupação
de checar sua afirmação com o relato de outros expedicionários. Vejamos o que
dizem eles:
02.01.1914
Roosevelt
No dia imediato descemos o
São Lourenço até sua junção com o Paraguai e mais uma vez começamos a subir este último.
[...]
Cinco parágrafos adiante, Roosevelt
faz um comentário a respeito da dificuldades de se navegar neste trecho devido
ao calado das embarcações:
A confluência do S.
Lourenço e do Paraguai fica a um dia de viagem acima de Corumbá, de onde parte um serviço regular com vapores de pequeno calado para Cuiabá, acima do primeiro entroncamento, e para São
Luiz de Cáceres, acima da segunda bifurcação. Os vapores não têm grande
força e a viagem para cada uma dessas pequenas cidades dura uma semana. Há
outras ramificações navegáveis. Acima de Cuiabá e Cáceres, as lanchas
prosseguem rio acima em vários dias de viagem, exceto na estiagem. (ROOSEVELT)
Não apenas Theodore Roosevelt, foi
muito claro que a Expedição subiu o Paraguai, a partir da Foz do Cuiabá, mas,
também, Rondon, Magalhães e o Comandante Pereira da Cunha:
Rondon
Depois da trabalhosa e
improfícua jornada de 1° de janeiro, descemos o S. Lourenço ([5])
e entramos de novo no Rio Paraguai tomando o
rumo de S. Luiz de Cáceres, águas acima.
(RONDON)
Magalhães
Efetuadas estas ([6]),
regressou o “Nyoac” a 02 de janeiro de 1914, descendo o Rio
S. Lourenço ([7]) e
passando a subir o Rio Paraguai, às 19h15,
em demanda de S. Luís de Cáceres, aonde chegamos às 17h30 do dia 05 do mesmo
mês. (MAGALHÃES, 1916)
Cunha
Descemos com o “Nyoac” até um bom pouso, e, ao clarear
do dia seguinte ([8]),
começamos a descer o Rio, desta vez com intenção de retornarmos ao Rio
Paraguai, pelo qual deveríamos subir ainda
muito. Com duas horas de viagem encontramos o Cuiabá, em cuja Foz nos
despedimos dos companheiros que, seguindo na lancha, deveriam voltar à Fazenda
S. João; algum tempo depois, atracávamos em S. José Velho, donde, depois de
alguma demora, largamos águas abaixo até que, depois de navegarmos todo o dia, entramos, às
19h00, no caudaloso Paraguai. (CUNHA)
18 a 20.08.2017:
A navegação diuturna foi um desafio para nossos três piloteiros que se
revezavam na condução do “Calypso”
por aquele intrincado dédalo fluvial. Infelizmente a navegação noturna
privou-nos de poder admirar e documentar grande parte das paisagens únicas
daquele colossal paraíso das águas e berço de uma das mais ricas faunas do
planeta, tanto em variedade como em quantidade. Na madrugada de 20.08.2017,
passamos por Descalvados e, embarcados na “Fênix
VI”, O Dr. Marc, eu e os Coronéis Francisco e Angonese fomos visitar suas
instalações. Ao percorrermos as instalações históricas sentimos uma compulsão
quase incontrolável de adentrar nas históricas instalações, onde tinham
pernoitado há cem anos o Ex-presidente Roosevelt e o então Coronel Rondon, mas
não tínhamos autorização e isto caracterizaria invasão de propriedade privada.
Minha educação familiar não me
permitiria tal atitude. A formação recebida na caserna apenas reforçava aquilo
que aprendera de meus pais, como dizia o então Capitão Wantuil Ferreira de
Camargo, comandante da 2ª Companhia do Curso Básico da Academia Militar das
Agulhas Negras – “Aqui não corrigimos
Defeitos, apenas aprimoramos Virtudes”.
Aqueles que tiveram o privilégio de
dar os primeiros passos no caminho da honra e do dever com seus progenitores
sabem do que estou falando. Sou do tempo em que a palavra de um Homem valia
mais do que qualquer documento oficial e que um compromisso assumido era
honrado a qualquer custo. Devemos cumprir aquilo que determina o respeito ao
nosso próximo em qualquer circunstância, principalmente quando
não estamos sendo vigiados ou observados.
Só adentramos às Centenárias instalações depois que o caseiro Jéferson acordou
e nos acompanhou na visita. Vamos dedicar o próximo capítulo somente aos
Descalvados e por isso mesmo me abstenho de me alongar mais sobre o tema.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s
https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24
https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA, Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três Semanas em Companhia de Th.
Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Francisco Alves, 1922.
MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo
n° 5 – Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon –
Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Papelaria
Macedo, 1916.
RONDON, Cândido Mariano da Silva.
Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel
Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os
Trabalhos da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil
‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C.,
1916.
ROOSEVELT, Theodore. Através do
Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora
Nacional, 1944.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
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