Terça-feira, 6 de julho de 2021 - 06h02
Bagé, 06.07.2021
Expedição
Centenária Roosevelt-Rondon
1ª Parte – XXXIII
Fazenda S. João ‒
Descalvados – III
Relatos
Pretéritos: Descalvados
Barão
de Melgaço (1870)
Descalvado:
Pequeno monte, cujo cume é destituído de terra vegetal; termina a cordilheira,
que margeia pela esquerda o Alto Paraguai até à Latitude de 16°42’. Coisa de 8
ou 10 quilômetros abaixo, existiu na oposta margem um destacamento, que
impropriamente chamou-se também do Descalvado.
Agora há aí o primeiro
saladeiro que formou-se na Província [1875]. (RIHGB - XLVII - II, 1884)
Rondon
(04.01.1914)
Nesta tarde de 04 de janeiro, fundeávamos no porto da
Fazenda do Descalvado, atual propriedade do Sr. Farquahr, que a adquiriu do
Sindicato Belga “Produits Cibils” há,
pouco mais ou menos, dois anos. O seu primeiro proprietário formou-a com o
auxílio dos índios Bororos da Campanha, e nos seus campos, de mais de 200
léguas quadradas ([1]),
existiram cerca de 600 mil rezes, das quais, dizem, algumas vieram tocadas da
Fazenda Nacional de Caiçara.
Aliás,
arrebanhar gado de propriedade do Governo constitui profissão, não só rendosa,
mas sobretudo pacífica, de brasileiros e até de bolivianos, difícil, só era
tirar alguns bois de estabelecimentos particulares porque a isso se dava o nome
de roubo e quem o praticava era chamado ladrão e como tal tratado.
Por morte do opulento
proprietário, os seus herdeiros venderam o Descalvado, como coisa de somenos
valor, à firma comercial Cibils & Cia., da República Argentina, e essa
firma revendeu-o ao já aludido Sindicato, do qual fez parte o Rei Leopoldo.
Os belgas exploraram os
rebanhos da enorme fazenda durante 30 anos, matando sem método nem escolha, todas
as rezes que vinham no rodeio; ainda assim, não conseguiram extinguir a
criação: reduziram-na a menos de 100 mil cabeças. Os novos proprietários
projetam continuar a indústria da fabricação do extrato líquido de carne, que
era dos belgas; mas, por enquanto, estão repovoando os campos.
Aí, o Sr. Roosevelt teve
carinhosa recepção dos seus patrícios, o administrador do estabelecimento e um
cowboy do Texas, encarregado de superintender o serviço dos campeiros, quase
todos de nacionalidade paraguaia. (RONDON)
Pereira
da Cunha (04.01.1914)
Antes das 16h00 desse
mesmo dia 04, atracávamos ao
trapiche de madeira da enorme fazenda “Descalvados”
([2]),
na margem direita do Paraguai, com mais de duzentas léguas quadradas, e
sessenta mil cabeças de gado.
Apesar do
fundo dessa fazenda ser linha de limite com a Bolívia, pertence ela ao
estrangeiro – a “Brazil Land Cattle and
Packing Company”, ‒ que, por sua vez, a comprou de uma companhia belga, que
aí fabricava extrato de carne.
Esse colosso possuía
quinhentas mil cabeças de gado, mas, os Belgas, no afã de fabricar o seu
produto, estúpida e criminosamente, abatiam tudo quanto repontava o rodeio, sem
olharem sexo nem idade, juntava-se a isto o roubo que, constantemente,
praticavam na fronteira da Bolívia, e que, segundo nos informaram o
administrador e outras pessoas, chegava a ser de mil cabeças por mês; pois,
ainda assim, após trinta anos de domínio belga e manutenção de tal “regímen”, a nova companhia encontrou
sessenta mil cabeças, que não serão facilmente dizimadas, pois que, além de não
prosseguirem na matança estúpida, mantêm os novos proprietários, segundo
ouvimos, uma polícia ativa e numerosa, e capaz de evitar a continuação dos
roubos.
Nessa colossal fazenda
vimos pilhas de couros de onça, na maioria mortas pelos índios Guatós, mas,
outras pilhas de couros seguiam-se às de couros de onça, e eram essas
fornecidas pelos cervos, cuja matança bárbara e destruidora vai a mais de mil
animais por ano! (CUNHA)
Roosevelt
(04.01.1914)
Uma tarde paramos na sede
ou Quartel General de uma das fazendas longínquas da “Brasil Land an Cattle Company”, do sindicato Farquahar, sob a
direção de Murdo Mackenzie – não temos nos Estados Unidos cidadão melhor, nem
mais competente criador de gado do que ele.
Naquela fazenda existiam
umas 70 mil cabeças de gado. Fomos cordialmente recebidos por Mclean,
administrador da Fazenda, e por seu auxiliar Ramsey, um meu velho amigo do
Texas. Entre os outros auxiliares, todos igualmente cordiais, havia vários
belgas e franceses. Os trabalhadores eram paraguaios e brasileiros e, em
pequeno número, índios ‒ um grupo de homens destemidos, sempre armados e
sabendo como usar suas armas, porque há frequentes conflitos com ladrões de
gado, que vêm através da fronteira boliviana, e a Fazenda tem de se proteger
por si mesma. Esses vaqueiros eram do tipo a que já nos habituáramos: homens
magros, de pele tisnada, mal-encarados, chapéus quebrados na testa, camisa e
calça surradas, aventais de couro franjado e pesadas esporas nos pés descalços.
São cavaleiros e laçadores magníficos e não temem homens nem feras. Notei um
vaqueiro índio, de pé, na atitude exata de um Shilluk do Nilo Branco, com a
sola de um pé apoiada na outra perna, acima do joelho. Aquela região oferece
extraordinárias possibilidades para a criação de gado.
Na fazenda, havia curtume,
matadouro, seção de enlatamento, capela e edificações de várias espécies e com
todos os graus de conforto para as 30 ou 40 famílias que tinham o local como
seu Quartel General. A bela casa branca, de dois andares, erguia-se entre
limoeiros e flamboyants na beira do Rio. Havia toda sorte de bichos
domesticados em torno da casa. O mais interessante era um veadinho malhado que
gostava de ser acariciado. Meia dúzia de mutuns de espécies várias passeavam
pelas salas; havia também papagaios de diferentes espécies e, logo fora da
casa, quatro ou cinco garças, com as asas não aparadas, deixavam que nos
aproximássemos até poucos palmos de distância, voando então graciosamente para
longe; mas voltavam pouco depois ao mesmo lugar.
Entre elas notavam-se
pequenas e grandes garças brancas e também as de cor arroxeada e pérola, com a
cabeça em parte preta e o bico multicor, que voam com um rápido voo picado, em
vez do usual bater de asas compassado das garças. No depósito, notavam-se
dúzias de peles de onças, pumas, gatos bravos, jaguatiricas, e uma pele do
grande lobo vermelho de dentes miúdos. Eram todas trazidas pelos vaqueiros e
índios amigos, pagando-se-lhes determinado preço por cada uma, pois devastavam
o gado. As onças matavam cavalos e vacas adultas, mas não os touros. Os pumas
matavam novilhos. Os outros animais vitimavam ocasionalmente algum bezerro
novo, mas ordinariamente só atacavam carneiros, leitões e galinhas. Havia um
couro de onça preta; o melanismo é muito mais comum entre os jaguares do que
entre os pumas; não obstante, Miller vira um puma preto morto por um índio.
Filmete
https://www.youtube.com/watch?v=_fCg7y98JIU
https://www.youtube.com/watch?v=GPT99KsJjD8&t=38s
https://www.youtube.com/watch?v=z6sVrma9a24
https://www.youtube.com/watch?v=zlPfAYWRGpA&t=18s
Bibliografia
CUNHA, Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três Semanas em Companhia de Th.
Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Livraria Francisco Alves, 1922.
RIHGB XLVII ‒ II, 1884.
Apontamentos Para o Dicionário Corográfico da Província de Mato Grosso pelo
Barão de Melgaço – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – RIHGB, Tomo XLVII, Parte
II, 1884.
RONDON, Cândido Mariano da Silva.
Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel
Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os
Trabalhos da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica ‒ Brasil
‒ Rio de Janeiro, RJ – Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C.,
1916.
ROOSEVELT, Theodore. Através do
Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora
Nacional, 1944.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel
de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador,
Escritor e Colunista;
·
Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do Departamento
de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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